18 maio 2025
Resenha: O Problema dos Três Corpos
Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Sombart
Werner Sombart, influente economista político, nasceu e morreu na Alemanha. Estudou direito, economia, história e filosofia nas universidades de Berlim, Roma e Pisa, e acabou se tornando professor de economia em Berlim. Foi aluno dos chamados socialistas de cátedra (Kathedersozialisten), como Schmoller e Wagner, e, quando jovem, tornou-se marxista. No entanto, provavelmente era inteligente demais para permanecer marxista por muito tempo e acabou se tornando um crítico do marxismo. De fato, sua obra Der Moderne Kapitalismus (O Capitalismo Moderno), publicada em 1919, é na verdade um livro que elogia o capitalismo, no qual previu que esse sistema atingiria seu auge no século XX.
Mais tarde, já idoso, Sombart tornou-se um apologista do Nacional-Socialismo, mas os nazistas não o aceitaram plenamente nesse papel, principalmente porque suas observações sobre o papel dos judeus na Idade Média entravam em conflito com as teorias do regime.
Em termos de volume de publicações e traduções, Sombart pode ser considerado um dos economistas de maior sucesso de sua época. No entanto, ele não fundou uma escola de pensamento nem deixou discípulos de suas ideias, sendo hoje visto mais como uma curiosidade histórica. Isso provavelmente se deve ao fato de que combinou as origens sociais e históricas de seu pensamento econômico em uma mistura empolgante, porém instável, de forma que as gerações seguintes passaram a considerar pouco científica.
Essas chamadas “proposições de Sombart” receberam atenção significativa na literatura contábil. Yamey (1950, 1964) as revisou criticamente em dois artigos, Winjum (1972) identificou “apoio acadêmico substancial à tese de Sombart”, e Kenneth S. Most (1972) reconheceu algum mérito nelas. As proposições se referem ao papel da contabilidade no desenvolvimento do capitalismo. Sombart chegou a afirmar que a introdução da contabilidade foi de importância máxima para o desenvolvimento do capitalismo — e, claramente, tal percepção merece estudo especial.
Sombart partiu de uma Europa feudal pré-capitalista, na qual o objetivo de cada homem era garantir o suficiente para sua subsistência. Observou, então, que em determinado momento o motivo do lucro substituiu a satisfação de necessidades pessoais como força motriz da sociedade. Ele levantou a questão: por meio de que mecanismos isso ocorreu? O que transformou o artesão pré-capitalista no fabricante capitalista? Sua resposta foi que o ser humano desenvolveu duas capacidades: calcular e poupar. E a importância da contabilidade estaria justamente em unir essas duas habilidades em uma poderosa ferramenta de gestão: a firma capitalista, vista como uma entidade contábil.
De forma resumida, Sombart viu a invenção da escrituração por partidas dobradas como um instrumento para objetivar o conceito de capital. Ele escreveu que “a representação da firma por meio das contas, especialmente a representação dos interesses de propriedade na forma das contas de capital, torna objetiva a ideia de riqueza, dissociando-a das pessoas humanas envolvidas na empresa”. A ideia de capital desvinculava-se de qualquer objetivo de satisfação de necessidades ou motivações pessoais dos participantes da firma, e isso levou diretamente à formulação do racionalismo econômico. Por esse caminho, a produção e a distribuição tornaram-se objetos de cálculo, o que significava que as ferramentas da matemática podiam ser usadas para planejar poupança e investimento e fomentar o crescimento do capitalismo.
Em uma passagem marcante, Sombart citou as palavras que Goethe colocou na boca do cunhado de Wilhelm Meister: “A escrituração por partidas dobradas é uma das mais belas descobertas do espírito humano.” E prosseguiu explicando: “Para se compreender corretamente seu significado, ela deve ser comparada ao conhecimento que os cientistas desenvolveram desde o século XVI sobre as relações no mundo físico. A escrituração por partidas dobradas surgiu do mesmo espírito que produziu os sistemas de Galileu e Newton e o conteúdo da física e da química modernas. Por meios semelhantes, organiza percepções em um sistema, e pode ser caracterizada como o primeiro Cosmos construído puramente com base no pensamento mecanicista. A escrituração por partidas dobradas captura para nós a essência de um mundo econômico ou capitalista do mesmo modo que, mais tarde, os grandes cientistas usaram para construir o sistema solar e os glóbulos do sangue. Sem muita dificuldade, podemos reconhecer na escrituração por partidas dobradas as ideias de gravitação, da circulação do sangue e da conservação da matéria. E até mesmo num plano puramente estético não podemos olhar para a escrituração por partidas dobradas sem espanto e admiração diante de uma das mais artísticas representações da fantástica riqueza espiritual do homem europeu.”
