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21 novembro 2023

Um trecho de Gigerenzer

Quando você olha seu aplicativo de tempo e lá tem que a chance de chuva é de 50% para amanhã de manhã e 50% para amanhã no período da tarde, o que isso realmente significa? Essa questão está no livro Preparados para o Risco, de Gerd Gigerenzer.  


Uma possível resposta para a questão acima é que a chance de chuva no dia é de 100%. Mas a resposta é bisonha. Mas o que significa a informação de que há 50% de chance de chuva de manhã? Uma possibilidade é imaginar que em 50% da sua cidade irá chover. Outra possibilidade é que uma reunião de meteorologista mostrou que metade deles acredita que irá chover e metade não.  

Muitas pessoas não sabem realmente o que significa uma chance de chuva de 50%. Basicamente, os meteorologistas afirmam é que em metade dos dias, como amanhã, irá chover e quem em metade não irá chover. Devemos lembrar que esses profissionais são extremamente calibrados no anúncio da previsão, indicando que seus modelos são bastantes precisos. 

Sobre a previsão do tempo, há um ponto muito interessante que está presente no livro do Nate Silver. Você sabia que a previsão do tempo anunciada na televisão é propositalmente enviesada? Assim, quando há 30% de chance de chuva para o dia de amanhã, a televisão destaca que haverá chance de chuva, com frases do tipo "pode chover". Isso tem a ver o fato de as pessoas lembrarem mais quando a apresentadora da previsão do tempo errou dizendo que não teria chuva e choveu.  

Ou seja, eles não estão preocupados com a REPRESENTAÇÃO FIEL. Besteira. O seu público não quer ser surpreendido com uma chuva. É preferível estar com um guarda-chuva e não ter tido a chuva do que estar sem e se molhar. Eu acredito que o usuário prefere o conservadorismo à fidedignidade. 

Foto: Osman Rana

27 março 2022

Princípio da Precaução versus Análise Custo benefício


Li um extenso ensaio sobre Emily Oster, com um monte de links e uma discussão sobre o uso da economia para a vida diária das pessoas.

Antes de comentar o ensaio, uma contextualização. Quando o Freakonomics surgiu, o trabalho de Oster foi colocado em evidência; o seu trabalho sobre a influência da TV a cabo nas mulheres da Índia. Depois disto, Oster decidiu produzir livros, mostrando como as ferramentas analíticas da economia podem ser aplicadas em situações como gravidez ou decisões familiares. Isto inclui a noção de análise custo-benefício.

O problema é que este tipo de análise rejeita o princípio da precaução, amplamente adotado por ambientalistas e especialistas em saúde pública. Quando temos um cenário de incerteza científica sobre os riscos de algo, os tomadores de decisão devem optar por minimizar ou reduzir o risco potencial. Para Oster, o princípio de precaução pode ser ruim para as pessoas. Há, no artigo, um exemplo dos efeitos do álcool na gravidez. Oster considera que os conselhos sobre o assunto são opressivos para as mães já que considera preocupações desnecessárias e restritivas nas suas escolhas. Os estudos sobre os efeitos do álcool na gravidez são inconclusivos e muitos deles de baixa qualidade. A economista interpreta tal fato como sendo igual a baixo risco, o que seria contra o princípio da precaução.

A posição de Oster tornou-se mais proeminente durante a pandemia. Ela escreveu artigos e publicou pesquisas defendendo uma posição mais flexível nas políticas públicas. Isto agradou a direita, que passou a contribuir financeiramente com o Painel Nacional de Resposta Escolar Covid-19, lançado por Oster. Mas a posição da cientista tornou-se crítica naquilo que seria sua principal crítica do princípio da precaução: a fragilidade dos seus dados. Oster usou dados para decretar que a abertura das escolas teria baixo risco na disseminação viral. Usando dados com uma amostra muito pequena – apenas duas semanas de informações – coletada somente nas escolas que participavam do seu Painel, Oster declarou que as escolas não eram foco de transmissão da doença. O problema é que isto não era possível de concluir de forma científica.

Mais ainda: quando questionada, emitiram uma correção, reconhecendo os problemas da qualidade dos dados, mas sustentaram que os erros não alteravam suas conclusões. Eis a conclusão do artigo:

Nossa falha na resposta pandêmica, que resultou em um milhão de mortes até agora [nos Estados Unidos] foi baseada na substituição total de valores morais ou éticos compartilhados por suposições individualistas sobre riscos, benefícios e valor. As realidades de um surto de doença infecciosa mostraram-se profundamente inconvenientes para os privilegiados, os interesses do capital e os ideólogos de direita, que trabalharam para justificar essas hierarquias. O resto de nós deve considerar a ação coletiva e a solidariedade como pré-condições essenciais para atender às necessidades sociais, enfrentar as crises do planeta e trabalhar na direção de um mundo que não sacrifique o bem social no altar do interesse próprio.

