Translate

Mostrando postagens com marcador história da contabilidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador história da contabilidade. Mostrar todas as postagens

10 novembro 2025

Imprensa no Brasil Colônia e a Contabilidade

Molina, em História dos Jornais no Brasil, volume 1, discute as razões pelas quais o Brasil não teve uma imprensa entre 1500 e 1809. Há uma lenda segundo a qual existiria uma proibição real de se estabelecer uma imprensa no país. No entanto, até onde se sabe, não havia uma proibição formal do rei nesse sentido. Há registros de que Portugal permitiu a existência de imprensa em outras colônias, mas permanece o mistério acerca da ausência dessa instituição em território brasileiro.


Antes de prosseguir, é importante destacar dois fatos mencionados por Molina. O primeiro refere-se à presença de uma imprensa nas missões jesuíticas no centro-sul do país. Existem exemplares de livros produzidos pelos religiosos, mas o autor observa que, muito provavelmente, a tipografia — construída com apoio dos indígenas — funcionava em território que hoje pertence à Argentina. O segundo fato comprovado é a existência de uma tipografia implantada por Antônio Isidoro da Fonseca em meados do século XVIII, posteriormente desmantelada por determinação de uma Carta Régia.

O atraso do Brasil colonial em instituir uma imprensa tem relevância direta para a história da contabilidade. Convém lembrar que o sucesso da Summa, de Pacioli, não decorreu de ter sido a primeira obra de contabilidade — honra que cabe a Cotrugli — nem de ter criado os procedimentos das partidas dobradas, mas sim por ter sido o primeiro livro impresso e, por isso, amplamente difundido no ensino contábil.

Sem uma imprensa, as possibilidades de surgir uma obra contábil que pudesse servir de referência a aprendizes ou comerciantes eram mínimas. O acesso ao conhecimento contábil dependia, portanto, da importação de livros estrangeiros — provavelmente escritos em outro idioma que não o português —, o que restringia sua disseminação e aplicação prática no contexto colonial.

02 novembro 2025

História da Contabilidade: Entre o Discurso e a Escravidão

Em 1831, o Brasil assumiu o compromisso de tornar livres todos os escravos vindos de fora do Império e de impor penas aos importadores. A medida ficou conhecida como Lei Feijó, pois foi promulgada durante a regência de Feijó. Já existia um acordo com a Inglaterra nesse sentido, mas seu cumprimento esteve longe de ser pleno — tanto que a norma ficou conhecida como “lei para inglês ver”.

Nos primeiros anos, alguns poucos navios chegaram a ser barrados. No entanto, a “carga” não era devolvida à África, dada a dificuldade de fazê-lo. O governo, então, distribuía os escravos entre seus aliados políticos. Esse é o pano de fundo.

Matias Molina, em História dos Jornais no Brasil: 1840-1930, narra a trajetória de alguns dos periódicos mais relevantes do país. Logo no início, trata de um dos maiores jornalistas do período, Justiniano José da Rocha. Ele provavelmente nasceu no Recife, em 1811. Apesar de mestiço, formou-se em Direito em São Paulo. Em 1836, lançou o jornal O Chronista, inicialmente de periodicidade semanal. Após a queda de Feijó, passou a apoiar o gabinete conservador. Era contrário ao tratado comercial com Portugal e também à escravidão.

Segundo Molina, Justiniano afirmava que “o tráfico de escravos, esse crime que (...) resume toda a barbaridade do assassino, toda a perfídia do ladrão (...) é a nódoa da civilização moderna”. Contudo, sobre a práti


ca do governo de distribuir os escravos apreendidos em águas brasileiras, o jornal assumia uma postura bastante interessada. Eis um trecho que sintetiza bem as contradições humanas:

“O próprio Justiniano pediria a um ministro que lhe fosse entregue um dos africanos apreendidos e outro a cada um de seus companheiros de jornal. (...) Ele também chegou a queixar-se da ingratidão do governo, pois pedira dois africanos como paga de seu apoio e não os recebera, enquanto um jornalista da oposição levou quatro.”

Imagem da Wikipedia, verbete Justiniano, "A primeira caricatura feita no Brasil, por Araújo Porto-Alegre, em 1837, retrata a cooptação da imprensa pelo governo na pessoa de Justiniano, retratado de joelhos a receber dinheiro." 

10 agosto 2025

História da contabilidade: Tesoureiro


Obviamente, não queremos aqui dizer que a ocupação de tesoureiro seja igual ao que conhecemos hoje como contador. Na verdade, o termo thesoureiro corresponde ao mesmo tesoureiro de nossa época, ao contrário dos termos “guarda-livros” ou “contador”. Mas, em torno do tesoureiro, havia alguns outros termos similares ou próximos, que os dicionários de antigamente procuravam especificar.

Um deles é “guarda-mor”, que, segundo Figueiredo (p. 983), corresponde a um empregado superior de algumas repartições públicas e tribunais. Fica a dúvida, para pesquisa futura, se “guarda-mor” poderia ser uma espécie de tesoureiro.

Outra palavra que parece ter relação com “tesoureiro” é “fiel” ou “fiel do armazém”. O mais antigo dicionário, Moraes (p. 638), indica ser um oficial que vigia sobre a exatidão dos pesos e, ao mesmo tempo, uma pessoa de confiança, “de quem se fia”. Já Aulete (p. 795) define como oficial público que tem a seu cargo algum depósito de gêneros ou de dinheiro, complementando como “ajudante de tesoureiro”. Finalmente, Figueiredo (p. 876) registra: empregado que tem a seu cargo a guarda de gêneros, papéis ou dinheiro, também com a indicação de que pode ser ajudante de tesoureiro.

