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16 agosto 2025

IA e Auditoria: somente vantagens?


Eis o resumo de um artigo do Accounting Web

A inteligência artificial está revolucionando o fechamento das revisões de demonstrações financeiras ao simplificar tarefas repetitivas e elevar a qualidade das auditorias. Os métodos tradicionais, muitas vezes manuais e propensos a erros — como recalcular valores ou revisar inconsistências — atrasam os processos e sobrecarregam as equipes. Os softwares de revisão com IA automatizam esses processos, reduzindo o esforço humano sem retirar o auditor do controle. O foco passa a ser na análise narrativa e qualitativa, enquanto a automação cuida da precisão numérica e da consistência entre versões, liberando o tempo dos profissionais para tarefas mais estratégicas e reflexivas. Essa transformação permite auditorias mais rápidas, eficientes e confiáveis — sem sacrificar a expertise humana.

Há outros aspectos que precisam ser considerados:

a) as empresas tenderam a dispensar os experientes auditores e contratar criadores de prompts. 

b) nada garante que a IA será usada para revisão. Acredito que também será usada para fazer o trabalho principal. 

c) quem irá perceber a alucinação de uma IA? Deveria ser uma pessoa, mas ela acabou de ser substituída por uma IA.  

Fake news para dar paz aos moradores


E quando a tecnologia e o fake news é usada pelo locais para ter paz, isso é ético? Veja o caso do bairro residencial de Parkbuurt, em Zandvoort, Holanda, onde moradores frustrados com o tráfego intenso e a falta de vagas criaram uma tática inusitada: “fecharam” virtualmente suas ruas no Google Maps. 

Eles aproveitaram a função de reportar incidentes de trânsito — dezenas de notificações simultâneas foram suficientes para o sistema redirecionar os visitantes a evitar o bairro nos finais de semana. E assim conseguiram que menos veículos passassem pelo local, com mais tranquilidade e alívio temporário sobre a infraestrutura. As áreas vizinhas sofreram, no entanto, já que tiveram que absorver o tráfego. 

A prefeitura procurou o Google para remover os bloqueios falsos.

Efeito Netflix

O conceito de “efeito Netflix” refere-se à facilidade com que pequenos gastos recorrentes — como R$ 15 ou R$ 40 por mês — são automaticamente contratados e raramente questionados, mesmo somando valores expressivos ao longo do tempo, fenômeno apelidado de “dinheiro invisível”. Diferente de grandes compras, esses gastos diluídos não passam por reflexão, pois parecem inofensivos. 


Além disso, ofertas com preços baixos reforçadas por “cancele quando quiser”, renovação automática e dificuldade para cancelamento criam uma percepção de conveniência que inibe nossa capacidade de escolher conscientemente e cancelamos menos do que deveríamos.

Para combater esse padrão, o autor do texto do link sugere quatro estratégias práticas: (1) revisar assinaturas a cada seis meses; (2) aplicar a “regra dos 12 meses” — perguntar-se se vale pagar a vista o valor anual; (3) concentrar as cobranças em um único dia do mês para sentir o impacto financeiro real; (4) usar um cartão único para rastrear todos esses gastos na fatura. 

Tenho um adendo aqui: use a regra de multiplicar por 100 cada gasto. Isso é uma forma grosseira de trazer a valor presente uma perpetuidade - considerando um custo de oportunidade de 1% ao mês. Assim, uma assinatura de um streaming que você não usa, de 40 reais, corresponde a 4.000 reais a longo prazo.  Vale a pena? 

Novas orientações do IAASB fortalecem auditorias de sustentabilidade

O International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) divulgou dois novos documentos para apoiar a adoção do padrão ISSA 5000International Standard on Sustainability Assurance, que define requisitos gerais para auditorias de sustentabilidade. Os documentos incluem extratos selecionados da norma, separados entre limited assurance e reasonable assurance, facilitando a implementação por reguladores e profissionais sem alterar o padrão integral. O IAASB também publicou FAQs esclarecendo que, quando o ISSA 5000 entrar em vigor, em dezembro de 2026, os padrões anteriores ISAE 3000 (Revised) e ISAE 3410 não se aplicarão mais às auditorias de sustentabilidade.

Normas de Mensuração do setor público

A International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB), que emite normas internacionais de contabilidade para o setor público, aprovou em junho de 2025 as Emendas às Normas IPSAS Resultantes da Aplicação da IPSAS 46, Mensuração (vide aqui também). Estas alterações entrarão em vigor em 2028.

O principal objetivo deste projeto foi introduzir a abordagem de valor operacional atual como uma base de mensuração nas normas. Esta nova abordagem terá um impacto na IPSAS 12, Inventários, onde o método será agora utilizado tanto na mensuração inicial de inventários adquiridos em transações sem contraprestação, quanto na mensuração subsequente para inventários mantidos pela sua capacidade operacional. 


Outra alteração crucial ocorre na IPSAS 21, Desvalorização de Ativos Não Geradores de Caixa. A definição de "valor recuperável do serviço" foi atualizada para o mais alto entre o valor justo menos custos de venda e o valor operacional atual. Isso alinhando a IPSAS 21 com os princípios de mensuração da IPSAS 46.

Além disso, as emendas adicionam uma definição de estimativa contabil na IPSAS 3, consistente com a terminologia da IPSAS 46. E a terminologia das divulgações de mensuração de valor atual em diversas normas IPSAS foi aprimorada.

IA prefere IA


Uma pesquisa publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences revela que grandes modelos de linguagem, como GPT-3.5, GPT-4 e Llama 3.1, exibem um forte “viés AI-AI”: ao escolher entre descrições humanas e geradas por IA de produtos, filmes ou artigos científicos, eles preferem consistentemente os textos produzidos por outras IAs. O efeito foi mais intenso no GPT-4, sobretudo em avaliações de bens de consumo. Embora humanos também tenham mostrado leve preferência por descrições de IA, essa inclinação foi muito mais fraca. 

Para os autores, o fenômeno levanta preocupações sobre discriminação estrutural contra humanos em um futuro dominado por sistemas automatizados de decisão. Se empresas e instituições adotarem IAs para avaliar currículos, trabalhos acadêmicos ou propostas, humanos que não utilizarem LLMs correm o risco de serem sistematicamente preteridos. Isso poderia ampliar a “divisão digital” e criar um “imposto de acesso”, reforçando desigualdades sociais, culturais e econômicas já existentes. 