E a contabilidade? - Confesso que não conhecia o princípio da precaução e sua aplicação nas políticas públicas de saúde. Mas sua formulação no texto lembrou o conservadorismo contábil. A aplicação de princípios econômicos de análise, como o uso inapropriado do valuation em mensuração contábil, lembrou o passo que demos na contabilidade a partir dos anos oitenta.

28 julho 2021

Conservadorismo no esporte

 


Em 1980, o basquete adotou a regra dos três pontos. Em termos simples, um arremesso na cesta a partir de uma região mais distante teria um valor maior que um arremesso certo, mas próximo da cesta.

Isto representa uma mudança nas regras, as uma análise histórica mostra que somente muitos anos depois é que o esporte sofreu uma alteração na sua forma de jogar.

Uma análise estatística mostra que a cesta de três pontos tem um valor de 50% a mais que a cesta de dois pontos. É um prêmio bem interessante. Além disso, diante da ameaça de fazer três pontos, a marcação do time defensor tem que mudar. Isso deveria abrir o jogo, criando espaços. Outro fato é que o erro em uma tentativa de três pontos geralmente não rende um contra-ataque, ao contrário da cesta de dois pontos.

Mas desde a mudança nas regras, a tentativa de fazer três pontos foi subutilizada. O número médios de arremessos de três pontos por equipe e por jogo era de 2 em 1980. Cinco anos depois, em 1985, o número aumentou para 3,3. Eis a evolução nos anos seguintes:

1980: 2.0

1985: 3.3

1990: 7.1

1995: 13.2

2000: 14.9

2005: 16.8

2010: 18.1

2015: 24.1

2020: 34.6

Qual a razão? A conservadorismo das pessoas. 

02 outubro 2020

Medo ou Conservadorismo?


Daniel T. Blumstein é um biólogo da Universidade da Califórnia. Recentemente lançou um livro chamado The Nature of Fear. E escreveu um artigo sobre o medo na The Scientist. Eis trechos do artigo que achei interessante:

Todos os animais, do passado e do presente, devem avaliar os riscos de predação com risco de vida e tomar decisões para evitar ou de outra forma gerenciar esses riscos. É um equilíbrio delicado: ter muito medo custa caro se cautela significar que você perderá comida, companheiros ou outros recursos importantes. Ser muito descarado pode acabar muito mal. Indivíduos bem-sucedidos são aqueles que acertam esses trade-offs e, por causa disso, deixam relativamente mais descendentes. (...)

Uma das principais lições que aprendi é que o risco é onipresente e que é impossível eliminá-lo completamente. O medo é uma emoção natural e um motivador poderoso. Na verdade, os humanos compartilham com muitos animais a tendência de superestimar o risco (é melhor prevenir do que remediar!). Isso nos torna vulneráveis ​​a políticos com intenções malévolas que fazem anúncios atraentes que exploram nossos sistemas neurofisiológicos de medo de maneira eficiente. Uma vez que alimentem nosso medo, eles nos dizem que suas políticas propostas garantirão nossa segurança. Mas pense por um momento antes de apoiar esses criadores de medo. Em última análise, devemos aprender a gerenciar nossos riscos. Políticos confiáveis ​​nos conduzem por um caminho de gestão de risco eficiente e reconhecem que a incerteza é natural e onipresente. (...)

É um tesouro herdado, um poderoso aliado. No entanto, também é um companheiro irritante e às vezes intolerável. É uma bússola que, quando devidamente calibrada, nos guia para longe do perigo e para a oportunidade. Cooptado e transformado, pode nos levar por caminhos destrutivos que muitas vezes colocam em risco nossa própria humanidade.

Contabilidade? - Fiquei pensando se o conservadorismo do contador não seria originário do medo. Assim, teria uma raiz na evolução do homem. Assim, o contador seria o individuo com excesso de cautela, mas que pode "perder" a comida por este motivo. O interessante é que o autor considera o lado positivo do medo, ao contrário de alguns que associam o medo (e o conservadorismo) com algo negativo. 

14 junho 2018

Prudência na nova Estrutura Conceitual

Desde 2008, os reguladores sofreram uma grande pressão para voltar a incorporar, na estrutura conceitual, a prudência. Com a crise, os ativos avaliados a valor de mercado tiveram redução, influenciando nos resultados das entidades. A contabilidade, ao não usar a prudência, fez com que empresas apresentassem grandes prejuízos, o que teria um efeito de alimentar, ainda mais, a crise econômica. Assim, a estabilidade econômica poderia ser uma das finalidades da estrutura conceitual. A comunidade europeia chegou a ameaçar retirar as doações dos seus países para o Iasb em 2013.

