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25 fevereiro 2019

Sobre o resultado da Telefonica


  • O resultado recorde da Telefonica ocorreu muito mais em razão de uma decisão judicial do que do crescimento das receitas nos negócios de maior valor e da eficiência dos custos
  • O efeito na nova norma de reconhecimento da receita na empresa foi muito pequeno

Nas demonstrações contábeis da Telefonica, divulgado na semana passada, dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, uma grande parcela do desempenho da empresa está relacionada com uma decisão judicial sobre tributação do PIS e COFINS. De um lucro de 8,9 bilhões, recorde para empresa, mais de 3 bilhões estão relacionados com este fator. Sutilmente, no release, a empresa reduz um pouco a influencia deste fato:

Crescimento das receitas nos negócios de maior valor e eficiência em custos, aliados a efeitos não recorrentes no período, levam a lucro recorde de R$8,9 bilhões em 2018.

O crescimento das receitas totais foi de 0,6%, abaixo da inflação. Mas o texto fala em crescimento nos negócios de maior valor. O custo dos serviços prestados e mercadorias vendidas aumentou de 20,3 para 21 bilhões. Eficiência em custos?

O fluxo de caixa das operações, que não sofre influencia da decisão judicial, reduziu, de 12,6 bilhões para 11,9. Todos os dados são do balanço consolidado.


Outro aspecto interessante é que a empresa fez um comparativo sobre o valor da receita, com e sem o IFRS 15. A partir de 2018, as empresas tiveram que mudar o reconhecimento da receita, segundo uma nova norma do Iasb, adotada no Brasil. Há uma reclamação generalizada sobre a complexidade da norma e o seu custo. O balanço da Telefonica, em conjunto com outras empresas, pode lançar uma luz sobre a influência da norma no resultado das empresas. No caso da Telefonica o efeito foi praticamente nulo: a receita mudou 0,03% ou 15 milhões de reais em um total de 43 bilhões.

Diferença de gênero


  • O livro Dataclisma analisa o ser humano a partir de dados de sites de namoro
  • Destacamos dois dados sobre a diferença entre gêneros

O livro Dataclisma foi escrito por um dos fundadores do site de namoro OkCupid, Christian Rudder. A temática é muito próxima do Everybody Lies: o uso de dados da internet para tentar mostrar como o ser humano se comporta. Na capa, dois subtítutos: “quem somos” e “quando achamos que ninguém está vendo”.

O livro explora as semelhanças (parte 1), as diferenças (parte 2) e as características dos seres humanos (parte 3) e Rudder usa os dados do site de namoro para explorar os temas apresentados. A primeira parte é a melhor do livro e destaco aqui a diferença entre a avaliação que os homens fazem da sua parceiras e vice-versa. Rudder mostra que a curva de avaliação das mulheres, por parte do homens, segue uma distribuição normal; mas a avaliação dos homens, por parte das mulheres, é assimetrica à esquerda. O que significa isto? Que as mulheres são mais exigentes ao avaliar seus parceiros no site de namoro. Este fato está expresso no gráfico abaixo, onde as notas são plotadas por gênero.
Outro aspecto interessante que Rudder apresenta na obra é que as mulheres de uma determinada idade possuem preferências por parceiros de idade similar. O gráfico abaixo mostra, no eixo, a idade da mulher e em vermelho, a sua preferência por parceiros, segundo a idade. O gráfico possui uma tendência que está na linha que faz um ângulo de 45 graus.

Mas esta informação para o homem é diferente. A idade novamente é apresentada no eixo e sua preferência, em termos da idade das mulheres, encontra-se em vermelho. Os valores se afastam da linha, indicando um viés. Este tipo de informação pode ser um indicativo de que o que as pessoas fazem na internet é diferente de suas crenças confessadas.


RUDDER, C. Dataclisma. Rio de Janeiro, BestSeller, 2015.