Na contabilidade, podemos supor que as empresas estão usando a IA para preparar suas demonstrações contábeis e comunicados relevantes ao mercado. E os investidores também estão trabalhando com a ferramenta (vide aqui). 

Primeiro-ministro da Albânia propõe colocar IA no seu lugar (e dos seus ministros)


Governos nacionais vêm explorando novas tecnologias para enfrentar desafios políticos e econômicos. El Salvador, por exemplo, tornou o Bitcoin moeda legal, mas a medida teve efeitos contrários aos esperados. 

Já a Albânia, com 2,7 milhões de habitantes, discute o uso da IA para combater a corrupção. O primeiro-ministro Edi Rama sugeriu que algoritmos poderiam substituir ministros e até mesmo chefiar um governo inteiro, evitando nepotismo e conflitos de interesse. 

Na época do comunismo, a Albânia era uma experiência extrema de governo "do povo". A onda de democracia e capitalismo mudou o país, mas alguns problemas estruturais, como a corrupção, permanece. E a proposta de Rama encontra apoio do ex-ministro Ben Blushi, que argumenta que a IA não se corrompe, não erra e não exige salário. 

Ele não conhece direito os problemas de destruição em massa de uma IA. Mas a proposta ganha força pelo simbolismo de Mira Murati, albanesa que foi CTO da OpenAI e hoje lidera sua própria startup.  

IA atingiu 100% no exame de medicina

 

Fonte: aqui

É hora de replicar com o Exame de Suficiência.  

15 agosto 2025

A mudança na fórmula da Coca-Cola


A mais conhecida bebida industrial do mundo, a Coca-Cola tem evoluido ao longo do tempo. A fórmula inicial, que continha extrato de coca com cocaína, foi substituída por folhas descocainizadas, para evitar os efeitos psicoativos, em 1903.

Oitenta anos depois, a empresa trocou, em alguns países, o açúcar de cana pelo xarope de milho com alto teor de frutose. Uma das razões foi o custo. Mas como essa troca ocorreu somente em alguns países, criou-se o mito do sabor da Mexican Coke. Muitos consumidores preferem consumir uma Coca-Cola no México do que nos Estados Unidos, por exemplo. 

Recentemente, o presidente Trump pressionou a empresa para mudar o sabor. A empresa então anunciou um versão com açúcar de cana para os Estados Unidos, sem abandonar a versão tradicional. 

Texto como Dado

O resumo:


Os avanços em tecnologia da informação, aliados ao rápido crescimento de textos digitalmente acessíveis, ampliaram significativamente a capacidade dos economistas de usar textos como dados em suas pesquisas (Baker, Bloom e Davis 2016; Gentzkow, Kelly e Taddy 2019). Atualmente, a variedade de fontes textuais é praticamente ilimitada, incluindo livros, contratos, transcrições, artigos de notícias, feeds de redes sociais e muitos outros. Naturalmente, os economistas já analisam textos há muito tempo, como demonstram, por exemplo, Romer e Romer (1989, 2023), que estudaram transcrições históricas das reuniões de formulação de políticas do Federal Reserve. Este artigo se concentra nos avanços tecnológicos que transformaram essa prática. Exploramos como essas inovações possibilitam um processamento de texto mais rápido, em maior escala e de forma mais consistente, além de facilitar a mensuração de múltiplas dimensões textuais.
 

Há um vasto campo para pesquisa em contabilidade. E vários dos autores são professores de contabilidade. 

Contabilidade em Igrejas Evangélicas: Apascenta as Minhas Finanças?


É ótimo quando um artigo começa com um título criativo. Esse é o caso:

O presente estudo objetiva identificar o nível de utilização da contabilidade como ferramenta de gestão e transparência nas igrejas de denominação evangélica. Para alcançar esse objetivo, realizou-se uma pesquisa qualitativa e descritiva, entrevistando pastores e tesoureiros de igrejas evangélicas de diversas denominações no Estado do Rio de Janeiro. Os resultados evidenciam que a contabilidade tem sido utilizada como meio de prestação de contas para os membros e comunidade local pela maioria das igrejas pesquisadas, e que há necessidades de melhoria no controle patrimonial e na gestão financeira de algumas dessas igrejas, visto que controlam manualmente suas informações financeiras. O estudo é importante não só pela presença crescente de igrejas evangélicas no Estado, mas também por se aprofundar na realidade da gestão, oferecendo recomendações práticas para promoção de uma gestão financeira mais eficaz e ética, contribuindo, assim, para o avanço do conhecimento científico na área. Além disso, a pesquisa tem potencial de impactar profissionais da contabilidade, revelando novas oportunidades nas entidades sem fins lucrativos.

Um dos depoimentos, sobre planejamento orçamentário: 

Não tem como ter esse planejamento não, até porque a igreja é sem fins lucrativos, e você não é como uma empresa, que você tem metas e etc... 

Imagem aqui 

Earth Overshoot Day

 

O Earth Overshoot Day é uma data que mede a data em que os recursos naturais de um ano são consumidos até esse dia. Em 2025 foi 24 de julho. Ou seja, no dia 24 de julho a humanidade consumiu os recursos naturais que seria repostos durante o ano de 2025. Os dias restantes significa que a humanidade irá consumir recursos que não serão repostos. 

Um outra forma de olhar é dizer que consumimos recursos naturais 1,8 vezes mais rápido do que os ecossistemas conseguem repor. Isso significa perda de diversidade, gases do efeito estufa, insegurança alimentar, entre outros. 

14 agosto 2025

Aumentam as submissões de artigos Preprint

Da Nature  

Os servidores de pré-publicações estão registrando um aumento nas submissões aparentemente produzidas por fábricas de artigos (paper mills) ou com auxílio de ferramentas de inteligência artificial (IA). Esse tipo de conteúdo representa um dilema para esses serviços: muitos são organizações sem fins lucrativos dedicadas a facilitar a publicação de trabalhos científicos, mas agora precisam investir recursos para filtrar as submissões. Além disso, nem sempre é claro onde traçar a linha entre o uso legítimo da tecnologia e a produção de conteúdo de baixa qualidade gerado por IA.

