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18 outubro 2025

1800: Virada Mundial e Atraso Brasileiro


O início do século XIX marca um ponto de inflexão fundamental na história econômica e social. Como destaca Morong, autores como Robert Fogel, Francis Fukuyama e Deirdre McCloskey identificam nesse período a ruptura com a estagnação malthusiana e a consolidação de novas formas de organização política e econômica. Foi nesse momento que a Revolução Industrial começou a transformar a produção, garantindo uma abundância inédita, e que uma nova dignidade atribuída à inovação e à classe empreendedora impulsionou o crescimento econômico moderno.

No Brasil, entretanto, é lamentável constatar que nesse mesmo período mantivemos a opção pela monarquia, o que impediu uma evolução substancial da economia nacional. A corte foi sustentada à custa da riqueza extraída das províncias, como demonstra Jorge Caldeira em História da Riqueza no Brasil. Foi uma escolha que comprometeu nosso desenvolvimento. Uma postagem recente sobre a contabilidade desse momento pode ser encontrada no blog aqui.

Caricatura aqui 

Tributação e a contribuição da pesquisa contábil

Em tempos de reforma tributária, o texto a seguir pode servir de base para pesquisas futuras:

A tributação é uma ferramenta central da política econômica, com os governos utilizando cada vez mais a política fiscal tanto para estimular o crescimento econômico local quanto para regular empresas multinacionais. Revisamos a literatura empírica que estuda o efeito das políticas tributárias sobre o investimento, o emprego e outros resultados reais das empresas. Com base na teoria neoclássica dos impostos corporativos e do investimento em ativos tangíveis, propomos uma estrutura organizadora para nossa revisão que abrange o amplo conjunto de políticas tributárias e respostas empresariais examinadas na pesquisa contábil. Essa estrutura destaca quatro dimensões nas quais os estudiosos da contabilidade contribuem para a literatura: (i) documentar o papel dos incentivos de reporte financeiro como fator moderador das respostas reais das empresas; (ii) estudar as respostas de reporte em comparação às respostas reais; (iii) quantificar os efeitos reais das regulações sobre divulgação fiscal; e (iv) aprimorar a mensuração da condição tributária das empresas e das variáveis substitutas de investimento e emprego. Identificamos questões em aberto para pesquisas futuras e sugerimos novos contextos internacionais, federais e locais que possam ajudar a revelar os mecanismos subjacentes que impulsionam os fenômenos econômicos observados. Especificamente, incentivamos os pesquisadores a distinguir melhor entre as respostas reportadas e reais das empresas às mudanças tributárias e a aprimorar a mensuração desses resultados, especialmente em contextos relacionados à tributação ambiental ou em cenários nos quais a evasão fiscal e os resultados reais estejam estreitamente ligados.

Rir é o melhor remédio

Um empregado de um escritório resolveu escrever uma mensagem de Whatsapp para seu chefe, tentando conseguir, sutilmente, um aumento. A mensagem era a seguinte: 

Caro Bo$$

Na vida, todo$ nó$ preci$amo$ de alguma$ coisa$ com mai$ de$e$pero.

Acho que o $enhor deve$ compreender a$ necessidade$ de nó$ empregado$ que te$temo$ dado tanto $uporte, inclu$ive com muito $uor e $erviço para a firma.

Tenho certeza que o $enhor vai adivinhar o que quero dizer e re$ponder em breve.

Algumas horas depois, ele recebeu uma mensagem no seu celular: 

Caro,

Eu sei que você tem trabalhado bastante.

Mas NÃO é segredo que a firma NÃO anda tão bem ultimamente.

Você deve ter percebido que NÃO houve melhora nas finanças, e NÃO seria honesto prometer aumentos agora.

Os jornais dizem que a economia NÃO está estável e que NÃO se sabe se vem outra crise por aí.

Depois das eleições, talvez as coisas NÃO melhorem de imediato.

Por enquanto, NÃO tenho mais nada a acrescentar.

Acho que você já entendeu o que quero dizer.

Atenciosamente,

Adaptado daqui

17 outubro 2025

Veículo Elétrico e a depreciação


Quando surge uma nova tecnologia, a contabilidade precisa de algumas informações básicas para reconhecer e mensurar. De tempos em tempos, algo novo acontece no mundo das empresas e a contabilidade se vê diante do desafio de atribuir um valor a um ativo ou passivo. Mesmo situações já conhecidas podem desafiar o profissional em razão de um novo fato, como uma evolução tecnológica. Veja o caso do automóvel. Apesar de ser uma tecnologia com mais de um século de existência e de todo o conhecimento acumulado, o processo de mensuração pode se tornar um desafio quando surge alguma novidade no setor.

