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13 março 2009

Balanço de Bancos

Balanços mostram bancos cheios de vento
Valor Econômico - 13/3/2009

Quanto mais os bancos expõem sua intimidade, mais assustador começa a se revelar o seu minguante capital.

Talvez em nenhuma outra época os balanços dos bancos tenham ficado tão escancaradamente repletos de ar quente. O Bank of America (BofA) revelou na semana passada que sua carteira de empréstimos para o fim de de 2008 valia US$ 44,6 bilhões menos do que dizia seu balanço patrimonial. O Wells Fargo disse que seus créditos valiam US$ 14,2 bilhões menos do que o registro contábil. E essa diferença no SunTrust Banks era de US$ 13,7 bilhões.

Preste atenção: são os números dos próprios bancos. Se existe neles alguma distorção, certamente estará no lado do otimismo. (...)

Felizmente, as companhias são obrigadas uma vez ao ano a divulgar valores de mercado justo estimados para todos os seus instrumentos financeiros, inclusive empréstimos. A divulgação de notas explicativas permite às pessoas de fora ter uma melhor visão dos balanços dos bancos, usando números mais relevantes.

O capital ordinário tangível tornou-se a opção de referência de liquidez para os investidores, uma vez que a principal medida de capital do governo, conhecido como "nível 1", perdeu credibilidade. Pelo nível 1, os bancos começam a fazer de conta que algumas perdas não importam, e até obtêm permissão para contabilizar alguns tipos de dívida - ou dinheiro devido a outros - como capital.

O ordinário tangível começa com o capital dos acionistas. Isso equivale aos ativos líquidos, menos as ações preferenciais, que são deixadas de fora porque funcionam como dívida [especialmente, no mercado americano]. Também exclui ativos intangíveis porosos como ágio, que é uma sobra de registro contábil decorrente da aquisição de outras empresas, e direitos de administração de carteiras hipotecárias, que refletem o valor da renda futura proveniente da cobrança e processamento de pagamentos de empréstimos.

O Bank of America, por exemplo, detinha US$ 35,8 bilhões em capital ordinário tangível em 31 de dezembro, antes de ter completado sua aquisição do Merrill Lynch com a ajuda do governo. Esse número cai para negativos US$ 1,7 bilhão assim que é ajustado de forma que todos os ativos e passivos financeiros sejam medidos pelo critério de valor justo, usando os números que o BofA divulgou nas suas notas explicativas. A versão em valor justo mostra que o BofA necessita de muito mais capital ordinário - desesperadamente.

O capital ordinário tangível do Wells Fargo foi US$ 13,5 bilhões em 31 de dezembro. Com base no valor justo, foi negativo em US$ 133 milhões. Isto torna a capitalização de mercado acionário de US$ 49 bilhões do banco parecer imensamente opulenta.

No total, oito dos 24 bancos que integram o KBW Bank Index tiveram capital ordinário tangível negativo com base no valor justo, inclusive SunTrust, KeyCorp, Fifth Third Bancorp, Huntington Bancshares, Marshall & Ilsley e Regions Financial.

Mesmo com esses retoques de valor justo, o ordinário tangível ainda pode exagerar a capacidade de absorção de perdas de um banco. Ele inclui ativos com impostos diferidos, que são perdas reprimidas que as companhias esperam usar algum dia para reduzir os seus gastos tributários.

O problema deles é que só têm valor para empresas lucrativas - que estão pagando imposto de renda. O capital do Well´s Fargo pareceria ainda pior se os seus US$ 13,9 bilhões de impostos líquidos diferidos fossem excluídos. O mesmo ocorre no Bank of America, que disse ter US$ 8,7 bilhões deste item.

Mas a notícia não é de todo sombria. Sete bancos no índice KBW disseram que os valores justos dos seus créditos eram superiores aos dos seus valores de carregamento: Bank of New York Mellon, Northern Trust, People´s United Financial, Comerica, BB&T, Cullen/Frost Bankers e Commerce Bancshares.

Para todas, exceto para uma destas companhias, o Bank of New York, o capital ordinário tangível acabou sendo mais alto com base no valor justo. O mesmo vale para o Citigroup, devido a números de valor justo menores para a sua dívida.

O capital ordinário tangível do JPMorgan Chase cai para US$ 56,4 bilhões, ou apenas 2,7% dos ativos tangíveis, ante US$ 71,9 bilhões, se agregamos as cifras de valor justo do banco.

Isso decorre em grande parte do fato de o JP ter declarado que seus créditos valiam US$ 21,7 bilhões menos do que seu valor de carregamento para 31 de dezembro.

Notas explicativas de valor justo deste tipo não são novidade. O Conselho de Normas de Contabilidade Financeiras (Fasb) as exige em base anual desde 1993. O Conselho planeja torná-las obrigatórias em base trimestral a partir deste mês. Desta forma, certamente ganharão importância.

Nos idos de novembro de 1992, na esteira do caos das instituições de crédito e poupança, Henry B. Gonzalez, à época presidente da Comissão de Bancos da Câmara dos Representantes dos EUA, escreveu uma carta ao presidente do Banco Central dos EUA, Alan Greenspan, elogiando as normas de divulgação de resultados da Fasb. As revelações de valor justo romperiam a "camuflagem contábil" e "provariam que muitos bancos estão insolventes", escreveu, segundo um artigo de 5 de janeiro de 1993, publicado no "New York Times". Vejam só, ele estava certo.


Esta notícia traz uma reflexão secundária interessante: ao comentar sobre os valores tangíveis, o autor desconsidera os intangíveis. Durante os períodos de alta no mercado comentava-se muito em "capital intelectual", "valor de marca", "ativo que não está no balanço, mas que representa mais do que os ativos da empresa" e outras frases de efeito. O que ocorreu com a discussão? Será que a crise tornou pouco representativo estes ativos?

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