Kenneth S. Most The History of Accounting
Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Schreiber ou Grammateus
Schreiber, Heinrich (c. 1496–1525)
O segundo texto publicado sobre a escrituração por partidas dobradas foi escrito por um matemático e professor de aritmética alemão, Heinrich Schreiber, também conhecido como Henricus Grammateus. A obra de Schreiber, Ayn neu Kunstlich Buech (Nuremberg, 1518), incluía capítulos sobre álgebra, aritmética comercial, música e contabilidade. O texto de Schreiber foi revisado e reimpresso diversas vezes após sua morte; foi plagiado duas vezes durante o século XVI.
Schreiber não imitou a Summa de Arithmetica (1494), de Luca Pacioli; parece ter derivado seu sistema de partidas dobradas da prática comercial alemã. Ele utilizava três livros contábeis: um diário, um razão de mercadorias e um razão de dívidas. As compras eram lançadas no lado esquerdo das contas de inventário no razão de mercadorias, e as vendas no lado direito. No razão de dívidas, que continha contas a receber, a pagar e de caixa, as dívidas eram registradas no lado direito, e os pagamentos a credores no lado esquerdo. As contas a receber eram lançadas no lado direito, e os recebimentos no lado esquerdo. Assim, não havia uma posição fixa para os lançamentos de débito e crédito. Também não eram apurados separadamente os saldos a receber de devedores nem os saldos a pagar a credores no razão de dívidas.
Schreiber apresentou 10 regras para o registro de compras e vendas e descreveu o tratamento das despesas. O lucro ou prejuízo de cada tipo de estoque podia ser apurado subtraindo-se as compras das vendas. Ele reunia esses lucros e prejuízos individuais ao final de seu diário. Concluía com um teste rudimentar de exatidão contábil: “Some os recebimentos, o que lhe é devido e, então, as mercadorias restantes; e da soma total subtraia os pagamentos, o que você ainda deve, e se o saldo restante for igual ao lucro, então está correto.” Esse cálculo, que equipara o lucro ao ativo líquido, funcionava apenas porque as contas ilustrativas de Schreiber não continham saldos iniciais de ativos ou passivos.
Michael Chatfield para The History of Accounting
Ele também é conhecido como Henricus Grammateus
Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Schmidt
Schmidt, Julius August Fritz (1882–1950)
As contribuições publicadas de Fritz Schmidt são numerosas e substanciais em conteúdo. Ele publicou 16 livros — sendo o mais conhecido, no campo da contabilidade, sua obra-prima Die Organische Tageswertbilanz (1929) — e mais de 120 artigos sobre temas que abrangem práticas de bolsa de valores, câmbio e bancárias, contabilidade orgânica a valor corrente, custos e precificação, teoria dos ciclos econômicos, trustes e teoria da tributação, além de questões ligadas à educação e à profissão de economista.
Karl Schwantag, aluno de Schmidt, sugere que uma das maiores contribuições de Schmidt foi seu olhar sistemático, buscando proposições gerais a partir de particularidades observadas no cotidiano. Suas publicações podem ser divididas em três fases:
1. 1907–1918: livros e artigos nos quais registrou observações sobre práticas de bolsa e bancárias, resultando na catalogação e classificação de formas e métodos empresariais;
2. 1918–1936: obras voltadas à formulação de avanços teóricos em contabilidade e economia empresarial a partir das observações feitas na fase anterior;
3. obras posteriores nas quais consolidou os esforços da segunda fase, buscando uma teoria consistente de administração empresarial.
Os trabalhos de Schmidt em contabilidade ocorreram nas primeiras décadas do século XX, durante uma transição no pensamento europeu em administração de empresas — da teoria estática, orientada para o balanço patrimonial, para uma abordagem mais dinâmica, voltada para a apuração do resultado.
Schmidt, juntamente com o acadêmico holandês Theodore Limperg Jr., é reconhecido na literatura anglo-americana como um dos precursores teóricos das versões modernas da contabilidade a custo de reposição. Embora haja controvérsias quanto à primazia, argumenta-se que Schmidt exerceu o impacto mais precoce e relevante nesses desenvolvimentos. Sua contabilidade orgânica a valor corrente calcula o resultado da operação com base nas receitas correntes subtraídas dos custos correntes dos fatores de produção. Assim, os gastos com materiais, mão de obra e até itens indiretos, como depreciação, são todos avaliados a custo de reposição nas respectivas datas de venda, e os ativos do balanço patrimonial devem ser apresentados por seus custos de reposição à época.
