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03 dezembro 2012

Por que cai o investimento?

Autor: Armando Castelar
Correio Braziliense - 28/11/2012

O pífio desempenho do PIB em 2012 reflete em parte o menor crescimento do consumo das famílias, que deve fechar o ano na faixa de 3%, contra 4% em 2011. Essa perda de dinamismo ocorreu a despeito da significativa alta na massa salarial real, de quase 6%, fruto de um mercado de trabalho cada vez mais apertado, sendo explicada provavelmente pela expansão mais lenta do crédito às famílias.
O principal destaque negativo do ano será, porém, a queda no investimento, que pode superar 3%, contra alta de 5% em 2011. Essa queda é tão mais notável quando se leva em conta os inúmeros benefícios que o governo vem dando às empresas que se dispõem a investir: depreciação acelerada, empréstimos do BNDES com juros reais negativos, isenções tributárias, proteção tarifária, além, claro, da redução de 5,25 pontos percentuais na Selic. O que explica o investimento cair dessa forma?
Não há uma única explicação, mas um conjunto de fatores. Primeiro, o agravamento do quadro econômico internacional, com o aprofundamento da crise europeia e suas repercussões sobre os EUA e a China. Em particular, os exportadores de commodities sofrem com a redução da demanda por seus produtos e quedas nos seus preços e é natural que adiem projetos de expansão da capacidade de produção.
Não obstante, a crise está longe de explicar tudo ou possivelmente a maior parte dessa retração. Basta ver que outros países latino-americanos, em geral ainda mais dependentes da exportação de commodities que o Brasil, estão investindo mais este ano do que em 2011: Chile, mais 9%; Peru, mais 5%; Colômbia, mais 3%; por exemplo.
Segundo, a indústria segue com desempenho bastante fraco, devendo apresentar contração na sua produção de 2,3% este ano. Com capacidade ociosa relativamente alta, faz pouco sentido para as empresas industriais investirem, especialmente com o encarecimento dos bens de capital importados, a partir da desvalorização do real. Além disso, com a alta dos salários e a queda da produtividade, o custo unitário do trabalho aumentou acima da inflação, comprimindo as margens do setor e reduzindo o retorno a ser obtido de novos investimentos.
Terceiro, o setor de construção residencial deu uma parada de arrumação, por conta da alta pronunciada nos custos, em especial de mão de obra, que reduziram as margens.[...]

Quarto, problemas de gestão e o combate à corrupção fizeram com que o volume de investimento público fique bem aquém do que poderia ser se todos os recursos disponíveis fossem utilizados. Recentemente, o ministro dos Transportes anunciou, por exemplo, que o investimento da pasta deve cair este ano cerca de 14% em termos reais.
Quinto, o uso das estatais como instrumento de combate à inflação está comprimindo suas margens de lucro e, consequentemente, sua capacidade de investimento. A Petrobras é o melhor exemplo, mas as Companhias Docas também sofrem com tarifas defasadas; e com a queda das taxas de eletricidade, a Eletrobras igualmente deve ter sua capacidade de investimento comprometida.
Sexto, aumentou a incerteza regulatória na economia, a partir de um número grande de medidas pontuais e temporárias de estímulos, proteção, isenções tributárias etc. Além disso, o governo está promovendo mudanças significativas na regulação da infraestrutura, o que também reduz o ímpeto investidor das empresas. Não surpreende, assim, que a taxa de investimento no setor este ano deva ficar abaixo de 2% do PIB pela primeira vez em mais de década e meia.
Não é claro que esse quadro vá mudar significativamente em 2013. O cenário externo tende a permanecer desfavorável; os problemas de gestão no setor público não devem se resolver com rapidez e o impacto das mudanças regulatórias ainda deve se fazer sentir ano que vem.
A possibilidade de recuperação fica centrada, portanto, na retomada da produção industrial, que poderia estimular a expansão de capacidade; no crescimento da construção residencial, a partir do equacionamento de custos e margens; e no avanço do programa de privatização de rodovias e ferrovias, que vem associado a compromissos de investimento.
Parece pouco, especialmente dada a meta de elevar a taxa de investimento dos 18,5% projetados para 2012 para o patamar de 23%, como deseja o governo. Para atingir essa meta será imprescindível melhorar o clima de investimento e corrigir as distorções que hoje limitam as inversões do governo e suas empresas.

