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28 julho 2009

Contabilidade e Ciclos Econômicos

Uma discussão já apresentada anteriormente neste blog refere-se a questão dos ciclos econômicos. Esta questão surgiu com a existência de norma espanhola para bancos, onde reservas eram constituídas, obrigatoriamente, no momento de expansão. Um texto interessante, com uma posição contrária a utilização da contabilidade para esta situação, foi publicado no Financial Times de 15 de julho de 2009 (Orwellian accounting cannot damp economic cycle, Paul Boyle).

Boyle, chief executive do Financial Reporting Council da Grã-bretanha, acredita que não está claro que a contabilidade possui potencial para ser uma ferramenta de política pública para reduzir os ciclos econômicos. Esta posição é perigosa, segundo o autor, pois a contabilidade deixaria de ter um papel tradicional de informar para "criar a impressão de estabilidade".

Contabilidade é um sistema de mensuração que apresenta o desempenho financeiro e a posição da empresa da forma mais neutra possível. Não é surpreendente que os bancos informam lucros substanciais quando a economia está indo bem e lucros reduzidos - ou mesmo perdas - quando a economia istá mal. A contabilidade reflete o ciclo econômico, que é uma boa característica de um sistema de mensuração financeiro.

04 maio 2009

Marcação a Mercado

Um réquiem para a regra de marcação a mercado?
Alkimar R. Moura - Valor Econômico - 4/5/2009

Do ponto de vista econômico, existem boas razões que justificariam a suspensão da regra de marcação a mercado

Com a fina ironia que lhe era peculiar, o prof. John K. Galbraith observou que crise financeira é um evento muito simples, pois a única coisa que se arrisca a perder nela é dinheiro. Esta é a parte visível da destruição de valor que ocorre em toda crise e que, no momento atual, não pode ser considerada como desprezível, pois já começa a superar US$ 4 trilhões, a julgar pelas últimas estimativas do FMI sobre as prováveis perdas dos detentores de ativos hipotecários originários dos EUA. Krugman, no seu mais recente livro, estima que o estouro da bolha imobiliária poderá causar uma perda de riqueza de cerca de US$ 8 trilhões. No entanto, uma crise financeira e econômica não destrói apenas riqueza financeira, mas derruba reputações e mitos, e força a revisão de conceitos e de procedimentos que se mostraram inadequados para lidar com a tempestade. As críticas contundentes à gestão de política monetária do então todo poderoso Alan Greenspan à frente do Banco Central americano constituem atualmente o exemplo mais ostensivo da mencionada destruição simbólica de reputação.

No mesmo sentido de mudanças, nova regulação deve surgir para evitar os excessos de alavancagem de bancos e instituições componentes do "shadow-banking system", assim como novas restrições quanto às operações fora de balanço das instituições bancárias e não-bancárias. Além disso, os bancos centrais estão adotando práticas operacionais rigorosamente heterodoxas na tentativa de estabilizar o sistema bancário nos Estados Unidos e na zona do euro. Outros exemplos de mudanças de regulação e de procedimentos podem ser invocados para comprovar a necessidade de várias modificações na supervisão e na fiscalização do sistema bancário, no rescaldo da crise financeira atual.

Será a contabilidade baseada no preço justo ("fair value rule") a próxima vítima desta revisão regulatória? Alguns movimentos nos Estados Unidos já indicam a existência de pressões para o abrandamento da estrita aplicação do principio de marcação a mercado para a contabilização dos chamados "ativos tóxicos", vinculados a operações de crédito habitacional. A própria legislação americana ("Emergency Economic Stabilization Act") aprovada pelo Congresso em outubro de 2008, determinou que a SEC conduzisse um estudo sobre a regra de marcação a mercado para os ativos/passivos das instituições financeiras.

Pelas regras americanas, emanadas do Financial Accounting Standards Board (FASB), os bancos têm que contabilizar os ativos nos seus balanços trimestrais para refletir o preço justo ("fair value") daqueles ativos, isto é, o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou pago pela transferência de uma dívida em uma transação em condições normais de mercado (isto é, nem uma liquidação forçada nem uma venda "distressed"), entre os participantes das negociações, na data da mensuração.

Com a virtual desintegração do mercado dos "ativos tóxicos", os bancos ficaram sem referência para a precificação daqueles papéis. Quando não existem mercados ativos, o FASB recomenda que a instituição financeira use o preço de venda que vigoraria em uma transação normal entre os participantes de mercado (isto é, uma venda não-forçada) na data do registro contábil, nas condições correntes de mercado.

O virtual desaparecimento do mercado de títulos ligados a hipotecas habitacionais forneceu mais argumentos para aqueles que atribuíram uma parte da responsabilidade pela crise de crédito à regra de marcação a mercado. O argumento aqui não é semelhante àquele tipicamente oportunista que manda mudar os critérios oficiais de mensuração de índices de preços, em períodos de inflação ascendente. A justificativa tem a ver com a relação entre o ciclo econômico e a regra de marcação a mercado. Um estudo recente preparado para o International Center for Monetary and Banking Studies de Geneva, por um respeitável grupo de economistas com experiência em instituições financeiras multilaterais, concluiu que a regra de marcação a mercado revela um acentuado componente pró-cíclico: quando tudo vai bem e os preços dos ativos estão em alta, a regra favorece a expansão dos ativos dos bancos, aumentando a alavancagem bancária, o que reforça o movimento favorável de mercado. Quando o ciclo se inverte, a queda de preços dos títulos força os bancos a venderem os ativos, para cumprir as exigências da regulação prudencial, provocando nova onda de queda de preços, pressões adicionais de vendas e declínio de preços, e assim por diante. Assim, do ponto de vista econômico, existem boas razões que justificariam a suspensão e/ou o abandono temporário da regra de marcação a mercado, em condições nas quais ela provocaria maior instabilidade e desorganização dos mercados de crédito, de dívida e de ações.

Em princípio, uma regra contábil deveria ser neutra, incapaz de, ela própria, contribuir para acentuar as flutuações do ciclo econômico, sobretudo em situações-limite de expansão e/ou contração no mercado financeiro e na atividade econômica. Aparentemente, a regra de marcação a mercado não passou neste teste, nos países mais afetados pela desorganização dos sistemas bancários e da intermediação financeira. E provavelmente ela sofrerá modificações, no bojo do conjunto das mudanças, que deverão ocorrer na regulação bancária e dos mercados financeiros e de capitais, como resposta oficial das autoridades à permissividade regulatória que permitiu a explosão da crise financeira atual. Na mesma linha de mudanças contábeis, é provável que o caráter pró-cíclico das atuais regras de provisão para risco de crédito seja modificado, adotando-se procedimentos já testados com sucesso em alguns países.

Convém reconhecer que a regra de marcação a mercado representou um avanço significativo para melhorar a transparência dos demonstrativos contábeis das instituições financeiros, fornecendo informações mais fidedignas aos seus acionistas, investidores, depositantes e reguladores. Aperfeiçoá-la, tornando-a mais robusta e invariante às flutuações do ciclo econômico, pode ser um dos parcos e indiretos benefícios advindos da crise atual. Esperemos que os especialistas no tema possam estar à altura dos desafios do momento.


Grifo meu.