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18 janeiro 2013

Unlock Your Papers

Por Raquel Recuero

Esse é um post longo, mas é uma reflexão que eu achei que valia a pena dividir com todos. :)
Um dos grandes desafios, para os acadêmicos, é a publicação de seu trabalho. Aqui no Brasil, praticamente toda a avaliação do desempenho dos pesquisadores é feita com base nisso. A CAPES, por exemplo, qualifica os periódicos em extratos que definem onde os pesquisadores devem publicar, num sistema chamado Qualis (A1, A2... B1, B2... e C, que é a pior classificação). Por algum motivo, essas categorias são baseadas numa proporção do total de periódicos de cada área (assim, por exemplo, apenas 25% dos periódicos de uma área X podem ser A, dos quais apenas 25% podem ser A1 e, uma vez atingida essa proporcionalidade mesmo que um novo periódico atinja as condições de A, só sobe se alguém descer). Essa avaliação é baseada em critérios particulares de cada área (assim, um MESMO periódico pode ser, por exemplo, A1 para uma área e C para outra), que nem sempre são iguais ou parecidos. Do mesmo modo, apenas periódicos onde os membros de Programas de Pós Graduação das áreas publicam são imediatamente avaliados pelo Qualis. Há também um Qualis para livros, o qual funciona de forma parecida. Ou seja, o sistema é péssimo e não faz qualquer sentido na minha visão. Minha opinião particular sobre esse tipo de avaliação sempre foi essa. Assim, por exemplo, pesquisadores como eu, que transitam em várias áreas, acabam sempre tendo uma avaliação ruim de suas publicações, porque nem todas estão "na área" (sim, se vc publicar fora da "área", sua publicação pode não ser avaliada). Do mesmo modo, se eu publicar em um periódico "não avaliado" na área (internacional, por exemplo), corro o risco do mesmo não ser avaliado (e a publicação não contar nada) ou ainda receber um "C" (o que piora a situação).

Além disso, há outro problema. Em muitas áreas, a maioria dos periódicos A são periódicos "fechados", ou seja, cujo conteúdo é fechado, só podemos acessá-los pagando (sério, às vezes é uma quantidade absurda de dinheiro, como 30 dólares por UM ARTIGO) ou via portal de periódicos (onde governo e universidades pagam para que os pesquisadores tenham acesso). Outras tantas vezes, esse artigo está preso numa revista impressa, de circulação limitada e que, uma vez terminada a edição, não circula mais. Eu, por exemplo, já cansei de bater de frente com um artigo muito interessante e relevante para o meu trabalho, mas publicado em uma base fechada que não se tinha acesso. Durante o doutorado, vasculhava a internet procurando por alguma pobre alma que tivesse publicado uma versão PDF de algum artigo publicado num periódico impresso que não existia em biblioteca alguma.

Tudo isso para dizer o seguinte: Eu penso que todos os acadêmicos têm um compromisso com a sociedade. Sim, porque essa sociedade direta ou indiretamente pagou pela sua formação e pela sua pesquisa. E nesse compromisso está implícito que o seu trabalho precisa circular, precisa estar disponível e as pessoas precisam ter acesso. E por isso, desde o tempo do meu mestrado, quando primeiro fiz esse blog, lá em 2001, comecei a disponibilizar tudo o que eu publicava. Na época, muitos colegas me diziam chocados que eu estaria "dando dicas" do meu trabalho no blog e que este perderia a originalidade, que eu teria meus artigos "roubados" se colocasse online, etc. etc. Em 2009, quando lancei o meu primeiro livro, consegui um acordo com a editora para disponibilizá-lo na íntegra online (valeu, Cubo.cc!). As mesmas críticas voltaram. Disseram que meu livro não ia vender na versão impressa (sério, se eu fizesse pesquisa para ficar rica, tava frita), que ia ser mal avaliado porque "ebook nao conta nada para a CAPES", etc. etc. Vejam, nem sempre eu consigo publicar tudo em versão aberta. Meu segundo livro, por exemplo, não rolou porque não consegui patrocínio. E nem sempre consigo publicar em periódicos versão aberta (embora, dentro do possível, eu procure disponibilizar alguma versão sem copyright do trabalho nesse site). Mas sempre foi um esforço da minha parte e uma política que eu procurei seguir.images.jpgNa sexta-feira, a Internet foi varrida pela notícia do suicídio do Aaron Swartz. O cara era um hacker e ativista, co-fundador do Reddit, um dos criadores do #STOPSOPA e que, dentre vários problemas, estava sendo processado pelo MIT, pelo JSTOR e pelo governo dos EUA por um crime incrível: Um belo dia, ele foi no MIT, hackeou a rede, baixou milhares de artigos cientiíficos que eram mantidos "fechados" no JSTOR e disponibilizou online (aliás, devo dizer que um dos artigos que eu mais precisei pra tese que eu mais me ralei pra encontrar estava no JSTOR e eu só consegui "pirata"). O julgamento criminal previa uma pena de até 35 anos de prisão pelo "crime". E por muitos amigos/conhecidos do Aaron, foi considerado um dos fatores motivadores para o seu suicídio, principalmente pela perseguição que ele sofreu do sistema jurídico americano. Independentemente do papel que o processo teve ou não no caso, ele é mais um fato para fazer com que os acadêmicos pensem (e repensem) suas políticas de publicação, e suas políticas de avaliação. Para mim, é em parte a motivação para escrever esse texto. O conhecimento e a pesquisa devem ser livres e nós, acadêmicos, precisamos começar a pressionar as revistas pela liberação do conteúdo online, fazer um esforço pela publicação do nosso material online e incentivar a circulação da produção de pesquisa.E um pequeno passo é colocar aquilo que produzimos disponível.  E procurar publicar em periódicos abertos, sejam eles A, B ou C e pressionar os nossos órgãos de avaliação para que periódicos abertos recebam uma avaliação positiva.
Nesse sentido, ontem alguns acadêmicos iniciaram uma campanha denominada #PDFTribute, em homenagem ao Aaron, solicitando aos demais que publicassem seu conteúdo online e disponibilizassem o link no Twitter. A lista de artigos que foi disponibilizada está aqui. :-) Então vamos lá gente, libertem seus papers! 

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