Ontem [4 de maio de 2025], Donald Trump anunciou um plano para impor uma tarifa de 100% sobre todos os filmes produzidos no exterior. Ele alegou que os incentivos fiscais internacionais estavam drenando produções americanas do território dos EUA e acusou outras nações de praticarem sabotagem econômica e propaganda cultural. Em sua postagem no Truth Social, ele escreveu:
“Queremos filmes feitos na América, de novo!”
A declaração acendeu o debate sobre um tema que a indústria raramente enfrentou de forma direta. Afinal, o que realmente significa um filme ser feito na América? Trata-se do local onde as câmeras gravam, de onde vem o dinheiro ou de quem controla a visão criativa? E quantos dos chamados filmes de Hollywood realmente passariam nesse teste, se fosse imposto?
A produção cinematográfica se tornou uma das indústrias mais globalizadas do mundo. Equipes, financiamento, efeitos visuais, pós-produção e até atores cruzam fronteiras com frequência. Muitos filmes americanos são gravados no Canadá, no Reino Unido ou na Austrália. E, embora a proposta de Trump pressuponha uma linha clara entre o que é estrangeiro e o que é doméstico, a realidade atual da indústria cinematográfica é muito mais difusa.
Vamos ver o que os dados podem revelar sobre onde esses filmes são realmente feitos — e quais fatores qualquer sistema de tarifas americano teria que enfrentar.
Quantos filmes são feitos na América?
A expressão “feito na América” parece simples, mas é difícil de definir para a maioria dos grandes filmes. Se usarmos o país de origem informado pelo IMDb, cerca de um terço dos filmes de longa-metragem produzidos globalmente desde o ano 2000 poderiam ser classificados como americanos.
Se você focar somente nos filmes feitos pelos grandes estúdios americanos, então o percentual aumenta para 4 em 5 (87% em 2024)No entanto, não é tão simples quanto dizer “americano ou não”. Isso porque:
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Os filmes normalmente têm múltiplos países de origem. Muitos filmes hoje são coproduções entre dois ou mais países. Isso permite acesso a múltiplos incentivos fiscais, fontes de financiamento e mercados de distribuição.
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Não existe um sistema para rastrear isso. Não há um banco de dados universal ou um framework que defina ou verifique oficialmente a identidade nacional de um filme. O IMDb permite que os produtores informem os dados por conta própria, enquanto premiações, festivais e fundos nacionais aplicam seus próprios critérios. Esses sistemas frequentemente entram em conflito, levando a respostas diferentes dependendo de quem pergunta e por quê.
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Uma cadeia de produção global. Os filmes são feitos por meio de uma cadeia de produção internacional. Assim como na indústria de manufatura, o cinema hoje depende de uma cadeia de suprimentos global, e não de um único ponto de origem.
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As plataformas de streaming borram ainda mais as fronteiras. Streamings globais como Netflix e Amazon frequentemente encomendam filmes sem um país de origem claramente definido. Um projeto pode ser desenvolvido em Los Angeles, produzido por uma empresa britânica, filmado na Espanha e divulgado como “conteúdo internacional”.
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Estúdios americanos financiam regularmente filmes não americanos. Estúdios de Hollywood frequentemente financiam, produzem ou distribuem filmes que não são de origem americana. Isso inclui dramas prestigiados voltados para a temporada de premiações, coproduções internacionais ou conteúdos em língua local voltados para mercados estrangeiros.
Como determinar de onde é um filme?
Qualquer tarifa exigiria que os filmes tivessem uma identidade nacional claramente definida. Atualmente, os Estados Unidos não possuem uma definição formal do que torna um filme americano. Não existe um processo de certificação, nenhum critério mínimo de conteúdo doméstico, nem uma agência única responsável por determinar o status nacional de um filme.
O termo “nacionalidade” pode significar coisas diferentes, dependendo de quem pergunta e do que está em jogo. Festivais, premiações, agências de financiamento e o próprio público aplicam critérios distintos — e os resultados podem variar drasticamente (incluí alguns exemplos polêmicos no final deste artigo).
Muitas pessoas inicialmente se perguntam em qual país ocorreu, de fato, a produção do filme. As locações de filmagem são, em teoria, fáceis de identificar. Ou um filme é gravado em um lugar, ou não é. Mas isso se complica quando as produções são divididas entre vários países ou utilizam equipes remotas.
Quando analisei esse tema alguns anos atrás, descobri que um filme de maior bilheteria, em média, é filmado em 1,6 países.
A análise de Stephen Follows (How many Hollywood movies are made outside America?) continua, mas o recado parece claro. A simplicidade de um político demagogo, que declara uma taxação, como é o caso, não condiz com a complexidade do mundo real.
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