02 novembro 2012

Desenvolvimentistas, ex-alcoólatra e cerveja


Os desenvolvimentistas ficaram longe do comando da política econômica no país da volta das eleições livre até o fim do governo Lula, com exceção do relâmpago governo Itamar e suas políticas pró-fusquinhas.

Nesse período, talvez justamente por causa disso, o país conseguiu realizar dois importantes avanços: econômico, com a estabilidade macroeconômica, e social, com uma melhora na distribuição de renda e no padrão de vida do brasileiro médio.

Mas, no governo Dilma, infelizmente eles voltaram. Não é difícil entender como conseguiram, mas é fácil ver que é algo a se lamentar.De fato, com a crise mundial, vários governos passaram a adotar políticas impensáveis há pouco tempo.

O governo suíço estabeleceu um piso para a sua moeda. O Fed (banco central americano) escolhe setores a serem beneficiados através da compra de papéis diretamente no mercado. O governo americano assumiu a gestão de empresas para evitar a falência. O governo argentino persegue consultorias com previsões de inflação diferentes das oficiais, expropria empresas e impõe controles comerciais e cambiais.

Parece que, de repente, todos os experimentos econômicos, por mais esdrúxulos, são permitidos para substituir o fracasso do mercado. No Brasil, os desenvolvimentistas voltaram com o seu receituário para resolver os problemas do país.

Eis: basta desvalorizar a moeda, reduzir a taxa de juros para padrões internacionais e com isso obter maiores taxas de crescimento, mesmo com a inflação mais alta. Basta escolher os setores da indústria a serem beneficiados com crédito subsidiado, aumento das alíquotas de importação, redução selecionada de impostos, estabelecimento de um mínimo de conteúdo nacional na compra governamental.Voltar com essa mesma combinação de políticas fracassadas no passado é esquecer as lições da história.

Em primeiro lugar, o Banco Central do Brasil deveria continuar com um único mandato: baixa inflação. Num país com tradição de taxas de inflação elevadas, brincar com a inflação é um crime. É oferecer uma cervejinha para um ex-alcoólatra. É arriscar com a volta da indexação da economia, com consequências nefastas para os ganhos sociais dos últimos anos. Política monetária simplesmente não é capaz de gerar crescimento econômico sustentado.

O argumento de que até o país mais desenvolvido do mundo, os EUA, tem um duplo mandato para a política monetária (e que portando deveríamos imitá-lo) é um equívoco.
Os EUA estão em guerra contra a depressão econômica. Numa guerra vale muita coisa. Mas essa certamente não é a situação brasileira.

Desenvolvimentistas se inspiram nas experiências asiáticas para justificar a escolha de setores prioritários da indústria. Mas mesmo os burocratas considerados mais competentes do mundo, os japoneses, escolheram, em geral, empresas "losers" em vez de "winners" na implantação da sua política industrial. Na Coreia, os setores beneficiados não registraram taxas de crescimento da produtividade maiores do que os demais, e várias empresas beneficiadas simplesmente faliram. Uma leitura mais apropriada é que os países foram bem sucedidos apesar da intervenção dos seus burocratas.

Mesmo que burocratas asiáticos soubessem escolher os setores de forma apropriada, os nossos não sabem. A nossa experiência atesta que quem se beneficia das benesses governamentais, em geral, são empresas grandes, com poder de pressão e lobby, e em setores com déficit comercial, sem relação com eficiência.

Quem paga a conta são os consumidores e os produtores (que se tornam ineficientes), obrigados a comprar, respectivamente, produtos e insumos caros e de baixa qualidade.
O peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu os livros "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" (Bertrand Brasil) e "A Volta do Idiota" (Odisseia), este se referindo ao retorno do velho populismo na região, com Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor Kirchner. O termo é ofensivo, talvez apropriado para os políticos. No caso dos desenvolvimentistas, cabe lamentar a volta do perfeito fracassado brasileiro.

