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21 outubro 2025

IA afetando o mercado de trabalho: cartas de apresentação

Como a IA está influenciando o mercado de trabalho, mas não da forma como você está pensando:

Nós estudamos como a inteligência artificial generativa afeta o sinal transmitido no mercado de trabalho, analisando a introdução de uma ferramenta de redação de cartas de apresentação com IA na plataforma Freelancer.com. Nossos dados acompanham tanto o acesso à ferramenta quanto o uso em nível de candidatura. As estimativas de diferença-em-diferenças mostram que o acesso à ferramenta de IA aumentou o alinhamento textual entre cartas de apresentação e anúncios de vagas — o que chamamos de personalização da carta de apresentação — e elevou as chances de retorno das empresas. Trabalhadores com habilidades de escrita mais fracas antes da IA apresentaram maiores melhorias nas cartas, indicando que a IA funciona como substituto das próprias competências desses trabalhadores. Embora apenas uma minoria das candidaturas tenha usado a ferramenta, a correlação geral entre personalização da carta e retornos caiu em 51%, o que implica que as cartas de apresentação se tornaram sinais menos informativos da habilidade do trabalhador na era da IA. Os empregadores, por sua vez, passaram a se apoiar em sinais alternativos, como avaliações anteriores dos trabalhadores, que se tornaram mais preditivas para a contratação. Por fim, dentro do grupo tratado, observou-se que maior tempo gasto editando os rascunhos produzidos pela IA esteve associado a um maior sucesso em contratações. 

50 Cent ou melhor 109 Cent

Curtis James Jackson III é mais conhecido pelo nome artístico de 50 Cent. É um rapper, compositor, ator, diretor e empresário. O seu álbum Get Rich or Die Tryin' vendeu 13 milhões de cópias no mundo. Conforme a Wikipedia, o nome faz referência a um assaltante do Brooklyn, também conhecido como "50 Cent". O músico escolheu o nome "porque ele diz tudo que eu quero dizer. Eu sou o mesmo tipo de pessoa que 50 Cent foi." 

Mas achei interessante o gráfico abaixo, mostrando a evolução de 50 Cent ao longo do tempo:


O ano de 1995 foi quando ele escolheu seu nome artístico. Se em 1995 ele valia 50 Cent, agora, em 2025, ele vale 109 Cent, se fosse corrigido pela inflação. Ou, de outra maneira, aquele 50 Cent de 1995 teria um poder de compra hoje de 23 centavos. 

Uma nova rota da China para Europa

Há uma relação entre essa postagem e a anterior, sobre o Canal de Suez. Mas na anterior, falamos sobre o impacto da redução do trânsito de navios pelo Canal sobre as finanças públicas do governo do Egito. A principal razão é a questão da segurança dos navios.

Em busca de alternativas, a China está inaugurando uma nova rota marítima, usando o Ártico. Isso permite reduzir o tempo de viagem de um navio de carga, de 30 dias para 18 dias. E traz o ganho da segurança da rota, que não há guerras nem piratas. 

O trajeto é realizado pela empresa Haijie Shipping, partindo de Ningbo-Zhoushan, cruzando o Estreito de Bering, seguindo a costa norte da Rússia até portos como Hamburgo, Roterdã e Gdansk.

A seguir um mapa simplificado da nova rota (de preto) e a anterior (de vermelho):


 

Quando Segurança Vira Receita: O Caso do Canal de Suez


Eis aqui um exemplo de como o gasto em segurança pode ter efeitos diretos sobre as finanças públicas — e estamos falando especificamente das receitas. Normalmente associamos esse tipo de gasto apenas à despesa, uma saída de caixa que reduz os recursos disponíveis para outras atividades. Entretanto, a segurança pública pode também se revelar uma importante fonte de receita.

O Canal de Suez foi criado para encurtar a rota comercial entre países, servindo como um atalho para navios que iam da Europa para a Ásia e vice-versa. Sua construção foi épica e trouxe enormes benefícios ao comércio mundial. A alternativa disponível até hoje é contornar o continente africano, o que implica uma viagem mais longa e custosa.

