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05 setembro 2014

Por que o ‘Brazil’ exporta pouco?

Por que o ‘Brazil’ exporta pouco?
Autor: Gustavo H. B. Franco
01/09/2014


A produção industrial vem se tornando um fenômeno cada vez mais internacional, assunto que tem trazido um misto de contrariedade e excitação quanto às suas vastas consequências. Trata-se aqui de um dos capítulos mais intrincados da globalização, tanto que apenas pode ser descrito, infelizmente, com palavras em inglês capazes de embaralhar as falas mais amestradas, além de sacudir os brios dos nacionalistas do idioma: offshoring e outsourcing.


Não há uma tradução para isso, como frequentemente ocorre com novos e complexos processos relativos à economia global, o leitor deve olhar para esses vocábulos como ideogramas, ou talvez deixar-se embriagar pela sua sonoridade, pela associação com coisas referentes à alta tecnologia ou com relações internacionais. Talvez um dia entrem para o vernáculo, como o abajur, o bonde e a manicure.


Preferimos investir em parcerias “Sul-Sul” em vez de entrar para a OCDE e em acordos comerciais que nos colocam no mapa da produção internacional
Concretamente, trata-se de processo pelo qual a produção industrial se desagrega em etapas que vão sendo implantadas ou transferidas para diversos países, conforme a vantagem locacional, e de sorte a reduzir a exposição a variações cambiais e otimizar a cadeia, ou mais propriamente, a rede internacional de valor.


Pense no seu smartphone (que já está quase entrando no dicionário) e repare que a fabricação pode se dar na China, com componentes vindos de diversos países, com peças e software de outros, e o desenvolvimento, o branding e o marketing em outros. Ou pense num call center nos EUA onde os atendentes estão na Índia ou na Bahia e os data centers na nuvem. A globalização, às vezes, parece propaganda de um curso de inglês, não é mesmo?


A história desses processos tem muito a ver com outro fenômeno que outrora pareceu perturbador: a empresa multinacional. Nos anos 1950 e 1960 as grandes empresas, sobretudo americanas, começaram a abrir filiais no exterior, em muitos casos apenas para atender os desejos de “substituição de importações”, ou de “produção local”, em países clientes que se tornaram mais protecionistas. Com o tempo, o número e o volume de produção e vendas do conjunto das filiais no exterior foi crescendo a ponto de mudar a natureza dessas organizações, que deixaram de ser federações de réplicas da mãe, e foram assumindo uma personalidade distintamente transnacional. A divisão internacional do trabalho se aprofundou dentro da empresa, e com isso explodiu o fenômeno do “comércio intrafirma” (entre partes relacionadas) que já nos anos 1990 tinha ultrapassado 1/3 do comércio mundial.


Em tempos mais recentes, o processo se acelerou ainda mais diante da ascensão industrial da China, e o Brasil poderia estar na crista da onda desse vendaval de transformações, pois a presença de multinacionais no país é imensa. Em 2010, tínhamos 16.844 empresas estrangeiras no país. Como eram 6.322 em 1995, pode-se dizer que foram duas novas a cada dia ao longo desses 15 anos. Essas empresas tinham ativos de R$ 2,4 trilhões e faturamento de R$ 1,6 trilhão e eram responsáveis por 38% das exportações totais do país e 43% das importações em 2010.


É possível estimar que esse conjunto de empresas tenha sido responsável pela geração de cerca de um quarto do PIB brasileiro em 2010, ou seja, esse PIB “estrangeiro” dentro do Brasil seria próximo de US$ 523 bilhões, o que colocaria este “país” (chamemos de “Brazil”) como o vigésimo segundo PIB deste planeta, entre Suécia (US$ 560 bilhões) e Polônia (US$ 516 bilhões).


Entretanto, a despeito da contribuição do “Brazil” para as exportações brasileiras, é importante observar que as empresas estrangeiras no Brasil exportam muito pouco, especialmente quando comparado: (i) ao Brasil, pois o “Brazil” exporta algo como 17% de seu PIB (cerca de US$ 87 bilhões), não muito mais que o Brasil (10,5%); (ii) a países “comparáveis”, Polônia e Suécia, que exportam 39% e 32% de seus respectivos PIBs; e (iii) às filiais de multinacionais estabelecidas pelo mundo, cuja propensão a exportar, segundo dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), deve ser superior a 45%.


Essas contas servem para mostrar que as empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil, que respondem por 40% do comércio exterior do país, poderiam estar exportando o dobro ou o triplo, o mesmo valendo para a importação, se estivessem se comportando de modo minimamente parecido com o que fazem, em média, em outros países. Se o “Brazil” estivesse exportando na faixa de 45% de seu PIB suas vendas no exterior teriam sido cerca de US$ 150 bilhões maiores do que foram em 2010.


A pergunta que não quer calar é muito simples: por que então as multinacionais estabelecidas no Brasil exportam tão pouco?


É claro que a resposta começa pelo fato de que todas as razões que levam o Brasil a exportar pouco, sobretudo em manufaturas, valem para o “Brazil”. O intrigante é que, no “Brazil”, há bastante mais competitividade, a julgar pelos níveis de produtividade, que são cerca de dez vezes maiores relativamente ao Brasil. E isso serve para afastar o câmbio da discussão, pois a “sobrevalorização”, essa doença crônica, estaria em 20%, segundo a “The Economist” e sua métrica de big macs, de modo que não seria tão relevante. As organizações globais das multinacionais se formam, entre outros motivos, para diluir o risco cambial.


Sendo assim, por que então as multinacionais localizadas no Brasil não plugam mais intensamente as suas operações no Brasil com suas cadeias internacionais de valor?