Chegamos então ao termo “tesoureiro”. Segundo Moraes (p. 458), é o “guarda do tesouro”. Ele também indica “thesourado”, que seria o ofício do tesoureiro. E “tesouro” seria a área onde se guardam dinheiro, joias e preciosidades, bem como “multidão de dinheiro” ou “burra”.

Aulete (p. 1753) define “tesouraria” como escritório de bancos, companhias etc., onde se operam transações monetárias, e também como o cargo ocupado pelo tesoureiro. Este seria a pessoa “que guarda o tesouro ou cofre de uma associação; o indivíduo que tem a seu cargo fazer todas as operações monetárias de um banco, de uma companhia etc. [há também tesoureiro pagador]”.

Figueiredo (p. 1943) detalha um pouco mais. “Tesouraria” seria:

Casa ou lugar onde se guarda ou administra o tesouro público. Repartição onde funciona o tesoureiro. Escritório de companhia ou casa bancária, em que se realizam transações monetárias.

E “tesoureiro” é:

Empregado superior da administração do tesouro público. Aquele que é encarregado das operações monetárias numa casa bancária, companhia, associação etc.

É interessante notar que o mesmo Figueiredo, na página 1942, apresenta o termo “tesoiraria”:

f. O mesmo que tesoirado. Casa ou lugar onde se guarda ou administra o tesoiro público. Repartição onde funciona o tesoireiro. Escritório de companhia ou casa bancária, em que se realizam transacções monetárias.

Da mesma forma, há “tesoireiro”:

m. Guarda de tesoiro. Empregado superior da administração do tesoiro público. Aquele que é encarregado das operações monetárias numa casa bancária, companhia, associação etc. (Do lat. thesaurarius)

Citando aqui o grande Machado de Assis:

Assim, pois, esta irmandade tem um tesoureiro para recolher o dinheiro, um procurador para ir cobrá-lo e um meirinho para compelir os remissos.
(Balas de Estalo — Texto-fonte: Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 02/07/1883 a 04/01/1886.)


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

Assis, M. de. (1994). Balas de Estalo. In Obra completa (Vol. III). Rio de Janeiro: Nova Aguilar. (Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 02/07/1883 a 04/01/1886).

(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)

História da Contabilidade: Guarda-livros


Sempre tive a impressão de que o termo “guarda-livros” e seu uso na língua portuguesa eram bastante antigos. Por isso, foi com surpresa que não o encontrei no Dicionário de Moraes, mesmo este tendo sido editado no final do século XVIII. Já no Aulete (p. 884), encontramos:

Empregado que, em qualquer casa de comércio, registra nos livros todo o movimento comercial da mesma casa.

Trata-se de um verbete bastante curto. Figueiredo (p. 983), mesmo sendo um dicionário mais extenso, também não dedica muito espaço ao termo:

Empregado comercial que registra o movimento do comércio em uma ou mais casas.

Chama atenção o fato de Figueiredo considerar que o profissional guarda-livros poderia trabalhar em mais de uma casa comercial. Essa situação é natural para um contador moderno que possua escritório próprio, mas soa incomum ao se imaginar o contexto da virada do século XIX para o XX.

E é só isso. Nada que desperte grande curiosidade ou atenção.

Pesquisando na obra literária de Machado de Assis (imagem), encontrei o uso do termo em Helena:

Minha vida começou a ser um mosaico de profissões; aqui onde me veem, fui mascate, agente do foro, guarda-livros, lavrador, operário, estalajadeiro, escrevente de cartório; algumas semanas vivi de tirar cópias de peças e papéis para teatro.

Em Memorial de Aires:

Aguiar casou guarda-livros. D. Carmo vivia então com a mãe, que era de Nova Friburgo, e o pai, um relojoeiro suíço daquela cidade. Casamento a grado de todos. Aguiar continuou guarda-livros, e passou de uma casa a outra e mais outra, fez-se sócio da última, até ser gerente de banco, e chegaram à velhice sem filhos. É só isto, nada mais que isto.

Em Quincas Borba:

Não me respondeu, fingiu que estava absorvido em uma conta, chamou o guarda-livros e pediu explicações.

Nos contos e outros escritos, o termo também aparece. Pelo visto, o nosso grande escritor evitava usar a palavra “contabilidade”, mas recorria com frequência a “guarda-livros”.


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

Assis, M. de. (1876). Helena. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

Assis, M. de. (1908). Memorial de Aires. Rio de Janeiro: Garnier.

Assis, M. de. (1891). Quincas Borba. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)

História da contabilidade: escriturário


Antes de tratar da palavra “escriturário”, gostaria de destacar que Moraes, Aulete e Figueiredo também registram o termo “escrevente” como alguém que escreve por modo de vida, que copia o que outrem dita (Moraes, p. 536), como “copista” (Aulete, p. 663) ou “aquele que tem por cargo copiar o que outrem escreve ou escrever o que outrem dita” (Figueiredo, p. 776). Aulete define “escriturário” como sinônimo de “escrevente” (p. 664).

Quanto ao termo “escriturário” (ou escripturario, na ortografia da época), Moraes (p. 536) é bastante econômico e define como:

Homem versado nas sagradas letras. O que escritura em livros.

