Translate

13 maio 2013

O Samba do Bacen


Por Alex Ribeiro | De Brasília
Quando o sistema de metas de inflação foi adotado, há mais de uma década, o Banco Central abriu um concurso público para selecionar um time de economistas de primeira linha para o seu recém-criado departamento de pesquisas econômicas. Foi um grande fiasco: das 30 vagas em disputa, apenas uma foi preenchida. Todos os demais candidatos foram reprovados.
De lá para cá, outros concursos tiveram mais êxito em atrair talentos, e muitos dos funcionários da casa cursaram pós-graduação em centros de excelência. Assim, o Departamento de Pesquisa Econômica (Depep), o cérebro do Banco Central, firmou-se como uma referência na produção de conhecimento sobre política monetária, finanças e economia bancária no Brasil.
Um dos marcos é o desenvolvimento de um modelo de projeção econômica de última geração, batizado como Samba, que usa técnicas da chamada "economia artificial" e que coloca o Banco Central do Brasil no primeiro pelotão entre países emergentes.
"Nos primeiros anos do regime de meta de inflação, os modelos eram bem básicos", afirma o professor Fábio Kanczuk, da Universidade de São Paulo (USP), especialista em estudo de política monetária com formação em economia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e por Harvard. "Com o Samba, o Depep deu um salto. Não deve nada aos seus pares."

Ruy Baron/ValorDa esquerda para a direita, Benjamin Miranda Tabak, Eduardo Araújo Lima, Angelo Marsiglia Fasolo, Aquiles Rocha de Farias e Nelson Ferreira Souza Sobrinho
Nesses anos, o Depep subiu ao poder no Banco Central. Seu primeiro chefe, o economista Alexandre Tombini, é hoje o presidente da instituição. De seub s quadros também saiu o diretor de política econômica, Carlos Hamilton de Araújo, doutor pela Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Pela primeira vez, houve o reconhecimento de que um funcionário do próprio Banco Central estava preparado para assumir a cadeira central na gestão do regime de metas de inflação, depois de uma linhagem de economistas vindos de fora que inclui Sérgio Werlang (Princeton), Ilan Goldfajn (MIT), Afonso Bevilaqua (Berkeley) e Mário Mesquita (Oxford).
O Depep ganhou o reconhecimento até de um dos maiores críticos da abordagem excessivamente científica da economia - o ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura Antonio Delfim Netto. "Nem nossos mais sofisticados economistas [do mercado] ou da academia podem competir com as informações armazenadas nas cabeças dos profissionais que habitam o Departamento de Estudos e Pesquisa (Depep) do Banco Central", escreveu Delfim, em artigo recente no Valor.
Neste exato momento, as projeções de inflação produzidas pelo Banco Central estão no centro das discussões sobre a alta dos juros básicos. De um lado está o Depep e, de outro, os economistas do mercado financeiro. O pelotão de elite entre os analistas do setor privado, os chamados "Top 5", formados pelos cinco departamentos econômicos que mais acertam suas projeções para a variação de preços, prevê para 2014, ano que está no radar da política monetária, uma inflação de 6%. Já as estimativas do Depep indicam uma inflação de 5,1%.
Se os economistas do mercado financeiro estiverem certos, o processo de alta de juros iniciado pelo Banco Central em abril, com aumento de 0,25 ponto percentual, de 7,25% para 7,5% ao ano, terá que ter uma dose mais forte para fazer a inflação convergir para o centro da meta anual, de 4,5%. Se o Depep estiver correto, ainda assim será preciso seguir com a alta de juros, mas com uma dose menos intensa.
O Banco Central guarda a sete chaves os seus modelos econômicos. O Samba é apenas uma das várias famílias desenvolvidas internamente para ajudar nas decisões de política monetária. Esses modelos ficam armazenados num computador desconectado da internet, para evitar a ação de piratas, dentro de uma sala à qual, para ter acesso, é necessário ao mesmo tempo um crachá restrito e uma senha.
O que se tem conhecimento desses modelos foi apresentado em seminários, textos acadêmicos e publicado em relatórios trimestrais de inflação. Neles, estão descritas apenas as linhas gerais do modelo e sua mecânica básica. São mantidos sob reserva os parâmetros numéricos que decifram como a economia e, sobretudo, a inflação reagem a diferentes situações, como uma alta no preço de petróleo, um aumento na gastança do governo ou uma elevação de juros.
O banco central da Inglaterra batizou seu primeiro modelo com a sigla BEQM, numa homenagem ao jogador de futebol David Beckham
Dos vários modelos, a menina dos olhos é o Samba, sigla em inglês que, com seu molejo brasileiro, tem um significado quase impenetrável: "Modelo Analítico Estocástico com uma Abordagem Bayesiana". O que os economistas do Banco Central fizeram foi, basicamente, tropicalizar um tipo de modelo que se tornou bastante popular entre bancos centrais, o chamado DSGE, outra sigla que, traduzida do inglês, é apenas para iniciados: "Modelo Dinâmico Estocástico de Equilíbrio Geral".
Chefe-adjunto do Depep, o economista Nelson Ferreira Souza Sobrinho, 39 anos, é um dos pesquisadores que trabalharam no projeto Samba. Ele foi aprovado duas vezes em concursos do Banco Central. Na primeira, em 2002, abriu mão do cargo para embarcar num doutorado na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
De volta ao Brasil, passou num outro concurso e, dessa vez, assumiu. "O nome Samba surgiu de uma votação entre os pesquisadores", relata. "A ideia era ter uma palavra bem brasileira que tivesse relação com o modelo."
O banco central da Inglaterra batizou seu primeiro modelo com a sigla BEQM, numa homenagem ao jogador de futebol David Beckham. Na Colômbia, é o Patacon, uma referência a um tipo de tortilha de bananas verdes fritas muito popular no país. O Canadá criou o ToTEM, numa alusão àquela escultura indígena de madeira encontrada no norte do continente. A Nova Zelândia colocou uma fruta local, o Kiwi, dentro da sigla de seu modelo.

Ruy Baron/ValorAquiles Rocha de Farias, chefe-adjunto do departamento
Os modelos DSGE são uma resposta à chamada crítica de Lucas, feita pelo economista americano Robert Lucas em 1976. Seu alvo foram os velhos modelões macroecômicos muito populares entre os banqueiros centrais nas décadas de 1970 e 1980. Um dos principais alvos da crítica foi a "curva de Phillips", muito usada na época, segundo a qual a inflação e o desemprego variam em sentidos opostos.
Sobretudo, essas ferramentas, conhecidas como "modelos da tradição de St. Louis", assumem a hipótese de que os agentes econômicos, como firmas e indivíduos, iriam reagir sempre da mesma forma a qualquer cenário econômico. Ou seja, o que aconteceu no passado seria uma boa matéria-prima para prever o que vai acontecer no futuro.
Lucas argumentou que, na prática, as coisas não funcionam bem assim. As pessoas e empresas tendem a reagir de forma diferente diante de situações novas. Um ingrediente essencial é a expectativa sobre as intenções do Banco Central no manejo dos juros e do governo na política fiscal.
Os modelos DSGE contornam a crítica feita por Lucas. Neles, há agentes inteligentes, incluindo empresas, famílias e governo, que dão respostas diferentes a cada situação nova. São agentes simplificados, uma caricatura, que vivem apenas dentro do computador, agem de acordo com a teoria microeconômica e não têm a pretensão da complexidade dos agentes de carne e osso. Uma das premissas é que todos os agentes são racionais. Daí alguns chamarem esses modelos de "economia artificial", embora os modelões de St. Louis também tenham um quê de reproduzir em laboratório o que acontece no mundo econômico real.
O grupo do Banco Central, coordenado pelo economista André Minella, Ph.D pela New York University, hoje secretário-adjunto de Política Econômica no Ministério da Fazenda, levou cerca de cinco anos para desenvolver o Samba. O primeiro passo foi olhar o que já havia sido feito por aí, com uma pesquisa da literatura econômica, visitas a bancos centrais que já estavam em estágios mais avançados na nova tecnologia e convite a especialistas estrangeiros para virem ao Brasil.
No mundo dos modelos DSGE, a grande referência é um trabalho feito para a zona do euro pelos economistas Frank Smets, do Banco Central Europeu (BCE), e Raf Wouters, do Banco da Bélgica. Economistas do Depep foram assistir a apresentações de Smets e Wouters em congressos no exterior. Um dos colaboradores muito próximos da dupla, Kai Christoffel, do departamento de pesquisa em política monetária do BCE, participou de um seminário de metas de inflação promovido pelo Banco Central.
O trabalho de tropicalização do DSGE consistiu basicamente em colocar no modelo alguns traços bem característicos do Brasil. Um deles são as metas de superávit primário. Outro são os indivíduos que não têm acesso ao sistema financeiro e, por isso, não podem tomar empréstimos para suavizar os ciclos de consumo de suas vidas. O Brasil também tem a peculiaridade de importar muitos bens intermediários, que são insumos para a produção da indústria nacional, e relativamente poucos bens finais.
Na equipe do Samba, todos são pós-graduados em economia, como Solange Gouvea - única mulher entre os autores -, que tem um Ph.D pela Universidade da Califórnia, Santa Cruz. Mas a base em engenharia de alguns dos pesquisadores ajudou bastante na computação avançada.