Use "Por Favor" ao interagir com a IA

Um texto da LSE usa um argumento interessante para usar o "por favor" ao interagir com IA, mesmo que isso seja estranho. Seria uma forma de resistir à comunicação mecânica e afirmar nossa humanidade. É a luta da gentileza versus eficiência, que ajuda a sermos mais educados e humanos.  



Um falso Damodaran promove investimentos


Aswath Damodaran é um dos mais conhecidos especialistas em valuation. Recentemente ele alertou sobre um golpe digital sofisticado que utilizou uma postagem no Instagram e um vídeo falsos com sua voz e imagem para promover promessas de retornos extraordinários em investimentos — golpes criados com inteligência artificial. 

Embora os conteúdos fossem visuais e linguisticamente convincentes, especialmente ao mencionar empresas que ele analisa como Nvidia e Palantir, faltaram argumentos consistentes e fundamentados sobre valuation. 

Vídeo sobre computador de 1976 explica conceitos básicos

Em 1976, apresenta Harry, um empresário da década de 1970 sobrecarregado por pendências, que ainda não domina as inovações tecnológicas. Jane, especialista em computação, explica conceitos fundamentais como hardware, software, entrada (input), processamento, memória e saída (output). Ela tranquiliza Harry, mostrando que os computadores não são intimidantes, mas sim ferramentas para processar informação muito mais rápido que humanos. Por meio dessa aula, ele aprende como usar o computador para gerir seu negócio de forma mais eficiente e produtiva. O vídeo inspira a ideia de que um dia todos terão um computador em casa — uma visão que hoje é realidade. (via Boing Boing)

Um estudo brasileiro do Santo Sudário surpreende


O Santo Sudário é uma relíquia católica bastante conhecida. Seria o pano que envolveu Cristo, após sua crucificação, e apresentaria as marcas do sofrimento dele. 

 Um estudo publicado na revista Archaeometry, conduzido pelo designer 3D brasileiro Cícero Moraes, sugere que o Santo Sudário de Turim não teria envolvido um corpo humano tridimensional como o de Jesus, mas sim foi criado a partir de uma escultura em baixo-relevo. 

Utilizando programas como MakeHuman, Blender e CloudCompare, Moraes comparou simulações de pano sobre um corpo humano e sobre uma escultura rasa. O modelo humano produziu uma imagem distorcida; o baixo-relevo gerou uma impressão nítida e consistente com o Sudário observado hoje, reforçando a hipótese de que ele é uma obra de arte medieval, não uma relíquia funerária autêntica.

Veja mais aqui

Influencer acusada de fraude

Eis um caso de manipulação e fraude nos tempos modernos.  


Daniella Pierson (foto), fundadora da newsletter The Newsette e nomeada para a lista Forbes “30 Under 30” em 2020, está sendo acusada de construir sua imagem e negócios sobre uma base de fraude e mentiras, segundo investigações da Business Insider e da própria Forbes. 

Pierson teria sistematicamente inflado dados para impressionar investidores, parceiros e o público. Ela alega que sua empresa, Newsette Media Group (NMG), vale US$ 200 milhões e possui mais de 1,3 milhão de assinantes. Ou seja, cada assinante teria um valor de 154 dólares. 

Porém, documentos internos e entrevistas com ex-funcionários mostram que a NMG hoje vale no máximo US$ 12,2 milhões e tem cerca de 500 mil assinantes — número inflado ao incluir endereços inativos ou que optaram por não receber e-mails. Por esta métrica, cada assinante teria um valor de 24 dólares ou 16% dos 154 dólares. 

Pierson nega todas as acusações. O caso de Daniella Pierson traz lições valiosas sobre a importância da transparência, da verificação de informações e da integridade na apresentação de dados financeiros e operacionais. 

A IA chegou em peso nos investimentos

 Se você acredita que IA não é usada para investimentos, eis uma pesquisa para rever isso:

Neste artigo, usamos interrupções do ChatGPT para fornecer evidências iniciais sobre se os investidores recorrem à inteligência artificial generativa (GenAI) para realizar tarefas profissionais e o impacto associado na informatividade dos preços das ações. Documentamos uma queda significativa no volume de negociações durante as interrupções do ChatGPT. O efeito é mais forte para empresas que divulgaram notícias corporativas imediatamente antes ou durante as interrupções e para empresas com maior participação detida por investidores institucionais transitórios. Em seguida, registramos quedas no impacto de preço de curto prazo e na variância dos retornos durante os períodos de interrupção, em linha com a redução de negociações informadas. Por fim, constatamos um efeito positivo da negociação assistida por GenAI na informatividade de longo prazo dos preços das ações. De modo geral, nossas conclusões indicam que um número significativo de investidores utiliza o ChatGPT de maneiras que influenciam suas decisões de negociação e os resultados de mercado. Pesquisas futuras podem investigar os mecanismos subjacentes a esses efeitos da GenAI e os riscos potenciais do seu uso na negociação. 

Resumo aqui . Eis um gráfico do texto:


 

No limite


Acabei de receber o livro No Limite, de Nate Silver. Aqui uma conversa dele com Cowen (do Marginal Revolution):

ele acredita que os superprevisores (superforecasters) continuarão superando a IA na próxima década

 

Tarifa de Trump não está provocando uma recessão


Um artigo do Sherwood News (Investors and CEOs have completely ditched the idea that tariffs will cause…), destaca-se que o risco de tarifas foi completamente desconectado do risco de recessão — ou seja, investidores e CEOs não veem mais tarifas como um gatilho para crise econômica. Atualmente, as tarifas estão em torno de 16 %, após recentes mudanças políticas. Paralelamente, observa-se uma expansão de margens de lucro impulsionando o protagonismo das mega‑cap companies—empresas de grande capitalização que continuam apresentando desempenho robusto, independentemente das tarifas.

Esse cenário reflete uma mudança significativa no sentimento do mercado: ainda que as tarifas elevem custos e possam pressionar a inflação, o mercado acredita que isso não resultará em recessão. A confiança reside na resiliência das grandes empresas e no potencial de adaptação da economia a essas imposições tarifárias.

Satepsi

Nos dias atuais, é muito comum realizar pesquisas em contabilidade que apresentem conexão com outras áreas. Ao ler o livro Psicometria, de Hutz, Bandeira e Trentini (Artmed), encontrei uma observação sobre o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), vinculado ao Conselho Federal de Psicologia (CFP).