Os dicionários costumam refletir sua época. No caso de Moraes, seu dicionário foi produzido quando Portugal e suas colônias começavam a adotar o método das partidas dobradas. O fato de o verbete “escriturário” ser tão econômico é, ao mesmo tempo, prova e consequência de que a contabilidade ainda não era uma realidade consolidada.

Mais de cem anos depois, Aulete registrava (p. 664):

Ação ou trabalho de escriturar ou de escrever. Arte de arrumar os livros comerciais ou de escriturar sistematicamente as diferentes partidas ou artigos. Arrumação dos livros de uma casa comercial; elaboração sistemática e metódica, em livros competentes, das contas de uma casa comercial; o conjunto dos documentos escritos relativos aos negócios de uma casa comercial.

Para Figueiredo (p. 777), “escrituração” é:

Ato de escriturar. Escrita dos livros comerciais; arte de os escriturar. Escrita metódica das contas de uma casa comercial.

E “escriturar” seria:

Registar metodicamente (o movimento de uma casa comercial ou de uma empresa industrial, os documentos de uma repartição pública etc.).

Como consequência, ainda para Figueiredo, “escriturário” é:

Aquele que faz escrituração. Escrevente.

Em Casa de Pensão, de Aluísio de Azevedo (foto), encontramos o seguinte trecho:

O Campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e, a pena atrás da orelha, o lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir no trabalho interrompido pouco antes. Entrou no seu escritório e foi sentar-se à secretária.

Defronte dele, com uma gravidade oficial, empilhavam-se grandes livros de escrituração mercantil. Ao lado, uma prensa de copiar, um copo de água, sujo de pó, e um pincel chato; mais adiante, sobre um mocho de madeira preta, muito alto, via-se o Diário deitado de costas e aberto de par em par.

Tratava-se de fazer a correspondência para o Norte. Mal, porém, dava começo a uma nova carta, lançando cuidadosamente no papel a sua bonita letra, desenhada e grande (...).

(Veja os elementos da tecnologia da época: pena, livros, prensa de copiar, caligrafia, carta...)


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Azevedo, A. de. (1884). Casa de Pensão. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)

História da Contabilidade: Contador e Contabilidade


O termo “contador” mudou de concepção ao longo do tempo, o que leva muitas pessoas a pensar que já existia contador no Brasil desde os primórdios. Veja o que diz Moraes, em seu dicionário do século XVIII (p. 317):

O que calcula. Oficial da Fazenda Real, segundo o método da arrecadação antiga.

Ou seja, tratava-se de um cargo público. “Contadoria” era definida como a repartição que competia aos contadores.

Já a definição de Aulete é bem mais extensa. Sobre “Contabilidade” (p. 389), ele registra:

Cálculo, computação. Escrituração da receita e despesa de uma repartição do Estado, de casa comercial, industrial, bancária, de qualquer administração pública ou particular. A arte de arrumar os livros comerciais ou de escriturar contas.

O “contador” (p. 389) seria:

O que conta. Funcionário da repartição de contabilidade que verifica as contas.

Um aspecto curioso é que Aulete também traz o verbete “Contadora”:

Mulher que conta as resmas nas fábricas de papel.

Já Figueiredo, no verbete “contador” (p. 507), registra o sentido de “aquele que conta” e, no de “contabilidade”:

Arte de fazer contas comerciais ou burocráticas. Cálculo. Repartição onde se escrituram receitas e despesas. Escrituração de receitas e despesas.

Machado de Assis, em suas Crônicas de 5 de janeiro de 1896, usa o termo:

Não sei responder; provavelmente houve espiões, se é que o amor da contabilidade exata não levou o velho Siqueira a inscrever em cadernos os donativos que fazia.

(Pode ser impressão minha, mas percebo que Assis utilizava o termo nos seus últimos escritos. Não encontrei “contador” e “contabilidade” em seus contos ou romances.)


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

Assis, M. de. (1896). Crônica (5 de janeiro). In Obra completa

História da contabilidade: Amanuense

Para acompanhar a evolução deste e de outros termos, vamos investigar como três dicionários históricos os registraram. O primeiro é o Moraes, em sua edição de 1789. A versão que utilizei possui dois tomos: o primeiro com quase 800 páginas (da letra A à letra K) e o segundo com mais de 500 páginas, totalizando cerca de 1.300 páginas. Essa edição tem o título Diccionario da Lingua Portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro. Na capa, constam ainda os dizeres: “na officina de Simão Thaddeo Ferreira”.


O segundo dicionário é o Caldas Aulete, intitulado Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza, de 1881. Com pouco mais de mil páginas, a obra é bastante conhecida do público. O terceiro é o Novo Diccionario da Língua Portuguesa, de 1913, 10ª edição, o maior deles e talvez o menos conhecido, com 2.100 páginas.

Em resumo: o Diccionario da Lingua Portugueza, de Antonio de Moraes Silva, publicado originalmente em 1789, é considerado o primeiro grande dicionário da língua no Brasil e em Portugal, trazendo definições detalhadas e etimologias. O Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza, de Caldas Aulete, lançado em 1881, inovou ao incorporar vocabulário técnico e estrangeirismos. Já o Novo Diccionario da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo, publicado em 1913, destacou-se por seu caráter normativo e pela atualização ortográfica, tornando-se referência no início do século XX.