Ruy Baron/ValorBenjamin Miranda Tabak, consultor sênior do Depep
Uma coisa é escrever as relações econômicas que formam a espinha dorsal do modelo, algo que economistas fazem com conforto. Outra coisa bem diferente é passar essas equações matemáticas cabeludas para o computador encontrar respostas. Marcos de Castro, um dos autores, é engenheiro mecatrônico de formação, e Rafael dos Santos, engenheiro civil.
O DSGE exige certa capacidade de computação para ser rodado, ao contrário dos velhos modelões macroeconômicos, que cabem numa planilha normal de Excel. A área de informática do Banco Central cedeu para o Depep um pedaço de seus computadores centrais, com mais memória e velocidade, para fazer o serviço. O computador levava de semanas a meses tateando os dados até encontrar os valores mais prováveis para a economia brasileira.
O gaúcho Ângelo Marsiglia Fasolo, 35 anos, entrou no Banco Central por concurso há uma década e hoje é consultor do Depep. Quando a equipe do Samba começava a ser formada, em 2006, ele obteve uma licença remunerada do Banco Central para fazer doutorado na Duke University, nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, foi convidado por Minella para fazer a revisão final do modelo Samba.
"O DSGE não é um monstro. Já é uma técnica bem comum na academia", relata. "No primeiro dia de aula do meu Ph.D, o professor avisou logo que teríamos que dominar os modelos DSGE para concluir o doutorado."
A publicação final do Samba ocorreu em abril de 2011, mas ele viria a ser realmente conhecido além dos ciclos acadêmicos mais restritos apenas em setembro de 2011, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) citou o novo modelo em uma de suas atas para justificar uma inesperada mudança na direção da política monetária, de aperto para relaxamento.
O BC guarda a sete chaves os seus modelos econômicos. O Samba é apenas um dos desenvolvidos internamente para ajudar nas decisões
O Samba, na ocasião, apontava que a deterioração no ambiente internacional que se avizinhava teria impacto no Brasil equivalente a um terço da crise da quebra do banco Lehman Brothers, de 2008, ajudando a conter a alta de preços na economia. Para alguns, o Copom usou o modelo Samba de forma oportunista para dar sustentação teórica a um desejo de baixar os juros. Para outros, foi a prova da genialidade do modelo, que anteviu o que então estava fora dos cálculos dos analistas econômicos.
O Banco Central não deixa claro o peso do Samba nas suas projeções atuais. O que se sabe é que os modelos antigos não foram completamente abandonados. "É como aquele Chevette velho, cheio de defeitos, mas que você conhece as manias, sabe ajustar direitinho o motor e está bem treinado para dirigir de um lado para o outro", afirma Kanczuk, da USP.
Bons modelos são essenciais em regimes de metas de inflação - um universo em que, basicamente, o Banco Central gera projeções de inflação e, se elas são diferentes da meta, os juros sobem ou descem para fazer a alta de preços na economia chegar ao nível desejado. Um dos principais teóricos dos regimes de metas de inflação, o sueco Lars Svensson, professor em Princeton, gosta de se referir ao sistema como "regime de projeções de inflação".
Muitos economistas culparam os modelos pela crise de 2008. Exatos, eles transmitiam a impressão de que eram infalíveis. Na prática, porém, o processo não é tão mecânico assim. São homens, e não computadores, que tomam as decisões, julgando as projeções feitas pelos modelos. "É preciso, em primeiro lugar, conhecer as limitações dos modelos", afirma Souza Sobrinho. "Eles são muito úteis, porque são assentados na teoria econômica e servem para disciplinar as discussões. Evitam ficar apenas no blá-blá-blá."

Ruy Baron/ValorNelson Ferreira Souza Sobrinho, chefe-adjunto
A primeira equipe do Depep, chefiada por Tombini, um Ph.D pela Universidade de Illinois, Urbana Champaign, foi formada com a reunião de 17 economistas do próprio Banco Central que estavam dispersos por diversos departamentos da instituição. "Houve um interesse muito grande para entrar no Depep", afirma Benjamin Tabak, 43 anos, um doutor em economia pela Universidade de Brasília (UnB) que se juntou ao Depep nas primeiras horas e, desde então, tornou-se um dos mais produtivos da equipe. Ele é autor ou coautor de 55 trabalhos para discussão publicados pelo Banco Central, num universo de 305.
Para o departamento ganhar corpo, em 2001 o Banco Central publicou um ambicioso edital de concurso público para contratar 30 pesquisadores em economia e finanças. A prova eliminatória tinha apenas questões de inglês, língua corrente na produção acadêmica em economia, mas não de português. Na prova classificatória de títulos, a pontuação máxima era dada a quem tivesse feito doutorado em cinco dezenas de universidades basicamente dos Estados Unidos e do Reino Unido ou num conjunto bem restrito de universidades brasileiras. Foi aprovado apenas um candidato, Pedro Calhman de Miranda, que hoje integra a assessoria econômica de Tombini.
Bancos centrais de países como Inglaterra, Espanha e Estados Unidos estão livres das amarras de concursos públicos e disputam doutores recém-formados com universidades e bancos em ambientes como o congresso da Associação Americana de Economistas, onde ocorre uma feira paralela de jovens talentos.
"O Banco Central tem atraído um bom capital humano. Muita gente boa disputa os concursos, até porque os salários estão mais altos recentemente", afirma o professor Carlos Viana de Carvalho, da PUC-Rio, um Ph.D pela Universidade de Princeton que trabalhou na área de pesquisa econômica do Federal Reserve (Fed) de Nova York. O salário de ingresso do BC é de R$ 15,7 mil mensais, e pesquisadores mais experientes, como os que participaram do desenvolvimento do modelo Samba, têm ganhos da ordem de R$ 22 mil. "Mas outros bancos centrais competem pelos melhores talentos do mundo", afirma Carvalho.
Atualmente, o Depep tem 50 pesquisadores, dos quais 39 são doutores e 11 têm mestrado. Entre os doutores, 9 são Ph.D. Boa parte foi formada dentro de um programa de incentivo ao estudo do Banco Central. Hoje, são selecionados até 40 funcionários para fazer mestrado ou doutorado nas melhores universidades do Brasil e do exterior, recebendo o salário normalmente.
O trabalho de tropicalização do modelo consistiu em introduzir alguns traços bem característicos da realidade do Brasil
A contrapartida é que o funcionário termine a pós-graduação e que permaneça no BC pelo mesmo período que ficou de licença. Um dos beneficiários do programa é o atual chefe do Depep, Eduardo José Araújo Lima, engenheiro agrônomo de 46 anos que fez mestrado e doutorado na Universidade de Brasília (UnB). "O investimento em pessoas foi grande. Não só o Depep, mas o Banco Central como um todo evoluiu com isso."
Outras áreas do Banco Central têm ganhado projeção em pesquisas sobre temas como meios de pagamentos, operações bancárias, política monetária e administração das reservas internacionais. O Departamento Econômico (Depec), responsável por divulgar estatísticas, como o balanço de pagamentos, desenvolveu um indicador de atividade econômica de ponta. O IBC-Br mostra antes, com quase perfeição, o que vai aparecer meses depois no Produto Interno Bruto (PIB) divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não está livre de erros, como qualquer indicador antecendente, mas sua acurácia fez com que ficasse conhecido como o "PIB do BC".
Embora o Depep esteja definitivamente no centro do debate econômico brasileiro, sua importância no cenário internacional é menos relevante. Um sinal de prestígio dentro do país é que, na edição mais recente do encontro da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), em 2012, foram apresentados oito trabalhos de pesquisadores do Banco Central.
Já no encontro anual de 2012 da Society for Economic Dynamics, apontado como a mais prestigiada reunião mundial de acadêmicos em economia, não havia nenhum representante do Banco Central do Brasil. É muito mais difícil para um pesquisador brasileiro entrar nesses encontros do que, digamos, um americano ou europeu, já que a seleção desses eventos privilegia temas de interesse de economias desenvolvidas. Ainda assim, em 2012 havia um pesquisador do Banco Central do Chile e trabalhos de pesquisadores vinculados a universidades brasileiras, como a USP, a Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio e de São Paulo e a PUC-Rio.