A quantidade de testes psicológicos disponíveis é muito grande, e saber quais foram validados pode ser um desafio. Por isso, o CFP propôs avaliar a qualidade técnico-científica dos instrumentos submetidos à entidade. Essa é uma primeira limitação: o CFP não avalia testes que não tenham sido submetidos. O segundo aspecto é que, segundo minha percepção, conselhos de classe tendem a apresentar certo viés em suas decisões.


De qualquer forma, ao realizar uma pesquisa e indicar que o instrumento foi validado pelo SATEPSI, há um aspecto positivo, pois isso implica uma avaliação da qualidade científica, da confiabilidade e uma análise realizada por especialistas da área.

Os testes existentes são divididos em 14 categorias, como aprendizagem, atenção, condutas sociais, crenças, entre outras. Ao selecionar um teste, é possível visualizar informações como autores, construtos, público-alvo, faixa etária da amostra de normatização, data de aprovação e prazo de validade do estudo.

Há ainda uma coluna com os testes que podem ser aplicados por não psicólogos. "Está tudo muito bem, tudo muito bom", mas o acesso ao teste em si não é permitido. Alguns deles, inclusive, são de propriedade de empresas.

Imagem: aqui

13 agosto 2025

Caso Ultrafarma 3


A descoberta do problema com o auditor fiscal ocorreu a partir de uma evolução do patrimônio da sua mãe, que mesmo sendo professora aposentada da rede pública, declarou um patrimônio de 411 mil em 2021, 46 milhões em 2022 e 2 bilhões dem 2024.

Alguns comentários aqui:

- A mãe também é cumplice, pois a riqueza estava em seu nome, sendo difícil de acreditar que não sabia de nada

- Um auditor fiscal que parece não conhecer que um enriquecimento tão rápido pode gerar uma investigação. E ocupando um cargo tão relevante. Será um caso de uma pessoa propensa ao risco? 

- O valor anunciado da propina pode levantar uma questão que o benefício para as empresas denunciadas deve ser muito grande. Partindo de 2 bilhões e fazendo um chute grosseiro de um benefício de dez vezes esse valor, o resultado é muito dinheiro. 

- É bem verdade que os valores foram divulgados pelos investigadores, que tendem a exagerar nos montantes, para ganhar prioridade no andamento processual e conseguir as manchetes.  

Caso Ultrafarma 2


Um dos pontos curiosos do caso Ultrafarma é que o auditor fiscal, da Diretoria de Fiscalização da Secretaria da Fazenda, teria recebido mais de 1 bilhão de propina. Mas como ele não atuou sozinho, provavelmente o valor deve ser menor. Há duas contadoras envolvidas no esquema, uma delas que consta do Cadastro do CFC . 

Seria de esperar que o Conselho fizesse um pronunciamento ou acompanhasse as investigações e, se for provada a culpa, a exclusão da profissão. Segundo o texto do Estado de São Paulo, eram "assistentes nos serviços criminosos", ajudando na elaboração de pedido de ressarcimento, "que envolvem documentos e cálculos complexos". 

Fonte da imagem 

Caso Ultrafarma 1


A notícia de ontem fala da prisão de dirigentes das empresas Ultrafarma e Fast Shop, duas empresas de varejo. Basicamente, os empresários pagavam propinas a agentes públicos para obter vantagens. Nada de novo aqui. 

As primeiras notícias falam de uso de notas fiscais falsas, contratos simulados e empresas de fachada para justificar os repasses. Ao efetuar o pagamento, as empresas tinham facilidades em receber créditos tributários. 

Além da Ultrafarma e Rede Shop, outras empresas foram citadas: Kalunga, Lojas Oxxo, Rede 28 e All Mix. Foi divulgado que o valor pago pode ter ultrapassado a 1 bilhão de reais de propina para furar a fila. 

Parece o velho esquema: criar dificuldade para vender "facilidade". Os procedimentos burocráticos são tão complicados que um funcionário do Estado em uma boa posição pode vende a facilidade do trâmite. Nada de novo aqui também, já que o próprio texto do link comenta sobre isso no seu final. 

12 agosto 2025

Baixa publicação sobre IA

Além do pífio investimento em IA, a nossa pesquisa é quase inexistente. Um relatório de Stanford sobre o assunto - um documento abrangente que examina o estado atual e as tendências futuras da inteligência artificial - mostra que a América Latina e Caribe produzem menos de 2% da pesquisa científica de IA na área de Ciência da Computação. 

Gastos em IA

Eis alguns dados: 

  •  O setor privado e o governo dos EUA estão investindo muito mais em IA do que seus equivalentes em outros países.
  • O setor privado norte-americano investiu mais de US$ 100 bilhões em IA em 2024, cerca de dez vezes mais que a China, que ocupa o segundo lugar.
  • De 2013 a 2024, o setor privado dos EUA investiu US$ 470 bilhões em IA, aproximadamente quatro vezes mais que o setor privado chinês.
  • Os gastos públicos dos EUA com contratos relacionados à IA totalizaram US$ 5,2 bilhões entre 2013 e 2023, sendo que o Departamento de Defesa respondeu por cerca de 75% desse total. 

Os dados estão aqui. Mas veja o gráfico e a posição do Brasil:

(Ou seja, nem aparece. Se a IA é o futuro, estamos deixando de lado esse futuro.)
 

AGI e o ensino superior

Eis uma consequência não prevista da AGI (Inteligência Artificial Geral):

Outros estudantes têm medo da AGI não pela possibilidade de destruição da humanidade, mas por representar uma ameaça às suas carreiras antes mesmo que elas comecem. Metade dos 326 alunos de Harvard entrevistados por uma pesquisa da associação estudantil e do clube de segurança em IA da universidade disseram estar preocupados com o impacto da IA no mercado de trabalho.

“Se sua carreira pode ser automatizada até o fim dessa década, cada ano na faculdade é um ano a menos de uma carreira já curta”, afirmou Nikola Jurković, que se formou em Harvard em maio e liderava a área de preparação para inteligência artificial geral no grupo estudantil. “Acredito pessoalmente que a AGI pode surgir em cerca de quatro anos e que a automação total da economia pode acontecer em cinco ou seis.”