Rir é o melhor remédio

Fonte: Aqui

24 fevereiro 2019

Accounting Review retira artigo polêmico sobre tributação


  • Uma pesquisa sobre evasão fiscal foi publicada em 2017 no principal periódico de contabilidade do mundo, o The Accounting Review
  • Um pesquisador, Alex Young, com dúvidas sobre a pesquisa, solicitou, sem sucesso, acesso aos dados e códigos usados, publicando suas dúvidas no EJW
  • Agora, o The Accounting Review retirou o artigo de sua edição

Uma pesquisa sobre evasão fiscal, de autoria de dois pesquisadores da prestigiosa Carnegie Mellon, publicado no periódico contábil mais reconhecido, The Accounting Review, sobre um tema “quente”, evasão fiscal, foi questionado e, finalmente, retirado por conta das dúvidas sobre a validade dos dados (fonte das informações a seguir: Retraction Watch).

O resumo do artigo publicado é o seguinte:

We implement a regression discontinuity design to examine the effect of institutional ownership on tax avoidance. Positive shocks to institutional ownership around Russell index reconstitutions lead, on average, to significant decreases in effective tax rates (ETRs) and greater use of international tax planning using tax haven subsidiaries. These effects are smaller for firms with initially strong governance and high executive equity compensation, suggesting poor governance as an explanation for the undersheltering puzzle, and appear to come about as a result of improved managerial incentives and increased monitoring by institutional investors. Furthermore, we observe the largest decreases among high ETR firms, and increases for low ETR firms, consistent with institutional ownership pushing firms towards a common level of tax avoidance.

A questão sobre o artigo levou mais de um ano, após uma longa discussão sobre a existência de problemas na análise dos dados. Em janeiro de 2018, em uma edição do Econ Journal Watch, Alex Young, da North Dakota State University, tentou reproduzir os dados do artigo publicado em 2017 e uma versão da pesquisa de 2015. Voltando no tempo, em outubro de 2015, Young participou de uma apresentação de uma versão do artigo. Ele questionou um dos autores, Bird, sobre alguns aspectos da pesquisa. Quando o artigo foi publicado, Young percebeu que algumas especificações tinham mudado, “corrigindo” os pontos levantados na conferência, mas os dados eram os mesmos em todas as tabelas.

Young encaminhou um e-mail para Bird lembrando da conversa que teve com ele em 2015 e solicitando os dados e códigos. Dois dias depois, Karolyi respondeu brevemente, ignorando o pedido. Em maio, Young encaminhou um e-mail para um editor da The Accounting Review, indicando as preocupações. Quatro dias depois, o editor encaminhou uma mensagem para o editor sênior. Em novembro, o editor da Econ Journal Watch mandou um e-mail para os pesquisadores, solicitando o compartilhamento dos dados. A resposta ocorreu no dia seguinte, mas os dados não foram compartilhados. O editor da Econ Journal Watch repetiu a solicitação, que foi recusada.

No mesmo mês, a professora Mary Barth, editora sênior da The Accounting Review, enviou um e-mail para Young para dizer que estava iniciando uma investigação de possível desvio de conduta por parte dos autores.

Em janeiro de 2018, após a publicação do artigo de Young no Econ Journal Watch, Bird e Karolyi, os autores do artigo, afirmaram que Young tinha reproduzido as principais descobertas dos autores. Informaram que, em resposta as acusações de Young, afirmaram que as versões distintas da pesquisa, entre 2015 e 2017, foi decorrente de uma revisão de uma descrição potencialmente confusa da metodologia.

Mas a explicação dos autores parece não ter convencido a The Accounting Review, que decidiu retirar o artigo, colocando o seguinte aviso:

(...) os autores não conseguiram fornecer os dados e o código originais solicitados pelo editor que reproduzem os resultados, conforme mostrado nas tabelas do artigo, apoiando esta afirmação. Assim, o artigo foi recolhido.

Poluição e evidenciação

O que explica a evidenciação de empresas poluidoras no Brasil? Segundo a uma pesquisa com empresas com ações negociadas na Bolsa, com 182 empresas, o tamanho, a lucratividade, a internacionalização, endividamento e o relatório de sustentabilidade da empresa são fatores explicativos desta evidenciação.