Ruy Baron/ValorEduardo Araújo Lima, chefe do departamento de pesquisa
Outro critério muito usado para medir a qualidade da pesquisa são publicações em revistas especializadas de economia. Desde que o Depep foi criado, 45 de seus trabalhos de discussão foram reproduzidos em publicações acadêmicas classificadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no ranking Qualis. Por esse critério, dois trabalhos com participação de pesquisadores do Banco Central foram publicados em duas das revistas de economia mais importantes do mundo, o "Journal of Econometrics" e a "Economic Theory". Outros 11 trabalhos para discussão saíram em revistas acadêmicas classificadas no segundo melhor grupo entre as publicações econômicas e financeiras.
Os textos para discussão do BC vão muito além da pura elucubração acadêmica. Seu forte é a economia aplicada. Entre as publicações mais recentes, há uma linha de estudos para compreender a política econômica depois da grande crise da quebra do Lehman Brothers. Um deles é um trabalho sobre a eficácia das compras de dólares em mercado pelo Banco Central para suavizar a apreciação do real, num ambiente de ampla liquidez criada pela impressão de moeda nas economias desenvolvidas. Outro é a investigação do papel dos depósitos compulsórios como instrumento tanto para garantir a estabilidade financeira quanto para auxiliar no controle da inflação.
Carvalho, professor da PUC-Rio, lembra que, mundo afora, sobretudo nas universidades, há incentivos financeiros para quem publica. "No Fed de Nova York, os pesquisadores dedicam parte do tempo a gerar bons conselhos para quem toma decisões de política econômica, mas parte do tempo é livre para fazer a pesquisa que quiserem", afirma. "O Fed se beneficia quando seus pesquisadores estão na fronteira do conhecimento."
No Banco Central do Brasil, a pesquisa acadêmica é, muitas vezes, uma atividade das horas vagas. Um outro chefe-adjunto do Depep, Aquiles Rocha de Farias, 40 anos, doutor pela UnB, dedica o tempo em que está no Banco Central a demandas da própria instituição. "Alguém tem que preparar a ata do Copom e o relatório de inflação", afirma. "Pesquisa, eu faço em casa, de noite."
Uma outra forma de checar a qualidade do Depep são as suas projeções de inflação apresentadas no relatório trimestral de inflação. Os números, porém, não são bons. De junho de 2004 para cá, em média as projeções do relatório de inflação para os 12 meses seguintes é 0,58 ponto percentual menor que a inflação média de fato ocorrida. É um desempenho menos favorável do que a dos economistas do mercado financeiro, que subestimam em 0,46 ponto percentual a inflação efetivamente ocorrida.

Ruy Baron/ValorAngelo Marsiglia Fasolo, consultor e revisor final do Samba
Uma ponderação importante é que as previsões apresentadas no relatório trimestral de inflação não são exatamente projeções. Uma das camisas de força é que, no chamado cenário de mercado, elas consideram a trajetória de câmbio e juros esperada pelos analistas privados.
Se o Depep usasse a trajetória que considera mais provável para essa variáveis, talvez os resultados fossem diferentes. Um outro argumento em defesa dos economistas do Banco Central é que as premissas e os cenários econômicos que alimentam os modelos rodados pelo Depep são traçados pelos membros do Copom, e não necesariamente pelo Depep.
Apesar de toda a evolução qualitativa desde 1999, o Depep segue como um departamento econômico menos independente do que alguns de seus similares, sobretudo de países desenvolvidos. Nas reuniões do comitê de política monetária do Fed, por exemplo, os técnicos da casa, que têm um compromisso de longo prazo com a instituição, apresentam projeções independentes. Membros do comitê que tiverem visão diferente estão livres para apresentar suas próprias projeções.
"Uma coisa curiosa é que, no passado, quando o Depep não tinha a qualidade técnica de hoje, ele parecia ter um peso muito maior nas decisões do Copom", afirma Kanczuk. "Agora, quando o departamento ficou muito melhor, seu peso nas decisões parece bem menor."

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/cultura/3117896/o-samba-dos-juros#ixzz2SvXgsyms

Esqueceram de US$43 milhões

A cidade de Los Angeles descobriu quase 43 milhões de dólares que estava no Departamento de Transporte, sem o conhecimento da cidade. Apesar do fato ter sido saudado como positivo pelas autoridades - alivia o orçamento do próximo ano, deixa preocupado sobre como isto foi ocorrer. E se não existiria mais recursos desaparecidos. E como isto passou pelos controles da cidade.

Concentração de Informação

Na sexta-feira passada era o prazo final para empresas com ações negociadas na bolsa dos EUA apresentarem seus relatórios trimestrais. Isto significou um aumento no número de documentos encaminhados para o banco de dados da Comissão de Valores Mobiliários daquele país. Foram apresentados 762 relatórios trimestrais, sendo um terço nos últimos 90 minutos. No total, 3577 documentos foram encaminhados, com 3 mil gigabites de dados e mais de 40 mil páginas no total.

Cruzeiro do Sul

As supostas fraudes que levaram o banco Cruzeiro do Sul a um rombo contábil de R$ 2,23 bilhões foram praticadas por, no mínimo, uma década. É o que aponta o relatório final da comissão de inquérito do Banco Central obtido pela Folha.

Desse total, R$ 1,27 bilhão --praticamente a metade-- foi gerado por "operações falsas e inexistentes" envolvendo a venda de títulos para FDICs (Fundo de Investimento em Direito Creditório).

Um deles, por exemplo, envolvia uma empresa que estava inativa desde 2008.

Entre maio e agosto de 2011, foram detectados 7.572 clientes com mais de duas operações ativas contratadas (crédito consignado). Cada uma delas estava vinculada a órgãos conveniados distintos, muitas vezes em Estados diferentes. A análise feita pelos interventores não identificou qualquer liberação de recursos pelos clientes.

Esse resultado foi obtido a partir da inspeção, pela equipe do BC, de 320 mil contratos em cinco empresas financeiras do grupo Cruzeiro do Sul.

No total, o rombo contábil gerado por todos os contratos fictícios (não somente os de FDICs) somou R$ 1,38 bilhão, afirma o relatório.

ESMERALDAS

A diferença (R$ 848 milhões) em relação ao rombo total seria explicada por outras operações irregulares. Uma das principais teria sido a simulação de empréstimos aos controladores do Cruzeiro por meio de "laranjas".

Segundo o BC, o banco "vendia" títulos para esses "clientes" e usava os recursos supostamente pagos para aplicar em cotas de fundos de investimento. Esses fundos, por sua vez, compravam papéis emitidos por uma empresa, a Patrimonial Maragato, de Luís Octávio e Luiz Felipe Indio da Costa, ex-controladores do Cruzeiro do Sul.

O maior dos fundos, o Prosper Flex, concentrou R$ 147 milhões em transações supostamente simuladas. Os tomadores de empréstimos não tinham capacidade financeira, de acordo com o BC.

Ainda de acordo com o relatório, houve transações com laranjas para envio de recursos ao exterior. Também foram encontrados R$ 2,5 milhões em esmeraldas no cofre do banco. Um especialista contratado para fazer a investigação atestou que as pedras eram falsas.

(JULIO WIZIACK E TONI SCIARETTA)

12 maio 2013

Mãe e empresária


As pessoas perguntam:
"É difícil ser mãe e empresária?"
SIM!!!

Rir é o melhor remédio


Sugestão enviada por Diogo (grato). Apesar do vídeo, o fato de termos um blog com este mostra que os contadores não são realmente da forma que o Monty Python descreve.

Reconhecimento da Receita

A finalização da regra de reconhecimento da receita, aguardando ser aprovada pelo Financial Accounting Standards Board (Fasb) e pelo International Accounting Standards Board (Iasb), deverá passar por um encontro em maio, segundo Leslie Seidman, do Fasb.

A programação é que em dezembro de 2016 o padrão esteja implementado. E as empresas possam aplicá-lo em 2017. Pelo menos em tese.

A proposta irá resolver algumas inconsistências existentes hoje, reduzindo o número de refazimentos. O padrão simplifica o processo de reconhecimento. Em tese, também. Katherine Gill-Charest, controller da Viacom, afirmou que substituir as regras atuais por princípios poderá gerar critérios diferentes, com inconsistência entre as empresas. Com efeito, em setores onde existem transações complexas, como os estúdios de cinema, é difícil a transição.

Feliz Dia Das Mães

Dia 5 foi dia das mães em Portugal e hoje é no Brasil. Mas como um sábio amigo sempre diz: dia das mães é todo dia. E realmente é. Mas nesta data separada para estas grandes heroínas, o Contabilidade Financeira deseja muita felicidade, mais ainda que em todos os dias. Em especial: para as mães dos contadores. Ah! E para as mães contadoras, claro. ;) Ainda para as avós, para as madrinhas, para aquela pessoa-chave que tomou para si o papel materno e influenciou a vida de alguém. Parabéns! Afinal, "a maternidade não é para mariquinhas". O quadrinho de hoje é da série "Baby Blues" de Rick Kirkman e Jerry Scott.