Não creio que isto seja aplicável ao Brasil, muito embora o número de alunos que estão entrando parece ter reduzido, mas por outros motivos.  

Rir é o melhor remédio

 

Fonte: aqui

11 agosto 2025

Como o escopo 3 afetou as empresas


O resumo é promissor, mas o artigo completo só comprando. 

Examinamos se a ameaça de exigir a divulgação das emissões do Escopo 3 aumenta a preferência das empresas afetadas por um maior controle sobre a produção e as emissões de GEE, tornando menos desejável a terceirização para países estrangeiros. Usando o pedido de comentários da SEC, em março de 2021, sobre divulgações relacionadas ao clima como um choque na probabilidade de que as divulgações do Escopo 3 fossem exigidas, constatamos que as empresas afetadas reduzem as importações em relação às não afetadas. A redução é concentrada nas empresas para as quais a divulgação do Escopo 3 provavelmente é mais onerosa e naquelas com maior capacidade de reduzir a terceirização no exterior. Além disso, a redução é mais acentuada entre empresas que enfrentam pressões de divulgação do Escopo 3 por parte da UE e da Califórnia. Por fim, encontramos algumas evidências de que as empresas afetadas aumentam a produção interna e melhoram seus esforços ambientais. Coletivamente, nossos resultados sugerem que a ameaça de divulgações do Escopo 3 induz mudanças reais nas decisões corporativas.

Há uma versão anterior aqui . Imagem criada pelo GPT

 

Automação inteligente de processos


A automação inteligente de processos (IPA) representa uma abordagem transformadora que combina automação robótica de processos (RPA), inteligência artificial (IA) e outras tecnologias avançadas para otimizar processos de negócios complexos.

A IPA significa um grande avanço para as tecnologias de automação. Por exemplo, um sistema de IPA pode analisar constatações históricas de auditoria, orientações regulatórias atuais e fatores de risco específicos de um cliente para sugerir abordagens de teste adequadas a um trabalho de auditoria — um nível de assistência que vai muito além do que a RPA pode oferecer. Essa capacidade de apoiar o julgamento profissional representa uma mudança fundamental na forma como as tecnologias de automação podem atender aos profissionais de contabilidade.

A integração da IA generativa dentro do framework de IPA diferencia ainda mais essa abordagem das anteriores. Enquanto a automação tradicional executa processos existentes, a IPA com recursos generativos pode ajudar a projetar novos processos, redigir comunicações profissionais, gerar estruturas analíticas e criar modelos de documentação adaptados a situações específicas de clientes. Essa dimensão criativa permite que a IPA atue tanto como ferramenta de implementação quanto como parceira criativa na prestação de serviços profissionais.

Imagem aqui . Resumo do artigo publicado no Journal of Accountancy

IA e a contabilidade: um estudo nas práticas contábeis da Arábia Saudita

A inteligência artificial (IA) está transformando a contabilidade por meio da automação de processos, do aumento da eficiência operacional e da maior precisão na elaboração de relatórios financeiros, na prevenção de fraudes e na execução da conformidade regulatória. Este artigo explora as oportunidades e os desafios da adoção da IA nas práticas contábeis da Arábia Saudita, alinhadas aos objetivos tecnológicos da Visão 2030. Utilizando questionários estruturados e modelagem de equações estruturais baseada em compósitos (SEM) com a abordagem ADANCO, a pesquisa avalia o conhecimento, as atitudes e as práticas (KAP) de acadêmicos de contabilidade em relação à IA. O estudo mostra o potencial da IA para otimizar operações, executar tarefas que exigem alto nível de conhecimento e combater atividades fraudulentas. O sucesso da implementação depende de programas educacionais direcionados, de regulamentações robustas e de avaliações éticas para lidar com riscos como vieses algorítmicos, deslocamento da força de trabalho e questões de integridade. A pesquisa revela uma ligação direta entre as perspectivas educacionais sobre IA e sua aplicação prática, enfatizando o papel de profissionais capacitados na promoção de avanços industriais positivos. Recomenda-se fomentar a alfabetização em IA, promover a igualdade socioeconômica na adoção e criar ambientes de aprendizagem sustentáveis. Essas percepções oferecem orientações práticas para acadêmicos, profissionais, organizações e formuladores de políticas enfrentarem o papel em evolução da IA, mantendo padrões éticos. A integração ampliada da IA na contabilidade permitirá que a Arábia Saudita cumpra as metas da Visão 2030 e se torne uma referência em desenvolvimento tecnológico sustentável e centrado no ser humano na área.

O artigo pode ser baixado aqui . O artigo parece ser interessante, mas o mapa de caminhos parece gerado por uma IA:


 

IA e Big Four

Não há dúvida de que a chegada da Inteligência Artificial (IA) afetará a contabilidade. Uma tecnologia como essa tende a alterar o mercado, fazendo surgir novos concorrentes — inovadores e ágeis — e desafiando empresas já estabelecidas.

Veja o caso das empresas de auditoria. Se, no início, predominavam firmas de pequeno porte, a concentração do setor criou, inicialmente, as Big Eight. Com as fusões e a falência da Andersen, restaram apenas quatro grandes empresas. E então surge a IA.

Será que essas gigantes conseguirão ganhar terreno nessa tecnologia? O site Going Concern considera que, por serem grandes, burocráticas e lentas, podem enfrentar desvantagens. Empresas menores de auditoria poderiam se adaptar mais rápido e encontrar, com maior agilidade, alternativas tecnológicas. A “solução Google” pode estar à vista: quando não se é suficientemente ágil, adquirem-se as ameaças potenciais.

Apesar da posição do Going Concern, creio que ainda não será desta vez que veremos a destruição do oligopólio.

 

10 agosto 2025

História da contabilidade: Tesoureiro


Obviamente, não queremos aqui dizer que a ocupação de tesoureiro seja igual ao que conhecemos hoje como contador. Na verdade, o termo thesoureiro corresponde ao mesmo tesoureiro de nossa época, ao contrário dos termos “guarda-livros” ou “contador”. Mas, em torno do tesoureiro, havia alguns outros termos similares ou próximos, que os dicionários de antigamente procuravam especificar.