Eis o abstract:

This research aims at identifying explanatory factors of the environmental disclosure of potentially polluting Brazilian companies listed on the São Paulo Security, Commodities, and Futures Exchange (BM&FBOVESPA), from 2005 to 2015. Financial and environmental disclosure information of 182 Brazilian companies of the high-, medium-, and low-polluting potential sectors were collected. Data were analyzed through content analysis of documents and Regression with Panel Data. Results indicate that the company’s size, profitability, internationalization, and sustainability report are explanatory factors of the disclosure of environmental information, while indebtedness presents an inverse relationship. This study concludes that the explanatory factors of environmental disclosure of potentially polluting Brazilian companies are, with a higher weight, the publication of the sustainability report and stock market internationalization and, with lower weight, size, indebtedness, and profitability. This study discusses the relevance of environmental disclosure to companies that perform potentially polluting activities to provide support for different agents linked to these companies they may have access. It presents as theoretical contribution the explanatory variables for environmental disclosure of potentially polluting companies, an analysis not yet carried out in the literature. The practical contribution is to present information to interested users that potentially polluting companies, larger in size, internationalized, and with more profitability, disclose their environmental information.

Amor e Lucro

Os acionistas do Match Group receberam uma notícia de que a empresa teve crescimento de receita e o seu maior lucro anual, de 500 milhões de dólares. O Match é dono do Tinder e OkCupid.

Além de fazer uma grande diversificação nos seus produtos (Tinder U é um exemplo), o grupo está comprando todos os sites de relacionamentos possíveis: Match quer ter o monopólio do amor

Atualmente, 60% dos encontros amorosos originários em sites de namoros e aplicativos dos EUA tiveram sua origem em um dos aplicativos do grupo.

Uma pesquisa interna realizada pela empresa sugere que os solteiros usam uma média de quatro aplicativos de encontros simultaneamente; Match quer possuir todos eles.

O Tinder é o aplicativo de encontros mais baixado e de maior faturamento do mundo, gerando quase metade da receita da Match. O aplicativo adicionou 1,2 milhão de usuários no ano passado, dobrou sua receita e está expandindo internacionalmente, inclusive na Índia, Japão e Coréia do Sul. O Tinder Gold e o Tinder Plus, que oferecem recursos como curtidas ilimitadas e melhor visibilidade do perfil por uma taxa, estão gerando dinheiro.

Go home, Amazon

Uma grande empresa decide construir uma segunda sede na sua cidade. Qual seria a reação natural dos moradores? Em geral, os políticos se enchem de entusiasmo e as pessoas pensam nos benefícios e empregos que serão gerados.

No entanto não foi isto que ocorreu recentemente com a empresa Amazon. Depois de meses analisando as propostas das cidades onde gostaria de instalar uma segunda sede, a empresa optou por Nova Iorque. Isto significava 25 mil novos empregos. Mas os moradores da cidade não gostaram nada da decisão e começaram uma onda de protestos. Para obter o privilégio de ter uma das sedes da empresa, a cidade deveria renunciar a 27 bilhões de dólares de receita fiscal.

Para entender a reação, o Business Insider mostrou como a cidade sede atual da empresa, Seattle, deveria amar e odiar a varejista.

* O aluguel médio de Seattle aumentou três vezes mais que a média dos Estados Unidos na última década
* A cidade possui a terceira maior população de moradores de rua
* 20% do mercado imobiliário de Seattle está vinculado à empresa
* E a empresa responde por 45 mil empregos, em uma cidade com 725 mil habitantes
* O acréscimo de empregos trouxe problemas de estacionamento e trânsito

Rir é o melhor remédio


23 fevereiro 2019

Julgamento do caso KPMG e PCAOB

O PCAOB é a entidade que acompanha a qualidade do trabalho de auditoria nos Estados Unidos. É uma decorrência do escândalo da Enron. Todo ano, a entidade faz um relatório de inspeção das empresas. Em 2013, o relatório referente a KPMG foi muito ruim, com deficiências em 46% das auditorias da empresa de auditoria; no ano seguinte, o percentual foi um pouco maior, de 54%.

Para tentar resolver este problema de qualidade, alguns executivos da empresa nos Estados Unidos decidiram “contratar” alguns funcionários da entidade de fiscalização. E estes funcionários levaram algumas informações para a KPMG.

O caso foi descoberto e está em julgamento nos Estados Unidos. O fato é que a KPMG (ou melhor, alguns funcionários da KPMG) está sendo acusada de roubar informações secretas. Um agora ex-sócio, David Middendorf, está sendo acusado disto e de pressionar os funcionários contratados a mostrar as informações confidenciais. Isto inclui a cópia de documentos do computador do PCAOB para um disco rígido, manuais internos, formulários de comentários e alvos de inspeção do PCAOB em 2015. Uma das empresas que seria objeto de inspeção seria a Wells Fargo.