Entre os vários termos associados à profissão e à contabilidade, provavelmente o “amanuense” seja o menos conhecido. Moraes (Tomo I, p. 71) é lacônico e o define como “o que escreve o que o outro dita; escrevente”. Caldas Aulete (p. 77) segue a mesma linha, mas acrescenta: escrevente, copista. Empregado que ocupa o grau inferior no quadro de uma secretaria e é ordinariamente encarregado de copiar e registrar papéis. Já Figueiredo (p. 101) define amanuense como: “Escrevente. Secretário. Copista. Empregado de repartição pública, encarregado geralmente de fazer cópias e registar diplomas e correspondência oficial.”

Eis o que Machado de Assis escreveu:

A reputação de vadio, preguiçoso, relaxado, foi o primeiro fruto desse método de vida; o segundo foi não andar para diante. Havia já oito anos que era amanuense; alguns chamavam-lhe o marca-passo. Acrescente-se que, além de falhar muitas vezes, saía cedo da repartição ou com licença ou sem ela, às escondidas.

O caso Barreto — Texto Fonte: Relíquias de Casa Velha, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson, 1938. Publicado originalmente em A Estação, 15 de março de 1892.

Ou seja, tratava-se de uma função com pouco prestígio social.

 
Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

(Para fins da postagem, adaptei a ortografia da época, para facilitar ao leitor o entendimento)

Pesquisa Histórica sobre Contabilidade: Vantagens, Desafios e Armadilhas


Fazer pesquisa histórica sobre contabilidade é, ao mesmo tempo, um desafio e uma fonte inesgotável de descobertas. É preciso fazer escolhas.

Mas temos hoje uma enorme quantidade de dados disponíveis em bibliotecas digitais. Embora eu consulte várias fontes, gosto muito da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro — um acervo riquíssimo que já venho explorando há mais de uma década em postagens no blog.

Dentro desse universo, geralmente priorizo jornais. Para ter uma ideia do volume: ao buscar a palavra “contabilidade” na Hemeroteca, filtrando o período de 1850 a 1859, entre as 453 fontes disponíveis (número válido na data desta postagem), surgiram mais de 3.000 resultados. Ler, analisar e contextualizar tudo isso é uma tarefa monumental — e aqui usei apenas um termo de busca.

A maior vantagem de trabalhar com esse tipo de acervo é a comodidade. É possível pesquisar sem sair da frente do computador, evitando o manuseio de papéis antigos e frágeis. Isso agiliza muito o trabalho. Mas há mais: como destacam Beach & Hanlon (2022), jornais digitalizados abrem novas portas para a pesquisa histórica:

  • Mais ferramentas e perguntas – Bancos de dados amplos e acessíveis incentivam novas linhas de investigação.

  • Busca eficiente – O que antes levava dias ou semanas com microfilmes e documentos físicos hoje pode ser feito em minutos.

  • Acesso a tópicos pouco explorados – Como estatísticas governamentais e temas marginais.

  • Criação de variáveis de resultado – É possível reconstruir o desempenho histórico de empresas ou mercados, como o da Bolsa do Rio de Janeiro no final do século XIX.

  • Complemento a outros dados – Por exemplo, medir o mercado de trabalho contábil a partir de anúncios classificados.

Naturalmente, nem tudo são flores. Entre as limitações:

  • Amostra incompleta – Muito se perdeu com o tempo. O que restou é apenas parte do que foi escrito, e a escrita é só uma fração da comunicação histórica.

  • Seleção enviesada – Títulos mais estabelecidos são priorizados; jornais menores ou “ilegais” podem estar ausentes.

  • Características históricas – Estrutura de notícias, ausência de imagens, censura e autorização governamental.

  • Acessibilidade no passado – Alto custo e baixo índice de alfabetização limitavam o público.

  • Conteúdo repetido – Pequenos jornais copiavam textos de periódicos maiores.

  • Faltam grandes títulos – Como O Estado de S. Paulo, fora do acervo por manter arquivo próprio.

  • Qualidade do OCR – O Reconhecimento Óptico de Caracteres converte texto impresso em formato pesquisável, mas erros são comuns. Buscas por “balanço” podem ignorar “balanco” (sem cedilha) e ortografias antigas como “activo”. Em casos extremos, o sistema simplesmente não reconhece o texto.

Por fim, é preciso lembrar: toda fonte carrega subjetividade. Jornais de qualquer período podem ser influenciados por governos, interesses econômicos e pela visão de mundo de seus proprietários e redatores.

Referência: 

Beach, B., & Hanlon, W. W. (2022). Historical newspaper data: A researcher’s guide and toolkit. NBER Working Paper No. 30135. https://doi.org/10.3386/w30135

Image: Wikipedia, verbete History

02 agosto 2025

História da contabilidade: Concurso público em 1865

Em 1865, o Brasil estava iniciando a Guerra contra o Paraguai, em conjunto com a Argentina e o Uruguai. O país era governado pela casa portuguesa de Bragança, na figura de Dom Pedro II. A economia era baseada na produção de café, açúcar, algodão e fumo, sustentada pelo trabalho escravo.

Desde 1852, a capital do Piauí havia sido transferida de Oeiras para um novo local, às margens do rio Parnaíba, sendo a cidade a primeira capital planejada do país, batizada em homenagem à imperatriz Teresa Cristina, esposa do imperador.

