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25 agosto 2008

Contabilidade pública

Quatro reportagens mostram a proposta de alteração na contabilidade pública brasileira. Parece ser um avanço, mas certas afirmações são simplistas e apresentam inconsistências.


Mudança cria condições para Petrobras investir no pré-sal
23/08/2008
Folha de São Paulo
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo vai mudar a contabilidade pública para permitir que a Petrobras e outras estatais façam investimentos sem afetar as contas públicas. A decisão procura criar condições para que a empresa possa viabilizar os investimentos para explorar o petróleo descoberto na camada do pré-sal, a mais de 7.000 metros de profundidade.
Atualmente, quando a Petrobras realiza qualquer tipo de investimento, há uma queda no superávit primário do governo. Com a nova metodologia, o investimento será compensado pela contabilização de maiores ativos da companhia. Dessa forma, o efeito sobre as contas públicas será nulo.
A idéia é que a fórmula seja aplicada também a outras empresas públicas e comece a ser adotada em 2009 ou 2010.
Portaria do Tesouro que deve ser publicada na terça dará início ao trabalho. A justificativa é que o país precisa se adaptar às regras de contabilidade pública recomendadas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).

Governo muda a contabilidade pública
23/08/2008
Folha de São Paulo
GUILHERME BARROS

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve publicar portaria na terça-feira determinando que a contabilidade pública passe a adotar as normas contábeis consagradas internacionalmente.
Na prática, a portaria acaba com o conceito de superávit primário, que é usado pelo governo para contabilizar as receitas ante as despesas gerais, mas sem incluir o pagamento dos juros da dívida pública.
Com essas novas normas contábeis, passam a valer os conceitos de resultado fiscal, hoje chamado de nominal.
(...) A portaria que o Ministério da Fazenda irá divulgar na próxima terça-feira não deve determinar a partir de quando a contabilidade pública nacional irá convergir para os padrões internacionais, mas, de acordo com o que a Folha apurou, o objetivo é que a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2010 já seja encaminhada ao Congresso nesse novo padrão.
Nela, em vez de uma meta de superávit primário, o governo irá definir uma meta de resultado fiscal (déficit zero).
(...) O secretário-executivo da Fazenda, Nelson Machado, apresentará todas as mudanças na contabilidade pública na próxima quinta-feira, no encerramento do 18º Congresso Brasileiro de Contabilidade, que se inicia amanhã em Gramado, no Rio Grande do Sul. [O presidente, que deveria estar presente, não irá em razão do mau tempo]

Nova contabilidade expõe peso de juro
Marisa Castellani e Luciana Xavier
23/08/2008
O Estado de São Paulo
O Ministério da Fazenda publicará terça-feira uma portaria para dar início ao processo de mudança na contabilidade do setor público, com o objetivo de aproximá-la dos padrões internacionais. A informação foi dada com exclusividade pelo ministro Guido Mantega, em entrevista ao AE Broadcast Ao Vivo.
Segundo o ministro, a alteração deixará mais claro, por exemplo, o gasto do governo com os juros da dívida pública. “Um ponto porcentual de alta de juros custa ao País mais de R$ 7 bilhões ou R$ 8 bilhões por ano”, calculou. “Quando se fala em superávit primário, estamos omitindo ou deixando de lado as despesas com juros, que, na verdade, são as maiores da União.” Segundo ele, o déficit anual da Previdência (que deve ter receita de R$ 140 bilhões) fica em R$ 40 bilhões.
De acordo com o ministro, o Brasil trabalha com padrão de contabilidade nacional do passado, feito em época de inflação alta e déficit fiscal também elevado. “Inventamos conceitos de contabilidade que não existem em nenhuma outra parte do mundo”, destacou. “Usar conceitos de superávit ou déficit primário, nominal, operacional, tudo é invenção brasileira. Era para esconder a miséria da situação fiscal do passado.”
Segundo o ministro, os conceitos universais são simplesmente de superávit ou déficit fiscal - “o que chamamos de nominal hoje”. Com isso, as contas do País deixarão de omitir as maiores despesas do governo, como a de juros, ao mesmo tempo em que passarão a incorporar valores patrimoniais não contabilizados atualmente, como o da participação da União no patrimônio da Petrobrás.
A mudança, segundo Mantega, é semelhante à já feita pelo setor privado desde o ano passado [sic]. “Tudo ficará mais visível no setor público”, disse o ministro, citando sobretudo as três maiores despesas da União, que são as da Previdência (cerca de R$ 180 bilhões estimados para 2008), juros (cerca de R$ 170 bilhões projetados para o fim do ano) e folha de pagamentos (aproximadamente R$ 130 bilhões por ano).
Além disso, a mudança no padrão de contabilidade permitirá melhor avaliação do patrimônio total da União, disse o ministro [sic]. Na contabilidade atual, ressaltou, há valores patrimoniais não contabilizados, como o da participação da União em 30% no patrimônio da Petrobrás. “Isso representa cerca de R$ 60 bilhões que não são contabilizados como patrimônio da União”, disse Mantega.
A Secretaria do Tesouro Nacional deverá dar início a um conjunto de ações para permitir a mudança a partir da publicação da portaria, que envolverá também uma ampla discussão com Estados e municípios. O processo, segundo Mantega, deverá estar completado até 2010. “Trata-se de uma evolução da contabilidade, que dá mais transparência e visão mais clara de quanto vale o Estado, qual é o seu patrimônio, qual o valor dos ativos públicos e assim por diante.”

