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26 outubro 2013

Entrevista com Marcelo Moreira

Teoria assintótica, identificação em modelos de equações simultâneas, inferência em modelos de séries temporais não estacionários, estimação em modelos de painéis e testes em modelos de fatores. Parece complexo, mas esses são seus principais temas de pesquisa. Marcelo Moreira é Doutor em Economia e Mestre em Estatística pela University de California at Berkeley. Hoje utiliza as aulas da Fundação Getúlio Vargas para transmitir seus conhecimentos, mas no seu passado foi professor em Harvard e Columbia. Consciente da importância de fomentar a produção científica no país, o professor ressalta que os desafios que um pesquisador encara no Brasil ou em países como os Estados Unidos são muito similares: lutar contra as pressões para abordar projetos menores.
Globo Universidade - Você realizou o seu curso de doutorado em Economia e mestrado em Estatística pela University of California at Berkeley, uma das universidades mais respeitadas do mundo, cujos departamentos de Economia e Estatística figuram entre os melhores nestas duas ciências. Como foi a sua trajetória até chegar lá?
Marcelo Moreira – Certamente a minha trajetória não foi planejada. Como acontece com a maioria das pessoas no Brasil, eu tive que escolher a minha carreira muito cedo. E optei por fazer graduação e mestrado em Economia. Só mais tarde, durante o mestrado, é que eu decidi seguir a carreira acadêmica. A lição que eu aprendi ao longo da minha vida é que devemos prestar atenção nas oportunidades que surgem no nosso caminho.
GU - Antes de lecionar na Escola de Pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, você lecionou nas universidades de Harvard e Columbia. Como foram estas experiências e o que elas acrescentaram na sua carreira como pesquisador e professor?
MM – Talvez a melhor frase que resuma a importância destas experiências seja: “Se eu consegui ver mais longe, foi porque estive apoiado em ombro de gigantes”. Falo isso porque, certamente, não teria seguido o mesmo caminho sem o apoio do meu orientador do doutorado, em Berkeley. Passei dois anos trabalhando na minha tese de doutorado e nós conversávamos semanalmente sobre a pesquisa. Assim, o meu trabalho em Harvard e na Columbia foi apenas uma continuação deste processo, no qual tive a sorte de trabalhar com alguns dos melhores pesquisadores em estatística e economia da atualidade.
GU - Embora você seja doutor e professor de economia, a sua pesquisa sempre esteve relacionada às áreas de Métodos e Modelos Matemáticos, Econométricos e Estatísticos. Como se deu a descoberta de suas aptidões para métodos quantitativos?
MM – Quando eu iniciei o meu doutorado, a minha intenção era fazer pesquisa em economia do trabalho e avaliação de políticas públicas. Este foi um passo natural, principalmente depois que eu trabalhei durante todo o meu mestrado nesta área com José Marcio Camargo, Edward Amadeo, Gustavo Gonzaga e Ricardo Paes e Barros. Mas eu tinha consciência de que ainda precisava fortalecer a minha base quantitativa. Então, ao mesmo tempo em que eu fazia o doutorado em economia, também cursava matérias nos departamentos de estatística e matemática. E alguns desses cursos acabaram mudando a minha forma de pensar. Foi quando eu comecei a me interessar por métodos econométricos e estatísticos referentes a áreas mais aplicadas.
GU - Como é a sua rotina de pesquisa? Estar afastado dos grandes centros de produção de conhecimento interfere de alguma forma?
MM – Como as pesquisas envolvem criatividade, eu prefiro não estabelecer uma rotina. Eu tento trabalhar em alguns projetos simultaneamente, mas, geralmente, tem um em especial que toma boa parte da minha energia. Também tenho alguns projetos que ficam na gaveta até achar uma forma de conseguir resolver o problema de forma satisfatória. A Fundação Getúlio Vargas tem uma política muito interessante de permitir que os pesquisadores passem até três meses do ano visitando universidades no exterior. E eu uso esse período para ir a conferências, fazer seminários e trabalhar com co-autores. Da mesma forma, existe um programa de seminários que nos permite trazer pesquisadores para passar uma semana visitando o nosso departamento.
GU - Os seus temas de pesquisa são extremante técnicos. Há como tentar explicá-lo para o público leigo? Quais as aplicações deste instrumental teórico em pesquisas práticas?
MM – Boa parte da minha pesquisa é focada em métodos quantitativos que ajudem a avaliar dados da forma mais eficiente possível. Apesar de eu ter interesse em métodos quantitativos, a pergunta inicial sempre se refere a um problema bem prático e específico. Por exemplo, um projeto que desenvolve formas de se calcular retornos para a educação quando as características do trabalhador não são observáveis pelo pesquisador. Outro projeto é o que permite extrair informações quando há ruídos excessivos em redes de telecomunicações.
 
Marcelo Moreira (Foto: Arquivo pessoal)Marcelo Moreira alerta sobre a necessidade de investimento em pesquisas (Foto: Arquivo pessoal)
GU - Você é um professor jovem e já tem publicações importantes em duas das mais respeitadas revistas acadêmicas de economia e estatística, como a Econometrica e Annals of Statistics. Quais são os desafios de se publicar em revistas deste nível?
MM – Este talvez seja o maior desafio para se fazer pesquisas no Brasil. Isso porque existe uma grande preocupação em relação ao número de publicações ao invés de focar na sua qualidade e impacto. E isso leva a uma mediocrização da pesquisa. Por exemplo, eu demorei pouco mais de cinco anos para terminar uma pesquisa que solucionava um problema que ainda estava em aberto no campo da estatística e econometria. Esse projeto apresentava um risco enorme, porque muitas pessoas já haviam tentado solucioná-lo, porém sem apresentar respostas satisfatórias. Enquanto eu estava focado nesta pesquisa, também fui pressionado para trabalhar em outros projetos menores. Os desafios de se fazer pesquisa no Brasil são os mesmos que nos EUA só que com um fator a mais: o pesquisador precisa lutar contra as pressões para se trabalhar em projetos menores.

Isso me lembra um colega de Harvard que certa vez me disse que os departamentos americanos top 10-20 só se interessam por pesquisas de ponta e que o número de publicações não importa. Ele ressaltou, porém, que essa preocupação muda em departamentos menores. Eu entendo que o mesmo acontece aqui no Brasil. O problema surge quando as avaliações do governo e das agências de fomento são influenciadas pelos departamentos medianos.
GU - Em relação à inserção do Brasil na comunidade científica internacional, qual é a importância de termos pesquisadores brasileiros publicando nestas revistas?
MM – O Brasil não pode mais ser um importador de tecnologias. Precisamos criar um corpo maior de pessoas fazendo pesquisas de ponta e publicando nas melhores revistas científicas do mundo, que ainda são as internacionais.

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