Pode-se dizer que há um problema de nascença, pois essas empresas vieram para o Brasil pensando no mercado interno, em contraste com o que se passou na Ásia, e o período de hiperinflação nos subtraiu ainda mais da globalização. Com a passagem do tempo, todavia, o “Brazil” deveria ficar mais exportador (e a Ásia menos), e, de fato, considerando uma amostra mais restrita de filiais americanas, a razão exportações/PIB, que estava em 14% em 1995 (para as filiais no Brasil, contra 63% para as filiais na Ásia e 42% para a média mundial) sobe para 32% em 2005 (contra 52% para a Ásia e 46% para a o mundo), mas despenca para 22% em 2012 mercê do aumento substancial do protecionismo e dos “requisitos de conteúdo local”.


Nada pode ser mais prejudicial à ideia de elevar as exportações do “Brazil”, e a enriquecer os laços do Brasil com o resto do mundo, que esse protecionismo velho, que confunde soberania com autarquia e que privilegia a balança comercial em vez da corrente de comércio. Sem importar, não se exporta.


E mais: preferimos investir em parcerias “Sul-Sul” em vez de entrar para a OCDE e em acordos comerciais que nos colocam no mapa da produção internacional.
Estamos perdendo tempo com políticas comerciais e industriais mercantilistas e obsoletas, que parecem combater e contestar a globalização (e os estrangeirismos), quando ela já está firmemente absorvida dentro de casa e nos oferece oportunidades que fingimos não enxergar.


Fonte: O Globo, 31/08/2014.


14 março 2013

Protecionismo,crônica doença brasileira

A política comercial brasileira voltou à baila no debate público nas últimas semanas em vista de desenvolvimentos no cenário internacional e, também, na política nacional. A disposição de EUA e União Europeia de darem início a negociações visando a um acordo comercial suscitou especulações sobre os rumos da atual política comercial brasileira. O máximo que se obteve como reação do governo foram a declaração de que a política comercial seria "cautelosa" diante da iniciativa de Washington e Bruxelas e a afirmação de que, no Planalto, o assunto foi visto "sem afobação subalterna". Paralelamente, o prematuro início da corrida eleitoral para a sucessão de Dilma Rousseff ensejou manifestações na oposição que sugeririam que a abertura comercial poderia jogar papel relevante no programa do candidato do PSDB, Aécio Neves. Esses desdobramentos devem ser analisados à luz dos fatos correntes e do retrospecto do governo FHC quanto ao tema.

A alegação governamental sobre a cautela que cercaria a política comercial não pode ser levada a sério. O que caracteriza a atual política comercial, fora jogadas de efeito e defesa comercial à outrance, não é a cautela, mas a paralisia em relação a qualquer postura ativa. Gira, de fato, em torno do Mercosul. E, em contraste com o que ocorria na década de 1990, quando a integração regional alavancava a abertura do mercado brasileiro, hoje os parceiros do Mercosul, especialmente a Argentina, levam o Brasil a reboque em processo de gradativo fechamento da economia. Além disso, sendo - ou pretendendo ser - união aduaneira, o Mercosul tolhe a possibilidade de negociações com outros parceiros comerciais, pois a resistência argentina em abrir o mercado é ainda maior do que a brasileira.

A combinação de protecionismo e protagonismo levou a tentativas frustradas de incluir discussões cambiais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Novos instrumentos de proteção foram mobilizados, tais como o IPI discriminatório penalizando importações de autoveículos. Velhos instrumentos, como metas de conteúdo local, adquiriram importância em outros setores, notavelmente na compra de equipamentos e serviços para exploração e processamento de petróleo e gás.


[...]

Reverter o protecionismo é a forma eficaz de enfrentar as dificuldades competitivas acarretadas pela apreciação cambial induzida pelo sucesso na exportação de commodities. Com proteção alta, serão perpetuadas as notórias dificuldades competitivas da indústria. Mas o protecionismo é uma crônica doença brasileira. Há resistência disseminada em aceitar que não faz sentido proteger a qualquer preço a produção doméstica diante das importações. Para que fosse rompida a coesão do bloco protecionista no início da década de 1990 foram requeridos dois ingredientes: descalabro econômico e o terremoto político que resultou na excêntrica eleição de Collor. Para promover a retomada da abertura comercial sem tais choques, seriam necessárias virtudes cívicas que fizessem prevalecer o interesse coletivo sobre os interesses setoriais e que não parecem disponíveis no momento. A esperança de que tal reversão ocorra em qualquer cenário político é, infelizmente, remota.

Fonte:  Protecionismo sem 'afobação subalterna'
Marcelo de Paiva Abreu *
O Estado de S.Paulo, 4/03/2013
  Marcelo de Paiva Abreu é doutor em Economia pela Universidade de Cambridge e professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.

07 março 2013

Petrobras e o conteúdo nacional

A Petrobras encaminhou à Agência Nacional do Petróleo (ANP) carta na qual afirma que a indústria nacional não terá condições de cumprir o percentual de conteúdo local mínimo exigido pelo órgão para as atividades de exploração e desenvolvimento da produção nas áreas que serão oferecidas na 11ª Rodada de licitações que acontecerá em maio próximo. É a primeira vez que a Petrobras questiona publicamente os índices de conteúdo nacional impostos pela política do governo federal para a indústria petrolífera.

Na carta enviada durante a consulta pública do pré-edital da próxima rodada da ANP, a Petrobras solicita a redução de 43 itens para a exploração e a produção de petróleo e gás em terra e em águas rasas e profundas, citando a falta de capacidade do país. "Foram identificados que os percentuais do conteúdo local mínimo de alguns itens e subitens não são possíveis de serem atendidos pelo mercado fornecedor local".


[...]A Petrobras explicou que, em alguns itens, os certificados de conteúdo nacional já emitidos pelos fabricantes estão com percentuais abaixo dos valores estabelecidos no pré-edital e, por isso, recomendou à ANP uma nova análise. A estatal esclareceu que sua preocupação é em relação a possíveis multas que poderá sofrer caso o mercado nacional não consiga atender os percentuais. Garantiu que não há risco de atrasos e destacou não existir indicativo de incapacidade nacional a médio e longo prazos.

