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15 junho 2025

Grandes civilizações e contabilidade: Egito

A contabilidade governamental na Babilônia e no Egito teve um desenvolvimento geralmente semelhante, embora a introdução do papiro como material de escrita tenha tornado os registros egípcios menos volumosos e permitido um uso mais amplo de documentos auxiliares. As contas egípcias mais antigas que sobreviveram datam de aproximadamente 2390 a.C. Assim como na Babilônia, a coesão nacional dependia da organização das finanças reais, nas quais os armazéns de cada distrito recebiam impostos pagos em espécie e encaminhavam os itens menos perecíveis para um tesouro central. Em um império mantido coeso por meio dos registros, os escribas foram descritos por A.H. Woolf como os “pivôs sobre os quais girava toda a engrenagem do tesouro e de outros departamentos”. Com extremo cuidado, os contadores vinculados a cada armazém registravam tudo o que era recebido e os detalhes de sua utilização. Nada saía do tesouro sem uma ordem escrita. Uma segurança adicional era garantida por um elaborado sistema de controle interno, que exigia que os registros de um oficial estivessem em concordância com os de outro. A precisão era altamente recomendada, pois as contas eram auditadas pelo superintendente do armazém, sendo que irregularidades graves podiam ser punidas até mesmo com mutilação ou morte.

A importância atribuída a esses registros contrasta, de forma curiosa, com sua falta de sofisticação. A escrituração egípcia parece ter se desenvolvido rapidamente e, depois, estagnado virtualmente por vários milhares de anos. Os registros de recebimento e desembolso do governo permaneceram, essencialmente, como listas em colunas, que não podem ser consideradas contas no sentido moderno de categorias de acumulação de dados. Argumenta-se que métodos mais avançados não eram necessários porque a economia egípcia mudou muito pouco após seu período inicial de desenvolvimento. O contraste entre a contabilidade antiga e a moderna pode ser expresso nos termos de um sistema econômico egípcio complexo, porém primitivo, que nunca evoluiu a ponto de tornar útil uma escrituração baseada em acumulação e somatório.

Do verbete de Michael Chatfield do livro The History of Accounting.  

Como muito documento da civilização sobreviveu, temos alguns aspectos curiosos sobre o Egito. Em uma postagem anterior, comentamos sobre as desculpas por faltar ao trabalho, em um documento encontrado no Egito antigo.  O mapa da postagem mostra como a população do atual Egito concentra em torno do Nilo. 

14 junho 2025

Crise global: observe o consumo de pizza próximo ao Pentágono


Um texto do El Economista aborda o curioso fenômeno chamado "Pizzómetro", uma ferramenta informal que se popularizou por prever possíveis crises globais a partir da movimentação nas pizzarias próximas ao Pentágono, nos Estados Unidos. A lógica é simples: quando ocorrem reuniões emergenciais ou operações militares secretas, os funcionários do Departamento de Defesa costumam trabalhar até tarde, o que gera um aumento significativo nos pedidos de pizza na região. Esse indicador surgiu ainda na Guerra Fria, quando os soviéticos, atentos a qualquer sinal da movimentação americana, passaram a observar o volume de entregas de pizza como possível sinal de crise. 

O método voltou a chamar atenção recentemente, no dia 12 de junho de 2025, quando picos incomuns no tráfego das pizzarias próximas ao Pentágono foram detectados horas antes do ataque de Israel ao Irã, acompanhado da ordem para evacuação de diplomatas americanos em países do Oriente Médio. Após o ataque, o volume de pedidos voltou ao normal, exceto em uma pizzaria, sugerindo que certas operações ainda estavam em andamento. O episódio demonstra como, em tempos de inteligência aberta (OSINT), até informações aparentemente banais, como o consumo de pizza, podem antecipar grandes movimentos geopolíticos. 

Grandes Civilizações e Contabilidade: Babilônia


Antes de iniciar, é importante distinguir Suméria, Mesopotâmia e Babilônia. A Suméria foi um reino que existiu anteriormente. A Mesopotâmia é uma região geográfica. Já a Babilônia foi a cidade central de uma civilização localizada na Mesopotâmia, atual Iraque. Era um centro econômico e cultural, com um impressionante desenvolvimento arquitetônico — o mais famoso deles, os Jardins Suspensos. Na prática, é comum tratar Suméria e Babilônia conjuntamente, como faz Chatfield no verbete sobre o assunto em The History of Accounting.

Falar da Babilônia é também falar de Hamurábi, rei da primeira metade do século XVIII a.C., e de Nabucodonosor (605–562 a.C.). Os vestígios da vida na cidade que sobreviveram ao tempo revelam uma intensa atividade econômica, com registros de empréstimos, operações comerciais e partilhas de herança. A cidade tem presença marcante na Bíblia: com a Torre de Babel, com Nabucodonosor e como símbolo do pecado, em uma conotação negativa.

Uma das principais influências da cidade é o Código de Hamurábi, um conjunto de leis provavelmente redigido pelo rei de mesmo nome, por volta de 1772 a.C. Fisicamente, trata-se de uma pedra, encontrada em 1901, com escrita cuneiforme e 282 leis (ou 281, já que a de número 13 foi omitida por superstição) distribuídas em cerca de 3.600 linhas. A mais conhecida é o princípio do talião (do latim talis, “tal” ou “igual”): olho por olho, dente por dente. O código traz diversas normas sobre o comércio, como aquelas relativas ao não cumprimento de contratos. Trata-se do primeiro corpo legal conhecido, e o fato de estar inscrito em pedra tem uma forte carga simbólica: a lei é imutável, nem mesmo o rei poderia alterá-la. 