Aparentemente a pressão parece que produziu resultado. Em 2018, ao aprovar uma nova estrutura conceitual, o Iasb afirmou que a neutralidade é apoiada (supported, no original) pelo exercício da prudência. Fazendo uma ginástica para justificar a presença da prudência na sua estrutura conceitual, o regulador internacional, o Iasb, afirma que a prudência não significa que os ativos e as receitas estariam subestimados e o passivos e despesas superestimados. Entretanto, usar a prudência é exatamente isto, o que parece um contrassenso. Eis o que diz a norma:

Neutrality is supported by the exercise of prudence. Prudence is the exercise of caution when making judgements under conditions of uncertainty. The exercise of prudence means that assets and income are not overstated and liabilities and expenses are not understated. Equally, the exercise of prudence does not allow for the understatement of assets and income or the overstatement of liabilities and expenses, because such mis-statements can lead to the overstatement of income or the understatement of expenses in future periods

04 dezembro 2016

História da Contabilidade: O surgimento de alguns conceitos (1860)

Uma das surpresas agradáveis da pesquisa histórica é descobrir um termo ou uma expressão ou um conceito que usamos corriqueiramente nos dias de hoje. É bem verdade que nunca saberemos com precisão a data precisa, mas o fato de imaginar que nossos antepassados distantes já conheciam aquelas palavras é interessante. Nesta postagem de hoje irei comentar algumas expressões que encontrei ao pesquisar os jornais dos anos 60 do século XIX. Ou seja, há mais de cento e cinquenta anos ou há mais de cinco gerações.

Há tempos a “falta de sentimento” tem sido associada a contabilidade. O trabalhador contábil, geralmente acostumado a lidar com números diariamente, é um insensível sem coração. As informações preparadas pela contabilidade devem ser neutras, afirmam os reguladores. Esta noção de “falta de sentimento” parece que não é dos dias atuais. Em 1868, num discurso em Diamantina, reproduzido no jornal O Jequitinhonha (1), um político afirmava que a “câmara não é machina de contabilidade, cuja funcção se limita a linhar cifra sobre cifra, algarismo sobre algarismo”.

Um outro termo aparece dois anos depois quando um leitor do jornal Sentinella da Liberdade (2) escreve uma carta para tratar de um serviço de irrigação e os recursos do governo para o mesmo. Parece que a verba para o serviço estava comprometida e o serviço, na visão do texto, não poderia ser adiado. Para resolver o problema da falta de recursos o texto sugeria: “como vereador commissario da contabilidade indico as verbas – abertura e alargamento de ruas, pontes e pontelhões – das quaes se póde fazer o extorno da quantia de 20,000$ sufficiente para o andamento do serviço (...)”. Certamente não foi a primeira vez que a palavra estorno foi empregada na língua portuguesa. Mas é interessante saber que o orçamento público brasileiro transferia recursos de uma rubrica para outra há mais de 150 anos.

Ainda sobre as finanças públicas, em 1864 o Visconde de Itaborai estava fazendo um discurso sobre as finanças do império. Afirmava o Visconde que era impossível saber com segurança o “saldo ou déficit” do tesouro e isto tinha que acabar. E que o Tesouro deveria limitar-se a “escripturar com clareza a receita e a despeza” (3). No que foi interrompido por Silveira da Mota que afirmou: “é artificio de contabilidade”. A fama ruim da contabilidade pública não é de hoje. A dificuldade de entendimento remota do Império.

Outra passagem interessante que encontrei foi na Revista Espirita. Como o nome diz, tratava-se de uma publicação sobre o espiritismo. Em 1860 a revista transcreveu uma sessão ocorrida em 10 de fevereiro daquele ano onde Allan Kardec falava sobre uma doação que lhe foi feita: “Esta soma formará o primeiro fundo de uma Caixa Especial, que nada terá em comum com os meus negócios pessoais, e que será o objeto de uma contabilidade distinta sob o nome de Caixa do Espiritismo”(4). Observe que Kardec comentava sobre o princípio da entidade, separando a doação recebida dos seus pertences pessoais. Como sabemos, a noção de entidade tornou-se mais assentada na contabilidade anos depois. Nove anos depois, ao comentar sobre a Livraria Espírita, as lições de Kardec parece que foram absorvidas: “É administrada por um gerente, simples mandatário, e todos os lucros constatados pelo balanço anual serão por êle lançados na Caixa Geral do Espiritismo” (5).

Para encerrar esta postagem com chave de ouro uma citação de 1875, do Vida Fluminense, sobre uma regra da contabilidade: a regra da pior contabilidade. Fantástico:

Se um ativo contabilizado por doze milhões de patacões, por pior que seja, dá para pagar mil e tantos contos. É preciso dizer que regra estamos falando?