11 maio 2013

Rir é o melhor remédio

Um advogado e um contador estavam viajando lado a lado numa longa viagem de trem. O advogado pergunta ao contador se gostaria de participar de uma brincadeira divertida. O contador, interessado em dormir um pouco, recusa. Mas o advogado insiste e explica que o jogo é fácil

- Eu faço uma pergunta e se você não souber a resposta eu pago R$100

O contador recusa e tenta dormir. Mas o advogado – como todo advogado – é um chato e diz:

- Está bem, se você não souber a resposta, você me paga R$100 e se você perguntar algo que eu não souber a resposta eu pago mil.

O contador se interessa e aceita participar. O advogado começa com a pergunta:

- Qual a distância da Terra à Lua?

O contador não diz nada. Coloca a mão no bolso e tira uma nota de cem. O advogado fica desapontado, mas incentiva o contador a fazer uma pergunta:

- O que sobre a montanha com três pernas e desce com quatro?

Depois de fazer a pergunta, o contador reclina e começa a dormir. O advogado, sem saber a resposta, pega o seu computador, e começa a procurar na internet: wikipedia, google, e-mails etc. Em vão. Depois de uma hora, ele acorda o contador e entrega mil reais.

O contador pega o dinheiro e tenta voltar a dormir. O advogado sacode o contador e pergunta:

- Qual a resposta? O que sobe a montanha com três pernas e desce com quatro?

Sem disser nenhuma palavra, o contador pega sua carteira, tira uma nota de cem, entrega ao advogado e volta a dormir.

Fato da Semana

Fato: A possível prisão de Berlusconi e a saída antecipada da cadeia de Skilling

Qual a relevância disto? – São dois fatos distintos, mas ambos envolvem a punição de pessoas poderosas. Berlusconi, um dos principais executivos da Itália e ex-primeiro-ministro daquele país, foi condenado à prisão por problemas fiscais. Já Skilling, outrora poderoso executivo da Enron, tinha sido condenado pela fraude na sua empresa, mas fez um acordo para redução da pena. A punição pela justiça de erros é sempre importante por reduzir a sensação de impunidade dos poderosos.

Positivo ou Negativo? – É positivo para o mercado, pois sinaliza que a justiça de diferentes países está atenta aos atos ilegais cometidos pelas pessoas que detém muito poder. Skilling pelo do acordo que irá resultar na saída antecipada da cadeia estará mais pobre em 40 milhões. E durante o período que esteve preso perdeu filho e os pais. Berlusconi poderá ainda recorrer, mas a condenação na atual instância representa um alento para os italianos.

Desdobramentos – O acordo de Skilling mostra que ele ganhou muito dinheiro administrando a Enron. Pode ser questionado, mas provavelmente ele não conseguirá mais nenhum emprego expressivo. Será sempre um vilão para muitos. Berlusconi poderá adiar sua condenação e até reduzir a sua pena, mas inviabiliza sua candidatura política.

Teste da Semana

Este é um teste para verificar se você acompanhou de perto os principais eventos do mundo contábil. As respostas estão ao final.

1 – Os fãs deste administrador poderão fazer um passeio pelos principais locais relacionados com sua vida:
Bill Gates
Steven Jobs
Warren Buffett

2 – O que as empresas Renner, Riachuelo e Telhanorte possuem em comum?
Todas estão construindo unidades fabris no Paraguai
Todas estão sendo investigadas por uso de trabalhador escravo
Todas já emitem nota fiscal com o imposto discriminado

3 – A maior empresa nas 500 maiores da Fortune
Apple
Exxon
Wal-Mart

4 – Três fatos (a aquisição de ativos do Lehman Brothers pelo Barclays, o uso de um novo modelo de Value-at-risk e o orçamento do estado de Utah para educação) possuem em comum
A presença de um brasileiro na decisão final
A utilização de mãe de santo para o auxílio à decisão
Erros cometidos com o Excel

5 – A frase “Alguém diga para ela que Youporn é grátis”. Ela refere-se:
Mary Jo White, presidente da SEC
Meg Whitman, CEO da HP
Rainha da Inglaterra

6 - A frase refere-se:
A tentativa de obter mais dinheiro do orçamento público
A venda de vídeos para clientes
O anúncio que a empresa dona do Youporn será adquirida

7 – Nunca as empresas dos EUA lucraram tanto. Mas elas estão evitando repatriar este dinheiro em razão
Da obrigatoriedade de pagar dividendos
Do sigilo exigido pelos paraísos fiscais
Dos impostos que seriam pagos

8 – Uma pesquisa com os erros cometidos por empresas de auditoria mostrou que estes erros
Estão associados às empresas onde se faz também consultoria
Ocorrem num ambiente de muito assédio moral
São simples e fáceis de serem descobertos

9 – O Banco Central está estudando mudar as regras sobre insolvência para as instituições financeiras. Mas o Banco Central afirma que a proposta
Não é um novo Proer
Não irá punir os executivos
Não irá usar recurso público

10 – A condenação de Berlusconi, esta semana, ocorreu em razão de
Crime de ocultação de informação do mercado
Crime tributários
Falsificação de documentos contábeis

Acertando 9 a 10 questões = medalha de ouro; 8 ou 7 = prata; 6 ou 5 = bronze

Resposta: (1) Jobs; (2) nota fiscal com imposto; (3) Wal-Mart; (4) Excel; (5) Mary Jo White, presidente da SEC; (6) A tentativa de obter mais dinheiro do orçamento público; (7) impostos; (8) simples e fáceis de serem descobertos; (9) Não é um novo Proer; (10) Crime tributários


Redes Sociais e Evidenciação

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está acompanhando o movimento de divulgação de informações das companhias de capital aberto em redes sociais, segundo o presidente da autarquia, Leonardo Pereira. Recentemente, o órgão regulador americano, a SEC, autorizou as companhias locais a utilizarem esses canais para publicação de dados. "Estamos tentando entender melhor as redes sociais para criar jurisprudência para regular divulgação de informações nestes canais", disse ele, em evento.

Ao comentar sobre o avanço da regulação do mercado de capitais brasileiro, ele disse que está melhor que antes da crise internacional, em 2008. Pereira disse que hoje o Brasil é respeitado, alcançou um equilíbrio em termos de regulação, participando de todas as discussões globais sobre o tema. "A tendência é que tenhamos uma harmonização da regulação global", avaliou o presidente da CVM. Pereira participa nesta sexta-feira, 10, de almoço-palestra do Instituto Brasileiro de Executivos de finanças de São Paulo (IBEF).


CVM estuda redes sociais para criar jurisprudência - Por Aline Bronzati - Aqui

Uma gota de sangue, uma história do pensamento racial

Na postagem sobre o Currículo Racial, recebemos o seguinte comentário do  leitor Lauro Brito de Almeida:

Sou negro, me identifiquei como tal no Lattes. O editorial do "estadão" é, no minimo, mais um daqueles lamentos de quem não gosta da política de cotas para negros. Só quem é NEGRO, como eu, sabe que sempre houve [e haverá] em qualquer sociedade uma separação entre as etnias. No Brasil não é diferente. Tenho 60 anos e já passei por várias situações constrangedoras e certamente, passarei por outras.



Respeito sua opinião  mas não concordo com o senhor, pois a espécie humana não se divide em raças. Por isso, recomendo a leitura do livro do sociólogo Demétrio Magnoli: Uma gota de sangue: história do pensamento racial. Ele trata da construção do mito da raça no mundo e, por consequência, da formulação de leis raciais. Sempre fui contra política de cotas, seja no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, e após a leitura do livro estou convencido que cotas é um mecanismo extremamente falho. Eis um trecho de uma entrevista com Magnoli:




Sugiro também a entrevista com o economista norte-americano Walter Williams:




De qualquer forma, obrigado por sua participação.

10 maio 2013

Rir é o melhor remédio

Adaptado daqui

Insolvência e Acionistas

O Banco Central prepara um projeto de lei sobre intervenções bancárias, que obriga acionistas e grandes credores a cobrir perdas e capitalizar bancos cuja insolvência represente risco para o sistema financeiro. A nova legislação também vai permitir o uso de recursos públicos para salvar bancos, o que está proibido desde 2001.

A ajuda, no entanto, só pode ocorrer depois que os acionistas tenham usado seus recursos no banco para tentar resolver o problema. A proposta está em análise no governo e não tem data para ser enviada ao Congresso.

Segundo o BC, não se trata de um novo Proer, o programa de reestruturação do sistema financeiro utilizado na década de 1990 para socorrer instituições como Bamerindus e Econômico. 

Fonte: Aqui

Aquisição

A Cruzeiro do Sul Educacional comprou a Unifran, universidade com sede em Franca, por 120 milhões de reais. Com 20 mil alunos, a aquisição significa que a Cruzeiro do Sul pagou 6 mil por aluno, um valor dentro da média do setor de educação.

Erros de auditores

Uma pesquisa (via aqui) mostrou que os auditores dos Estados Unidos estão cometendo erros simples. A análise concentrou em fraudes contábeis ocorridas entre 1998 a 2010 e mostrou que os auditores não questionam documentos "fabricados" ou diferenças entre o nível do estoque e o valor constante da contabilidade.