Middendorf chegou a lembrar aos funcionários contratados de onde vinha o salário e da necessidade de ser leal à KPMG. Mesmo com depoimentos contrários, Middendorf declara-se inocente da acusação de conspiração e fraude eletrônica. O processo pode conduzir a prisões, de mais de 20 anos, e multas.

Custo do parlamentar sueco

É incrível a comparação do custo de um parlamentar sueco em comparação com o parlamentar brasileiro. Eis um resumo de uma reportagem da BBC (via aqui):

Recebem um passe anual para usar nos transportes públicos.

Carros oficiais são poucos, e para uso limitado.

O salário bruto de um deputado do Parlamento sueco é de 66,900 coroas suecas por mês, pouco mais de 6.300 euros, que, líquidos, se transformam em 3.700 [cerca de 15 mil reais]

Se um deputado sueco tem a sua base eleitoral fora da capital, pode solicitar uma ajuda de custos para os dias da semana em que trabalha em Estocolmo. O valor desta diária, paga estritamente aos parlamentares que não têm residência permanente na capital, é de 10,38 euros [cerca de 45 reais]

Apenas políticos com base eleitoral fora da capital e que não possuam imóvel próprio em Estocolmo têm direito a viver em apartamentos do Estado. Os apartamentos têm em média 45,6 metros quadrados. E nenhum deles tem serviços (limpeza, alimentação ou outros) associados. Pior: os familiares não podem morar ou sequer pernoitar em propriedade do Estado sem pagar.

Os deputados podem deixar ocasionalmente os filhos na creche do Parlamento, mas têm de devem pagar o almoço.

Para viagens ao exterior, um deputado sueco pode gastar um teto máximo de 50 mil coroas suecas (cerca de 4.700 euros) por mandato

Os parlamentares suecos também não têm direito a receber pensão vitalícia, mas uma garantia de renda por tempo limitado, que funciona como uma espécie de fundo de desemprego, equivalente a 85% do valor do salário, durante um período máximo de dois anos.

Segredo do Warren Buffet

No artigo abaixo, os gestores do fundo de investimento AQR Capital estudaram o alfa do Buffet. Eles descobriram que o segredo do Buffet consiste em:

we find that the secret to Buffett’s success is his preference for cheap, safe, high-quality stocks combined with his consistent use of leverage to magnify returns while surviving the inevitable large absolute and relative drawdowns this entails.

Eles discutem se o sucesso do Buffet é sorte ou habilidade e chegam a conclusão que:

Our findings suggest that Buffett’s success is not luck or chance, but reward for a successful implementation of exposure to factors that have historically produced high returns.At the same time, Buffett’s success shows that the high returns of these academic factors are not just “paper returns”, but these returns could be realized in the real world after transaction costs and funding costs, at least by Warren Buffett.

Resumo:

Berkshire Hathaway has realized a Sharpe ratio of 0.76, higher than any other stock or mutual fund with a history of more than 30 years, and Berkshire has a significant alpha to traditional risk factors. However, we find that the alpha becomes insignificant when controlling for exposures to Betting-Against-Beta and Quality-Minus-Junk factors. Further, we estimate that Buffett’s leverage is about 1.6-to-1 on average. Buffett’s returns appear to be neither luck nor magic, but, rather, reward for the use of leverage combined with a focus on cheap, safe, quality stocks. Decomposing Berkshires’ portfolio into ownership in publicly traded stocks versus wholly-owned private companies, we find that the former performs the best, suggesting that Buffett’s returns are more due to stock selection than to his effect on management. These results have broad implications for market efficiency and the implementability of academic factors

Fonte: Andrea Frazzini, David Kabiller & Lasse Heje Pedersen (2018) Buffett’s Alpha,Financial Analysts Journal, 74:4, 35-55, DOI: 10.2469/faj.v74.n4.3


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Framboesa

Enquanto não acontece o Oscar, eis os vencedores do Framboesa, prêmio para os piores filmes de 2018:

Holmes & Watson (pior filme, pior diretor, pior ator coadjuvante, pior refilmagem)

Pior Diretor: Etan Cohen, "Holmes & Watson"