Quaisquer alterações nos valores de reposição dos ativos não monetários não eram consideradas receitas (ou perdas), mas sim variações de capital, sendo registradas separadamente no sistema de Schmidt em uma conta de ajuste de capital (Wertberichtigungskonto). Schmidt afirmava que os mesmos dados de entrada poderiam ser usados tanto para elaborar a demonstração de resultados quanto o balanço patrimonial. Por isso, era descrito como dualista, em contraste com alguns outros monistas da Betriebswirtschaftslehre (ciência da administração empresarial), que sustentavam ser impossível usar os mesmos dados para ambos os fins.
Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Peruzzi
Peruzzi
Entre 1300 e 1345, as casas mercantis e bancárias mais poderosas de Florença eram os Bardi, os Peruzzi e os Acciaiuoli. Em 1336, os Peruzzi — os segundos maiores entre esses “pilares da Cristandade” — tinham 15 filiais na Europa Ocidental, no Norte da África e no Levante. Os registros contábeis dos Peruzzi situam-se entre a escrituração de partida simples e a de partida dobrada. Incluíam vários diários mantidos de forma independente e mal integrados. Cada lançamento no livro-razão era referenciado, mas os dois lados de cada conta ainda não eram colocados lado a lado. Em vez disso, os débitos eram lançados na parte da frente do livro e os créditos na parte de trás. Embora fossem usadas contas de receitas e despesas, nenhuma verificação aritmética de igualdade era tentada, e os lucros eram determinados não pelo fechamento do livro, mas pelo inventário dos ativos e a dedução desses em relação ao total de passivos e capital.
— Michael Chatfield para The History of Accounting
Existiram muitos Peruzzi, mas a firma com o nome, gerenciada por meia dúzia de membros da família, é que merece nossa atenção. A dimensão dos negócios, com base em Florença, permite estimar que era o segundo maior banco da Europa, com quinze filiais, do Oriente Médio até Londres, todas capitalizadas com mais de 100 mil florins de ouro e operadas por aproximadamente 100 agentes comerciais.
A origem do capital dos Peruzzi era o setor têxtil: lã inglesa, transformada em tecido de alta qualidade em Bruges, era comprada por agentes dos Peruzzi e distribuída às luxuosas cortes de Paris, Avignon ou enviada de volta a Londres. As conexões dos Peruzzi exigia agentes e instrumentos de crédito, o que expandiu os negócios e estabeleceu uma rede internacional. E a casa Peruzzi estava no início do desenvolvimento das partidas dobradas.
No início do século XIV, a principal atividade dos Peruzzi havia se deslocado para o comércio atacadista de mercadorias em larga escala para a atividade bancária, área pela qual são mais lembrados: papas, nobres, burgueses, cidades e abadias recorriam a empréstimos concedidos pelos Peruzzi. No entanto, grandes clientes também implicavam grandes riscos. Em 1343, o consórcio Peruzzi entrou em colapso e foi à falência em 1345, junto com seus parceiros de capital de risco, os Bardi. Já comentamos isso aqui.
17 maio 2025
Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Solomons
Solomons, David (1912–1995)
David Solomons foi autor de importantes artigos e livros sobre teoria contábil, definição de normas, contabilidade gerencial e educação contábil, sendo também um consultor muito requisitado por institutos profissionais de contabilidade e órgãos normativos.
Solomons é talvez mais conhecido por ter escrito a primeira grande exposição do conceito de "valor para o proprietário" dentro da contabilidade a valor corrente, por ter previsto o declínio do conceito de lucro nas determinações contábeis, por ter atuado como redator principal do Relatório Wheat, que levou à criação do Financial Accounting Standards Board (FASB), por ter redigido a segunda declaração conceitual do FASB sobre características qualitativas da informação contábil e por defender a neutralidade como atributo indispensável para a definição responsável de normas.
Solomons obteve seu diploma de Bachelor of Commerce pela Universidade de Londres em 1932, tendo estudado na London School of Economics (LSE). Tornou-se contador público (chartered accountant) em 1936 e trabalhou em um escritório em Londres até 1939, quando, com o início da guerra, alistou-se como soldado raso no Exército Real e foi promovido no ano seguinte. Durante a guerra, passou quase três anos em campos de prisioneiros na Itália e na Alemanha, onde ensinou contabilidade a seus companheiros de cativeiro.