As falhas auditor mais comuns foram falta de competência e diligência, a falta de ceticismo profissional, e a incapacidade de avaliar e responder aos riscos de fraude.

O curioso é que o número de punições reduziu após a Sarbox, justamente uma lei aprovada para evitar abusos, como ocorreu com a Enron. Das 87 punições, 76 ocorreram entre 1998 a 2002 e o restante entre 2003 a 2010.

Agenda do Fasb

O FASB, entidade que regula as normas contábeis dos Estados Unidos, está construindo uma agenda futura do conselho. Trata-se de um levantamento para determinar os principais projetos que a entidade irá trabalhar.

Pensamento

Honestidade é um presente muito caro. Não a espere de pessoas baratas.
Warren Buffett

09 maio 2013

Rir é o melhor remédio

Propaganda Sincera (Enviado por Alexandre Alcantara, grato)

Senhor Norma Culta

Evanildo Bechara defende que o aluno deva ser poliglota em sua própria língua. “Ninguém vai à praia de fraque ou de chinelo ao Municipal”, diz.


Há coisas nas quais é difícil ser original: a primeira palavra que Evanildo Bechara falou foi mãe.“O registro mais antigo do vocábulo está no indo-europeu, antes disso não temos conhecimento”, ele explicou, durante um almoço na Academia Brasileira de Letras. “A palavra veio do latim matrem. No francês temos mère; mother, no inglês; mutter, no alemão. Em quase todas as línguas, a palavra começa com a bilabial m, que nos obriga a juntar e abrir os lábios para pronunciá-la. Quando os bebês falam mamãe, talvez o que queiram mesmo é mamar.”

Quando fala sobre a vírgula facultativa – aquela que não é exigida pela gramática, obedecendo apenas à entoação da frase –, faz um parêntese para citar um estudo de estilística mostrando que autores míopes pontuam mais. “Isto ocorre porque eles leem mais pausadamente”, explicou. “Nosso Machado e nosso Rui Barbosa eram míopes que pontuavam muito.”

Com 65 anos de magistério, o professor Evanildo Bechara ainda dá aulas, de análise sintática, na especialização em língua portuguesa do Liceu Literário Português, no Rio. Seu curso, carro-chefe da casa, é disputadíssimo por pós-graduandos no vernáculo – querem estar perto daquele que é tido pelos pares como um dos grandes filólogos, linguistas e gramáticos do idioma em que Camões chorou no exílio amargo.

“Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser”, declamou Bechara de cor, numa aula recente. A frase, tirada do conto “Um apólogo (A agulha e a linha)”, de Machado de Assis, servia para ilustrar o posvérbio – a preposição que, posposta a um verbo, altera o seu sentido. A função não é sintática, mas semântica. Pegar uma linha indicaria nada mais do que segurá-la. Mas pegar da linha implica que ela será utilizada. “É impressionante como os bons autores aproveitam todas as faculdades da língua”, comentou.

No inglês, o fenômeno, conhecido como two-word verbs, é largamente utilizado. Look é “olhar”. Acrescido da preposição for, quer dizer “procurar”, look for. Bechara explicou então que “cumprir o dever” é diferente de “cumprir com o dever”, que exige sacrifício.

Todos os anos, ele recebe dezenas de convites para ser paraninfo Brasil afora e periferia adentro. Para surpresa de quem o convida, espanto dos colegas e às vezes contragosto da família, ele costuma aceitá-los. Já foi ao Acre e a São Gonçalo, Mato Grosso e Nova Iguaçu, cumprir com o dever de prestigiar os jovens que militarão no magistério da última flor do Lácio. Constantemente, começa os discursos com a frase: “Bem-vindos à nau dos insensatos: só louco para ser professor de português no Brasil hoje.”

Evanildo Cavalcante Bechara nasceu no Recife, a 26 de fevereiro de 1928. Filho primogênito do comerciante libanês João Bechara e da dona de casa maranhense Maria Izabel Cavalcante, foi criado para seguir a profissão do pai. Os estudos não eram valorizados em casa: a nota que desse para passar de ano bastava. Pequeno, acompanhava o pai em viagens para comprar tecidos, roupas femininas, brinquedos e outras mercadorias. Nessas expedições, usavam uma língua própria: “bom”, “barato”, “caro” e “não presta” eram falados em árabe para não ofender os interlocutores.

Evanildo tinha 11 anos, andava de bicicleta com seu irmão Everaldo, quando Tatá, a empregada da casa, os chamou e avisou que o pai deles havia falecido. Maria Izabel, viúva aos 25 anos, não teve condições de ficar com todos os cinco filhos, e distribuiu os dois mais velhos. Numa manhã de abril de 1940, Bechara subiu a bordo do Itaité, rumo ao Rio. Seguia para a casa do tio-avô, Benedito Cavalcante, um capitão do Exército.

O capitão Benedito recebera um telegrama de Maria Izabel pedindo que tutelasse o menino até completar os estudos. O tio-avô, que havia perdido o filho para a febre espanhola, atendeu ao pedido. Sua casa ficava no Méier, na Zona Norte. Poucas horas depois de ter desembarcado e pousado a matalotagem, a campainha tocou. O menino atendeu à porta e quem tocava lhe disse que era o tintureiro. Bechara avisou ao tio: “É o homem do carro de presos.”

No Recife, tintureiro queria dizer isso mesmo: carro que conduz presos. Era a segunda variação regional que aprendia em menos de uma semana. Na escala em Salvador, Bechara optara por um vatapá “bem quentinho”, achando que o garçom se referia à temperatura do quitute. Aprendeu, no paladar, que quente era sinônimo de apimentado na Bahia.

Nos anos que se seguiram, o menino passou por outras tantas desavenças lexicais. Na escola, seu sotaque nordestino era motivo de chacota. “No Rio, o chiamento da pronúncia vem da influência dos portugueses quando a cidade era capital”, disse. “Como em Pernambuco nós não chiamos, eu era o diferente da turma.”

Bechara não disse, contudo, que sofreu bullying. Por quê? Para o lexicógrafo, à diferença de “mangar”, “caçoar”, “zoar” e “bulir”, o traço distintivo de bullying – nuance que não permite que uma palavra seja sinônimo de outras do mesmo campo semântico – está no teor mais agressivo que o termo em inglês implica. “A palavra entrou na moda porque é nova, a sociedade é novidadeira, e a novidade faz parecer que o sentido da palavra é mais forte, fica mais apelativa”, explicou o gramático entre uma garfada e outra de picadinho com ovo e farofa, no restaurante da Academia Brasileira de Letras. Pediu feijão, mas não havia.

Aos 83 anos, Bechara tem excelentes apetite e memória. Decora até os nomes dos filhos das garçonetes dos restaurantes dos quais é freguês, e é sempre recebido com beijinhos e abraços. Não vi ninguém que o cumprimentasse sem lhe tocar o ombro ou passar as mãos em volta da cintura. Bechara mantém os ombros largos e o peito aberto da sua infância de nadador, quando foi campeão de natação pelo Náutico, no Recife. A idade e a vaidade só se notam nos ralos cabelos que lhe restam, devidamente tingidos. Sua fala eloquente, sempre acompanhada de gestos com as mãos, ainda guarda um sotaque quase imperceptível, desbastado da exuberância regional.

Ele integra a Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, que, entre outras missões, faz um dicionário ortoépico. Bechara explicou: “A ortoépia ensina a articular bem os fonemas – sese fala obéso ou obêso. Toda língua tem variações, em primeiro lugar no tempo e depois diferenças regionais, sociais e de estilo, conforme o uso mais ou menos culto. Quando fazemos um trabalho normativo desse tipo, levantamos os fatos da língua exemplar. Não é correção.”

Bechara senta-se na sala da Comissão com outros seis lexicógrafos sem nenhuma distinção hierárquica. Sua mesa só se destaca por ser a única em que não há um computador. Seus trabalhos são todos manuscritos, e posteriormente digitados. A sala é decorada com fotos de Aurélio Buarque de Holanda, Antônio Houaiss e Afrânio Coutinho, as estantes são abarrotadas de dicionários e enciclopédias em diversas línguas. Naquela tarde, estavam todos aliviados: finalmente poderiam dicionarizar a palavra “azul-barateia”, tom de cor usado nos uniformes da Aeronáutica.

Para descobrir qual matiz de azul traduziria o termo “barateia”, tiveram que pesquisar junto a oficiais da Aeronáutica. Foi difícil encontrar alguém na FAB que soubesse explicar a origem do termo – a maioria adiantava apenas que era a mesma nuança do “azul-marinho”. Mas um oficial aviador formado em letras explicou que o termo “marinho” alude ao mar, e, portanto, sugeriria o azul da farda usada pela Força Naval. A Força Aérea precisava de nome à altura de seus pundonores e melindres.