13 outubro 2012

Taxa de juros e fundos de pensão


Fundos de pensão: a escolha de sofia
Fábio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2012
A queda da taxa Selic era uma antiga aspiração nacional, por várias razões, pelo fato de estimular a produção, melhorar o nível de emprego, mitigar a apreciação da taxa de câmbio e reduzir a despesa de juros.
Contudo, é necessário atentar para o outro lado da moeda, associado a aspectos em relação aos quais a redução da Selic pode causar problemas potenciais, como resultado da inércia dos agentes negativamente afetados por esse fenômeno. Um desses aspectos, com repercussões significativas sobre a economia, é a saúde dos fundos de pensão. Para entender isso, peço ao leitor um pouco de paciência para desenvolver um raciocínio matemático, ainda que simples.
Imaginemos uma situação em que não haja inflação, a taxa de juros real seja nula e um homem solteiro autônomo comece a trabalhar aos 20 anos, aposentando-se aos 55 anos e vivendo até os 80 anos de idade. Se ele separar todos os meses R$ 500 de contribuição, no final de 35 anos terá na sua conta o valor de R$ 500 x 12 x 35 = R$ 210 mil. Esse valor acumulado, gasto posteriormente ao longo dos últimos 25 anos de vida da pessoa (300 meses) possibilitará a esta uma renda mensal de R$ 210 mil / 300 = R$ 700. No mundo real, porém, a taxa de juros costuma ser positiva, de modo que com seus depósitos sendo remunerados, o juro faz parte do trabalho que, na ausência de remuneração financeira, seria feito apenas pelo esforço de poupar.
Em outras palavras, para um assalariado que quiser ter uma aposentadoria complementar, quanto maior for a taxa de juros, menor precisará ser a parcela poupada do salário. Pela mesma razão, dada uma taxa de juros que gera uma necessidade de contribuição para ter uma certa aposentadoria complementar, quanto maior for a queda dos juros, maior terá que ser o aumento da contribuição.
É arriscada a ideia de que a redução dos juros pode ser compensada com uma exposição maior na renda variável
Com Felipe Vilhena Amaral, tentamos mensurar as consequências de uma redução dos juros sobre a alíquota de equilíbrio de planos de pensão. O artigo, bastante técnico, publicado na “Revista Brasileira de Direito Previdenciário” (número 6, 2011), refere-se aos planos de Benefício Definido (BD), mas o pano de fundo é o mesmo que afeta os planos de Contribuição Definida (CD), com a diferença de que aquilo que nos planos BD gera a necessidade de medidas compensatórias para preservar o benefício, nos planos CD implica uma redução deste.
Em qualquer caso, uma menor remuneração das aplicações afeta os participantes, aumentando a alíquota requerida para o plano continuar equilibrado ou exigindo uma redução dos benefícios ou ainda um aumento do período contributivo, para que o plano não se torne insolvente. É uma escolha difícil.
Na tabela, extraída do citado artigo, apresentam-se as alíquotas de contribuição sobre o rendimento para o caso de um indivíduo solteiro que começa a trabalhar com 20 anos de idade, contribui 35 anos e se aposenta com 55, recebendo uma renda complementar igual ao último salário por outros 25 anos, renda essa indexada à inflação. A tabela apresenta resultados para diferentes combinações de taxas de desconto e de incremento da remuneração real na data-base.
A flexibilidade para escolher a taxa de desconto pode permitir inicialmente que alguns fundos agravem a situação futura dos mesmos caso resolvam “driblar” a necessidade de medidas corretivas (como aumento da contribuição ou elevação da idade de aposentadoria), mas não há dúvidas de que todos os participantes terão que se ajustar, cedo ou tarde. É bom ressaltar que quanto mais demorar o ajuste, mais drástico ele terá que ser depois.
A simples redução da taxa de desconto de 6% para 5% gera uma necessidade de elevação da alíquota de equilíbrio entre 4 e 6 pontos percentuais. A ideia de que a redução dos juros poderá ser compensada mediante uma maior exposição na renda variável é arriscada, porque é improvável que tenhamos outro ciclo de prosperidade da Bolsa como o do pós-Real ou o de 2003/2008. Os fundos serão obrigados a se adaptar à realidade de juros menores e fazer a sua “escolha de Sofia”..

01 outubro 2012

Contrarreforma na Previdência (II)