Nova contabilidade agiliza pré-sal
Adriana Fernandes, BRASÍLIA
25/08/2008 - O Estado de São Paulo

Decisão de Mantega beneficia investimentos da Petrobrás em novas reservas, mas pressiona Banco Central

A decisão do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, de mudar a contabilidade pública, anunciada na última sexta-feira, abre caminho para viabilizar os bilionários investimentos que a Petrobrás terá de fazer para retirar petróleo das reservas recém-descobertas na chamada camada do pré-sal. Ao mesmo tempo, as mudanças colocam mais pressão para o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, nesse momento de alta da taxa de juros.

Atualmente, a Petrobrás e demais empresas estatais convivem com uma limitação, pois seus investimentos são contabilizados como despesas do setor público. Ou seja, quanto mais elas investem, mais empurram para baixo o chamado superávit primário (economia de recursos para o pagamento de despesas). Como existem metas de resultado primário a serem cumpridas, as estatais acabam investindo menos do que poderiam.

Pelo que foi anunciado na semana passada, a Petrobrás será retirada da contabilidade pública, como já foi feito com o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Dessa forma, a empresa poderá alçar vôos maiores para a exploração do pré-sal.

Mantega defende a necessidade de “repensar” agora a relação de todas as empresas estatais com a União. A maioria dos países só inclui na contabilidade as empresas estatais dependentes do Orçamento da União.

Se por um lado a Petrobrás ganha essa flexibilidade, por outro o governo perderá a contribuição da empresa para o cálculo do resultado primário. Na avaliação do professor de economia da USP Fábio Kanczuk, ficará mais fácil visualizar o esforço fiscal do governo, sem a estatal petrolífera nas contas públicas.

JUROS

Para o especialista em contas públicas Amir Khair, a mudança não é só bem-vinda por causa da Petrobrás, mas principalmente porque deixará mais evidentes os gastos do governo com os juros, ou seja, dará mais transparência ao custo da política monetária implementada pelo Banco Central. “O BC é um dos maiores gastadores do governo devido à conta dos juros”, destaca o economista. “A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) enquadra todo mundo, mas deixou o BC de fora”, ressalta.

Segundo ele, a alteração colocará em foco o impacto da política de juros nas contas públicas, responsabilizando de forma mais evidente o BC por erros de dosagem no aumento da taxa Selic. “É um golpe no BC”, afirma.

Justamente por isso, o professor Kanczuk avalia que a medida vai na contramão do conceito de independência do Banco Central. “A autoridade monetária não tem de prestar contas do ponto de vista fiscal porque a função do BC é assegurar o poder de compra da moeda. Se ele tiver de pensar no custo de suas medidas, o combate à inflação será colocado em xeque”, afirma.

Segundo fontes ouvidas pelo Estado, o governo também deve aproveitar a oportunidade para alterar a forma de calcular o déficit da Previdência Social. A proposta chegou a ser aventada no início de 2007, mas não avançou. Ex-ministro do Previdência, o atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, é um dos defensores da medida.

A mudança, se aceita, praticamente zeraria o déficit da Previdência. A idéia é levar em consideração, no cálculo do sistema previdenciário, apenas as receitas e despesas com os contribuintes da área urbana.

Aposentadorias rurais e outros gastos do INSS na área de assistência social sairiam da conta da Previdência e entrariam para a conta do Tesouro. Além disso, o Tesouro passaria a ressarcir a Previdência por renúncias de receita feitas a entidades filantrópicas, micro e pequenas empresas, entre outros setores.

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