(1) O Jequitinhonha, 13 de dezembro de 1868, ano VIII, n. 18, p. 2
(2) Sentinella da Liberdade, 9 de janeiro de 1870, ano II, n. 2, p. 4
(3) A Situação, 15 de dezembro de 1864, ano II, n. 76, p. 2.
(4) Revista Espirita, março de 1860, ano 3, n. 3, p. 7.
(5) Revista Espirita, abril de 1869, ano XII, n. 4, p. 2.
(6) A Vida Fluminense, 1875, ano VIII, n 390, p. 2.

31 agosto 2014

O brasileiro é conservador?

O que é aceitável ou não para as pessoas? Isto depende do lugar onde você mora. Uma pesquisa com mais 40 mil pessoas, de 40 países diferentes, incluindo o Brasil, questionou as pessoas sobre temas polêmicos: casos fora do casamento, jogo, homossexualidade, aborto, sexo antes do casamento, consumo de álcool, divórcio e uso de contraceptivos. As respostas variaram de acordo com o país.

O Brasil pode ser considerado, em geral, um país nem conservador nem liberal. Os brasileiros responderam contrários a ter um caso fora do casamento, o jogo, o aborto e o uso de álcool (!); as respostas obtidas nestes itens foram superiores do que a média mundial. Mas foram mais liberais nas restrições a homossexualidade, o sexo antes do casamento, o divórcio e o uso de contraceptivos.

20 julho 2013

Proposta de alteração na estrutura conceitual II

Contrariando a expectativa que alguns agentes econômicos tinham, a volta do conceito de prudência para a Estrutura Conceitual do IFRS não está contemplada diretamente na proposta apresentada ontem pelo Iasb. Mas não está totalmente descartada.

Embora muitos contadores tenham aprendido na escola que o conservadorismo é um princípio da contabilidade, já faz tempo que ele não integra mais os normativos do padrão IFRS.

Primeiro ele foi substituído pelo conceito da prudência, que parecia menos incisivo, mas depois foi totalmente eliminado, pelo entendimento de que ele seria conflitante com o princípio da representação fidedigna da situação patrimonial da entidade. Ou seja, não deveria haver viés.

Mas ainda que não traga uma sugestão para a retomada do conceito, o órgão menciona que esse tema tem sido motivo de preocupação de alguns agentes e diz que ele pode ser contemplado.

A postura de evitar mudanças se justifica pela tentativa do órgão de não rever alterações feitas em 2010 nos capítulos iniciais da Estrutura Conceitual, que tratam do objetivo das demonstrações financeiras e das características qualitativas que devem ser observadas para a elaboração dos balanços - como representação fidedigna, relevância, comparabilidade etc.

Integram a lista de temas colocados em discussão pelo Iasb também assuntos como definição de modelo de negócio, unidade de conta, entidade em marcha e manutenção de capital.


Por enquanto, prudência fica de fora - Valor Econômico - 19/07/2013

Esta é uma questão polêmica. Brevemente irei fazer um comentário sobre um texto muito interessante de John Kay. Aguarde.

02 julho 2013

O grande dilema da contabilidade

Uma das grandes vantagens do conservadorismo é que os eventos e transações são facilmente verificados. Se uma empresa adota o custo histórico para avaliar os estoques, um auditor pode facilmente comprovar o valor conferindo com a nota fiscal de aquisição. O mesmo pode ocorrer com um terreno: basta verificar o valor de foi registrado no documento do cartório para ter o montante que deveria ser registrado na contabilidade da empresa.

Entretanto o conservadorismo possui alguns grandes problemas. Um deles é que o número registrado na contabilidade tende a ficar muito distante do seu valor. Assim, aquele terreno que foi adquirido há quinze anos já teve valorização e o custo histórico não acompanhou. O cômodo custo histórico deixa de ter relevância para quem analisa as demonstrações contábeis.

Estabelece assim um grande dilema para o contador: usar o conservadorismo, que permite registros verificáveis e objetivos ou usar um método como o valor justo, que traz mais relevância para a decisão? A relação entre o conservadorismo e a relevância da informação é muito difícil de ser observada e mensurada. Mas uma dissertação de mestrado conseguiu fazer isto com a situação brasileira dos últimos anos. Usando dois modelos, um para medir o conservadorismo e outro para a relevância da informação, o mestre Dionísio Ramos, sob a orientação do professor Paulo Lustosa, analisou os dados de informações da bolsa de valores brasileira entre 1999 a 2012. Com uma amostra de 579 empresas e dados trimestrais, Ramos comprovou que nos últimos anos ocorreu uma redução do conservadorismo contábil nas empresas brasileiras de capital aberto. Os dados permitiram também comprovar que ocorreu um aumento na relevância da informação no mesmo período. E que existe correlação entre as duas variáveis. O mais importante é que os pesquisadores comprovaram que isto ocorreu a partir do momento que as empresas brasileiras passaram a adotar as normas internacionais de contabilidade. Estas normas são menos conservadoras para a contabilidade da empresa e tudo leva a crer que a convergência contábil ocorrida a partir da Lei 11.638 seja a causa da redução do conservadorismo e do aumento da relevância.