Em 1946, tornou-se professor de contabilidade na LSE, onde foi fortemente influenciado por Ronald S. Edwards, economista industrial que havia publicado vários artigos importantes sobre história dos custos e teoria contábil na revista Accountant durante a década de 1930. Em 1955, Solomons tornou-se o primeiro professor de contabilidade da Universidade de Bristol e, em 1959, atravessou o Atlântico para assumir uma cátedra na Wharton School da Universidade da Pensilvânia. Obteve o título de Doutor em Ciências pela Universidade de Londres em 1966 e, em 1974, foi nomeado o primeiro Arthur Young Professor na Wharton School. Aposentou-se da universidade em 1983.
Solomons presidiu associações acadêmicas de contabilidade em dois países: em 1958, foi presidente da Association of University Teachers of Accounting (mais tarde renomeada como British Accounting Association), e entre 1977 e 1978 foi presidente da American Accounting Association (AAA). Em 1980, a AAA selecionou Solomons como Educador Contábil Excepcional, e em 1989 o Institute of Chartered Accountants in England and Wales (Instituto Inglês) concedeu-lhe seu Prêmio Internacional. Em 1992, ele foi incluído no Accounting Hall of Fame (Hall da Fama da Contabilidade).
O primeiro artigo importante de Solomons, publicado em 1952, tratava da história da contabilidade de custos. Ele revisou o famoso ensaio de 1950 de Sidney Alexander, professor de economia em Harvard, intitulado "Income Measurement in a Dynamic Economy", após o qual Solomons concluiu, com pesar, em 1961, no artigo "Economic and Accounting Concepts of Income", que não era operacionalmente viável isolar mudanças nas expectativas do conceito de “renda econômica” de Alexander, o que diminuía sua utilidade como medida satisfatória de desempenho empresarial.
Foi nesse artigo de 1961 que Solomons fez sua famosa previsão: “no que diz respeito à história da contabilidade, os próximos vinte e cinco anos poderão ser vistos, posteriormente, como o crepúsculo da mensuração do lucro.” Em 1987, ele reconheceu que sua previsão não se concretizou, e que talvez sua vocação não fosse a de vidente.
Em 1966, Solomons publicou um importante ensaio, "Economic and Accounting Concepts of Cost and Value", sobre a formulação do “valor para o proprietário” de James C. Bonbright, professor de Finanças da Universidade de Columbia, no qual abordava a valoração de ativos. Ele deu impulso a esse conceito nos debates sobre contabilidade a valor corrente, expressando-o em notação de desigualdade. Direta ou indiretamente, esse trabalho influenciou o Comitê Sandilands, no Reino Unido, e o FASB, nos Estados Unidos, em suas deliberações sobre contabilidade em contextos de inflação.
Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Fiori
Flori, Ludovico (1579–1647)
Em 1633, Ludovico Flori, um jesuíta de Palermo, publicou o segundo manual impresso sobre contabilidade monástica. Trattato del Modo di Tenere il Libro Doppio Domestico derivava seus procedimentos contábeis básicos e grande parte de sua exposição do Indrizzo Degli Economi (1586), do beneditino Dom Angelo Pietra. Ambos os autores descreveram um sistema surpreendentemente semelhante à contabilidade moderna. Ambos acreditavam que as contas monásticas poderiam ser melhor analisadas, não pela inspeção do razão, como faria um comerciante, mas sim por meio do exame de demonstrações financeiras separadas.
Flori foi o primeiro autor a insistir que as transações fossem alocadas aos seus devidos períodos fiscais. Isso exigia uma distinção clara entre receitas do ano corrente e lucros e perdas de períodos anteriores, que deveriam ser encerrados diretamente no capital. Flori contabilizava separadamente os ativos de longo prazo e os de curto prazo; descreveu e ilustrou lançamentos contábeis compostos; e discutiu as vantagens de prever receitas e despesas. Contas de compensação (suspense accounts) aparecem pela primeira vez em seu texto.
Assim como Pietra, Flori defendia o encerramento anual do razão, mas utilizava uma conta de balanço, não apenas para comprovar a exatidão do razão, mas também para facilitar seu encerramento e reabertura. Edward Peragallo e Federigo Melis consideram a obra de Flori a melhor exposição da contabilidade italiana anterior a 1800.
Michael Chatfield - The History of Accounting. Leia também aqui