Treze anos depois, o presidente da província, Franklin Dória, abriu um concurso público para preencher o cargo de oficial da secretaria do governo. Os exames seriam realizados na presença do governante, no palácio, e incluíam, entre os conteúdos, a contabilidade.


Naquela época, não era comum realizar exames para selecionar candidatos, já que os cargos eram, em geral, preenchidos por indicação política. A exigência de conhecimento em contabilidade, assim como em gramática e caligrafia, pode ser justificada pelo fato de que essas disciplinas eram ensinadas no nível básico de ensino, conforme já postamos diversas vezes aqui. 

(Fonte: A Imprensa: periódico político, edição 7, p. 3, 1865) 

20 abril 2025

Grandes nomes da história da contabilidade dos EUA: um resumo


Foram 22 postagens de grandes nomes da história da contabilidade dos Estados Unidos. A base foi o excelente livro The History of Accounting, com as devidas adaptações (por exemplo, aqueles que faleceram depois da edição do livro) e fotografias das pessoas. 

A seleção procurou focar nos nomes mais conhecidos. Quantos desses nomes você já tinha lido sobre sua contribuição? 

A partir daqui iremos começar a série Grandes Nomes da História Mundial da Contabilidade. 

Andersen

Beaver 

Canning

Chambers

Demski

Devine

Donaldson Brown 

Edwards 

Gantt

Horngren

Kaplan

Kohler 

Littleton

Mautz 

Moonitz 

Paton

Previts

Sprague 

Sterling 

Taylor 

Vatter 

Zimmerman 


14 abril 2025

Em 1962 um banco comprava um computador Univac para sua contabilidade


Em novembro de 1962 a notícia indicava que o Banco Francês e Italiano tinha comprado um computador UNIVAC com o objetivo de automatizar seus serviços de contas correntes e carteiras. O UNIVAC utiliza fitas magnéticas, tem alta capacidade de armazenamento e pode processar grandes volumes de dados com velocidade.
 
Antes disso, em agosto, o Boavista anunciava a compra de um IBM:
E em setembro, uma empresa de seguros de Minas:
Modernidade chegando na contabilidade brasileira


Em 1961, um leitor de caracteres da IBM

 

Do jornal Estadão, em 03/02/1961, PÁGINA 19. Corresponderia ao nosso scanner. 

...e em 1960, um dos primeiros anúncios de venda de computador para contabilidade no Brasil

 

No dia 25 de março de 1960, na página 16 do jornal O Estado de S Paulo, fala de um computador eletrônico de porte médio que tem como aplicação a apropriação de custos, controle de estoques, contabilidade, folha de pagamento, faturamento e outras tarefas contábeis. As grandes empresas estavam comprando o computador da IBM. 

Em 1958 a Burroughs lançava uma máquina de somar para operações contábeis


Uma matéria denominada “Máquina de Somar Inteiramente Nacional Lançada no Mercado” publicada em O Estado de S. Paulo em 3 de setembro de 1958 falava que a empresa Burroughs tinha lançado no mercado brasileiro uma máquina de somar do tipo “Ten Key” inteiramente fabricada no Brasil. O gerente geral da empresa, H. V. Escher, destacou o marco que representa esse lançamento para a mecanização comercial nacional. A nacionalização da produção envolveu não apenas a montagem, mas também a fabricação de peças e componentes no Brasil, com previsão de completar a nacionalização em 2 anos e meio. A máquina é descrita como de operação simples, alta durabilidade, precisão e economia, sendo apropriada para comércios, bancos, repartições públicas e escritórios.

Veja que o título fala em "máquina de somar", não sendo propriamente um computador. 

13 março 2025

Boa vontade dos clientes

Pedro Demo, das obras de metodologia, escreve com muita regularidade sobre muitas coisas. Em recente artigo, ele conta um pouco da história de Datini, um marco na contabilidade mundial: 


Exemplo disso foi Francesco di Marco Datini, que virou comerciante bem-sucedido, com a história de suas aventuras fora da Itália (era de Prato), na Ilha Canária. O rei lá o convidou para jantar. Havia na mesa guardanapos e neles um taco do tamanho do braço, cuja finalidade era enigmática. Sentando-se à mesa, quando a comida foi posta, o odor atraiu ratos de todos os cantos; o taco era para os espantar. No dia seguinte, o comerciante trouxe do navio uma gata e, logo, ela matou 25 ratos e os outros fugiram. O rei ficou impressionado, enquanto Datini o presenteava com a gata. Ao deixar a ilha foi coberto de presentes, sobretudo joias, valendo 4 mil escudos. Voltou no ano seguinte, levando um gato doméstico – que lhe rendeu 6 mil escudos. Ficou rico (AR:L2870). Comentam AR que a história pode ser forjada, pois não há registro da viagem às Canárias. Datini nasceu de taberneiro pobre, em 1335. Com 13 anos, a Peste Negra varreu a Itália, e sua mãe, seu pai e seus dois irmãos morreram. Só ele e seu irmão Stefano sobreviveram, com pequena herança: uma casa, um pedaço de terra e 47 florins.