Um deles é “guarda-mor”, que, segundo Figueiredo (p. 983), corresponde a um empregado superior de algumas repartições públicas e tribunais. Fica a dúvida, para pesquisa futura, se “guarda-mor” poderia ser uma espécie de tesoureiro.

Outra palavra que parece ter relação com “tesoureiro” é “fiel” ou “fiel do armazém”. O mais antigo dicionário, Moraes (p. 638), indica ser um oficial que vigia sobre a exatidão dos pesos e, ao mesmo tempo, uma pessoa de confiança, “de quem se fia”. Já Aulete (p. 795) define como oficial público que tem a seu cargo algum depósito de gêneros ou de dinheiro, complementando como “ajudante de tesoureiro”. Finalmente, Figueiredo (p. 876) registra: empregado que tem a seu cargo a guarda de gêneros, papéis ou dinheiro, também com a indicação de que pode ser ajudante de tesoureiro.

Chegamos então ao termo “tesoureiro”. Segundo Moraes (p. 458), é o “guarda do tesouro”. Ele também indica “thesourado”, que seria o ofício do tesoureiro. E “tesouro” seria a área onde se guardam dinheiro, joias e preciosidades, bem como “multidão de dinheiro” ou “burra”.

Aulete (p. 1753) define “tesouraria” como escritório de bancos, companhias etc., onde se operam transações monetárias, e também como o cargo ocupado pelo tesoureiro. Este seria a pessoa “que guarda o tesouro ou cofre de uma associação; o indivíduo que tem a seu cargo fazer todas as operações monetárias de um banco, de uma companhia etc. [há também tesoureiro pagador]”.

Figueiredo (p. 1943) detalha um pouco mais. “Tesouraria” seria:

Casa ou lugar onde se guarda ou administra o tesouro público. Repartição onde funciona o tesoureiro. Escritório de companhia ou casa bancária, em que se realizam transações monetárias.

E “tesoureiro” é:

Empregado superior da administração do tesouro público. Aquele que é encarregado das operações monetárias numa casa bancária, companhia, associação etc.

É interessante notar que o mesmo Figueiredo, na página 1942, apresenta o termo “tesoiraria”:

f. O mesmo que tesoirado. Casa ou lugar onde se guarda ou administra o tesoiro público. Repartição onde funciona o tesoireiro. Escritório de companhia ou casa bancária, em que se realizam transacções monetárias.

Da mesma forma, há “tesoireiro”:

m. Guarda de tesoiro. Empregado superior da administração do tesoiro público. Aquele que é encarregado das operações monetárias numa casa bancária, companhia, associação etc. (Do lat. thesaurarius)

Citando aqui o grande Machado de Assis:

Assim, pois, esta irmandade tem um tesoureiro para recolher o dinheiro, um procurador para ir cobrá-lo e um meirinho para compelir os remissos.
(Balas de Estalo — Texto-fonte: Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 02/07/1883 a 04/01/1886.)


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

Assis, M. de. (1994). Balas de Estalo. In Obra completa (Vol. III). Rio de Janeiro: Nova Aguilar. (Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 02/07/1883 a 04/01/1886).

(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)

História da Contabilidade: Guarda-livros


Sempre tive a impressão de que o termo “guarda-livros” e seu uso na língua portuguesa eram bastante antigos. Por isso, foi com surpresa que não o encontrei no Dicionário de Moraes, mesmo este tendo sido editado no final do século XVIII. Já no Aulete (p. 884), encontramos:

Empregado que, em qualquer casa de comércio, registra nos livros todo o movimento comercial da mesma casa.

Trata-se de um verbete bastante curto. Figueiredo (p. 983), mesmo sendo um dicionário mais extenso, também não dedica muito espaço ao termo:

Empregado comercial que registra o movimento do comércio em uma ou mais casas.

Chama atenção o fato de Figueiredo considerar que o profissional guarda-livros poderia trabalhar em mais de uma casa comercial. Essa situação é natural para um contador moderno que possua escritório próprio, mas soa incomum ao se imaginar o contexto da virada do século XIX para o XX.

E é só isso. Nada que desperte grande curiosidade ou atenção.

Pesquisando na obra literária de Machado de Assis (imagem), encontrei o uso do termo em Helena:

Minha vida começou a ser um mosaico de profissões; aqui onde me veem, fui mascate, agente do foro, guarda-livros, lavrador, operário, estalajadeiro, escrevente de cartório; algumas semanas vivi de tirar cópias de peças e papéis para teatro.

Em Memorial de Aires:

Aguiar casou guarda-livros. D. Carmo vivia então com a mãe, que era de Nova Friburgo, e o pai, um relojoeiro suíço daquela cidade. Casamento a grado de todos. Aguiar continuou guarda-livros, e passou de uma casa a outra e mais outra, fez-se sócio da última, até ser gerente de banco, e chegaram à velhice sem filhos. É só isto, nada mais que isto.

Em Quincas Borba:

Não me respondeu, fingiu que estava absorvido em uma conta, chamou o guarda-livros e pediu explicações.

Nos contos e outros escritos, o termo também aparece. Pelo visto, o nosso grande escritor evitava usar a palavra “contabilidade”, mas recorria com frequência a “guarda-livros”.


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

Assis, M. de. (1876). Helena. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

Assis, M. de. (1908). Memorial de Aires. Rio de Janeiro: Garnier.

Assis, M. de. (1891). Quincas Borba. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)

História da contabilidade: escriturário


Antes de tratar da palavra “escriturário”, gostaria de destacar que Moraes, Aulete e Figueiredo também registram o termo “escrevente” como alguém que escreve por modo de vida, que copia o que outrem dita (Moraes, p. 536), como “copista” (Aulete, p. 663) ou “aquele que tem por cargo copiar o que outrem escreve ou escrever o que outrem dita” (Figueiredo, p. 776). Aulete define “escriturário” como sinônimo de “escrevente” (p. 664).

Quanto ao termo “escriturário” (ou escripturario, na ortografia da época), Moraes (p. 536) é bastante econômico e define como:

Homem versado nas sagradas letras. O que escritura em livros.

Os dicionários costumam refletir sua época. No caso de Moraes, seu dicionário foi produzido quando Portugal e suas colônias começavam a adotar o método das partidas dobradas. O fato de o verbete “escriturário” ser tão econômico é, ao mesmo tempo, prova e consequência de que a contabilidade ainda não era uma realidade consolidada.