Esse foi o caso da popularização de um tipo diferente de automóvel, o veículo elétrico, ou EV na sigla em língua inglesa. Como o sucesso desse produto é muito recente, o valor contábil é determinado, a princípio, pelo preço de compra. Mas como depreciar o veículo elétrico? Essa é uma questão difícil de responder, pois a tecnologia é nova e boa parte do valor do ativo decorre da bateria. E ainda sabemos pouco sobre a vida útil da bateria de um veículo elétrico.

Algumas pistas, no entanto, começam a aparecer. Uma empresa indiana, a BluSmart, faliu e viu sua frota de veículos elétricos, adquiridos por 12 mil dólares, ir ao mercado por 3 mil dólares. É verdade que esse valor foi influenciado pela descontinuidade da empresa, mas outros exemplos parecem indicar que o problema realmente existe. Nos Estados Unidos, modelos da Tesla (gráfico) perderam 42% do valor em dois anos, enquanto veículos a combustão comparáveis apresentaram uma redução de apenas 20%. Uma tendência semelhante começa a surgir também no Reino Unido. 

Uma consequência disso é que empresas que possuem grandes frotas de veículos precisarão reconhecer a depreciação dos elétricos não pelas taxas usuais dos veículos a combustão, mas por um percentual maior. Caso contrário, o efeito aparecerá no momento da venda ou na realização de um teste de recuperabilidade decente – usei esse termo de propósito, pois não acredito que as empresas realizem esse procedimento de forma adequada.

Os efeitos já estão se manifestando na prática. Houve o caso reportado da Hertz, com um prejuízo de 2,9 bilhões de dólares em 2024, parte dele decorrente de seus EVs. A desconfiança aumenta quando se noticia que a BYD está realizando o seu maior recall, envolvendo mais de 115 mil veículos, devido a falhas no design e na instalação da bateria.

Um apanhado das notícias sugere que a taxa de depreciação de um EV deve girar em torno de 25% ao ano para representar com maior fidelidade a realidade. Quem sabe o desenvolvimento futuro permita trabalhar com uma percentagem menor nos próximos anos.

16 outubro 2025

IA não isenta de responsabilidade: o caso Deloitte na Austrália


O fato de alguém utilizar uma IA para elaborar uma pesquisa ou um trabalho não significa que os erros cometidos pelos algoritmos sejam automaticamente desculpados. Afinal, trata-se de falhas da própria pessoa que recorreu à IA sem realizar a necessária análise crítica.

Um exemplo recente demonstra bem isso: a tarefa pode até ser delegada a uma IA, mas a responsabilidade nunca é. Esse é um princípio antigo da administração que não deve ser esquecido. No ano passado, o governo australiano contratou a Deloitte para elaborar um estudo na área do mercado de trabalho. Vale lembrar que, anteriormente, o mesmo governo já havia enfrentado problemas com outra das chamadas big four, contratada para atuar na área tributária e que usava informações obtidas em seus serviços para ajudar clientes a reduzir o pagamento de impostos.

Menos de um ano depois, a Deloitte entregou o relatório, que foi disponibilizado publicamente pelo Department of Employment and Workplace Relations (DEWR). Um mês mais tarde, um pesquisador identificou problemas graves: citações de trabalhos acadêmicos inexistentes, referências falsas e até decisões judiciais que jamais ocorreram.

No início deste mês, uma nova versão do relatório foi publicada. Mas o estrago já estava feito. Afinal, a Deloitte havia recebido cerca de 290 mil dólares pelo serviço. Para conter o impacto em sua reputação, a empresa anunciou que restituiria parte do valor recebido. A Deloitte admitiu ter utilizado um modelo de IA, mas afirmou que as correções não alteram o conteúdo substancial do documento, nem suas conclusões e recomendações.

O episódio ganhou ampla repercussão na imprensa, com destaque para a cobertura do Australian Financial Review (AFR).

 

Bolsas de Produtividade do CNPq: inscrições abertas

Nesta semana (13/10) o CNPq abriu as inscrições para a "Chamada CNPq Nº 23/2025 Bolsas de Produtividade", com o objetivo de incentivar a produção científica, tecnológica e de informação.

As inscrições vão até 20/01/2026.

Leia mais: aqui

15 outubro 2025

Ainda blogando (e sonhando) depois de trinta mil

Queridos amigos e leitores, esta nova publicação vem com um entusiasmo especial: em quase vinte anos de blog, chegamos à postagem 30.000. Não tem como alcançar este número sem voltar ao passado e revisitar a estrada.