Um ano depois da morte do pai, Datini mudou-se para Florença, virou aprendiz de lojista e ouvia histórias de cidades prósperas de Avignon, no sul da França. Lá estava residindo o Papa (por disputa sucessória), e a presença papal agitava o mercado local, do qual comerciantes italianos se aproveitavam. Grande parte do comércio de luxo e serviços bancários eram de famílias italianas, vivendo em bairro exclusivo na cidade. Com 15 anos, Datini vendeu seu terreno em Prato e se mudou para lá. Em 1361, com 26 anos, era sócio de dois toscanos, Toro di Berto e Niccolò di Bernardo. Negociava armamentos para os dois lados do conflito. Em 1368, sua contabilidade registrava a venda de armas em 64 libras para Bernard du Guesclin, comandante militar francês. No mesmo ano, houve venda enorme de armas para a comuna de Fontes, para se proteger contra Guesclin. Em 1363, Datini teve a primeira loja, comprada por 941 florins, com outros 300 pagos pela "boa vontade dos clientes". Em 1367, renovou a parceira com Toro di Berto, investindo cada um 2,5 mil florins de ouro, com três lojas. Em 1376, comercializava sal e lançou operador de câmbio, incluindo comércio de prataria e obras de arte. Abiu taverna de vinho e um armarinho, e enviou funcionários para negociar em lugares mais distantes, como Nápoles. Sua principal loja em Avignon tinha cintos de prata florentina e anéis de casamento de ouro, peças de couro, selas e arreios de mula da Catalunha, utensílios domésticos de toda a Itália, lençóis de Gênova, fustão de Cremona, e zendado escarlate, tecido especial de Lucca. A loja em Florença surgiu como eixo movimentado de produtos manufaturados à época e tinha tecido de lã branco, azul ou cru; linhas de costura, cortinas de seda e anéis de cortina; toalhas de mesa, guardanapos e grandes toalhas de banho; baús pintados à mão e porta-joias usados como dote da noiva.

Voltando de Avignon em 1382, montou negócio em Prato e Florença com filiais em Pisa, Gênova, Barcelona, Valência e Ibiza. Com diferentes empórios moviam-se ferro, chumbo, alumínio, cativos e temperos da Romênia e do Mar Negro; lã inglesa de Southampton e Londres; trigo da Sardenha e da Sicília; couro de Túnis e Córdoba; seda de Veneza; uva passa e figos de Málaga; amêndoas e tâmaras de Valência; maçãs e sardinhas de Marselha; óleo de oliva de Gaeta; sal de Ibiza; lã espanhola de Maiorca; da Catalunha, laranjas, óleo de oliva e vinha. Documentos de negócio têm cartas em latim, francês, italiano, inglês, flamengo, catalão, provençal, grego, árabe e hebraico. De comerciante, passou a produzir tecidos em Florença, comprando lã inglesa e espanhola e exportando o tecido pronto. Para AR, Datini fez fortuna sem "nenhum conhecimento, conexões ou capital, e sem a vantagem de contatos, monopólios ou ajuda do governo, exceto pelo contexto institucional amplo criado pelas comunas italianas" (AR:L2909). Revelou mobilidade ascendente vertiginosa, algo temido pela elite tradicional ameaçada. Bispo Otto, tio de Barbarosa, criticava nos genoveses: "não desdenhavam de oferecer o cinto de cavaleiro ou títulos de distinção a jovens homens de status inferior e mesmo a trabalhadores de baixos ofícios manuais, que, em outros lugares, seriam barrados como a praga caso quisessem assumir atividades mais respeitáveis" (Ib.). Reclamava da erosão da hierarquia e normas, embora a corrosão desse sistema fosse fundamental para o desenvolvimento econômico, enquanto permitia que gente simples, mas com talento, chegassem ao topo. 

O negrito é meu. Vocês sabem qual o termo que usamos hoje no lugar do negrito?

28 janeiro 2025

Auditoria no início do Século XX no Brasil


Do livro de Richard Brown, A History of Accounting and Accountants, de 1905:

Não existe uma associação organizada de contadores profissionais com reconhecimento oficial no Brasil. 

O sistema adotado para a auditoria das contas de corporações e empresas públicas e privadas consiste em atribuir esse trabalho a determinados acionistas, que formam o Conselho Fiscal [em português] ou Comitê de Auditoria.

Na liquidação de massas falidas, o juiz nomeia administradores entre os credores, os quais são responsáveis pela administração da massa falida. 

Sempre que são necessários os serviços de um perito para elaborar balanços ou demonstrações financeiras de empresas com ações na bolsa ou privadas, qualquer guarda-livros pode ser designado, desde que tenha a confiança dos administradores, administradores judiciais ou do juiz, conforme as circunstâncias do caso.

27 janeiro 2025

Análise Histórica da Santa Casa de Porto Alegre

Eis o resumo de uma pesquisa muito interessante: 

Aspectos históricos relacionados à Ciência Contábil figuram como uma temática relevante para a compreensão da estrutura contábil de organizações na contemporaneidade. Desse modo, a pesquisa realizada teve como objetivo analisar os registros de receitas e despesas realizados pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS durante o período do Império brasileiro (1822-1889) e identificar elementos das escolas contábeis nos referidos registros. Para tanto, empregou-se uma pesquisa qualitativa, descritiva e documental operacionalizada por meio de análises dos Relatórios da Provedoria que constam no arquivo do Centro Histórico-Cultural da Santa Casa (CHC). Os dados foram analisados a partir dos Balanços de Receitas e Despesas. Os resultados obtidos demonstraram que a receita “Aluguéis de Prédios” chegou a representar mais de 20% da fonte de receitas totais, sendo que visando maximizar a rentabilidade, foram comercializados bens imóveis para adquirir Apólices da dívida pública – cujo rendimento de juros era de 6% ao ano. Destacam-se ainda as receitas de “Legados”, “Contribuição Marítima”, “Jóias”, “Loterias” e Subvenção Provincial. No que tange às Despesas Administrativas, Exposto e Capela juntas absorvem 55% de todas as receitas. Desse modo, a pesquisa contribui no âmbito da Contabilidade Histórica para evidenciar como a Ciência Contábil era utilizada para controle e gestão do patrimônio, buscando a efetividade das atividades da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/RS. Logo, torna-se possível compreender aspectos relacionados à estrutura funcional da organização que contribuíram para que esta mantivesse suas atividades ao longo do tempo. (Francisca Viviane dos Santos, SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE: UMA ANÁLISE HISTÓRICA A PARTIR DOS REGISTROS CONTÁBEIS DO PERÍODO IMPERIAL (1822-1889))