Mais de cem anos depois, Aulete registrava (p. 664):

Ação ou trabalho de escriturar ou de escrever. Arte de arrumar os livros comerciais ou de escriturar sistematicamente as diferentes partidas ou artigos. Arrumação dos livros de uma casa comercial; elaboração sistemática e metódica, em livros competentes, das contas de uma casa comercial; o conjunto dos documentos escritos relativos aos negócios de uma casa comercial.

Para Figueiredo (p. 777), “escrituração” é:

Ato de escriturar. Escrita dos livros comerciais; arte de os escriturar. Escrita metódica das contas de uma casa comercial.

E “escriturar” seria:

Registar metodicamente (o movimento de uma casa comercial ou de uma empresa industrial, os documentos de uma repartição pública etc.).

Como consequência, ainda para Figueiredo, “escriturário” é:

Aquele que faz escrituração. Escrevente.

Em Casa de Pensão, de Aluísio de Azevedo (foto), encontramos o seguinte trecho:

O Campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e, a pena atrás da orelha, o lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir no trabalho interrompido pouco antes. Entrou no seu escritório e foi sentar-se à secretária.

Defronte dele, com uma gravidade oficial, empilhavam-se grandes livros de escrituração mercantil. Ao lado, uma prensa de copiar, um copo de água, sujo de pó, e um pincel chato; mais adiante, sobre um mocho de madeira preta, muito alto, via-se o Diário deitado de costas e aberto de par em par.

Tratava-se de fazer a correspondência para o Norte. Mal, porém, dava começo a uma nova carta, lançando cuidadosamente no papel a sua bonita letra, desenhada e grande (...).

(Veja os elementos da tecnologia da época: pena, livros, prensa de copiar, caligrafia, carta...)


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Azevedo, A. de. (1884). Casa de Pensão. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)

História da Contabilidade: Contador e Contabilidade


O termo “contador” mudou de concepção ao longo do tempo, o que leva muitas pessoas a pensar que já existia contador no Brasil desde os primórdios. Veja o que diz Moraes, em seu dicionário do século XVIII (p. 317):

O que calcula. Oficial da Fazenda Real, segundo o método da arrecadação antiga.

Ou seja, tratava-se de um cargo público. “Contadoria” era definida como a repartição que competia aos contadores.

Já a definição de Aulete é bem mais extensa. Sobre “Contabilidade” (p. 389), ele registra:

Cálculo, computação. Escrituração da receita e despesa de uma repartição do Estado, de casa comercial, industrial, bancária, de qualquer administração pública ou particular. A arte de arrumar os livros comerciais ou de escriturar contas.

O “contador” (p. 389) seria:

O que conta. Funcionário da repartição de contabilidade que verifica as contas.

Um aspecto curioso é que Aulete também traz o verbete “Contadora”:

Mulher que conta as resmas nas fábricas de papel.

Já Figueiredo, no verbete “contador” (p. 507), registra o sentido de “aquele que conta” e, no de “contabilidade”:

Arte de fazer contas comerciais ou burocráticas. Cálculo. Repartição onde se escrituram receitas e despesas. Escrituração de receitas e despesas.

Machado de Assis, em suas Crônicas de 5 de janeiro de 1896, usa o termo:

Não sei responder; provavelmente houve espiões, se é que o amor da contabilidade exata não levou o velho Siqueira a inscrever em cadernos os donativos que fazia.

(Pode ser impressão minha, mas percebo que Assis utilizava o termo nos seus últimos escritos. Não encontrei “contador” e “contabilidade” em seus contos ou romances.)


Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

Assis, M. de. (1896). Crônica (5 de janeiro). In Obra completa

História da contabilidade: Caixeiro

Parece que a designação não existia no século XVIII. Moraes apresenta apenas o termo “caixa”, mas não “caixeiro”. Cem anos depois, Caldas Aulete (p. 262) definia ambos. Caixa seria:

Espécie de cofre forte em que os banqueiros ou capitalistas guardam o dinheiro ou os valores bancários, e também os livros mais importantes da sua escrituração. A repartição em que os banqueiros ou negociantes cobram as suas receitas e fazem pagamentos. (Por extensão) o dinheiro e valores que o negociante ou o banqueiro possui em caixa.

E, no final do mesmo verbete, encontramos:

Livro auxiliar de escrituração em que se registram as entradas e saídas de fundos: o diário e o caixa estão em dia, mas o razão tem um atraso de três meses. Caixeiro ou sócio encarregado do movimento da caixa, isto é, das cobranças e dos pagamentos.

Já “caixeiro” seria:

O empregado encarregado da caixa, o caixa. O empregado de comércio ou de casa bancária que o comerciante ou banqueiro institui como auxiliar do seu giro e tráfico. [Esta designação compreende os guarda-livros, os caixas, os escreventes do escritório, os cobradores e os encarregados da venda a retalho.]

Figueiredo (p. 337) segue Aulete. Para ele, caixa é:

Cofre forte em que os banqueiros, capitalistas, negociantes etc. guardam dinheiro e documentos importantes. M. Aquele que, numa casa comercial, tem a seu cargo cobranças e pagamentos. Livro em que se registam entradas e saídas de fundos.

Ele também apresenta um segundo conceito de “caixa”, relacionado a uma moeda de pequeno valor, a exemplo de Moraes. Já “caixeiro” é:

Aquele que, nas casas comerciais, está encarregado da venda a retalho. O encarregado de uma caixa comercial; guarda-livros; o caixa.

José de Alencar, em Senhora, escreve:

Este modo de receber tão sem cerimônia talvez cause reparo em um moço de educação apurada, mas Seixas não era procurado em casa senão por algum caixeiro ou por gente de condição inferior.

E, mais adiante:

Reconhecendo sua inaptidão para alguma das carreiras literárias, Emília lembrara-se de encaminhá-lo à vida mercantil. Por intermédio do correspondente do marido e pouco tempo depois da morte deste, fora o rapaz admitido como caixeiro de um corretor de fundos.


Referências

Alencar, J. de. (1875). Senhora. Rio de Janeiro: B. L. Garnier.

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

(Para fins desta postagem, adaptei a ortografia da época para facilitar a compreensão do leitor.)