Entretanto este resultado deve ser tomado com cuidado, já que ao mesmo tempo em que o Brasil adotava as IFRS ocorria uma crise econômica mundial. De qualquer forma, o trabalho de Ramos é um pontapé inicial para pesquisa sobre estas duas variáveis.


Leia mais: RAMOS, Dionísio Adárcio. Conservadorismo e Relevância da Informação Contábil, Brasília, Dissertação (mestrado), UnB, 2013. 

28 março 2013

Conservadorismo e crescimento

Adotar um estilo de contabilidade muito conservador pode ter efeitos a longo prazo sobre o crescimento, afirma Gilles Hilary, professor associado de contabilidade e controladoria do INSEAD. Hilary e co-autores (...) acompanharam mais de 70 mil empresas de capital aberto dos EUA entre 1976 e 2006 e descobriram que as mais conservadoras com os seus procedimentos de contabilidade, maior foi o impacto sobre a sua capacidade de inovar. Um exemplo comum de contabilidade excessivamente cautelosa, as empresas "reconhecem a má notícia imediatamente", diz Hilary, com baixas contábeis completas imediatamente, em vez de espalhar um espaço de alguns anos.

Fonte: Aqui

12 setembro 2012

Medo 1

Se mudar o hábito de uma única pessoa já é uma tarefa difícil, que dirá a cultura de um país. Quase cinco anos após a edição da Lei 11.638, que marcou o início do processo de migração do padrão contábil brasileiro para o modelo internacional IFRS, ainda se nota entre os agentes locais uma grande dificuldade para que a essência prevaleça sobre a forma nas divulgações de balanços de empresas.

"Ainda não houve a absorção da prática da essência sobre a forma. Prevalece o 'pacto do medo'", sintetizou Marcus Severini, diretor de controladoria da Vale, que participou ontem, em São Paulo, do 2º Encontro de Contabilidade de Auditoria para Companhias Abertas e Sociedades de Grande Porte, organizado pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon).

O diagnóstico é que as empresas acabam cedendo ao que dizem ser pressão dos auditores para aumentar o número de notas explicativas nos balanços, que estariam previstas nas regras. Esses, por sua vez, acabam exigindo mais do que talvez fosse o necessário, com receio de receber alguma reprimenda do órgão regulador.

O resultado é que os balanços estão maiores do que o desejado pelas empresas, e sem necessariamente trazer mais informações úteis aos usuários.

José Carlos Bezerra, superintendente de normas contábeis e auditoria da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entende que as empresas não têm sabido filtrar adequadamente o que é relevante para ser divulgado no âmbito do IFRS. "A gente percebe o medo de errar entre auditores e empresas", disse Bezerra, que também participou do evento.

Para ele, no entanto, essa não é a postura adequada. "Esse é o momento de errar, por que o regulador ainda está em uma fase educativa e de aprendizado."

De acordo com Severini, da Vale, em algum momento as empresas terão que bater o pé e enfrentar os auditores e, eventualmente, os reguladores. "Tem que chegar alguém e dizer: 'Não vou divulgar porque não é relevante'. Mas para isso é preciso coragem, uma dose de audácia que não é fácil de se ter", disse.

Segundo André Veiga Milanez, diretor financeiro da Cetip, migrar de uma cultura baseada na forma para uma prática sustentada pela essência exige uma mudança cultura que não é trivial. "As próximas gerações devem contribuir para aprimorar esse processo", afirmou ele.

Segundo Bezerra, da CVM, como tudo no IFRS, não existe uma "receita de bolo" que possa ser seguida por todas as empresas para tornar as notas explicativas mais curtas e mais informativas.

Mas ele diz que um caminho é tirar as informações repetitivas (e aquelas que apenas reproduzem as exigências legais e as normas) e se concentrar no que é relevante para o usuário. Nas notas que tratarem de redução ao valor recuperável de ativos ("impairment") ou ajuste a valor presente, por exemplo, ele diz que é fundamental que as empresas divulguem as premissas de taxas e prazos usados para embasar determinada decisão ou resultado.

Para Wanderley Olivetti, sócio da Deloitte, as empresas devem "customizar" os balanços, cortando notas sobre práticas contábeis que não se aplicam ao seu segmento de atuação e evitando a prática de copiar e colar.