Ao pensar neste marco, algumas postagens se destacam.  Dois milhões”, sobre o marco de dois milhões de acessos, conta um pouco do início do blog, em 2006, e quando dois alunos entusiasmadíssimos,  o Pedro e a Isabel, foram convidados a participar. Quando a Isabel recebeu o convite, pulou de alegria, literalmente. Ela sentiu que fazer parte de uma equipe com pessoas tão inteligentes e criativas seria um ponto marcante em sua trajetória. O Pedro precisou se afastar para focar outras questões, mas a memória e o lugar permanecem.

A continuação daquela postagem é a intitulada “Fazer (e continuar) um blog é um ato de amor”, quando chegamos a três milhões de acessos. Algumas vezes acontecem coisas em nossas vidas e não sabemos se serão ou não grandiosas. Eu sempre senti que o blog seria importante pra mim, mas nunca imaginei que esses débitos e créditos da vida real seriam a ocupação mais estável, o interesse mais genuíno.

Na postagem “blogs acadêmicos morreram?” o professor César, ao falar sobre a motivação para blogar, destaca uma citação: “um [blog é] cérebro externo que dá sua “direção e recompensa de pastoreio de conhecimento”, permitindo que ele arquive as coisas que despertam sua curiosidade enquanto vagueia pela Internet.” E acrescenta que estar aqui ajuda a aperfeiçoar possíveis explicações em sala de aula, além de ser parte do processo de publicar e pesquisar, já que muitas ideias surgem exatamente quando se escreve. (Leia também: Por que os professores de contabilidade não blogam?)

Quanto à Isabel, escrever sempre foi o seu jeito de entender o mundo e por aqui ela aprendeu a transferir isso para outras partes da vida, em um mundo cheio de referências, ideias e variedade. Foi por aqui que ela se organizou e deixou grande parte do mestrado. E espera também, em breve, fazer uma simbiose com o doutorado. Porém os amigos que fizemos por aqui são, sem dúvida, a parte mais doce da recompensa.

Aqui é possível descobrir lados curiosos da contabilidade, que a vida profissional cotidiana não chega nem perto. Aqui também é possível aprender a olhar reportagens com um senso crítico diferente, acompanhando os textos com referências, provocações, críticas e observações. Aqui percebemos que dá pra misturar bem jornalismo e contabilidade. E entendemos que dá pra gostar de normas e de narrativas ao mesmo tempo. Foi seguindo dicas do blog que alguns se aventuraram por Mr. Robot, Breaking Bad, Malcolm Gladwell, Daniel Kahneman e tantas outras vozes que nos moldaram. Tanta coisa aconteceu por causa do blog...

Escrever é uma atividade tão viva, que começamos este texto com o propósito de refletir novamente sobre o porquê de blogar, mas a emoção nos levou por veredas imprevisíveis e chegamos aqui. Esse é, inclusive, um dos motivos de gostarmos tanto de ler o que é aqui publicado: os nossos “eus líricos”, perceber quando as nossas personalidades pulam das páginas. Como leitores, sentimos que blogs nos trazem o privilégio de espiar dentro da cabeça de mentes que admiramos.

Li em algum lugar, provavelmente aqui, que um blog é uma conversa que nunca termina. Enquanto houver algo que nos intrigue, uma história, uma dúvida, uma curiosidade, uma vontade de ensinar, continuaremos parando os nossos dias por outras 30 mil vezes para aparecer por aqui. E se você está por aqui lendo, é porque de alguma forma essa conversa é sua também.

E chegamos ao dia de hoje com a necessidade de reforçar o vínculo com o leitor. No tempo de IA, quando ficou muito prático fazer uma pergunta para o app no celular e obter uma resposta, ainda insistimos em entregar um conteúdo diverso, com comentários pessoais, e ligações do que ocorre no mundo com os débitos e créditos. Ainda queremos fazer planos e sonhos, como já fizemos nesses dezenove anos de postagens, que incluíam ter uma maior participação no Instagram, convidar outros amigos para ajudar na postagem, fazer um livro de piadas de contabilidade, um canal no youtube, repostagens do Rir é o Melhor Remédio no Instagram, entre outros tantos. Sim, não fizemos nada disso, mas sonhos não envelhecem. O fato de estarmos aqui, na trigésima milésima postagem, é prova que queremos mais.

Não procure uma razão racional para isso. O que gastamos de tempo e dinheiro – o blog tem despesa de hospedagem e outras – compensa, pois cada postagem contribui para que possamos atender a um apelo, que uma vez li em um livro, de caminhar na beleza.

Aqui estamos, escrevendo esta trigésima milésima postagem, a quatro mãos. E estaremos, quem sabe, escrevendo muitas outras.

Agradecemos imensamente a companhia.