Fonte: Petrobras e o ‘item nacional’
Ramona Ordoñez e Bruno Rosa O Globo, 1/03/2013

23 dezembro 2012

Brasil:baixo crescimento, inflação em alta, protecionismo e estatismo



O "pibinho" de 2011 tinha a desculpa de se seguir ao "pibão" de 2010. Na média, ainda estava de bom tamanho. Mas, face aos decepcionantes números do terceiro trimestre, a renda per capita pode até diminuir em 2012. Como se não bastasse, as expectativas de crescimento para 2013 se reduzem a cada rodada das projeções encomendadas pelo Banco Central.

Não é só o PIB que decepciona, mas também a inflação. Ano passado tivemos 2,7% de crescimento com 6,5% de inflação. Este ano deveremos ter 1% de crescimento com 5,7% de inflação - valor ainda superior à meta de 4,5%, que é elevada para o padrão de nossos parceiros comerciais.

O mundo lá fora também não anda bem. Mas quem anda realmente mal são os países industriais, especialmente a Europa. Os países emergentes mantêm taxas de crescimento superiores às do Brasil, com inflação mais baixa. E nossos vizinhos na América Latina vêm apresentando um desempenho econômico vigoroso, que parece ignorar as mazelas do mundo desenvolvido.

Precisamos olhar para nosso próprio umbigo para tentar decifrar de onde vem essa doença brasileira de baixo crescimento com inflação elevada.

Recapitulando. Desde o pós-guerra até 1980, o país sustentou taxas de crescimento admiráveis. Mas em 1981, houve um colapso da acumulação de capital, detonado pela crise da dívida externa. A ela se seguiu o descontrole inflacionário, a partir do fracasso do Plano Cruzado. O período entre 1981 e 1993 ficou conhecido como a grande década perdida, que durou até o dragão da inflação ser domado pelo Plano Real, em 1994.

Na falta de um ajuste fiscal consistente, a estabilização do Real se sustentou na âncora cambial e nos juros elevados. O ambiente externo não ajudou, com sucessivas crises no México, no Sudeste Asiático e na Rússia. Em consequência, o crescimento se manteve baixo. Após a crise cambial de 1998, um novo tripé de política econômica foi adotado: superávit nas contas primárias do governo, câmbio flutuante e metas de inflação. As contas externas melhoraram, mas o crescimento continuou a decepcionar.

Enquanto persistiu o "medo do Lula", o investimento não reagiu às reformas liberalizantes implantadas no governo FHC. Tudo pareceu mudar para melhor em 2005. O medo de Lula passou, as commodities entraram em ciclo de alta, o capital externo voltou a fluir para o país.
O crescimento se acelerou e até mesmo a crise financeira mundial de 2008-2009 pareceu ser uma "marolinha", pois o país dela se recuperou com galhardia em 2010. Desde então, entretanto, só dá "pibinho" atrás de "pibinho", sem folga na inflação. Que se passa?

Com o benefício do retrovisor, o que os números sugerem é que o sucesso do período 2005-10 explica-se por uma recuperação cíclica do investimento e do emprego, no contexto de uma enorme bonança externa.

No primeiro trimestre de 2004, o investimento fixo foi de apenas 15,3% do PIB. Essa taxa cresceu continuamente (exceto em 2009), até atingir 19,5% por cento do PIB no final de 2010.
No início de 2004, a taxa de desemprego estava em torno de 12%. Desde então, ela se reduziu ano a ano, até chegar a 5,3% em outubro de 2012.

A produtividade do trabalho se beneficiou da transferência de mão de obra de atividades informais para as formais. Investimento em alta, desemprego e informalidade em queda permitiram maior crescimento.

O crescimento desse período foi também sustentado por uma enorme bonança externa: preços das commodities em alta e forte entrada de capital externo.

Todas essas fontes de crescimento perderam força. O desemprego está no limite, conforme atestam as constantes reclamações de falta de mão de obra. Também a possibilidade de transferir trabalhadores das atividades informais para as formais se reduziu. A disponibilidade de mão de obra tende a limitar o crescimento do PIB como antes não o fazia. A bonança externa arrefeceu. Os preços das commodities estabilizaram-se quando não caíram. O financiamento externo se reduziu.

O potencial de crescimento do PIB passa doravante a depender da própria capacidade do país de elevar o investimento e aumentar a produtividade. Maiores estímulos à demanda somente tenderão a piorar a inflação.

Diversos fatores estão paralisando os investimentos. Proeminente entre eles está a dificuldade do governo federal de executar os investimentos programados no orçamento, exceto pela construção de moradias (que pouco agrega à capacidade de crescimento do país). "Não é dinheiro que falta, é a capacidade de execução", já disse a presidente da República a este jornal.

A execução estatal é ruim, mas igualmente danosa é a relutância do governo em transferir os projetos de infraestrutura para a iniciativa privada.

A privatização foi demonizada pelo PT e a presidente Dilma incorporou essa herança maldita. As licitações saem a fórceps e, quando saem, têm uma formatação inadequada - como ilustrado pelo caso do petróleo do pré-sal, das estradas federais, dos portos e aeroportos. As parcerias público-privadas, que deslancham em Estados e municípios (nas áreas de saneamento, saúde e segurança), no governo federal delas nem se ouve falar.

A esses fatores se soma o populismo de querer segurar a inflação com o controle de preços das estatais e das concessionárias de serviços públicos. Disso resulta perda de capacidade de investir, no governo e fora dele.

Se o investimento não ajuda, a produtividade também não. Há muitos fatores em causa, mas eles podem ser resumidos num só, porque os demais, de uma forma ou de outra, dele resultam: o Brasil é a economia mais fechada do mundo.

Isso se comprova nos dados do Banco Mundial, nos quais o país aparece com a menor relação entre importações e PIB entre todos os países para os quais esses dados existem. Igualmente, os números de 2010 da Penn World Tables, da Universidade da Pensilvânia, mostram que entre os 169 países considerados, o Brasil ocupa a 169ª colocação tanto no que se refere à penetração das importações no mercado interno quanto à participação da soma das exportações com as importações no PIB.
Mas nem precisaria de números, porque sabemos ser esse o país que na ditadura implantou a retrógada lei da informática (ainda parcialmente em vigência), uma das mais equivocadas políticas de substituição de importações de que se tem notícia na história.