Na briga da essência contra a forma, prevalece o 'medo' - 11 de Setembro de 2012 - Valor Econômico - Fernando Torres | De São Paulo

15 março 2012

Estrutura Conceitual e Conservadorismo

Os resultados das pesquisas sobre a Hipótese do Mercado Eficiente sugerem que o preço das ações não é determinado apenas por informações contábeis. Ball e Brown (1968) afirmam que a falta de uniformidade nos princípios contábeis permitiu a manipulação dos lucros de forma a ofuscar a visão dos investidores.

Nos mais altos níveis teóricos, a estrutura conceitual da contabilidade define o escopo e o objetivo do financial reporting. No próximo nível fundamental teórico são definidas e identificadas as características qualitativas da informação financeira (relevância, fidelidade de representação, compreensibilidade, comparabilidade, oportunidade, verificabilidade); e os elementos básicos dos relatórios contábeis (ativos, passivos, patrimônio, receitas, despesas e lucro). No menor nível operacional, a estrutura conceitual trata princípios e preceitos de reconhecimento e mensuração dos elementos básicos, além do tipo de informação a ser divulgada (GODFREY et al, 2006).

Conforme Godfrey et al (2006), regulamentadores tentaram estabelecer ordem criando inúmeras resoluções e padrões contábeis. Algumas das regulamentações iniciais tratavam a essência de práticas adotadas com base em padrões arbitrários; outras eram resultados da influência direta de leis, regras governamentais, pressões de gestores, conveniência política.

Solomons (1978 apud GODFREY et al, 2006) vê a estrutura conceitual como uma defesa contra a interferência política na neutralidade dos relatórios contábeis. Ele nota que políticas contábeis podem ser implementadas apenas se fazendo um julgamento de valor, mas não há como provar que o julgamento de valor de qualquer grupo em particular é melhor para a sociedade do que aquele de outros.

Em setembro de 2002 o Financial Accounting Standards Board – FASB e o International Accounting Standards Board – IASB assinaram o acordo de Norwalk, no qual se comprometeram a desenvolver padrões de contabilidade compatíveis e de alta qualidade. O objetivo do Conceptual Framework é desenvolver uma estrutura conceitual em comum que seja tanto completa quanto internamente consistente, além de ser uma base segura para desenvolver padrões contábeis futuros.

Em setembro de 2010 o FASB publicou o Statement of Financial Accounting Concepts n. 8 – SFAC 8 (2010), atualizando estruturas conceituais anteriormente emitidas. No capítulo 3, que discorre sobre as características qualitativas da informação financeira útil, o Conselho (FASB, 2010) destaca a fidelidade de representação: para que seja útil, a informação deve não apenas reproduzir fenômenos relevantes, como também representar fielmente o fenômeno que se propõe a retratar. No parágrafo BC 3.19, do SFAC 8 (2010), é ressaltado que a representação fiel se distingue do que foi apresentado em versões precedentes ao descartar o conservadorismo como uma de suas características.

O conservadorismo implica que, quando em dúvida, deve-se escolher a alternativa contábil que tenha a menor chance de supervalorizar a receita ou os ativos da empresa. Isso acarreta a possibilidade de falta de confiabilidade, já que há espaço para decisões e avaliações subjetivas.

Basu (1997) interpreta o conservadorismo como sendo um mecanismo que ocasiona o reflexo mais rápido no lucro de más notícias do que de boas. Schroeder, Clark e Cathey (2009) afirmam que o princípio foi elaborado inicialmente para conter o otimismo gerencial, mas a crescente pressão por demonstrações mais confiáveis e relevantes reduziram a sua influência. Riahi-Belkaoui (2004) aponta que atualmente o conservadorismo é adotado principalmente como um guia para situações extraordinárias e que, por possibilitar erros, distorções e demonstrações enganosas, está destinado a ser menos utilizado.

Para verificar se a contabilidade conservadora induz uma assimetria informacional, Pope e Walker (1999) analisaram as diferenças na oportunidade de reconhecimento do lucro entre o Reino Unido e os Estados Unidos. Concluiu-se que no Reino Unido reconhecem-se as más notícias mais rapidamente que as empresas norte-americanas e que o lag no reconhecimento das boas notícias se atrasa em até um ano.
Frente a tal aspecto, há de se considerar que o conservadorismo contábil afete a análise das demonstrações.

Lev (1989) reitera que a relação entre lucros e retornos de diversos estudos é baixa. Kallunki e Martikainen (1997) propõem que um dos motivos para isso seria a falta da oportunidade do lucro em refletir eventos value-relevant. Isso ocorre, em parte, em decorrência das práticas contábeis adotadas atenderem à mensuração com base no custo histórico. Consequentemente, os contadores trocam a oportunidade no reconhecimento das mudanças nos ativos líquidos em favor da objetividade, verificabilidade e prudência.