Cada navio que cruza o canal paga uma taxa pelo seu uso. Essa cobrança se tornou uma relevante fonte de recursos — no passado para a empresa responsável pela obra e, nas últimas décadas, para o governo do Egito. Contudo, tensões regionais recentes aumentaram os riscos de utilizar o canal. A guerra em Gaza e os problemas no Golfo de Adem, incluindo ataques de piratas e terroristas, reduziram substancialmente a quantidade de navios que o atravessam. Segundo autoridades egípcias, antes, em média, 72 navios de grande porte passavam pelo canal diariamente; hoje esse número caiu para cerca de um terço, entre 25 e 30.

A menor movimentação implica queda na arrecadação das taxas de passagem, afetando diretamente as receitas do governo egípcio. Estima-se que as perdas tenham alcançado nove bilhões de dólares em apenas um ano devido à insegurança no Mar Vermelho. É claro que o aumento de custos também atinge o consumidor final dos produtos transportados, mas, para este, há alternativas possíveis. Já para o governo do Egito, a redução do tráfego no canal representa uma perda praticamente insubstituível.

Celular na escola

 


As pesquisas do NBER são, usualmente, de boa qualidade. Eis um novo estudo:

As proibições do uso de celulares nas escolas tornaram-se uma política popular nos últimos anos nos Estados Unidos, mas ainda se sabe muito pouco sobre seus efeitos nos resultados dos alunos. Neste estudo, buscamos preencher essa lacuna examinando os efeitos causais das proibições sobre as notas em testes, suspensões e faltas dos estudantes, utilizando dados detalhados em nível individual da Flórida e uma estratégia de pesquisa quase experimental baseada nas diferenças no uso de celulares antes da proibição, conforme medido pelos dados da Advan em nível de escola. Vários achados importantes surgem. Primeiro, mostramos que a aplicação das proibições ao uso de celulares nas escolas levou a um aumento significativo nas suspensões de alunos no curto prazo, especialmente entre estudantes negros, mas as ações disciplinares começaram a diminuir após o primeiro ano, sugerindo potencialmente um novo estado de equilíbrio após um período inicial de adaptação. Segundo, constatamos melhorias significativas nas notas dos alunos no segundo ano da proibição, depois desse período de ajuste inicial. Terceiro, os resultados sugerem que as proibições de celulares nas escolas reduzem significativamente as faltas injustificadas dos alunos, um efeito que pode explicar grande parte dos ganhos nas notas. Os efeitos das proibições de celulares são mais pronunciados no ensino fundamental II e no ensino médio, onde a posse de smartphones pelos estudantes é mais comum.

The Impact of Cellphone Bans in Schools on Student Outcomes: Evidence from Florida -- by David N. Figlio, Umut Özek . Imagem aqui

 

20 outubro 2025

AICPA quer que a Contabilidade seja STEM


Em muitos países, ser considerado parte da ciência STEM (abreviação de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) confere um status especial. Muitos acreditam que um país avança em termos de desenvolvimento ao privilegiar esse ramo do conhecimento. Eis o que diz a Wikipedia:

“Representa um amplo e interligado conjunto de campos que são cruciais para a inovação e o avanço tecnológico. Essas disciplinas são frequentemente agrupadas porque compartilham uma ênfase comum no pensamento crítico, na resolução de problemas e nas habilidades analíticas.”

Voltemos agora à contabilidade. Sempre houve o cuidado de afirmar que ela não é uma ciência exata. Apesar de parte de sua trajetória estar vinculada à matemática, trata-se de uma ciência social aplicada.

Pois agora a entidade que reúne os profissionais certificados dos Estados Unidos está pressionando para que essa “ciência social aplicada” seja reconhecida como parte dos programas de Educação em STEM pelo governo norte-americano. A partir de uma pesquisa conduzida pela AICPA, constatou-se que mais pessoas estariam inclinadas a cursar contabilidade se houvesse o selo STEM.

Isso faz sentido para você?  

19 outubro 2025

Quando o Remédio é Pior que a Doença: Reflexões sobre DPAs, Passivos e o Caso Arthur Andersen


Muitas vezes, quando uma empresa comete alguma irregularidade, a consequência é a criação de um passivo. Um desastre ambiental, uma falha em um produto não corrigida a tempo ou a conduta inadequada de um funcionário não coibida são exemplos dessas situações. Em vários casos, o valor do passivo pode ser tão elevado que compromete a continuidade da empresa.

Nessas circunstâncias, é importante que o governo avalie se realmente compensa punir a empresa. A punição pode, de fato, ter um efeito pedagógico, inibindo que outras companhias repitam a mesma conduta. No entanto, as consequências podem ser tão severas que acabam gerando efeitos indesejados a longo prazo.