Depois de semanas às voltas com o vocábulo, Débora Garcia Restom, uma das lexicógrafas, encontrou a palavra barathea em um dicionário de inglês. Oprimeiro registro que se tem da palavra é de 1812, indicando um tecido. A origem é desconhecida, mas é provável que venha do sânscrito, pois a Inglaterra importava tecidos da Índia. “O léxico é a janela da língua que se abre para o mundo”, disse-me Bechara. “Enquanto a gramática é você consigo, o vocábulo é você com o externo.”

Lexicógrafos são capazes de passar um dia inteiro discutindo as acepções da palavra “charada”, que pode significar tanto a motivação quanto a solução. Ou se a palavra panturrilha, que vem do espanhol pantorrilla, não deveria também ser escrita com o, pois a fonética e a etimologia são os dois critérios utilizados na ortografia.

“Antigamente, colocavam-se vários dicionários na mesa e as pessoas copiavam como se lhes conviesse, mas hoje fazemos um levantamento de milhões de ocorrências e vemos as variações semânticas dentro do contexto de uso”, explicou. “No Brasil, ainda engatinhamos na lexicografia. O dicionário Houaiss conta com 250 mil vocábulos. Já o Oxford, com 600 mil palavras, é excelente: só para a letra chá um volume inteiro. A letra c, na maioria das línguas, é a que tem o maior número de palavras.”

Bechara ficou felicíssimo com a recente conclusão do levantamento do léxico de Machado de Assis. “Os Lusíadas foram escritos com 5 mil palavras, a Bíblia com 7 mil”, disse. “Nós imaginávamos que iríamos encontrar não mais de 4 mil palavras nas obras completas de Machado. Quando você o lê, dificilmente tem que abrir o dicionário, ele usa um vocabulário comum. É diferente de um Euclides da Cunha, um Coelho Neto ou de um Rui Barbosa, que escreveram em um momento da estilística nacional em que se expressar bem era usar palavras difíceis”, contou. O resultado do levantamento mostrou, no entanto, que Machado utilizou 16 mil palavras diferentes. “Que surpresa boa, menina”, disse, orgulhoso da riqueza do seu escritor dileto.

Bechara aprendeu português no Colégio Leverger, instituto educacional modesto no Méier, cujo dono era um coronel amigo do tio-avô capitão. Teve como ferramenta de aprendizado a gramática de Eduardo Carlos Pereira, que, vinte anos mais tarde, seria convidado a atualizar. “Trabalhávamos a gramática de Pereira de cabo a rabo, sabíamos passagens de cabeça”, contou. Mas a disciplina que mais gostava era a matemática, pois queria seguir carreira militar como engenheiro aeronáutico. Um de seus programas prediletos era visitar o aeroclube do Campo dos Afonsos. Não foram penas perdidas. “Estudando matemática disciplinei meu pensamento”, avaliou.

Como precisava mandar dinheiro para a mãe e os irmãos que ficaram no Recife, passou a dar aulas particulares. Oferecia lições de matemática, mas só lhe apareciam alunos de português e latim, as disciplinas que mais reprovavam. Não podia se dar ao luxo de recusá-los, e então se dedicou aos estudos daquela que é esplendor e sepultura.

Certo dia, ao ajudar o tio-avô na faxina da garagem topou com Lexicologia do Português Histórico, de Manuel Said Ali, um dos maiores sintaxistas da língua portuguesa. Terminada a limpeza, o menino correu para o quarto e começou a leitura. “Quando li a primeira frase do prefácio, soube que, como dizia Dante, Said seria Il mio autore”, contou Bechara. O prefácio começava com: “Não estudo a língua separada do homem que a fala.”

Bechara recita o adágio com o arrebatamento de um adolescente a quem um mundo rútilo se descortina. O novel erudito já pressentia que não se devia decompor a língua como um legista faz com um cadáver. Mas era essa a atitude dominante. “A língua era estudada como produto natural”, lembrou. “Nascia, crescia e vivia independentemente do social. Se você plantar semente de laranja, nascerá uma laranjeira. Acontece que a língua depende do uso, e é perfeitamente possível plantar uma laranjeira e nascer uma macieira. Essa era a novidade de Said Ali.”

Como decorrência da afirmação de Said Ali, Bechara tem um axioma que sempre repete: a língua é produto de tradições, e não da lógica. “Se a língua fosse lógica, não poderíamos dizer ‘mais de um saiu’, teríamos que dizer ‘mais de um saíram’, porque mais de um tem de ser no mínimo dois; e dois leva o verbo ao plural”, explicou. “Os gramáticos não procuram a lógica da língua, apenas sistematizam os fatos produzidos pelos usuários. Quem quiser mostrar como a língua deve ser usada tem de conhecê-la, ler tudo o que cair debaixo dos olhos, do século XVI aos nossos dias.”

Bechara mantém sempre o mesmo padrão uniforme elocucional, não há flutuação tonal em sua voz. Seus amigos nunca o viram perder a paciência, nem mesmo quando teria razões para tanto. Em 1999, quando o deputado federal Aldo Rebelo quis restringir os estrangeirismos, para proteger a língua portuguesa, Bechara julgou o projeto absurdo.

“Essa ideia só pode ter vindo de alguém que não sabe o que é e como funciona uma língua”, constatou. “Por exemplo, os romanos eram muito pobres em cores. Posteriormente, os franceses e ingleses desenvolveram mais nomes para designá-las em decorrência da expansão do comércio e do aprimoramento da manufatura. Hoje, as palavras mais ligadas à tecnologia vêm do inglês, língua do país que a divulga. Os estrangeirismos são registros linguísticos do contato entre povos. Era o que Said Ali dizia no início do século passado: a língua é um produto social.”

No dia seguinte à leitura do Lexicologia do Português Histórico, Bechara foi à Livraria Central e comprou outras obras do autor: Dificuldades da Língua Portuguesa, Meios de Expressão e Alterações Semânticas e a Gramática Histórica da Língua Portuguesa.

Leu-as todas. Mas “um belo dia eu tive dificuldade no entendimento de um texto e precisei falar com o autor”. No viço da mocidade, e cheio de iniciativa, procurou Said Ali no catálogo de telefones. Ligou, apresentou-se como admirador de seus livros e pediu um encontro para sanar dúvidas.

No dia combinado, pôs a melhor farda colegial, pegou um trem do Méier até a Central do Brasil e de lá seguiu a pé até a rua da Glória. “Apareceu um homem que parecia um sultão com barbas longas, tendo ao lado uma cachorrinha preta com quem só falava em alemão”, lembrou-se. Bechara e Said Ali conversaram longamente, tarde adentro. O menino contou que desejava ser professor de português. O mestre lhe indagou se tinha alguma coisa escrita. Bechara contou que escrevia um trabalhinho, em rascunho, inspirado na leitura do próprio Said Ali.

O trabalho era sobre entonação, sobre significados na língua que são expressos por meio da modulação do falante. Fazia um levantamento do fenômeno em várias línguas. Em árabe, disse, xabat quer dizer bater, mas se pronunciado xaaaaabat, com gradação intensiva, significa bater fortemente.

A musa que cativou o jovem e continua a enfeitiçar Bechara é a sintaxe. “Você não fala com palavras isoladas ou com fonemas”, defendeu. “Você fala com a frase. O estudo da frase é a sintaxe. Sintaxe quer dizer ‘combinação’. Os gregos foram buscar a palavra na nomenclatura militar: sintaxe era a arrumação dos soldados na tropa, e a reunião da tropa no exército. Na língua, o processo é o mesmo: a análise sintática mostra as relações de dependência e independência que as palavras, expressões e orações mantêm entre si.”

Passado algum tempo, numa sexta-feira, dia de encerar a casa, Bechara estava com a enceradeira para lá e para cá, quando o telefone tocou. Era da casa de Said Ali, pedindo que ele fosse lá, no dia seguinte. No sábado, o pupilo recebeu um elogio austero: “Para sua idade, achei bom o trabalho que o senhor fez.” Veio então o presente: “Está vendo aquela pilha de livros ali? São seus. À medida que o senhor for lendo, vá levando-os.” A pilha media mais de 1 metro e incluía Diogo do Couto, João de Barros, Fernão Lopes de Castanheda e outros de jaez excelso. Eça e Machado eram o que a torre tinha de mais recente.

Durante doze anos, até a morte de Said Ali, aos 91, Bechara frequentou a casa do professor. Trabalhavam em traduções do alemão, ou estudavam os antigos. Said Ali lia em voz alta, e frequentemente se interrompia para fazer comentários filológicos do texto, elucidando a história de palavras. Foi apenas depois de dar uma sólida base literária ao aprendiz que Said Ali o apresentou aos textos teóricos. O primeiro deles, escolhido a dedo, foi o Cours de Linguistique Générale, de Ferdinand de Saussure. Ao lembrar-se de sua formação, em homenagem ao grande mestre, Bechara pediu de sobremesa uma torta alemã.