E os lucros contábeis e retornos acionários?

Collins e Kothari (1989) ressaltam a importância de se considerar a estrutura de lead-lag entre os retornos e os lucros, já que as informações envolvidas nos lucros contábeis provavelmente não serão capturadas pelos preços acionários durante o período fiscal de forma contemporânea. Consequentemente, os retornos devem ser acumulados ao longo de um período determinado em torno do ano fiscal. Kothari (1992) considera que a natureza do processo contábil de mensuração do custo histórico limita a habilidade de refletir a expectativa do mercado quanto aos lucros futuros. De tal modo, os lucros seriam liderados pelos preços acionários.

A assimetria dos lucros decorrente do conservadorismo contábil tem forte poder explicativo sobre o declínio na associação lucros-retornos, conforme demonstrado por Ryan e Zarowin (2003). Balachandram e Mohanram (2011), ao contrário, não encontraram evidências de que a contabilidade é a fonte da redução temporal da value relevance das informações contábeis. Lim e Park (2011), por sua vez, analisaram o decaimento da associação entre lucros e retornos com hipóteses de pesquisas desenvolvidas com base na estrutura lead-lag das variáveis. Os autores concluíram que o declínio ocorreu devido ao aumento do ruído nos retornos acionários e não em consequência a ruídos no desenvolvimento das métricas contábeis, tal como lucro líquido ou fluxo de caixa.

Nota-se que vários estudos que focaram a relação lucros-retornos atribuíram a fraca associação encontrada a deficiências no sistema de mensuração contábil (LEV, 1989; LEV; THIAGARAJAN, 1993; RYAN; ZAROWIN, 2003). Essa, entretanto, pode ser uma conclusão prematura, pois, dentre outros aspectos, há de se reconhecer a relação contemporânea entre as variáveis.

Fonte: SALES, I. C. H. A dinâmica da relação entre lucros contábeis e os retornos acionários nas empresas brasileiras de capital aberto. 87f. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis) – Programa Multiinstitucional e Inter-Regional de Pós Graduação em Ciências Contábeis da UnB/UFPB/UFRN, 2011.

17 novembro 2011

Contabilidade e Economia

Será que a decisão contábil pode afetar os rumos da economia? O vínculo entre a contabilidade e economia sempre existiu. Mas recentemente uma discussão apresentada na University of Texas, de Austin, fez uma conciliação entre estes dois campos do conhecimento.

Michael Crawley estudou os efeitos do conservadorismo sobre as políticas macroeconômicas. Usando o modelo de Basu para mensurar o conservadorismo, muito conhecido dos pesquisadores contábeis, Crawley mensurou o lucro agregado das empresas dos Estados Unidos, no período de 1929 a 2007. Neste mesmo período, Crawley usou dados de contas nacionais para verificar a relação entre as variáveis. A ideia é a seguinte: o conservadorismo afeta os resultados mensurados das empresas. Estes resultados, por sua vez, fazem parte do cálculo das contas nacionais, que por sua vez são usadas pelos formuladores de políticas econômicas, em especial o Banco Central.

Crawley demonstrou que este vínculo ocorre e tem influencias relevantes. Segundo sua estimativa, entre 1963 a 2007, o lucro e o produto interno bruto seria em média 114 bilhões a mais por ano na ausência do conservadorismo.

Crawley chama a atenção que entre os usuários da informação contábil deveria ter um especial destaque os reguladores.

Fonte: Macroeconomic consequences of accounting: the effect of accouting conservatism on macroeconomic indicators and the Money supply.  Michael Crawley

05 março 2010

Conservadorismo

Este trabalho investiga se a regulação afeta o nível de conservadorismo contábil no Brasil. Como proxy de regulação, adotou-se a existência de agência nacional reguladora (ANR), legislação específica (LE) ou plano de contas normatizado (PCN). Como proxy de conservadorismo, foram utilizados dois modelos desenvolvidos por Basu (1997). A amostra estudada contemplou as empresas brasileiras de capital aberto, cujos dados estavam disponíveis no Economática® para o período de 1996 a 2006. Os testes realizados envolveram regressões em painel, onde os modelos de Basu (1997) foram rodados com a introdução de uma dummy para captar o impacto da regulação. Os resultados obtidos pelos dois modelos de conservadorismo adaptados às três dummies de regulação não permitem inferir nenhum impacto. Assim, esta pesquisa contribui com a literatura no sentido de não corroborar a hipótese de que a regulação aumenta o conservadorismo. Uma possível explicação para esse cenário é que o Brasil possui outros fatores, tais como ambiente institucional e alta concentração acionária, que podem explicar o nível de conservadorismo. Com isso, o "efeito país" pode ter comprometido o "efeito regulação". Para testar essa alegação, seria interessante replicar este estudo em outros países code-law e compará-los aos países common law.