Na contabilidade, um caso bastante conhecido é o da empresa de auditoria Arthur Andersen. No final dos anos 1990, a companhia cometeu diversos erros, incluindo a assinatura de balanços de empresas em situação questionável. Quando os órgãos de fiscalização passaram a investigar mais de perto, a direção da Arthur Andersen ordenou a destruição de provas, chegando a picotar papéis e jogá-los pela janela. Como resultado, a empresa foi obrigada a encerrar suas atividades. Porém, olhando para o mercado de auditoria, percebe-se que quatro grandes empresas são poucas para atender à demanda global. Assim, a punição “exemplar” acabou sendo prejudicial para o setor em todo o mundo.

Se a redução de cinco para quatro grandes empresas de auditoria já trouxe dificuldades, é fácil imaginar os impactos que teria a falência de mais uma delas, mesmo diante de abusos graves, como trapacear em exames de ética profissional, revelar segredos do governo para obter vantagens competitivas, contratar ex-fiscais públicos ou prestar serviços de baixa qualidade. Por mais grave que seja a infração, o fechamento de uma Big Four poderia ser um remédio pior do que a doença.

Foi para lidar com esse tipo de dilema que alguns países criaram instrumentos como o acordo de acusação diferida (DPA, na sigla em inglês) e o acordo de não acusação (NPA). Em vez de simplesmente punir o acusado, o promotor concorda em suavizar a pena em troca do cumprimento de determinadas condições. Se a empresa cometeu fraude, por exemplo, pode ser obrigada a pagar multas, implementar reformas internas ou cooperar com investigações. Vale destacar que tais instrumentos existem em países com sistemas de justiça consolidados, como o Canadá.

Recentemente, o programa Last Week Tonight, apresentado por John Oliver, na temporada 12, episódio 19, em agosto de 2025, trouxe diversos exemplos do uso do DPA. O programa alertou para os excessos, citando o caso da Boeing, que firmou um acordo após o acidente com o avião 737 MAX em 2021. O problema apontado foi que a empresa não estaria cumprindo as obrigações assumidas, levantando a possibilidade de novos acordos. Outras companhias também já se beneficiaram desse tipo de instrumento, como o JP Morgan (fraude), a SAP (suborno) e a General Motors (defeito de fabricação).

Do ponto de vista contábil, acordos como esse afetam diretamente a mensuração do passivo, geralmente reduzindo seu valor. Em outros países, a redução da punição pode ocorrer durante o processo judicial. Isso pode, aparentemente, estimular a corrupção, mas, na prática, gera desafios contábeis. Um exemplo: se a empresa já havia registrado um passivo superestimado antes do acordo, a assinatura pode gerar um ganho extraordinário no resultado. Outro cenário: se a companhia espera firmar um acordo e isso não acontece, pode parecer que ocorreu mais um erro — o de não reconhecer ou mensurar adequadamente o passivo.

No Brasil, embora não exista um instrumento idêntico ao DPA, há mecanismos jurídicos semelhantes. O acordo de leniência, firmado por órgãos públicos como a CGU e o Cade, busca estimular a cooperação empresarial. A colaboração premiada, voltada para pessoas físicas, também permite reduzir punições em troca de informações relevantes. Já o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) procura resolver questões de interesse público, como disputas trabalhistas ou ambientais.

Em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo sobre a empresa Camargo Corrêa, o economista Cláudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B, destacou que a desorganização do setor de engenharia nacional não foi consequência direta da Operação Lava Jato. Segundo ele:

“É incorreto dizer isso. O fato é que a nossa legislação dificulta a separação entre o controlador/acionista e a companhia em questão. O certo era o acionista ser afastado e a empresa continuar operando com todos os seus ativos.”

Frischtak sugeriu que as ações da empresa fossem colocadas em uma escrow account (conta intermediária, mantida por agente de custódia) para indenizar os danos. Ele ressaltou que a lei deveria permitir essa separação, de modo a não penalizar a companhia em si, que poderia continuar operando. O problema reputacional, afirma, é fruto da conduta do controlador e de alguns gestores:

“Todos teriam de ser afastados, e deveria ser definida uma nova estrutura de gestão e governança. Isso teria evitado a desintegração do setor que vimos.”