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15 outubro 2023

Multa de 29 bilhões para a Microsoft e as lições da história

Em meados do século XVIII, por três vezes Jacques Necker foi encarregado das finanças da monarquia francesa: em 1776, 1788 e 1789. Sendo suíço de nascimento, Necker arranjou emprego em uma instituição financeira e rapidamente acumulou uma fortuna considerável. Rico, chegou a emprestar ao Tesouro Real. Sendo protestante e estrangeiro, Necker não tinha acesso fácil ao rei francês. Através de sua esposa, fez amizades que garantiram sua ascensão como responsável pelas finanças da França. Na sua primeira gestão, conseguiu financiar a guerra sem aumentar os impostos. No entanto, seus inimigos conseguiram sua demissão. Afastado, escreveu um livro de finanças públicas - "De l’Administration des Finances" (em português: "Da Administração das Finanças"), em três volumes, que foi um grande sucesso de vendas. 


Também publicou "Compte-rendu au Roi" (em português: "Acerto de Contas com o Rei"). Para responder aos críticos que o acusavam de ser responsável pelo caos financeiro do país, Necker resolveu entregar números das finanças públicas da França. Na obra, Necker afirmou que na verdade existia um superávit orçamentário. Os efeitos do livro foram evidentes nos números apresentados por ele: de uma receita total de 264 milhões de livres, o rei tinha gasto 65,2 milhões com militares, 25,7 milhões na corte e 8 milhões para o Conde D’Artois. Para as estradas e pontes, foram gastos 5 milhões, 1,5 para polícia, iluminação e limpeza de Paris e menos de 1 milhão para os sem-teto. O livro vendeu 60 mil exemplares em um mês e mais de 100 mil em 1781. Os súditos sabiam o peso da monarquia.


A sua segunda passagem pelo governo terminou em 11 de julho de 1789. Necker deixou a França, e no dia 14 de julho, teve lugar a Queda da Bastilha. Durante seu período como ministro, Necker tentou aumentar a arrecadação do governo através do aumento da arrecadação dos impostos. Os nobres pagavam pouco, e a máquina de arrecadação era defeituosa. Você pode ler sobre Necker no excelente The Reckoning, de Jacob Soll. 

Séculos depois, Leona Helmsley, uma rica empresária, afirmou que não pagava impostos, pois isso era para pessoas comuns. A frase verdadeira de Helmsley despertou a ira das autoridades, e no final, ela foi presa por evasão fiscal. Isso ocorreu nos Estados Unidos. Recentemente, o blog mostrou uma reportagem que mostrava que, de fato, os mais ricos não pagam imposto de renda nos Estados Unidos.


Isso também se aplica às empresas. A instituição de um imposto mínimo global segue essa visão. O governo Biden está contratando 30 mil funcionários novos para a máquina tributária, e o foco será nas corporações multinacionais. Como é praxe em situações como essa, um alvo é escolhido para servir de exemplo para as demais empresas. Parece que o alvo já foi escolhido. É a Microsoft.

A Receita dos Estados Unidos está cobrando da empresa pela venda de sua propriedade intelectual para uma empresa de Porto Rico. Depois da venda, a empresa fechou um acordo com o governo da ilha e não pagou quase nada de imposto. Isso ocorreu em 2005, e a Receita agora resolveu cobrar da Microsoft 29 bilhões de dólares por conta de sua política tributária agressiva.

A empresa já avisou que irá discutir a cobrança, e o processo, que já tem quase vinte anos, deverá avançar bem lentamente. A empresa eventualmente conta com um novo governo, onde a dívida seja perdoada. Parece que existe um documento onde um executivo da empresa afirma que a operação que ocorreu em Porto Rico era uma jogada puramente fiscal.

A Microsoft planeja contestar os avisos por meio do recurso administrativo da receita e está disposta a recorrer a processos judiciais, se necessário. Na quarta passada, a empresa anunciou a notificação da Receita. E parece que o processo avançou por insistência do Propublica, um site independente que está acompanhando o processo desde 2020. Um juiz, em primeira instância, já ficou ao lado do fisco naquele momento e durante três anos não avançou.

Os advogados da Receita Federal que trabalharam no caso acreditam que esta seja a maior auditoria dos EUA de todos os tempos, e o valor que o IRS está buscando da Microsoft é várias vezes maior do que em qualquer outra fiscalização divulgada publicamente na história da agência.

A saga de Jacques Necker no século XVIII e a atual batalha fiscal da Microsoft nos Estados Unidos demonstram como a relação entre o poder, o dinheiro e os impostos é uma constante na história. Seja na França pré-revolucionária, onde Necker enfrentou desafios financeiros monumentais, ou na América contemporânea, onde as multinacionais buscam otimizar suas obrigações fiscais, o debate sobre a justiça e a equidade tributária continua a moldar o curso dos eventos. À medida que os governos se voltam para um imposto mínimo global e empresas como a Microsoft resistem a pagamentos de tributos, o assunto permanece como uma questão crucial. Como nas épocas passadas, a história nos ensina que os desafios e debates em torno dos impostos são intrinsecamente ligados à busca de um sistema fiscal que beneficie a sociedade como um todo.

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