FABIO GIAMBIAGI É ECONOMISTA E AUTOR DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA ED. CAMPUS) - O Estado de S.Paulo
Dou continuidade, com o texto de hoje, ao artigo da semana passada, no qual abordei o desafio previdenciário. Naquele quis mostrar as tendências com que o País se defronta e apontar para o desleixo com que se tem abordado o fenômeno. O relato da incúria nacional, porém, não acaba nas questões já tratadas.
Sabia-se há tempos que no Brasil as famílias têm cada vez menos filhos e que a sociedade está envelhecendo. Com base nessas premissas, a revisão populacional do IBGE de 2008 projetou a população até 2050, ano a ano, incluindo a previsão para 2010. Pouco depois foi possível cotejar previsão e realidade, à luz dos dados do Censo de 2010. E a realidade acabou confirmando aquele cenário, mas em escala mais intensa: o Censo informou-nos que as famílias estão tendo menos filhos - porém foi além e disse que estão tendo ainda menos filhos do que se imaginava. E ele nos informou que as pessoas estão vivendo mais - porém também neste caso foi além e disse que estão vivendo mais do que se supunha.
A comparação dos resultados observados em 2010 do Censo daquele ano com o cenário populacional para 2010 previsto na revisão de 2008 indica que a população total se revelou muito próxima da prevista - apenas 1% inferior à projeção - e o grupo de 15 a 59 anos foi praticamente o mesmo que na projeção. O mais importante, contudo, foi o que aconteceu com os grupos etários extremos. No grupo de crianças e adolescentes, a população efetivamente observada no Censo de 2010 entre zero e 14 anos revelou-se 7% inferior à prevista na projeção feita em 2008 para aquele ano. Já a população com 60 anos e mais no Censo de 2010 foi 7% maior do que a projeção. Os efeitos de longo prazo, se o País não se preparar para essa realidade, serão dramáticos: haverá poucas crianças e poucos jovens - menos ainda do que imaginávamos; e haverá muitos idosos - que viverão mais do que se pensava. Trata-se de um desafio maiúsculo.
Por um lado, isso é ótimo. Quem não gosta de poder viver mais? Por outro, mais idosos com menos indivíduos trabalhando representarão uma combinação pesada para a geração que vier a sustentar as nossas aposentadorias. Que as pessoas envelheçam e as sociedades tenham de se adaptar a isso é parte da vida. Que os nossos filhos tenham de pagar mais para financiar uma legião de aposentados que teremos nos aposentando precocemente, todavia, é um ato de egoísmo para com as gerações seguintes.
Nada disso é novidade - mas todos fingem que o problema não existe. O governo federal optou anos a fio por surfar na popularidade fácil, em vez de arregaçar as mangas e se dedicar à arte do convencimento, mostrando a importância de aprovar uma reforma previdenciária. O mercado tapou os olhos para aqueles números a fim de ganhar rios de dinheiro nos anos de euforia. E os diversos grupos sociais curtiram o período na base do "vou muito bem, obrigado", desde os mais pobres, que ganharam Bolsa-Família, até os mais afortunados, que aproveitamos os anos de dólar barato para frequentar com assiduidade o exterior.
À luz dessa situação, o virtual fim do fator previdenciário, de que o governo estaria cogitando para depois das eleições, tem um conflito insanável com a lógica. De fato, a uma situação já complexa por questões demográficas o fim do fator previdenciário adicionará um problema maior ainda: a cada aposentado que vier a falecer, nós o estaremos substituindo no sistema por outro que, em média, vai ter um plus de remuneração de 25%. A conta a ser paga pelos nossos filhos vai aumentar. O argumento de que "50 anos depois o sistema vai estar ajustado" passa por cima do fato de que a despesa do INSS em 2020 ou 2030 tende a ser maior do que com as regras atuais. Isto é, não se trata de uma reforma, mas de uma contrarreforma.
Quando na Argentina mudaram as regras de aposentadoria nos anos 1990, o então ministro da Economia, Domingo Cavallo, também dizia que 50 anos depois as contas melhorariam. Mas quando veio a crise a única coisa que interessava ao mercado era o resultado primário mês e mês - e esse, no Brasil, com a proposta do governo, e tudo o mais constante, deve piorar.
Há fatos na vida de uma nação cuja dimensão é óbvia - dez anos depois. Hoje sabemos todos que a Lei de Informática foi um desastre para o desenvolvimento do País, mas nos anos 80 era extremamente popular. Com a proposta em discussão pode acabar acontecendo a mesma coisa: o fim do fator previdenciário poderá até ser aprovado por unanimidade, mas no futuro vamo-nos arrepender amargamente.
A ideia de combinar idade de aposentadoria e tempo de contribuição, definindo uma soma mínima, é engenhosa e evitaria valores muito baixos com o fator previdenciário. Ela merece ser explorada (na direção de avançar para uma regra mais dura, como 95/100), mas não há uma única razão técnica para que a proposta tenha de ser vinculada ao que, na prática, seria a eliminação do fator.
De fato, a nova regra poderia conviver perfeitamente com o fator previdenciário, como uma exigência complementar à do tempo contributivo. A racionalidade da exigência de que a soma do tempo contributivo e da idade de aposentadoria obedeça a um valor mínimo não combina com o populismo do fim do fator. Se o problema é o baixo valor com sua aplicação quando as pessoas se aposentam cedo, o correto é fazê-las trabalhar por mais tempo. Na prática, o que o fim do fator vai fazer é promover um aumento das futuras aposentadorias, agravando o problema que temos em perspectiva em razão do envelhecimento da população.
Foi por causa desse tipo de atitudes que a Grécia se converteu no que é hoje. Se daqui a dez ou 20 anos o resto do mundo julgar que o Brasil agiu como um país irresponsável, não poderemos reclamar.