Apesar de estarmos no país que menos importa no mundo em relação ao tamanho de seu PIB, tanto industriais quanto governo não cansam de lamentar a "invasão dos importados".

A presidente da República e o ministro da Fazenda ficaram famosos por cunhar expressões como "tsunami monetário" e "guerra cambial", sem falar no "dumping chinês". Recentemente, a presidente da República adaptou uma boutade do ex-ministro Delfim Netto para explicar que não queremos mais ser "o último peru no Natal [dos exportadores estrangeiros]".

O objetivo declarado da política industrial do governo - nas áreas da saúde e da eletroeletrônica, por exemplo - é reduzir o déficit comercial setorial.

Automóveis produzidos no país são beneficiados pela redução do IPI desde que cumpram estritos requisitos de conteúdo nacional. Parceiros internacionais da Petrobras na exploração do pré-sal têm que satisfazer uma rígida pauta de substituição de importações, sob risco de fortes penalidades. Produtos nacionais que obedeçam aos requisitos de conteúdo nacional podem ser vendidos ao governo com 25% de sobrepreço. Cem produtos tiveram suas tarifas de importação recentemente aumentadas e outros cem estão na fila. Os exemplos se multiplicam.

Mas não é só no governo. Estudo recente da Fiesp, por exemplo, assusta-se com o aumento dos componentes importados na produção agrícola e adverte: "Parte das importações é necessária, mas é preciso mensurar os riscos dessa crescente dependência. Nosso estudo é um alerta."

A atitude é que importar é coisa ruim, supostamente porque subtrai mercado à produção brasileira e reduz o emprego.

Trata-se de uma postura que privilegia problemas conjunturais de falta de demanda, de que não padecemos, em detrimento da necessidade, que temos, de participar mais ativamente do comércio internacional para o país poder voltar a crescer.

Carece fazer compreender que, nesses tempos de cadeias produtivas globalizadas, é a importação que faz a exportação.

A Embraer está aí para comprovar essa tese. Mas, no clima protecionista que impera em Brasília, dá até medo de arguir que a Embraer só é a potência que é porque importa 95% das peças dos aviões que produz. Mesmo porque a Embraer já sofre para comprovar que contabilmente consegue superar o índice de 60% de nacionalização do produto final exportado, sem o qual não teria acesso aos financiamentos do BNDES.

Entre as piores consequências do fechamento às importações está o fato de, há anos, os preços dos bens de capital subirem mais do que os preços dos bens de consumo e serem hoje muito superiores aos preços de seus similares internacionais, conforme documentado em pesquisas recentes. Vinicius Carrasco e João Manoel do Pinho Mello mostram que os vergalhões de aço custam duas vezes mais no país do que no resto do mundo.

Regis Bonelli e eu estimamos que o preço das máquinas nacionais é cerca de 30% superior aos similares importados. Como se não bastasse pouparmos pouco, o poder de compra dessa poupança é reduzido pelo elevado preço dos bens de capital produzidos no país, que resulta da falta de concorrência gerada pelo fechamento da economia às importações.

Enquanto o governo ambiciona fechar o país ainda mais, querendo produzir todas as partes de todos os produtos aqui dentro, no resto do mundo desenvolvem-se as cadeias produtivas internacionalizadas, através das quais os países se especializam não só em diferentes mercadorias e serviços, mas em diferentes etapas do processo produtivo. Essas cadeias se definem em três grandes regiões: a América do Norte, a Europa e a Ásia.

Na América do Sul, Chile, Peru e Colômbia tratam de nelas se integrar, pois já entenderam que é assim que se incorpora o progresso técnico e se aumenta a produtividade. Enquanto isso, na companhia de Argentina, estamos perdendo o trem da história. 

Precisamos dar um novo rumo à economia se quisermos aumentar o investimento e a produtividade. Por um lado é preciso romper com o estatismo. Por outro, com o protecionismo.Definir uma estratégia de integração competitiva do país à economia internacional, que tenha como metas reduzir a carga tributária das empresas à metade e dobrar a participação do comércio exterior no PIB.

Difícil imaginar que o atual governo abrace essa proposta, pois vem seguindo, com gosto, exatamente o caminho oposto. Quem sabe se, com os "pibinhos" se repetindo e a inflação continuando elevada, o país não resolve mudar de rumo nas eleições de 2014?


14 agosto 2012

Desindustrialização: O Que Fazer?


Depois de se dedicar a debates como o combate à inflação, o economista Edmar Bacha, 70, quer saber por que a indústria brasileira está encolhendo. Um dos formuladores do Plano Real, Bacha reuniu 35 especialistas para ir além da explicação câmbio & juros, que, segundo diz, não são o problema verdadeiro. O resultado será publicado no livro "Desindustrialização: O Que Fazer?", organizado com a também economista Mônica de Bolle. Nesta entrevista, Bacha antecipa à Folha parte do diagnóstico sobre a desindustrizalização.


Quando o Brasil começou a se desindustrializar?

De 1980 até 2004/2005, houve um processo paulatino de perda da participação da indústria no PIB. E isso não preocupa. Porque, quando se comparava o Brasil com outros países, a participação da indústria era muito maior. Havia um excesso de indústria. O que discutimos é o que ocorre a partir de 2005, com especial preocupação a partir de 2010.

O que mudou?
A partir de 2005, o Brasil foi beneficiado por uma enorme entrada de dólares, provinda da melhoria dos preços das commodities que o Brasil exporta e de uma entrada muito forte de capitais. É uma grande bonança externa. E o efeito colateral dessa bonança é a desindustrialização.