O IMPACTO DA REGULAÇÃO NO CONSERVADORISMO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS LISTADAS NA BM&FBOVESPA - Rosilda Aparecida da Costa, Fábio Moraes da Costa, Ézio Carlos Silva Baptista, Gustavo Amorim Antunes


 

31 dezembro 2009

Conservadorismo nos Bancos Portugueses

Este artigo tem como objetivo analisar o conservadorismo nos resultados contábeis dos bancos portugueses. Para isso, foram utilizados os modelos de reversão de componentes transitórios do lucro proposto por Basu (1997) e o de Ball e Shivakumar (2005) em 52 bancos (33 de capital aberto e 19 fechados) no período de 2000 a 2007, utilizando-se, assim da abordagem econométrica de dados em painel. O primeiro modelo considera que as firmas que se defrontam com más notícias são mais propensas a reconhecer oportunamente as perdas econômicas em seus resultados contábeis do que as empresas que se defrontam com boas notícias. No segundo modelo, Ball e Shivakumar (2005) incluíram no modelo de Basu (1997) uma variável binária interativa que discrimina as empresas segundo sua forma societária (DPR = 1 se a empresa for de capital fechado e 0 se for de capital aberto). A análise dos resultados da aplicação do modelo de Basu (1997) aos dados das instituições que compuseram a amostra revela que não há evidências da presença de conservadorismo condicional nos resultados contábeis reportados pelas instituições financeiras que atuam em Portugal, o que leva à rejeição da primeira hipótese de pesquisa. O segundo modelo, o de Ball e Shivakumar (2005) reafirma o modelo de Basu (1997) e demonstra, também, que não há reconhecimento oportuno


CONSERVADORISMO NOS RESULTADOS CONTÁBEIS DOS BANCOS EM PORTUGAL - Gerlando Augusto Sampaio Franco de Lima (USP); José Alberto Soares da Fonseca (UNIVERSIDADE DE COIMBRA); Giovani Antonio Silva Brito (USP)

16 setembro 2009

Conservadorismo e Auditoria

O presente trabalho investigou como o grau de conservadorismo contábil utilizado pelas maiores empresas listadas na Bovespa é impactado por uma ressalva no parecer dos auditores independentes. Para testar se o grau de conservadorismo foi maior durante o período que sucede a divulgação de um parecer ressalvado, utilizou-se para os testes uma variação do modelo de Basu, proposta por Lobo e Zhou (2006). Foram coletados dados das empresas referentes ao período de 2000 a 2007 (...) Os resultados indicam que as empresas da amostra incorporam perdas mais rapidamente do que ganhos, ao divulgarem os lucros no período pós-ressalva, indicando maior grau de utilização do conservadorismo contábil. Esta pesquisa contribui para um maior entendimento sobre a influência do auditor independente e das informações geradas por ele (opinião independente das demonstrações contábeis) sobre as demonstrações financeiras divulgadas pelas empresas no Brasil, onde pesquisas empíricas sobre auditoria ainda são escassas.


EFEITOS DA RESSALVA SOBRE O GRAU DE CONSERVADORISMO CONTÁBIL: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DE MUDANÇAS NO GRAU DE CONSERVADORISMO NO PERÍODO PÓS-RESSALVA - Laiz Teixeira Pontes
(Fucape)

11 maio 2009

Comparação

John Kay faz uma interessante comparação entre a contabilidade tradicional, onde predominava a prudência e a certeza, com a nova contabilidade, com influencia da teoria moderna de finanças.

Não existe uma resposta certa ou errada para a questão de como lucros devem ser distribuídos ao longo do tempo. Os fundadores da profissão contábil acreditavam que só deveriam contar os pássaros na mão. Eles reconheciam caixa somente quando é recebido ou, pelo menos legalmente comprometidos a serem pagos. Consideravam uma visão prudente do passivo futuro. Os lucros eles registravam ao final da atividade que deu origem a eles.

Contadores modernos, no entanto, foram ensinados a teoria de finanças moderna em que os mercados são eficientes. Eles tratam a incerteza, assumindo que o mercado já sabe e avaliou todas as informações pertinentes. Eles também foram ensinados nas habilidades de agradar os clientes. Esses contadores marcam ativos e passivos ao mercado. Rigorosamente aplicadas, contabilidade com marcação a mercado significa que você deve constantemente re-estimar o lucro potencial de uma atividade ao longo da sua vida. Têm-se direito ao crédito com a previsão de lucro numa atividade tão logo que você começa a participar na mesma.

(…)
Em teoria, este tratamento é justificável, mas a possibilidade de abuso é óbvia.


A boom based on little more than a bezzle
John Kay - 6 Maio 2009 - Financial Times - Asia Ed1 - 09