08 agosto 2012

Além da Euforia


O Brasil precisa depender menos do capital e mais da produtividade" – Armando Castelar

O governo federal anunciou na última quarta-feira mais um pacote com o intuito de tentar salvar a economia brasileira de um “pibinho”. A nova tentativa vem num momento em que o mercado - e o próprio Banco Central - rebaixa suas estimativas para 2012. Faltaram ousadia e visão à equipe da presidente Dilma, que apelou, uma vez mais, para a batida fórmula de tentar “salvar” o PIB com base na ampliação do consumo. A estratégia – que se mostrou bem-sucedida enquanto milhões de brasileiros ainda não tinham ascendido à classe média e não possuíam acesso ao crédito – dá hoje sinais de esgotamento. O país tampouco pode ser dar ao luxo de contar com o cenário externo. Por uma década, o Brasil foi favorecido pela crescente demanda por suas commodities e pelo amplo acesso ao financiamento barato no mercado internacional. A combinação desses fatores resultou em crescimento e, de 2006 a 2010, euforia. Contudo, a dificuldade de reverter o quadro negativo que se arrasta desde a metade do ano passado começa a lançar por terra esse entusiasmo.

No pacote da semana passada, o governo resolveu oferecer seu próprio poder comprador para tentar estimular o PIB. A opção deixa antever que está perdendo fôlego o apoio do consumo ao crescimento. De um lado, as famílias, limitadas por um endividamento recorde, não se sentem compelidas a comprar mais – mesmo com prorrogação do IPI reduzido de eletrodomésticos e móveis, automóveis mais baratos, estímulo ao crédito via bancos públicos, etc. De outro, o empresário, amedrontado pela deterioração da economia global, tem se arriscado pouco a investir. Para destravar o setor privado de nada têm adiantado a postura cada vez mais intervencionista do governo no campo microeconômico – regras que mudam a todo o momento, exigência cada vez maior de conteúdo nacional nas fábricas – e o fechamento “branco” do país à concorrência externa.

O problema apontado por analistas é que será pífio o impacto de tais compras governamentais na economia. O volume anunciado de 8,4 bilhões de reais em aquisições de caminhões, tratores, retroescavadeiras, equipamentos hospitalares, etc, representa só 0,2% do PIB. O comentário mais comum entre os economistas é que o governo criou um ‘pacote’ apenas para fazer propaganda e atender os interesses corporativistas de meia dúzia de indústrias – coincidentemente aquelas para as quais a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vinha fazendo lobby escancarado.

O cenário que se coloca hoje diante dos brasileiros felizmente não é catastrófico, mas se distancia daquela visão do “Brasil maravilha” dos últimos anos. Para mudar a perspectiva de taxas baixas de crescimento nas próximas décadas, o governo federal tem de começar a atacar os problemas estruturais da nação. Políticas de longo prazo para melhoria da educação, da taxa de poupança e da infraestrutura precisam ser bem estruturadas e postas em prática ainda que seus resultados não se mostrem visíveis no curto prazo. Essas ações é que tornarão o Brasil uma nação mais produtiva, isto é, capaz de gerar riqueza com maior eficiência.

A discussão sobre o que ainda precisa ser feito – a chamada "metade vazia do copo" – é o ponto central do livro Além da Euforia - Riscos e Lacunas do Modelo Brasileiro de Desenvolvimento (Editora Elsevier-Campus, 312 páginas), de Armando Castelar e Fábio Giambiagi, que será lançado oficialmente em 11 de julho, mas já pode ser encontrado em algumas livrarias. Os economistas falaram ao site de VEJA.

Por que o livro se chama “Além da Euforia”?

Armando Castelar – É uma referência ao fato de o Brasil ter vivido um período de euforia entre 2004 e 2010. Mas esse momento não vai perdurar indefinidamente. No livro, discutimos as razões disso. É preciso que haja um debate sobre o que precisa ser feito para melhorar a situação que virá depois que essa euforia passar.
Por que essa euforia vai passar?