É como uma doença?
Eu não acho que, necessariamente, seja uma doença. Você apenas alterou o padrão de produção da economia. Não tem ninguém doente. Veja o Brasil de hoje. A mão de obra está muito bem, superempregada e com salários muito altos, como nunca teve. Só quem não está empregando é a indústria. A indústria realmente vai mal, mas o Brasil vai muito bem.

Mas economistas sustentam que o crescimento está travado porque o setor industrial está em crise.

A economia está em pleno emprego. Por que a popularidade da Dilma está tão alta? Do ponto de vista do bem-estar, as pessoas estão muito bem. Há um problema que a economia não cresce. Mas o estrangulamento do crescimento ocorre porque os investimentos dos setores competitivos estão travados.

Que setores poderiam crescer e estão parados?

A construção civil, todo o complexo agromineroindustrial. Mas esses setores dependem muito de infraestrutura, e o que ocorre é que estamos travados por falta de infraestrutura, por falta de mão de obra qualificada.

Não vale a pena o governo tentar recuperar a indústria?

Não através do protecionismo, do crédito subsidiado, nem de medidas pontuais.
Estamos falando de recuperar a capacidade de concorrer e de termos uma indústria produtiva. Afora imposto, e de fato os impostos são extremamente elevados, uma das maiores travas para recriar a indústria é a política do conteúdo nacional. O governo, em vez de resolver, está ampliando. Eu sou a favor de acabar com a política de conteúdo nacional.

Mas o governo diz querer incentivar produtores locais.
É uma política míope, que resolve o problema localizado à custa de criar danos maiores para a economia. No pré-sal, por exemplo, a consequência dessa política, será que a gente não vai chegar ao pré-sal. Pergunta ao Carlos Ghosn, da Renault, por que ele não produz carro de boa qualidade no Brasil. Tendo que comprar tudo aqui dentro não dá. Protegem a indústria de componentes para criar o que chamam de "densificação da estrutura produtiva". O que é preciso é se integrar às cadeias produtivas internacionais.

Como?

Não tem que fazer todas as partes do produto aqui. O comércio internacional é crescentemente intrafirmas -multinacionais exportando para elas mesmas-, intrassetorial -exporta-se seda e importa-se algodão- e intraproduto -cada componente é feito num local e a montagem é feita noutro.É assim que a Ásia está se estruturando e é assim que o México está crescendo.

Qual o efeito para o Brasil?
Aqui, esse suposto nacionalismo fez com o Brasil se tornasse o país mais colonizado do mundo. A participação de multinacionais no PIB é extraordinariamente elevada. E por que elas não exportam? Porque é caro produzir aqui. E por que é caro? Porque têm que comprar tudo aqui dentro, não podem se integrar mundialmente, não podem fazer o que fazem na China. A gente não deixa.

Mas a China também paga salários mais baixos.
A indústria concorre com a natureza, e ela é pródiga. Portanto, nosso ponto de partida é mais alto. Somos como nos EUA. Eles sempre foram um país de salários elevados, têm agricultura e mineração pujante e conseguiram desenvolver sua indústria.

Mas eles também estão buscando retomar as indústrias que perderam.
A desindustrialização não é só brasileira. O mundo inteiro, exceto a China, está se desindustrializando. É como se de repente descobrissem a existência de Marte. A China é como se fosse Marte. Estava fechada, com um terço da população mundial, e agora se abriu. Temos que arrumar um lugar para ela.

Mas, se é um fenômeno mundial, por que o Brasil deveria atuar? E como teria êxito?
Não estamos dizendo para deixar a indústria cair. No Brasil, há um problema específico, a participação da indústria no PIB está caindo mais do que em outros países. Não é que não tenhamos que nos mexer. Ao contrário. Isso é um problema, mas o que está sendo feito é errado.
Temos sugestões, e uma delas é mudar a estrutura de importação, diminuindo os impostos para a compra de bens de capital e componentes. Tornar as indústrias mais produtivas para que se integrem à cadeia mundial, em vez de olharem apenas para o mercado interno. As avaliações sobre o problema são muito chã, é o câmbio, é não sei mais o quê...

Então não é câmbio valorizado e juros altos?
As pessoas acham que mexendo nisso vão resolver o problema. Isso é um equívoco. É preciso entender como isso ocorreu. Não é um monte de gente malévola que apreciou o câmbio e botou os juros na lua. Mas, ao focar juros e câmbio, perde-se a dimensão dos problemas reais e substantivos, que provocam a perda de competitividade.

Quais são esses problemas?
Quando houve a bonança, não teve jeito, houve muito ingresso de capital e o câmbio apreciou. O que fazer? Pôr uma barreira e não deixar entrar nenhum tostão? Fazer igual a Cristina Kirchner? Vai dizer isso para as empresas que precisam de capital e estão lançando ações.
Se existe uma bonança, vamos saber administrá-la. Frequentemente ela é tão boa que as pessoas deixam de fazer o dever de casa. E, quando acabam, só tem um buraco lá.

Economistas do governo afirmam que a bonança permitiu a emergência da classe C.

Poderia ter sido melhor. Mas eu não sou contra isso e não acho que o modelo foi apenas consumista. O investimento cresceu neste período. Mas também é fato que a reação à crise a partir de 2008 só aumentou o consumo.


A reação à crise agravou a desindustrialização?
A desindustrialização não veio porque as pessoas consumiram. Se, em vez de consumir, tivéssemos investido, importaríamos mais ainda. Não acho que veio daí.
As pessoas dizem que o investimento está fraco porque a indústria está fraca. Mas foi justamente quando a indústria enfraqueceu que o investimento aumentou, entre 2005 e em 2011, quando passou de 15% para 20% do PIB.

Qual é a sua explicação?
A indústria é só 15% do PIB. E os outros 85%, que vão muito bem? O Eike Batista deve ter investido.

Então, quais são os problemas reais da indústria?
A indústria é excessivamente tributada no Brasil, comparada com as indústrias estrangeiras. Isso é um problema. Outro é que a indústria tem pouca flexibilidade de comprar insumos de fora por causa dessa política de requisito nacional e das altas tarifas cobradas na entrada de bens de capital e insumos.