Um gráfico interessante é a evolução da receita:

Veja que o objetivo é traçar uma evolução de uma entidade do terceiro setor, no século XIX, e associar com uma das escolas do pensamento contábil:

O resumo não indica qual escola a contabilidade da Santa Casa estava associada, mas no corpo da dissertação temos:

No que tange aos registros contábeis da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, identifica-se maior influência da Escola Controlista. 

04 novembro 2024

Quem inventou as partidas dobradas? Parte 2

Na postagem anterior, mostramos que provavelmente nunca teremos uma resposta definitiva sobre quem inventou as partidas dobradas. Contudo, sabemos onde o método foi criado geograficamente. A seguir, o mapa com as principais localizações:


Vamos explorar cada um desses locais.

Veneza

Situada junto ao mar, Veneza experimentou um grande crescimento entre os séculos IX e XII. Foi um importante centro comercial, conectando a Europa Ocidental ao Império Bizantino e à Ásia. No final do século XIII, Veneza era a cidade mais próspera da Europa, com 36.000 marinheiros operando 3.300 navios. Logo após a invenção da imprensa, na Alemanha, Veneza adotou a tecnologia rapidamente e, em 1482, já era o principal centro de impressão do mundo, incluindo a criação dos primeiros livros de bolso. Não surpreende, então, que a Summa de Pacioli tenha sido publicada em Veneza. O declínio de Veneza começa no século XV, com a queda de Constantinopla e a abertura da rota comercial pelo Cabo da Boa Esperança, que acabou com seu monopólio no comércio com o Oriente.

Champanhe

Hoje, a cidade e a região são conhecidas pela bebida que leva seu nome. A partir de 1314, tornou-se parte da coroa francesa, estando localizada a 160 km de Paris. Uma das filiais da empresa comercial "Irmãos Fini" estava na região, e suas feiras eram bastante conhecidas. Champanhe era uma das regiões mais prósperas da França, sendo um ponto de encontro para o comércio entre o norte da Europa e o Mediterrâneo. No entanto, a região sofreu com a Guerra dos Cem Anos, com pilhagens, insegurança nas rotas, a peste negra e a incorporação à Coroa Francesa.

Nîmes

Após o declínio do Império Romano, Nîmes sofreu invasões muçulmanas. A partir de 752 d.C., a cidade teve um governo descentralizado e fragmentado, típico da Idade Média, mas acompanhando por um crescimento no comércio. Embora pequena em comparação com Veneza, Nîmes sediava a Giovanni Farolfi & Companhia, fundada por mercadores de Florença.

Gênova

No século XII, Gênova era uma potência comercial e militar. Aproveitando-se dos saques das cruzadas e do transporte de mercadorias entre o Oriente e a Europa, a cidade rivalizava com Veneza. Em meados do século XIII, Gênova atingiu seu auge, derrotando Veneza e Pisa. No entanto, a instabilidade política contribuiu para seu declínio. Nesse período, Gênova tinha cerca de 100 mil habitantes, sendo uma das maiores cidades da época, comparável a Veneza. Documentos de 1340 relatam o uso das partidas dobradas em Gênova, fazendo da cidade uma das candidatas ao título de berço da contabilidade.

Florença

Embora as partidas dobradas sejam comumente associadas a Veneza, é injusto ignorar o papel de Florença. A preservação de vários documentos da época ajudou a destacar a cidade italiana no desenvolvimento da contabilidade. Florença também sofreu com disputas internas e com a peste negra, mas isso não impediu seu crescimento, tornando-se uma das cidades mais poderosas e prósperas da Europa. Sua moeda, o fiorino d'oro (florim), foi introduzida em 1252 e desempenhou um papel importante no comércio. Muitos bancos florentinos tinham filiais em toda a Europa, e o florim tornou-se a moeda dominante no comércio europeu. Sabemos muito sobre Florença graças ao historiador Giovanni Villani (1276-1348), que registrou fatos importantes sobre a cidade. Por exemplo, em 1338 havia seis escolas primárias com 10 mil alunos, incluindo meninas, e quatro escolas secundárias com 600 alunos de ambos os sexos. Em 1349, Florença tinha 80 mil habitantes, dos quais 25 mil trabalhavam na indústria de lã. Conforme Fenny Smith relata no artigo The Influence of Amatino Manucci and Luca Pacioli, embora os primeiros registros comprovados de partidas dobradas sejam os de 1340, dos intendentes (massari) do município genovês, acredita-se que a técnica tenha se originado na Toscana, especialmente em Florença. Isso possivelmente se deve à maior quantidade de documentos disponíveis dessa região, em grande parte graças às transcrições de Arrigo Castellani, que preservou quase todos os textos florentinos até 1300, incluindo um vasto número de fragmentos de livros contábeis.

