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30 junho 2011

Compra pública responsável

Ninguém tem dúvida sobre o impacto do consumo na sustentabilidade dos recursos naturais. Na prática a premissa está hoje restrita aos negócios do setor privado. Não é incorporada pelo governo por um motivo simples: a legislação impõe o menor preço como critério na compra pública de materiais ou contratação de obras, sem considerar os quesitos socioambientais. "A tendência é o cenário mudar com a Lei Federal 12.349, aprovada em dezembro do ano passado, definindo a licitação como ferramenta para o desenvolvimento sustentável", afirma Luciana Betiol, coordenadora do programa de consumo sustentável da Fundação Getúlio Vargas (FGV).


"Resta saber como isso será interpretado e aplicado na prática, mas há boas chances de emplacar, com reflexos positivos no mercado", ressalva Luciana. A nova legislação, que também permite o governo adquirir produtos nacionais por preço até 25% superior ao estrangeiro, protegendo o mercado interno, alterou o Artigo 3º da Lei 8666 sobre licitações, sancionada em 1993.


"Apesar de restritiva, a lei original dá brechas para preocupações socioambientais na licitação, mas o assunto tem esbarrado na resistência da área jurídica a mudanças", analisa Luciana. Ela lembra que o conceito econômico de "vantagem" é visto pelos conservadores sob o ângulo do preço e não do custo, que envolve longo prazo. A barreira impede o governo de exercer o poder de compra para a promoção da sustentabilidade. No Brasil as compras públicas representam 15% do PIB, totalizando R$ 60 bilhões no ano passado, segundo dados da FGV. Em São Paulo, o valor atingiu R$ 17 bilhões.


"Há um muro cultural: não adiantam novas leis, se os gestores públicos fecham os olhos para os produtos ambientalmente adequados, que são mais caros e acabam excluídos", explica Denize Coelho, coordenadora da comissão de compras públicas sustentáveis da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. "Os servidores temem o controle por parte da Secretaria de Fazenda ou Tribunal de Contas", completa.


O governo estadual elaborou um catálogo de materiais e serviços que podem ser comprados pelos órgãos públicos, com 170 mil itens. Dos automóveis ao papel, há 360 produtos marcados no catálogo com um selo ambiental. "Mas apenas 3% das aquisições envolvem essa categoria", lamenta Denize.


"A lei de licitação é antiga e tende a se modernizar, inclusive prevendo benefícios para quem cumprir aspectos ambientais", prevê Marcelo Eira, secretário-adjunto do Tribunal de Contas da União (TCU). Ele cita o projeto de lei que regulamenta a Medida Provisória 521 com regras para as obras da Copa do Mundo e Olimpíadas, incluindo soluções ambientais. "Enquanto não houver mudanças, precisamos interpretar a lei das licitações ao pé da letra", justifica Eira.

Fonte: Valor Econômico - 20/06

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