O governo está tentando manter um modelo de indústria que não funciona mais?
Eles têm uma mentalidade que talvez coubesse em 1950 e que já foi exagerado em 1970. Hoje é um absurdo. Querem pensar em indústria no país em função desse mercadinho interno que a gente tem, que é só 3% do PIB mundial. É também pensar pequeno a estratégia de curto prazo. Ficar tentando resolver o problema de cada setor, um a um. Está com problema o setor de componentes da indústria automobilística? Azar.


O governo não deveria salvar certos setores, como têxteis e calçados?

Existem muitas indústrias de tecidos no Brasil que vão bem. Muitos dizem: a indústria de calçados vai acabar. Mas nesse grupo tem uma empresa chamada Alpargatas [fabricante das Havaianas]. Há muitas empresas que dão a volta por cima. O processo de criação destrutiva é a maneira pela qual o capitalismo se desenvolve e permite a incorporação de novas formas de fazer as coisas. Essa política protecionista, de escolha de vencedores, constrange a capacidade produtiva a ficar aqui dentro, nesse rame-rame. É preciso olhar além da avenida Paulista [em alusão à Fiesp].

23 julho 2012

Nova tentação nacionalista

Nova tentação nacionalista
Editorial O Estado de S. Paulo - 11/07/2012


Se, efetivamente, estender para todo o setor de energia elétrica a política de conteúdo local em vigor para a indústria do petróleo - medida já em discussão no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) -, o governo premiará mais um segmento específico da indústria nacional, como tem feito com outras medidas de estímulo à atividade econômica. É muito pouco provável, contudo, que com essa medida beneficie o País. A possibilidade de se exigir dos fornecedores de equipamentos para as áreas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica um índice mínimo de componentes nacionais, repetindo o que já se faz no setor de petróleo, pode criar uma reserva de mercado para determinadas empresas instaladas no País, com todas as consequências negativas inevitáveis nesse tipo de prática.

O governo argumenta que a extensão para o setor elétrico da política de conteúdo local permitirá combater o aumento das importações, dotar a indústria nacional de maior competitividade e dar mais segurança e confiabilidade ao sistema - além de aumentar o emprego. São, basicamente, os mesmos argumentos de que lançou mão para justificar essa política para o setor de petróleo.
Segundo o governo, é cada vez maior a presença de fornecedores estrangeiros em obras de infraestrutura, em particular em projetos de exploração de recursos naturais. Primeiro vieram os europeus, depois os chineses. É crescente, segundo o Ministério de Minas e Energia, a participação de equipamentos importados e também da mão de obra estrangeira na execução e operação dos projetos nessa área. Como mostrou reportagem do Estado, o documento em estudo pelo CNPE lembra que problemas como esses no setor do petróleo foram enfrentados com a adoção da política de conteúdo local.


Ao estudar meios de ampliar essa política nacionalista, o governo Dilma dá continuidade a mais um dos muitos equívocos de seu antecessor. A contratação, no Brasil, de equipamentos para a indústria do petróleo foi uma importante bandeira eleitoral do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Ela tinha o poder de encantar uma parte do empresariado, aquela que seria diretamente beneficiada pelo aumento das encomendas, outros que ganhariam com a dinamização da atividade em sua área e os trabalhadores, pois representaria mais empregos para eles.

A realidade, porém, tem sido muito diferente do cenário prometido pelo governo na defesa dessa política. A falta de capacidade de produção da indústria nacional para atender a encomendas de grande porte, como são comuns no setor de petróleo, vem retardando projetos da Petrobrás.
Mesmo que a indústria nacional esteja preparada para atender aos pedidos volumosos nas áreas de petróleo e de energia elétrica, há outros riscos decorrentes da exigência de conteúdo nacional. A existência de um mercado cativo para o produtor local desestimula a busca da eficiência e abre espaço para a prática de preços incompatíveis com o mercado internacional. O resultado pode ser produto de qualidade inferior ao de similares disponíveis no mercado externo, mais caros e entregues fora do prazo contratual.


Não se contesta a intenção do governo de estimular e incentivar a produção local. Trata-se de discutir os limites a incentivos desse tipo. Se exagerados ou muito seletivos - como são muitos dos concedidos pelo governo Dilma a pretexto de reduzir os impactos da crise mundial sobre a economia brasileira -, resultam em perdas para os demais setores e para os contribuintes e consumidores em geral, ao aumentar custos.


No exame dessa questão - que deve levar em conta a capacidade da indústria local e os compromissos assumidos pelo Brasil na OMC, entre outros fatores, como se anuncia que será feito -, o CNPE não pode deixar de observar os objetivos para os quais foi criado, como órgão de assessoramento do presidente da República. Entre eles está a proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos e a promoção da livre concorrência. A exigência de conteúdo nacional pode resultar no oposto desses objetivos.

21 julho 2012

Entrevista com Edmar Bacha

Correio Braziliense
POR ROSANA HESSEL

Primeiro brasileiro a concluir o doutorado em economia na prestigiosa Universidade Yale, o economista Edmar Bacha é considerado um dos pais do Plano Real, lançado em 1994, no governo Itamar Franco. Bacha coordenou o Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), de onde saiu a equipe que desenvolveu o programa. “Desde 1982, discutíamos alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática”, conta.

Bacha ganhou notoriedade ao escrever, nos anos 1970, a fábula da “Belíndia”, em que dizia que o regime militar estava criando um país dividido entre os que moravam em condições similares às da Bélgica e aqueles que tinham padrão de vida da Índia. Nos anos 1980, no governo José Sarney (1985-1990), participou do Plano Cruzado e presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com Fernando Henrique Cardoso, comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por cerca de um ano.