Salon

Por fim, temos Salon-de-Provence, ou simplesmente Salon, uma cidade que ficava na rota do comércio de sal e outras mercadorias, o que lhe deu o nome. A cidade é conhecida por ter abrigado Nostradamus em seus últimos anos de vida. Era uma cidade pequena, com no máximo 3 mil habitantes entre 1200 e 1400, mas tinha relevância mercantil. A Giovanni Farolfi & Companhia também tinha uma filial em Salon, onde negociava trigo, cevada, aveia, vinho, lã, tecidos, fios e materiais de tingimento. É em Salon que, talvez por um acaso do destino, encontramos um dos primeiros registros de partidas dobradas.

03 novembro 2024

Quem inventou as partidas dobradas?

Muitas pessoas acreditam, de forma errônea, que Pacioli inventou o método das partidas dobradas, enquanto outras pensam que ele o formalizou, tornando-se o primeiro a documentá-lo de maneira estruturada, ainda que não tenha sido o inventor. Abaixo, a resposta que recebi do ChatGPT à pergunta “quem inventou o método das partidas dobradas”:

> O método das partidas dobradas foi formalizado por Luca Pacioli, um frade e matemático italiano, em 1494, em sua obra *Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalità*. Embora Pacioli não tenha sido o inventor do método (há indícios de que comerciantes italianos da época já o utilizavam), ele foi o primeiro a documentá-lo de forma estruturada, o que ajudou a disseminá-lo e estabelecer os fundamentos da contabilidade moderna.

Na realidade, não sabemos quem foi o primeiro a documentar o método de maneira estruturada. Mesmo considerando um livro, precisaríamos corrigir a inteligência artificial novamente. Qual seria, então, o mérito de Pacioli? Ele foi o primeiro a publicar um livro impresso sobre o método. Atenção: Pacioli não escreveu o primeiro livro sobre o tema — este mérito cabe a Benedetto Cotrugli. No entanto, o livro de Cotrugli não foi impresso, o que fez com que sua contribuição se tornasse secundária na história contábil.

Mas, afinal, quem foi o primeiro a documentar o método? Essa é uma questão difícil de responder por várias razões. Em primeiro lugar, é necessário definir, de forma clara e precisa, o que é o método das partidas dobradas. Não basta considerar o primeiro registro de débito e crédito, pois o método vai além disso. Precisamos pensar em uma estrutura que inclua o conceito de entidade, um procedimento para o fechamento periódico das contas, um livro razão e um diário, entre outros aspectos, o que é bastante controverso.

O pesquisador Geoffrey Lee, em um artigo de 1977 para o The Accounting Historians Journal, propôs os seguintes critérios: a existência de uma entidade contábil que transacione com outros agentes econômicos; o conceito de oposição algébrica nas transações, como o aumento do estoque e a redução de caixa; o uso de uma unidade monetária única, com conversão de valores quando necessário, permitindo a soma dos valores; o conceito de patrimônio dos proprietários; a presença da equação contábil básica; o conceito de lucro ou prejuízo e sua relação com o patrimônio; e a definição de um período contábil para mensurar os resultados. Atendendo a esses critérios, podemos afirmar que o método das partidas dobradas está em uso.

Outro motivo que dificulta identificar o inventor do método é que provavelmente ele surgiu de forma gradual e colaborativa. Os diferentes aspectos listados por Lee podem ter surgido em diferentes lugares e negócios ao longo do tempo. Por exemplo, um manuscrito de 1211, preservado em uma biblioteca de Florença, contém alguns elementos do método, mas não todos.

É interessante notar como se dava o processo de “invenção” naquela época. Enquanto hoje um pesquisador busca fama e reconhecimento, as pessoas envolvidas no desenvolvimento das partidas dobradas focavam em fazer os negócios funcionarem, utilizando a técnica contábil. Se alguém aprimorava o método em Veneza, não publicava um texto sobre o assunto nem fazia uma apresentação em um evento; aplicava diretamente no negócio. Mesmo assim, havia comunicação entre comerciantes, e métodos melhores eram compartilhados. Intuímos que isso ocorria, mas os detalhes são desconhecidos. Possivelmente, algum conhecimento era transmitido na educação, como o uso dos números hindus.

Por fim, talvez a razão mais importante para a dificuldade em identificar o inventor seja a tecnologia da época. Os pergaminhos, caros e frequentemente reutilizados, eram raspados para novo uso, fazendo com que muitos documentos contábeis se perdessem ao longo do tempo. Além disso, a umidade, o fogo e outros fatores frequentemente destruíam esses documentos. Desde 1200 até o início do uso dessa documentação para fins de pesquisa passaram-se cerca de setecentos anos. Como destaca Fenny Smith em um artigo de 2008, muitos empreendimentos da época eram efêmeros. Em Veneza, por exemplo, sociedades eram formadas e dissolvidas após a conclusão dos negócios, enquanto em Florença as atividades comerciais tendiam a durar mais, o que ajuda a explicar por que sabemos mais sobre Florença.

Em resumo, não temos como afirmar com certeza quem inventou as partidas dobradas. Podemos, no entanto, especular que tenha sido uma construção coletiva de diversos comerciantes, unidos por um objetivo comum. Essa seria, portanto, a resposta para a pergunta: quem inventou as partidas dobradas?