Concluído o ginásio, começou o curso clássico no Instituto La-Fayette, hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro. “Fiquei sabendo através de um amigo que eu poderia apresentar um trabalho em vez de cursar os dois anos de clássico que faltavam”, contou. “Se o trabalho fosse julgado de valor, notório saber, não precisaria concluir o curso para me candidatar ao vestibular. Eu tinha o trabalho dos fenômenos de entonação, elogiado por Said Ali. Apresentei e passei.” Entrou para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto La-Fayette. No curso de neolatinas, o colega de turma mais novo depois de Bechara tinha 28 anos, dez a mais que ele.

Horácio Rolim de Freitas é um filólogo de 79 anos, amigo de Bechara há cinquenta. Apesar de mais jovem, não se vexa em dizer que inveja a memória do amigo: “É de admirar! Bechara sabe o aniversário de todos os filólogos de cor, lembra-se de livros que leu há cinquenta anos.”

Perguntado sobre quantas línguas fala, Bechara respondeu: “Só português, mal e parcamente.” Modéstia à parte, disse que para uso pessoal tem o português, o inglês, o francês e o alemão. Consegue ler em todas as línguas românicas, que são dez. “Do ocidente para o oriente, excluindo os dialetos, temos o português, o galego, o espanhol, o catalão, o francês, o provençal, o italiano, o dalmático, o reto-românico e o romeno”, explicou, apontando no ar, como se estivesse mostrando as regiões em um mapa. O bom conhecimento de grego e latim, disse, facilitou o aprendizado. “Em árabe, não leio, mas sei xingar muito porque era o que as avós mais faziam”, brincou.

Em 1946, quando começou a dar aulas, não havia concurso público para escolas, os cargos eram todos preenchidos por indicação. “Como não tinha ninguém que me indicasse, sabia que teria de estudar o dobro”, contou. Chegou a dar treze aulas por dia, quatro de manhã, quatro à tarde e cinco à noite. Chegava em casa, jantava, tomava banho e estudava até as três da madrugada: “O professor nada mais é do que um estudante mais velho”, disse o gramático, que ainda hoje não dorme antes da uma da manhã. “A consciência permanente da responsabilidade que colegas competentes e alunos me atribuem não me deixa parar de estudar.”

Quando vieram os concursos públicos, entrou de cabeça: participou de dez deles. Aproveitava posições, cátedras e titularidades que se lhe iam apresentando. A carreira poderia ter sido catapultada se tivesse aceitado o convite, recebido ainda no 3º ano de faculdade, para tornar-se catedrático de latim. “Eu declinei o convite em homenagem ao professor Said Ali”, contou. “Aos meus 16 anos ele se debruçara sobre mim, e me orientara para ser professor de língua portuguesa.”

Para o primeiro concurso que prestou – para a cátedra de língua portuguesa no Colégio Pedro II, em 1954 –, escreveu a tese “Evolução do pensamento concessivo no português”.Boatos se espalharam que Bechara teria plagiado um trabalho de Said Ali. Os vinte e poucos anos do rapaz não condiziam com a bibliografia fora de órbita que apresentara. Quando veio o exame escrito, tirou dez com todos os arguidores. O boato então mudou: o espírito de Said Ali havia feito a prova.

A única preocupação de Bechara foi com a palavra boato. O termo, indicando notícia que anda publicamente, sem procedência, não é herança romana. Ao contrário, seu aparecimento é recente no português. Não encontrou a palavra em Barros, Couto e Camões. Nos Sermões de Vieira colheu um exemplo em que significava som forte. “Os escritores do passado recorriam às palavras fama ou rumor quando pretendiam expressar o boato de nossos dias”, esclareceu.

Na defesa da tese de livre-docência, “O futuro românico: considerações em torno de sua origem”, Bechara emocionou-se com o comentário da banca: “Não podemos dar menos de dez em títulos para o autor da Moderna Gramática Portuguesa.” A gramática de Bechara é seu principal motivo de notoriedade. Além de ser usada em escolas, universidades, e bibliografia obrigatória em concursos públicos, é uma das obras mais citadas em teses e dissertações sobre língua portuguesa.

Em 1961, a Companhia Editora Nacional propôs a Bechara que escrevesse um capítulo para atualizar a Gramática Expositiva de Eduardo Carlos Pereira, publicada em 1910. As ideias estruturalistas chegavam ao Brasil, abalando a linguística, e era necessário ajustar o texto de Pereira. “Quando eu apresentei o capítulo, que também incluía os estudos americanos adiantados sobre fonêmica e fonologia, viram que eu tinha feito um novo livro, já não era mais o Pereira”, contou. “Pediram então que eu escrevesse a minha própria gramática.”

Para escrevê-la, releu todos os grandes autores e começou a anotar os fatos da língua. Na bibliografia, mais de 150 obras são citadas. Bechara também faz frasespara a esposa, Marlit, três filhos, sete netos, dois bisnetos, colegas e o barbeiro. A frase “Eu dancei com Marlit” serve para exemplificar o sentido de companhia da preposição “com”.

A Moderna Gramática, dedicada a Said Ali, está na 37ª edição. Só a edição de 1999 teve mais de vinte reimpressões. Na década de 80, o editor da Nacional disse a Bechara que a gramática já havia vendido mais de 2 milhões de exemplares. “Só sei que eu não fiquei rico”, brincou o autor.

Evanildo Bechara relutou em se candidatar a uma vaga de imortal. “A Academia sempre foi madrasta dos filólogos”, justificou. “Como todos os fundadores eram literatos, direta ou indiretamente, o amor à língua era cultivado, mas não o estudo dela. Basta dizer que Antônio de Moraes Silva, autor do primeiro dicionário monolíngue em língua portuguesa – até então todos os dicionários eram de português-latim –, não foi escolhido como um dos patronos. A Academia também foi muito injusta com o velho Antenor Nascentes, que lhe escreveu um dicionário em quatro volumes e foi rejeitado.”

Amigos, contudo, o persuadiram a se candidatar. Mas alertou que concorreria uma única vez. Em 2000, foi eleito para a cadeira 33. Brincou: “Virei imortal, mas não imorrível.”

Bechara lembrou-se então da polêmica levantada quando o ex-ministro Antônio Rogério Magri, do governo de Fernando Collor, declarou que era “imexível” no cargo. “Fizeram o maior alarde porque não encontraram a palavra no dicionário”, recordou. “Esqueceram a potencialidade da língua, que nada mais é do que um reflexo sociocultural das comunidades. Se pegarmos a morfologia de impagável, imutável, o ‘imexível’ do Magri foi e sempre será perfeitamente possível.” E citou a definição de Fernão de Oliveira, que em 1536 escreveu a primeira gramática de português: “A língua é o que os falantes fazem dela.”

A única competência legal da Academia Brasileira de Letras é publicar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que os imortais chamam de Volp. Em 2008, a quarta edição do Vocabulário estava esgotada e acadêmicos trabalhavam na quinta edição, quando foram surpreendidos pelo novo acordo ortográfico, que desde 1990 estava no limbo. Esqueceram-se do projeto desde o falecimento de Antônio Houaiss, o mentor da reforma que unificaria a ortografia dos oito países de língua portuguesa. Em setembro de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto, fazendo valer as novas regras de escrita, que entrariam em vigor a partir de janeiro de 2009.

Os seis lexicógrafos que integram a comissão do Vocabulário resolveram aplicar as novas regras nas 350 mil palavras do vocabulário da nova edição. Naquele ano, ninguém tirou férias. “Mergulhamos no texto do acordo e muitas vezes demos com a cabeça na pedra”, contou Bechara. “O textoé muito lacunoso e, o que não sabíamos, interpretamos, imbuídos do espírito do acordo.” Ele estava preparado para a catadupa de críticas que viriam. “Primeiro as palmas, depois as palmadas”, brincou.

O acordo desagradou boa parte dos linguistas, abrindo uma série de discussões na imprensa. Houve desde manifestações românticas, do tipo “o voo da gaivota perdeu a poesia sem o circunflexo”, até a lástima narcísica dos que sabiam explicar a diferença entre à-toa e à toa. Agora, ambos não têm hífen.

Mário Perini, linguista da Universidade Federal de Minas Gerais, é um forte opositor do novo acordo ortográfico. Segundo ele, o cunho da reforma é político e comercial. Acredita que a Guiné-Bissau deve ter necessidades maiores do que destinar seus poucos recursos a reimprimir livros escolares para remover tremas e acentos. E acrescenta que se fosse para de fato simplificar a língua, a reforma teria de ter maior alcance, permitindo que se escreva “xuva”, “jente”, “sidade” e “caza”. Perini não vê nada de simples em escrever “ideia” igual a “feia”, quando a pronúncia é diferente. Disse ainda que a reforma só contribui para o complexo de inferioridade do brasileiro, que acha que não sabe a própria língua.