Para Bacha, um dos erros na execução do Plano Real foi o país não ter dado continuidade às reformas necessárias. Entre os acertos, destaca o fato de o país ter se livrado do estigma de que nada aqui dava certo. Ele recorda a histórica frase “Le Brésil n’est pas un pays sérieux”, atribuída ao ex-presidente francês Charles de Gaulle (1959-1969): “Nenhum candidato a De Gaulle pode hoje dizer que o Brasil não é um país sério”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Plano Real chega à maioridade. Mas, apesar dos os avanços dos últimos 18 anos, o Brasil ainda não consegue crescer de modo sustentável sem enfrentar o fantasma da inflação. Onde o país falhou?

É uma falha relativa. Comparado com nosso próprio passado, não há falha alguma. Comparado com o resto do mundo depois de 2008, também não há qualquer falha. Falhamos ao não realizar plenamente o potencial de crescimento do país. Depois do mensalão, em 2005, faltou determinação de continuar as reformas econômicas. Sem reformas, a produtividade estancou e o investimento não cresceu.

É possível pensar em um Plano Real II, agora com o intuito de fazer as reformas abandonadas e ampliar a infraestrutura? O que é preciso para obter a unidade que levou ao Real em julho de 1994?

Pensar é possível e desejável. O que falta é a decisão política. Em 1994, havia a consciência de que, ou estabilizávamos a economia ou cairíamos num buraco sem fim. Agora falta o consenso de que é preciso reformar o setor público para termos crescimento sustentável. Mas já há um começo, tanto na comissão comandada por Gerdau (Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Comitê de Gestão e Competitividade da Presidência), quanto na recente comissão parlamentar para a reforma do setor público.

A que o senhor atribui o sucesso do real? Por que o país fracassou tantas vezes até conseguir derrotar a hiperinflação?

Foi um aprendizado penoso. Os militares resolveram conviver com a inflação e aperfeiçoaram a indexação. Aí houve a crise da dívida externa. Depois os percalços da redemocratização, culminando com o trauma do Plano Collor. Naquela altura, ninguém aguentava mais a superinflação. Na PUC-Rio, vínhamos desde 1982 discutindo alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática. Então, Itamar Franco nomeou Fernando Henrique como ministro plenipotenciário e o resto foi história.

Se o Plano Real fosse elaborado hoje, o que teria de diferente? Haveria um processo total de desindexação da economia? Em vez do câmbio fixo já se adotaria logo o sistema de taxas flutuantes?

O projeto original previa a desindexação total. Mas a negociação no Congresso exigiu a manutenção de alguma indexação residual. Além disso, o ajuste fiscal foi menos forte do que o necessário, pois não foi possível aprovar as reformas constitucionais. Tudo o que se conseguiu foi o Fundo Social de Emergência (hoje chamado de Desvinculação das Receitas da União). Com isso, o câmbio teve que fazer o papel de âncora, com as altas taxas de juros. Se fôssemos começar de novo, seria preciso mudar a história, fazendo a revisão constitucional em 1995 e não em 1993. Com um reforma constitucional, seria possível adotar mais cedo o regime de câmbio flutuante e baixar as taxas de juros.

Nos últimos anos, o crescimento do Brasil foi baseado no consumo das famílias. Esse modelo está esgotado? Por que ainda resistimos tanto a adotar um choque de investimentos? As taxas de juros estão no menor patamar da história, mas as empresas se recusam a ampliar a produção.

Não sei se é inteiramente verdadeira essa afirmação. A taxa de investimento em preços constantes aumentou continuamente de 2005 até 2011 (exceto em 2009, por causa da crise externa). O Brasil ainda investe pouco, mas muito mais do que investia em 2005. Agora, há uma crise séria na economia mundial que desalenta o setor privado. Por outro lado, o investimento público está paralisado. E há uma enorme resistência no governo a fazer o óbvio: transferir para o setor privado a responsabilidade por investimentos que não consegue fazer na infraestrutura — em portos, aeroportos, estradas, energia, etc. É preciso é superar essa paralisia e oferecer alternativas de investimento para o setor privado.

O Brasil enfrentou muitas crises internacionais ao longo de quase duas décadas. Caiu de joelhos na maioria das vezes por causa da fragilidade das contas externas. Com o mundo em recessão, os preços das commodities tendem a desabar. Há riscos de uma nova tempestade no balanço de pagamentos?

O volume de reservas internacionais é suficiente para enfrentar problemas que possam se manifestar na área externa. Também não há perspectiva de o preço das commodities desabar. Afinal, a limitação dos recursos naturais é o problema central do planeta quando se olha o futuro.

Como o senhor avalia a política macroeconômica do governo Dilma? Ela está sendo bem conduzida? Quais são os principais pontos positivos e negativos?

De positivo, estar aproveitando a crise mundial para reduzir os juros. De negativo, não conseguir superar a paralisia de investimentos em infraestrutura.
O governo adotou um viés intervencionista na economia. Essa presença maior do Estado no setor produtivo pode pôr a perder conquistas do Real?

Tão ruim como o intervencionismo é o protecionismo. Com isso estão tentando evitar o processo schumpeteriano de criação destrutiva, que é a base da prosperidade no capitalismo. Com essa política absurda de conteúdo nacional, continuaremos a produzir carroças e não vamos chegar ao pré-sal.
O Brasil ganhou voz no mundo e hoje é ator influente na política global. Em que a estabilidade econômica contribuiu para isso? Essa relevância veio para ficar?

O Plano Real só tem 18 anos. Daqui a 32 anos poderemos fazer essa avaliação, se a estabilidade interna, que é a base da relevância externa, veio para ficar. Mas nenhum candidato a De Gaulle vai poder hoje dizer que o Brasil não é um país sério, como disse o general francês na década de 1960. Mérito da redemocratização, do real e da continuidade de políticas econômicas e sociais desde então.

Qual é maior legado do Plano Real e o que ainda precisa ser feito para aperfeiçoá-lo?

O maior mérito é ter mudado a cara do Brasil. Antes, éramos uma nau sem rumo, hoje somos uma economia emergente. Para aperfeiçoar, é preciso voltar às reformas.