Giambiagi – O Brasil teve condições excepcionais e favoráveis ao crescimento neste período. Duas delas são associadas ao cenário externo. Primeiramente, temos o índice de preço das exportações. Para se ter ideia, entre 1997 e 2002, esse indicador teve queda acumulada de 23%. Entre 2002 e 2011, contudo, houve um aumento impressionante de 165%. A segunda condição é o baixo nível das taxas de juros internacionais. Essa configuração de preços “nas nuvens” com uma taxa de juros externa pequena tirou a possibilidade de aumentar a absorção doméstica sem que fosse gerada uma situação muito dramática no balanço de pagamentos – ao contrário do que ocorreu em outros ciclos de expansão históricos.
Castelar – Parte do cenário externo favorável ao Brasil deriva da China, cujo quadro doméstico complicou um pouco nos últimos tempos. Os preços das exportações pararam de aumentar do jeito que vinham subindo e decaíram um pouco neste início de ano. O país começa a ter um pouco de dificuldade de crescimento internamente. Ainda assim, a situação dos preços continua bastante favorável ao Brasil conforme os padrões históricos. É preciso lembrar, contudo, da importância do cenário externo. Toda a América Latina teve melhora de desempenho muito semelhante à de nossa economia. Os países da região estão vivendo níveis recordes de baixa de desemprego, segundo dados recentes da Cepal. O mérito não é exclusivamente brasileiro.
No capítulo sobre produtividade, o livro afirma que a parcela dos economistas que defende estímulos ao consumo para alavancar o crescimento tem resistência a acreditar que o país começa a enfrentar limitações de oferta. Por que há tanta resistência?

Castelar – Isso é um corte histórico que data dos anos 1950 para cá. Prevalece a ideia de que se for aumentada a demanda, a oferta vai se apresentar. No livro, defendemos que é preciso ter políticas explicitas para o lado da oferta. Melhorar a produtividade, melhorar o ambiente de negócios, cuidar de ciência e tecnologia, etc.
Giambiagi – Eu e Armando destacamos no livro que a filosofia econômica hoje dominante no Brasil é aquela inspirada nas ideias do economista John Maynard Keynes, que publicou em 1936 a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Essa grande obra foi escrita no contexto da crise dos anos 1930 – período em que a indústria estava com grande capacidade ociosa –, fornecendo o conteúdo teórico para o presidente americano Franklin Roosevelt adotar a política do New Deal, que ajudou a tirar os Estados Unidos da sua situação de penúria. A prescrição de políticas ditas keynesianas, calcada no estímulo à demanda, pode se justificar por essa situação de abundância de capacidade ociosa, como aconteceu no mundo em 2008 e hoje se vê na Europa, por exemplo. Mas uma vez que o Brasil está ‘batendo no teto’ de ocupação de recursos físicos, nosso entendimento é que é preciso ‘mudar o software’ para enfatizar a importância da expansão da oferta. Estamos vivendo uma situação inédita nos últimos 30 anos.

O que acontecerá se o Brasil não mudar esse ‘software’?

Castelar – Capacidade ociosa significa que existem fábricas e trabalhadores treinados que não estão sendo utilizados. É algo bem diferente de quando já se está usando todo o potencial e é necessário aumentá-lo para conseguir expandir a produção. Essa ampliação de capacidade não é um processo rápido. O investimento privado no Brasil é inibido pela falta de infraestrutura, pelo ambiente de negócios e pela escassez de mão de obra capacitada. Em outras palavras, temos energia elétrica insuficiente e cara; estradas, portos e aeroportos congestionados; entre outros problemas. Tudo isso limita o crescimento uma vez que o custo aumenta e o investimento fica menos interessante. A empresa cresce mais devagar. No tocante à demanda, existem outras restrições. Uma é a poupança, que é dificultada quando existe grande aumento de consumo. A segunda é confluência de expansão do consumo e do investimento, o que tende a gerar um déficit mais elevado nas transações correntes do Brasil com o exterior. Esse déficit só não estourou nos últimos anos por conta do cenário externo favorável. Além disso, com o aumento forte do consumo interno, a taxa de câmbio evolui de maneira a se apreciar – e o país torna-se menos interessante aos investimentos, como por exemplo, se dá hoje no setor industrial. É preciso trabalhar essas questões para continuar crescendo. Resolvê-las é fundamental para eliminar essa crise de produtividade do Brasil.