“Se essa parede não tem infiltração, por que vou quebrá-la?”, perguntou Claudio Cezar Henriques, professor de língua portuguesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, apontando para a parede da sala de seu apartamento na Tijuca. O professor explicou que não existe ortografia ideal simplesmente porque ela nunca poderá ser um espelho da fonética. É por isso que certas partes do acordo são incoerentes. O único acento diferencial mantido foi em “pôr”, explicou, para diferenciar o verbo da preposição por. Entretanto, o acento de “pára”, que também tem preposição e verbo homônimos, caiu. “O jornais nunca mais poderão dar a manchete ‘Justiça para o Brasil’, pois a frase fica ambígua”, constatou.

Segundo o acordo, o prefixo “co” diante de uma palavra iniciada com h tem hífen. Acontece que o Volp grafou “coerdeiro” sem hífen e sem h. Isto porque há outra regra que diz: “O h inicial suprime-se quando, ‘por via de composição, passa a interior e o elemento em que figura se aglutina ao precedente’, como em desarmonia, biebdomadário e lobisomem.”

A lista de incoerências encontradas por Henriques é longa: água-de-colônia tem hífen, mas água de cheiro não. O acordo diz que algumas palavras, consagradas pela tradição, mantêm o hífen. “Mas eles não estão justamente mudando a tradição? E quem decide quais usos são consagrados e quais não são?”, indagou o professor. Ele mesmo respondeu: “Seguimos o que está no Vocabulário Ortográfico, ele tem força de lei. Pela legislação é lá que se encontra a ortografia correta.”

Quer tirar um professor de português do sério? Peça que lhe explique o uso do hífen. Bechara reconhece que o hífen ainda está “capenga”. Explicou a origem da confusão. Antigamente, quase não havia hifens, mas no século XIX a nomenclatura técnica criou muitos compostos na física, na química, na botânica, na economia e na filosofia. Esses compostos começaram a atrair o hífen. Os espanhóis adotaram uma solução mais econômica para o seu emprego, e os aboliram em grande parte. Já os franceses, que exerciam uma influência na Europa, se excederam no acento. Portugal, em vez de adotar o sistema espanhol, seguiu as pegadas da França.

Cada notação ortográfica só tem uma função: o acento agudo mostra uma vogal aberta; o circunflexo, uma vogal fechada em sílaba tônica. Já o hífen tem cinco funções: fonética, morfológica, sintática, semântica e estilística. Daí a dificuldade em estabelecer regras que atendam e harmonizem todos os critérios. Dia-a-dia, quando significava cotidiano, era uma locução substantiva, então se usava hífen, como na frase: “O meu dia-a-dia é muito agradável.” Mas dia a dia também pode ser uma locução adverbial. Não havia hífen em “A criança cresce dia a dia”.

Até o século XIX, as gramáticas eram mais normativas do que descritivas. No século seguinte, com Ferdinand de Saussure, a linguística adquiriu proeminência, e a ênfase foi para o estudo interno e a descrição das línguas, feitas com base na oposição de diferenças e semelhanças, de sintagmas e paradigmas, de significados e significantes – foi o primado do método estrutural.

A língua falada, supostamente espontânea e livre, passou cada vez mais a ser objeto de estudo científico, enquanto a gramática era tida como dogmática e conservadora. Baseada num corpus literário de escolha subjetiva – o cânone dos grandes autores, sem fundamento científico –, dizia-se que a gramática impunha uma língua artificial e elitista, fora do uso comum.

Consolidaram-se, assim, estereótipos. Enquanto o linguista era vinculado à ideia de liberdade, o gramático simbolizava a opressão. Todo o falar seria legítimo, não existiria certo ou errado, desde que o falante se faça entender. A correção seria uma violência a jeitos diferentes de falar do aluno.

Esses estereótipos voltaram à tona no mês passado, numa polêmica em que o governo federal foi acusado pelas classes conservadoras de querer abolir a norma culta. O pretexto foi um livro recomendado pelo Ministério da Educação que, justamente, discutia os estereótipos.

A posição de Bechara é a de que os grandes escritores depuram e aperfeiçoama língua, não aceitam qualquer influência popular ou aderem a modas. Eles desbastam os excessos e os caprichos, e é neles que se encontra o “deve ser” da língua.

Ele defende que o aluno deva ser poliglota em sua própria língua. “Ninguém vai à praia de fraque ou de chinelo ao Municipal”, disse. “As pessoas têm de saber adequar o registro linguístico à situação, de modo que aprender a norma culta seria somar e não substituir uma variedade da língua.” Para não haver confusão, no entanto, acha que nas escolas se deva ensinar tão somente a norma culta, sem relativismos que venham a deixar crianças e adolescentes em dúvida.

Numa tarde quente, em seu apartamento no Flamengo, o professor Ricardo Cavaliere disse ser um discípulo de Bechara. Os dois se conheceram na Universidade Federal Fluminense, em 1992, onde dividiam a sala 452. Cavaliere organizou Entrelaço entre Textos: Miscelânea em Homenagem a Evanildo Bechara, publicado em deferência aos 80 anos do professor.

Ao fazer o levantamento bibliográfico dos mais de 25 livros, 26 capítulos de livros, cinco teses, centenas de artigos, resenhas e prefácios, introduções e apresentações, além de verbetes e traduções, Cavaliere se perguntou: tendo lido tanto, como Bechara teve tempo para escrever? E tendo escrito tanto, como teve tempo para ler?

“A biblioteca do Bechara é de causar inveja”, disse Cavaliere. “Ele deveria publicar um guia internacional de sebos. Conhece todas as livrarias e sebos da Rússia a Portugal. Tem um faro invejável para encontrar livros raros.”

Dona Marlit, casada com Bechara há trinta anos, contou que a busca de livros é uma obsessão do marido. “Uma vez, estávamos em Copenhague e o livreiro o levou para um porão onde havia obras raras”, contou. “Passou mais de uma hora e ele não voltava. Fiquei preocupada. Quando desci ao porão, lá estava ele muito interessado na leitura, sentado num banquinho com livros a sua volta.”

O gramático lembrou quando foi trancado numa livraria, em Estocolmo. Ele lia quietinho em um canto e fecharam a loja com ele dentro. “A sorte foi que consegui abrir uma janela e pedir ajuda a uma senhora que passava”, disse. A sua biblioteca tem mais de 35 mil volumes. Está espalhada por uma casa, no Méier, e dois apartamentos, em Botafogo, onde mora num terceiro.

Evanildo Chauvet Bechara, o seu filho mais velho, foi um dos idealizadores da coletânea organizada por Cavaliere. Mas não chegou a ver sua ideia concretizada: morreu de infarto fulminante, em 2007, num quarto de um hotel em Manaus. “No dia seguinte ao velório, o professor Bechara tinha uma viagem marcada para representar a Academia em Brasília”, contou o professor Domício Proença Filho, também acadêmico. “E me prontifiquei a substituí-lo, mas ele foi mesmo assim. Me comoveu a sua aceitação dos desígnios divinos.”

O latinista Rosalvo do Valle, de 84 anos, conhece Bechara há 65. Ele me contou que um neto de Bechara, um menino de 12 anos, teve um acidente de skate e morreu alguns meses depois que o gramático perdera o filho. “Pensei: agora o Bechara desmonta”, disse Do Valle. “Fui à missa de sétimo dia, encontrei-o caído, mas seguro. Na semana seguinte, já tinha voltado a dar aulas.”

Como conseguiu lidar com perdas difíceis? Bechara respondeu: “É como acontece na gramática, um verbo que só pedia objeto direto agora pede objeto indireto. Era transitivo, passou a intransitivo. É você saber receber a vida como ela é e não arquitetar uma vida diferente da realidade. Isso sim causa sofrimento. A morte é uma coisa natural na vida.”

Ele aproveitou e disse que não está errada a expressão “correr risco de vida”, como se acredita hoje, argumentando-se que o perigo que se corre é de morte. A expressão tem respaldo na tradição, explicou. O próprio Machado escreveu, em Quincas Borba: “Salvar uma criança com o risco da própria vida.”

Efeitos da Internet



Do livro de Nicholas Carr

Lucro em excesso

As empresas dos Estados Unidos aumentaram em 15% o lucro obtido no exterior: 1,9 trilhão de dólar. E estão mantendo o resultado no exterior, evitando a tributação. O resultado do exterior aumento 70% nos últimos cinco anos.

Como as empresas só pagam imposto do resultado quando o dinheiro entra nos Estados Unidos e as regras de contabilidade permite que a despesa de imposto não seja considerada se a empresa mantiver o dinheiro reinvestido no exterior, dificilmente todo valor será repatriado.

Mas as empresas estão pressionando o Congresso para aprovar uma lei para trazer os lucros em o pagamento de imposto. No passado pequenos períodos de tempo foram concedidos para que as empresas repatriassem seus lucros, mas o dinheiro não foi usado em investimento de capital ou contratação de pessoas.

Em alguns casos, empresas estão captando empréstimo mesmo tendo dinheiro, evitando a taxação. É o caso da Apple, que contratou 17 bilhões de dólares no mercado de títulos, mesmo tendo "dinheiro" no balanço. O mesmo ocorreu com a Microsoft.

Leia mais aqui