História da contabilidade: Amanuense

Para acompanhar a evolução deste e de outros termos, vamos investigar como três dicionários históricos os registraram. O primeiro é o Moraes, em sua edição de 1789. A versão que utilizei possui dois tomos: o primeiro com quase 800 páginas (da letra A à letra K) e o segundo com mais de 500 páginas, totalizando cerca de 1.300 páginas. Essa edição tem o título Diccionario da Lingua Portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro. Na capa, constam ainda os dizeres: “na officina de Simão Thaddeo Ferreira”.


O segundo dicionário é o Caldas Aulete, intitulado Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza, de 1881. Com pouco mais de mil páginas, a obra é bastante conhecida do público. O terceiro é o Novo Diccionario da Língua Portuguesa, de 1913, 10ª edição, o maior deles e talvez o menos conhecido, com 2.100 páginas.

Em resumo: o Diccionario da Lingua Portugueza, de Antonio de Moraes Silva, publicado originalmente em 1789, é considerado o primeiro grande dicionário da língua no Brasil e em Portugal, trazendo definições detalhadas e etimologias. O Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza, de Caldas Aulete, lançado em 1881, inovou ao incorporar vocabulário técnico e estrangeirismos. Já o Novo Diccionario da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo, publicado em 1913, destacou-se por seu caráter normativo e pela atualização ortográfica, tornando-se referência no início do século XX.

Entre os vários termos associados à profissão e à contabilidade, provavelmente o “amanuense” seja o menos conhecido. Moraes (Tomo I, p. 71) é lacônico e o define como “o que escreve o que o outro dita; escrevente”. Caldas Aulete (p. 77) segue a mesma linha, mas acrescenta: escrevente, copista. Empregado que ocupa o grau inferior no quadro de uma secretaria e é ordinariamente encarregado de copiar e registrar papéis. Já Figueiredo (p. 101) define amanuense como: “Escrevente. Secretário. Copista. Empregado de repartição pública, encarregado geralmente de fazer cópias e registar diplomas e correspondência oficial.”

Eis o que Machado de Assis escreveu:

A reputação de vadio, preguiçoso, relaxado, foi o primeiro fruto desse método de vida; o segundo foi não andar para diante. Havia já oito anos que era amanuense; alguns chamavam-lhe o marca-passo. Acrescente-se que, além de falhar muitas vezes, saía cedo da repartição ou com licença ou sem ela, às escondidas.

O caso Barreto — Texto Fonte: Relíquias de Casa Velha, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson, 1938. Publicado originalmente em A Estação, 15 de março de 1892.

Ou seja, tratava-se de uma função com pouco prestígio social.

 
Referências

Aulete, F. J. C. (1881). Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.

Figueiredo, C. de. (1913). Novo diccionario da língua portugueza (10ª ed.). Lisboa: Livraria Editora.

Moraes Silva, A. de. (1789). Diccionario da lingua portugueza (2ª ed.). Lisboa: Typographia Lacerdina.

(Para fins da postagem, adaptei a ortografia da época, para facilitar ao leitor o entendimento)

Pesquisa Histórica sobre Contabilidade: Vantagens, Desafios e Armadilhas


Fazer pesquisa histórica sobre contabilidade é, ao mesmo tempo, um desafio e uma fonte inesgotável de descobertas. É preciso fazer escolhas.

Mas temos hoje uma enorme quantidade de dados disponíveis em bibliotecas digitais. Embora eu consulte várias fontes, gosto muito da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro — um acervo riquíssimo que já venho explorando há mais de uma década em postagens no blog.

Dentro desse universo, geralmente priorizo jornais. Para ter uma ideia do volume: ao buscar a palavra “contabilidade” na Hemeroteca, filtrando o período de 1850 a 1859, entre as 453 fontes disponíveis (número válido na data desta postagem), surgiram mais de 3.000 resultados. Ler, analisar e contextualizar tudo isso é uma tarefa monumental — e aqui usei apenas um termo de busca.

A maior vantagem de trabalhar com esse tipo de acervo é a comodidade. É possível pesquisar sem sair da frente do computador, evitando o manuseio de papéis antigos e frágeis. Isso agiliza muito o trabalho. Mas há mais: como destacam Beach & Hanlon (2022), jornais digitalizados abrem novas portas para a pesquisa histórica:

  • Mais ferramentas e perguntas – Bancos de dados amplos e acessíveis incentivam novas linhas de investigação.

  • Busca eficiente – O que antes levava dias ou semanas com microfilmes e documentos físicos hoje pode ser feito em minutos.

  • Acesso a tópicos pouco explorados – Como estatísticas governamentais e temas marginais.

  • Criação de variáveis de resultado – É possível reconstruir o desempenho histórico de empresas ou mercados, como o da Bolsa do Rio de Janeiro no final do século XIX.

  • Complemento a outros dados – Por exemplo, medir o mercado de trabalho contábil a partir de anúncios classificados.

Naturalmente, nem tudo são flores. Entre as limitações:

  • Amostra incompleta – Muito se perdeu com o tempo. O que restou é apenas parte do que foi escrito, e a escrita é só uma fração da comunicação histórica.

  • Seleção enviesada – Títulos mais estabelecidos são priorizados; jornais menores ou “ilegais” podem estar ausentes.

  • Características históricas – Estrutura de notícias, ausência de imagens, censura e autorização governamental.

  • Acessibilidade no passado – Alto custo e baixo índice de alfabetização limitavam o público.

  • Conteúdo repetido – Pequenos jornais copiavam textos de periódicos maiores.

  • Faltam grandes títulos – Como O Estado de S. Paulo, fora do acervo por manter arquivo próprio.

  • Qualidade do OCR – O Reconhecimento Óptico de Caracteres converte texto impresso em formato pesquisável, mas erros são comuns. Buscas por “balanço” podem ignorar “balanco” (sem cedilha) e ortografias antigas como “activo”. Em casos extremos, o sistema simplesmente não reconhece o texto.

Por fim, é preciso lembrar: toda fonte carrega subjetividade. Jornais de qualquer período podem ser influenciados por governos, interesses econômicos e pela visão de mundo de seus proprietários e redatores.

Referência: 

Beach, B., & Hanlon, W. W. (2022). Historical newspaper data: A researcher’s guide and toolkit. NBER Working Paper No. 30135. https://doi.org/10.3386/w30135

Image: Wikipedia, verbete History