No livro, vocês analisam que o crescimento do produto potencial brasileiro nas últimas décadas foi possível justamente pela elevação da produtividade. O que causou esse aumento e por que ele não continuou?

Castelar – No período áureo de crescimento do Brasil, entre os anos 1950 a 1980, houve sim um aumento razoável da produtividade graças ao investimento. Nessa época, a infraestrutura se expandiu muito. Em segundo lugar, a indústria também contribuiu. Da década de 1980 até 1994, com a crise da dívida pública, a produtividade andou para trás e ficou negativa. A economia ficou mais fechada, a inflação era muito alta e havia uma intervenção estatal gigantesca. Começou então uma série de reformas estruturais, com abertura da economia, privatização e desregulamentação de uma série de atividades. Em 1994, com a estabilização proporcionada pelo Plano Real, a produtividade recuperou-se parcialmente. Desde então, nunca mais se conseguiu reproduzir esse investimento e o capital deixou de ter contribuição relevante para o crescimento do PIB. No período mais recente, o que contribuiu para melhorar a produtividade brasileira foi o emprego, isto é, há mais gente trabalhando. Atualmente, o desemprego está baixo e uma transição demográfica está em curso. Podemos prever, no entanto, que essa fonte de crescimento vai secar na frente. Então, as outras duas – capital e produtividade – passam a ser mais importantes.

Giambiagi – Este ponto do mercado de trabalho é muito importante. Nos últimos dez anos tivemos um crescimento anual do PIB da ordem de 4% e uma ampliação da população ocupada de cerca de 2,5%. A diferença está no conceito de produtividade por trabalhador. Naquele período, a população economicamente ativa (PEA) crescia mais ou menos 1,5% ao ano. Em suma, o emprego aumentava em ritmo mais intenso que o da própria PEA, o que diminuía o desemprego. No entanto, a partir do momento em que o país esbarra no limite do pleno emprego, que se estima que seja algo próximo a 5%, a população ocupada só poderá se expandir na mesma taxa de crescimento da PEA, que caminha para ficar em 1,1% daqui a uns anos, segundo dados do IBGE. No período de 2010-2050, o número de trabalhadores deve ficar estável, ou seja, todo o aumento da produção nesse período terá de vir de produtividade porque as pessoas que vão gerar o PIB serão “as mesmas”.

Além de melhorar a produtividade do trabalho, o livro aponta que há um longo trabalho para elevar a taxa de poupança interna. Por que este ponto também precisa ser atacado?

Castelar
– O Brasil tem sérios problemas em relação a isso. A poupança aqui é muito baixa – o último dado mostra que está em 15,7% do PIB – e o ambiente de negócios não ajuda o investimento. É muito comum as pessoas apontarem a Coreia do Sul como modelo, mas eles investem cerca de 30% do PIB, quase o dobro do Brasil. Isso só é possível porque possuem uma taxa de poupança muito alta. Nossa média dos últimos 20 anos foi 16,5%. Provavelmente, vamos precisar recorrer à poupança externa, mas isso tem certo limite, pois aumenta o déficit em conta corrente. O Brasil precisa depender menos do capital e mais da produtividade.
Se o Brasil tivesse conseguido manter os níveis de produtividade que foram observados até os anos 1980, como o país estaria?

Giambiagi – Seríamos uma Coreia. Tínhamos a mesma renda per capita que eles em 1980.
Em que medida a alta carga tributária agrava o problema de produtividade?

Giambiagi – As duas palavras-chave são escala e impostos. Quando se produz algo para o mercado mundial, distribuem-se os custos por um número muito maior de unidades, o que reduz o custo unitário. Lá fora, a carga de impostos é muito menor que a daqui.

Castelar – Ambos os pontos estão relacionados. O imposto aumenta muito o preço e a empresa vende menos. Consequentemente, tem menor escala. Então, parte do problema da escala tem a ver com o tamanho gigantesco da carga tributária no Brasil.
Diante de tantos desafios, que esperam para o país nos próximos anos?

Giambiagi – Nosso livro buscar servir de alerta. Os sinais estão se avolumando. De certa forma, estão corroborando nossa tese central de que a economia brasileira encontra-se num ciclo que dá manifestações crescentes de esgotamento. Vemos um 2012 fraco, com crescimento em torno de 2%. Desde que não aconteça nenhuma hecatombe na Europa, deve haver melhoria no segundo semestre. Mesmo assim, nada espetacular. Já 2013 começará com uma perspectiva mais razoável – que talvez se estique ao ano seguinte devido ao conjunto de obras que terá de ser tocado para a Copa do Mundo. Fechado esse ciclo, a partir de 2014, nossa impressão é de que o 'software' utilizado nos últimos anos, de estímulo à demanda, terá de ser trocado por estímulos à oferta com uma preocupação crescente com a produtividade e a competitividade. Associada a isso está a necessidade de colocar na agenda política do país a retomada das reformas que foram, de certa forma, abandonadas há dez anos.