26 março 2012

Campeão do protecionismo


Legítima defesa - de quem mesmo?
Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de São Paulo, segunda-feira 19 de Março de 2012


É difícil de acreditar, mas é fato. Protecionismo virou política explícita do governo brasileiro. Em contraste com o passado, quando o País se destacou na defesa do desmantelamento do protecionismo agrícola - como ficou claro nas fracassadas negociações na OMC -, agora o Brasil tornou-se campeão do protecionismo. Alega que só se defende de políticas desestabilizadoras de seus principais parceiros comerciais.

O diagnóstico que pretende justificar a maré protecionista é falho; as reminiscências históricas, distorcidas; e os pretensos remédios para reduzir a vulnerabilidade industrial brasileira, comprovadamente ineficazes. Para não falar de indignações empresariais que vicejam em meio à confusão deliberada entre interesses coletivos e interesses privados.



A despeito do que se afirma, entre 2000 e 2011 a participação da indústria no PIB se manteve em torno de 27%-30%. Em 2011, foi exatamente igual à de 2000. O que está encolhendo é a participação da indústria de transformação (que não inclui petróleo e gás natural, minério de ferro e outras extrativas, produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana e construção civil): a participação era de 17,2% em 2000 e hoje é de 14,6%.
Isso não significa que o produto da indústria de transformação esteja em queda. Está perdendo participação no PIB, algo que decorre da evolução favorável das vantagens comparativas brasileiras em outros setores da economia.

Além disso, essas comparações ocultam variações importantes de preços relativos. Os preços agrícolas no Brasil, por exemplo, aumentaram 20% em relação aos preços industriais no período 2000-2011. Ou seja, em termos reais, a perda de participação da indústria de transformação foi mais modesta do que indicam os valores nominais.



A constatação dessas mudanças estruturais tem sido acompanhada de reminiscências saudosistas em relação à década de 1980, quando a indústria respondia por 47,9% do PIB. A comparabilidade dos dados de longo prazo do IBGE tem problemas insolúveis, mas é provável que tal participação excedesse de fato 40%. O que não tem sido dito é que isso ocorria porque a indústria do País era grotescamente superprotegida. A razão importações/PIB era de 3%, excluindo petróleo, comparados aos 11% de hoje.


Será que pretendemos voltar a esses tempos gloriosos? Seria relevante lembrar que foi um período em que a economia não crescia e a inflação decolava além dos 200% anuais.



As medidas utilizadas para compensar as dificuldades competitivas da indústria de transformação não são eficazes. Concentram-se em tentativas de conter a apreciação cambial, desonerações fiscais discricionárias, tratamento tarifário condicionado a "conteúdo nacional" e prometida intensificação de medidas de defesa comercial. A maior parte das tentativas de interferir no câmbio é "enxugamento de gelo".


Os resultados, em geral modestos, acabam por ser rapidamente erodidos. A ênfase na reversão da apreciação cambial e na redução da taxa real de juros seria bem mais apresentável se fizesse parte de um programa de reformulação radical do nível e da composição dos gastos públicos combinada com reforma tributária. Desonerações fiscais discricionárias diminuem a transparência da sinalização para a alocação de investimentos.


Alguns dos efeitos adversos da questionável legislação sobre IPI e conteúdo nacional só puderam ser contornados porque o setor automotivo é concentrado. O truque não é generalizável para outros setores. Medidas de defesa comercial jamais terão o impacto agregado que pretende o governo. Forçar a adoção de medidas de antidumping e salvaguardas - onerosas administrativamente - despertará a reação de nossos parceiros comerciais.




O governo tem fugido de qualquer compromisso crível com o que é realmente relevante para aumentar a competitividade dos produtos industriais brasileiros ou minorar as consequências de mudanças estruturais inevitáveis: revolução na infraestrutura, criação de incentivos centrados em compensação de falhas de mercado e diminuição da carência de mão de obra qualificada.




Importante empresário do setor siderúrgico defendeu, recentemente, a maré protecionista, devidamente enrolado na Bandeira Nacional, invocando a defesa dos interesses presumivelmente coletivos. É preciso separar interesses coletivos de interesses empresariais, frequentemente não coincidentes. E é preciso alguma coerência: alguns dos mais ardorosos defensores do protecionismo em nome de interesses coletivos têm antecedentes ruins quando se trata da formação de cartéis à custa dos interesses dos consumidores.


Não há nada condenável quando empresários defendem os interesses de seus acionistas. O que deve ser contestada é a defesa de interesses particulares travestidos em interesses coletivos.



É fato sabido que o conceito de vantagens comparativas transita cada vez com mais dificuldade em Brasília, mas a atual política comercial brasileira beira o ridículo. Estamos regredindo com grande empenho. É preciso olhar para o futuro e não repetir o que houve de pior no passado
.


*Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.

11 outubro 2009

Argentina

Há um século, existiam somente sete países no mundo mais rico que a Argentina (Bélgica, Suiça, Inglaterra e quatro ex-colônias inglesas, incluindo os EUA), conforme a base de dados histórica de Angus Maddison. Em 1909 a renda per capita da Argentina era 50% maior que a Itália, 180% maior que o Japão e quase cinco vezes maior que o vizinho Brasil. Ao longo do século vinte, a renda relativa da Argentina caiu pesadamente. Em 2000, a renda da Argentina era menor que metade da Itália ou Japão.

O gráfico abaixo mostra a relação entre a renda em 1909 e a renda em 2000, em dólares de 1990 e a Argentina é um ponto extremo. A distância entre a renda de 2000 e o sucesso econômico previsto, baseado na renda de 1909, é maior para Argentina do que para qualquer outro país. (...)


What Happened to Argentina?; Edward Glaeser, New York Times, 6/10/2009



A resposta de Glaeser: modelo econômico baseado em agropecuária, choques externos (duas guerras e depressão) e protecionismo, além das instabilidade política que tornou o direito de propriedade inseguro.