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03 janeiro 2007

Gosto nas palavras

Como os neurônios associam gosto às palavras

Fernando Reinach*

Quando somos estimulados através de um sentido percebemos o estímulo através do mesmo sentido. Se nos mostram uma imagem, “vemos” a imagem, e se colocam um chocolate em nossa boca sentimos “gosto” de chocolate. Entretanto, um pequeno número de pessoas tem seus sentidos “cruzados”. Algumas, quando ouvem uma nota musical “vêem” uma cor. Outras, quando ouvem uma palavra sentem um gosto específico. Pela primeira vez um experimento permitiu dissecar quando o cérebro realiza estas associações cruzadas.

O experimento foi realizado com seis pessoas que associam palavras a gostos. Essas pessoas “sentem” um gosto quando falam uma palavra. Quando mostramos a elas a figura de um chocolate, elas falam a palavra “chocolate” e sentem gosto de chocolate. Esse efeito ocorre também com outras palavras que possuem sílabas semelhantes. Quando mostramos a figura de um chocalho ou de um cachalote, no momento em que elas falam a palavra associada à imagem elas sentem o gosto de chocolate.

Para cada uma dessas seis pessoas os cientistas selecionaram centenas de imagens onde cada imagem era associada a uma palavra e a um gosto. Quando elas viam uma das cartelas elas a identificavam pronunciando a palavra e reportavam o respectivo gosto.

Feita essa enorme tabela que relacionava figuras, palavras e gostos, os cientistas mandaram as pessoas para casa.

Depois de muitos meses, cada uma das pessoas do grupo foi convidada a voltar ao laboratório e a identificar a palavra associada a cada uma das figuras. Na maioria dos casos a palavra associada à imagem era lembrada facilmente e o gosto, confirmado.

Entretanto, em 89 casos, as pessoas não se lembravam imediatamente da palavra, como ocorre com todos nós quando tentamos nos lembrar do nome de uma pessoa. Nestes casos costumamos dizer que a “palavra está na ponta da língua”, mas não nos lembramos dela.

Desses 89 casos, em 15 ocasiões as pessoas nunca se lembraram da palavra e nos outros 74 casos as pessoas se lembraram da palavra após alguns minutos. Quando ocorria esse lapso de memória, os cientistas perguntavam à pessoa se apesar de não se lembrarem da palavra elas sentiam algum gosto. Na maioria dos casos as pessoas sentiam o gosto “correto” mesmo não se lembrando da palavra.

IMAGEM E CONCEITO

Esse resultado demonstra que a associação cruzada ocorre antes de a palavra estar disponível no cérebro para ser pronunciada. Provavelmente é o momento em que o cérebro associa a imagem a um conceito existente na memória, mas antes desse conceito ser associado a uma palavra.

É fácil de entender: imagine duas pessoas que falam línguas diferentes. Mostramos a elas a figura de uma vaca. Ambas vão associar esta imagem à memória de um animal, a brasileira subseqüentemente associa essa imagem à palavra “vaca” e a inglesa, à palavra “cow”.

O que o experimento parece demonstrar é que existe uma etapa no processamento da memória que ocorre antes dessa memória ser associada a uma palavra. É nessa etapa que, no caso das pessoas pesquisadas, a informação retirada da memória é associada, de maneira cruzada, a um sabor.

É com experimentos como este que os cientistas estão aos poucos dissecando como funciona nosso cérebro. Mais informações em: The taste of words on the tip of the tongue. Nature volume 444, página 438, de 2006.

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