Castelar - Não consigo me classificar numa escala de pessimista a otimista. Vejo que o país tem oportunidades importantes. Fizemos avanços nos últimos vinte anos, mas, por outro lado, olhando a história do Brasil e da América Latina, penso que o país já esteve nessa posição antes. Já houve muito otimismo com relação às nossas perspectivas, como nos anos 70 quando a economia crescia 10% ao ano. Não surpreendentemente a América Latina vive esse tipo de ciclo quando os preços de produtos exportados estão altos e o acesso ao crédito está fácil. Tenho esperança que nossa classe política consiga aproveitar essa oportunidade para fazer diferente do que fez no passado. Agora, há preocupação também porque nossos governantes não têm uma boa visão de quão importante o cenário externo é. Aquilo que, efetivamente, no passado fez a América Latina perder o bonde foi não perceber que existe um componente fora do controle do país que está dando uma ajuda muito grande.
Em que medida os líderes políticos podem contribuir para melhorar a produtividade brasileira?
Giambiagi – Na nossa visão, os avanços necessários não vão decorrer de propostas que emanem do Legislativo. Ele possui contradições internas e tende a não ter essa visão geral do conjunto, que é mais natural do Executivo, que tem dentro de si a restrição orçamentária e está sujeito a demandas políticas e sociais de todo o tipo. Destacamos no livro quatro elementos que nos parecem fundamentais. Primeiro, é preciso ter uma visão de longo prazo: tomar medidas não pensando apenas nos próximos dois ou três anos, mas saber onde se deseja levar o país dentro de 30 anos. Segundo, a essa visão de longo prazo tem de estar associada a certa capacidade de tolerância. Obviamente, estamos numa democracia e todo o partido político busca se eleger. Contudo, se todas as ações políticas forem guiadas única e exclusivamente pelo objetivo de vencer a próxima eleição, questões mais controversas nunca terão vez. Outro ponto importante é a capacidade de explicar as deficiências estruturais da nação à população. Nos últimos dois períodos de governo, tivemos dois comunicadores talentosíssimos. No caso de Fernando Henrique Cardoso, não tanto o presidente, mas sim o ministro da Fazenda que conseguiu explicar um plano maluco para as pessoas e assim garantir o êxito do Plano Real. No caso do ex-presidente Lula, nem se fala. O quarto elemento é a capacidade de articulação. No governo Dilma, por exemplo, houve o caso do salário mínimo em 2011, em que o governo conseguiu vencer no Congresso com sua proposta de reajuste real zero. Quando o governo fixa uma pauta e se empenha, tem boa chance de êxito.
Castelar – O brasileiro, às vezes, tem a sensação de que o planeta está parado e que nós estamos andando. Na verdade, o mundo também está caminhando e ele já está na nossa frente. Em outros lugares estão andando muito rápido. Por isso, o que talvez soe como avanço pode ser pouco. Acho notável como as expectativas relativas ao que a Copa do Mundo vai deixar estão sendo cada vez mais desinfladas. Tudo aponta que ficarão apenas estádios de futebol novos.
Podemos dizer que essa crise da produtividade que o Brasil começa a enfrentar é o que se vê hoje também na Europa, com os países menos eficientes com dificuldade para resolver seus problemas?

Giambiagi – O que acontece é a confluência de três crises: uma fiscal, em função de má administração em alguns países; outra financeira, devido à situação dos bancos; e outra associada à insuficiência de se ter uma mesma moeda para regiões muito díspares – problema que já era conhecido, mas que se revelou mais dramático do que se supunha no lançamento do euro.

Castelar – Há sim um elemento de crescimentos díspares de custos unitários do trabalho. Na Alemanha, a produtividade cresceu bastante e os salários subiram pouco, ao passo que em alguns países da periferia europeia (Grécia, Portugal e Espanha, em especial) ocorreu o oposto. Com isso, esses países têm dificuldade de crescer exportando, pois não são competitivos. A falta de crescimento complica o problema fiscal e de crédito.