Pior Atriz: Melissa McCarthy, "The Happytime Murders" e "Life of the Party"

Pior Ator: Donald J. Trump (ele mesmo)

Pior Atriz Coadjuvante: Kellyanne Conway em "Fahrenheit 11/9"

Pior ator coadjuvante: John C. Reilly, "Holmes & Watson"

Pior roteiro: "Fifty Shades Freed"

Pior remake: "Holmes & Watson"

História da Contabilidade: Desconfie do que está escrito

Nas pesquisas sobre a história, muitas vezes deparamos com frases e afirmações que precisam ser verificadas. A mera afirmação constante de um documento não é suficiente para acreditarmos no que está escrito. Mais ainda quando existe uma censura.

Vasculhando a revista O Cruzeiro, que no passado foi o veículo de comunicação brasileiro mais influente, encontrei uma pérola.

O ano é 1973, o auge da ditadura militar e da censura. A revista resolveu reproduzir um encontro que o tecnocrata Ernani Galveas teve na UFG. Em um determinado momento temos a seguinte frase:

Com uma legislação que reformulou o sistema financeiro, que reorganizou o mercado de capitais e criou a correção monetária, que trouxe uma série de incentivos para que as empresas se defendessem contra a ascensão de preços e se reajustassem os valores da sua contabilidade de acordo com a correção de preços, o Governo recuperou o nível de poupança interna. 

(O Cruzeiro, 5 de dez de 1973, ed 49, p. 81).

O problema da frase é que a correção monetária, justamente em 1973, não correspondeu a correção de preços, pois o governo manipulou a variação dos preços na economia. O processo não começou neste ano, mas provavelmente em 1973 foi onde a diferença entre a correção monetária das demonstrações e a variação de preços foi maior.

Rir é o melhor remédio

Era da Secretaria do Comércio e fazia relatórios. Arrastava pela vida um nome encaroçado: Juruberbal Calastra. Era um sujeito cheio de pormenores: sabia leis e regulamentos, desde a primeira portaria de um vago ministro imperial ao último ato publicado pelo Diário Oficial. Mas o forte de Calastra era o balancete. Diante de uma dessas peças papelosas, Calastra lambia os beiços e esfregava as mãos:

- Duzentas páginas! É como gosto, é como aprecio.

Era o terror em paletó de alpaca da Secretaria de Comércio. O olho de Calastra varria tudo. E era de longe, sem precisar de outro exame, que descobria erros:

- Seu Nogueira, cuidado com o Código de Contabilidade. O Penedo Alves pegou trinta anos de cadeia, Seu Nogueira! Trinta anos!

Ninguém queria história com Calastra. Nos processos mais em ordem, seu dedo metediço sempre encontrava um deslize:

- Veja esse selo! De cabeça para baixo. E logo quem! O marechal Floriano.

Adoeceu em definitivo. Veio o padre, um velhinho da paróquia do Encantado, para consolar o candidato a defunto. Falou das belezas do céu e garantiu que as suas portas seriam abertas a ele, Juruberbal Calastra. E fazendo o sinal da cruz:

- Como bom cristão sereis admitido no reino de Deus.

Calastra, já com o pé na eternidade e outro no seus quarenta anos  leis e regulamentos, pergunto lá muito longo, em voz de encerramento de ponto:

- E a portaria de admissão já foi lavrada, Reverendo? Saiu no Diário Oficial, Reverendo?

E morreu

(O Cruzeiro, 3 jul 1974, ed 27 p. 88)

22 fevereiro 2019

Estatística t igual a 3

Nas pesquisas científicas quantitativas é comum usar como critério de decisão 0,05. Há controvérsias sobre quem foi o autor que endosso o uso de 0,05 como padrão para significância estatística (Aqui há uma boa discussão sobre isto). Nos últimos anos muitos cientistas são críticos com respeito a este padrão “sagrado”: “Certamente Deus ama 0,06 quase tanto quanto 0,05” (Rosenthal)

Nos tempos atuais, as pesquisas buscam de forma obsessiva o 0,05 e isto termina por conduzir a práticas como o p-hacking e a tortura dos dados. A defesa do abandono do uso do p-valor em pesquisa é uma consequência; alguns estatísticas (acho de Gelman é um deles) defendem que o pesquisa apresente os resultados e deixe a conclusão para o leitor. Os métodos bayesianos são citados como alternativas.

Uma ideia interessante é mudar o padrão: em lugar dos 0,05,que corresponde a uma estatística t de 1,96, utilizar um padrão que excede em muito este valor. Harvey, Liu e Zhu, em 2016, sugeriram uma estatística t igual a 3. Outros, a um p-valor de 0,005 ou uma estatística t de 2,81.

Qual seria a consequência disto? Muitas pesquisas empíricas publicadas nos últimos anos teriam seus resultados contestados, como mostra Baltussen, Swinkels e Vliet. Mais do que isto, muitos periódicos gostam de publicar pesquisas com resultados que sejam “interessantes” em termos estatísticos; o número destas pesquisas “publicáveis” reduziria substancialmente.


Harvey, Campbell; Liu, Yan; Zhu, Heqing. ... and the Cross-Section of Expected Returns. ssrn.com/abstract-2249314
Baltussen, Guido; Swinkels, Laurens; Van Vliet, Pim. Global Factor Premiums. ssrn.com/abstract=3325720

21 fevereiro 2019

Fluxo de caixa negativo da Amazon e precificação predatória

A Amazon tornou-se uma das empresas mais valiosas do mundo operando com fluxo de caixa negativo e com lucro baixo ou inexistente por muitos anos. A estratégia de ter fluxo de caixa negativo talvez viole uma série de regras de antitruste, conforme discutido pela autora no artigo abaixo.


Resumo:

American jurisprudence considers price predation a largely irrational, and therefore self-limiting, business strategy which is unlikely to lead to monopolization of an industry. This paper argues that the recent rise of the negative cash flow firm upends traditional assumptions. These types of firms can achieve greater market share through predatory pricing strategies that involve long-term below average variable cost prices. It also maintains that recoupment, an essential element of any predatory pricing scheme, can be achieved without a raise of prices post predation. By charging prices in the present reflecting future lower costs based on prospective technological and scale efficiencies, these firms are able to rationalize their predatory pricing practices to investors and shareholders. These observations lead to the conclusion that price predation is a rational strategy which can foreseeably lead to monopolization. This paper then moves on to examine the conduct of Amazon, the biggest negative cash flow firm in the world. It suggests that not only is it entirely rational for Amazon to engage in price predation and a long-term strategy of monopolization but that under current corporate disclosure rules such conduct would be virtually undetectable. The negative impact of this behavior is the elimination present and future competition.

Shaoul Sussman; Prime Predator: Amazon and the Rational of Below Average Variable Cost Pricing Strategies Among Negative-Cash Flow Firms, Journal of Antitrust Enforcement, , jnz002, https://doi.org/10.1093/jaenfo/jnz002


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20 fevereiro 2019

Lei de Potência na Receita das Empresas Brasileiras

O artigo abaixo usa o ferramental da econofísica para modelar a granularidade  das 1000 maiores empresas do brasil, de acordo com a receita líquida. Granuralidade siginifica que poucas grandes empresas convivem com muitas empresas pequenas.

Resumo:

“Granularity” refers to the fact that economies are populated by a few large companies (the big “grains”) that coexist with many smaller companies. Such a distribution of firm sizes is modeled by power laws. This study adds to the international evidence of the granularity hypothesis by considering data for the top 1,000 Brazilian companies. We sort the companies from top to bottom in terms of their net revenues. Then, we adjust power laws to the data and estimate Pareto and Gumbel exponents. We find we cannot dismiss the hypothesis of granularity for the Brazilian companies. We also find the Pareto exponent is approximately one (1.070 .015), roughly a Zipf’s law. Such a result is in line with the previous one found for American companies where the Pareto exponent = 1.059. We also find a power-law progress curve best fits the data.

Fonte: Da Silva, Sergio & Matsushita, Raul & Giglio, Ricardo & Massena, Gunther, 2018."Granularity of the top 1,000 Brazilian companies,"Physica A: Statistical Mechanics and its Applications,Elsevier, vol. 512(C), pages 68-73.


O gráfico de dispersão abaixo (log da receita x log do número de firmas) mostra que poucas empresas brasileiras concentram a maior parte das receitas. Assim, muitas empresas pequenas competem com poucas empresas grandes. Ou seja, a distribuição dos dados segue uma lei de potência.