O fato de os habitantes da Babilônia serem obcecados por registros contábeis, conforme destaca Michael Chatfield, é uma influência importante. Os códigos enfatizam essa prática. O Código de Hamurábi determinava que, ao vender uma mercadoria, o comerciante deveria entregar ao comprador um documento com os preços; se não o fizesse, o acordo poderia ser legalmente contestado. Assim, as transações comerciais eram registradas por escrito, com as assinaturas das partes e das testemunhas.

Grandes civilizações e Contabilidade: Suméria


A Suméria foi uma civilização que existiu no atual sul do Iraque, entre aproximadamente 3000 e 1000 anos antes de Cristo, sendo considerada uma das primeiras civilizações da história. O povo sumério vivia da agricultura, do comércio e das primeiras manufaturas, como tecelagem, curtume, metalurgia, alvenaria e cerâmica. Foi também na Suméria que surgiu a escrita cuneiforme.

O desenvolvimento da escrita é um indicativo de que já existia, também, uma forma de contabilidade. Nos primórdios da civilização suméria, a escrita consistia basicamente em desenhos; apenas posteriormente passou a representar sons e sílabas. Trata-se da mais antiga língua escrita conhecida da humanidade.

A principal cidade suméria era Ur, e nas grandes cidades havia um sistema de governo composto por reis, burocratas e sacerdotes. Os burocratas cuidavam dos interesses do rei, da administração do tesouro público, da arrecadação de impostos e de outros assuntos. Os comerciantes mantinham relações comerciais com diversos povos, inclusive do Mediterrâneo e do Vale do Indo.

As contribuições da Suméria foram significativas: desenvolveram o sistema sexagesimal, sistemas de medidas de capacidade, superfície e peso, a divisão do dia em 24 horas, além de produzirem um dos primeiros manuais de medicina e fórmulas químicas. Utilizavam substâncias como laxantes e purgantes, produziam salitre e fabricavam instrumentos como martelos, pregos, machados, adagas e, possivelmente, a própria roda. Também estudaram os astros, inventaram a cerveja e foram pioneiros na domesticação de plantas e animais.

Através dos textos que sobreviveram ao tempo, sabemos sobre a sociedade suméria e suas transações comerciais. Nos anos 1970 e 1980, a arqueóloga Denise Schmandt-Besserat descobriu que pequenas peças de argila eram utilizadas no comércio como unidades concretas de contagem, representando, portanto, a forma mais antiga conhecida de contabilidade. Um comerciante colocava, dentro de uma espécie de bolsa de argila, as representações dos bens negociados. Quando a argila secava, o conteúdo ficava lacrado e seguro. A cada transação, o negociante quebrava o artefato para acessar os registros — ou fazia isso sempre que precisava verificar o saldo.

Com o tempo, os sumérios passaram a registrar essas informações diretamente na superfície externa da bolsa de argila, evitando a necessidade de quebrá-la. Mais adiante, alguém percebeu que não era necessário utilizar as representações físicas dos bens; bastava fazer marcas na argila — surgindo, assim, os primeiros registros contábeis escritos, semelhantes a uma folha de papel.

Foi nessa civilização que surgiu Kushim, o nome de pessoa mais antigo de que se tem conhecimento — considerado o primeiro contador da história. Ele era responsável pelo registro da produção e armazenagem de cevada.

13 junho 2025

Novo chefe de contabilidade da SEC


A SEC nomeou hoje Kurt Hohl (foto) como novo Chief Accountant, com início oficial em 7 de julho de 2025. Hohl traz quase 40 anos de experiência em contabilidade e auditoria. Ele foi parceiro da Ernst & Young por 26 anos, chegando a vice-presidente global adjunto de garantia profissional, liderando mais de 1.400 profissionais responsáveis por qualidade, gestão de risco e conformidade.

Entre 1989 e 1997, Hohl atuou na própria SEC, chegando a Associate Chief Accountant na Divisão de Corporation Finance. Foi autor do manual Fundamental Reporting Manual, referência para práticas contábeis e regulatórias da agência. Após sair da SEC, fundou em 2023 a Corallium Advisors, oferecendo suporte a empresas em auditoria, conformidade, gestão de risco e ofertas públicas iniciais.

Fonte: aqui 

Siga Brasil e a transparência nas contas públicas

Siga Brasil é o nome do principal programa usado pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle, um órgão do Senado responsável por assessorar os parlamentares. Lançado em 2004, o Siga Brasil reúne informações sobre as receitas e despesas do Executivo, Legislativo e Judiciário federais. Graças às atualizações e ampliações ao longo dos últimos vinte anos, tornou-se fundamental para fiscalizar os gastos públicos e, mais recentemente, para monitorar as emendas parlamentares. “Hoje em dia, todos os especialistas em contas públicas, sem exceção, utilizam o Siga Brasil”, diz o economista Francisco Gil Castello Branco Neto, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, ONG que monitora o Orçamento.

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Grandes civilizações e contabilidade: Código de Hamurabi


O Código sobreviveu ao tempo, e hoje temos acesso ao conjunto de leis. O que transcrevemos a seguir da obra de Jair Lot Vieira. Há também a tradução do livro de Emanuel Bouzon, O Código de Hamurabi (Editora Vozes). Das leis existentes no Código, destaquei as seguintes:

7 - Se um homem comprou ou recebeu em depósito, sem testemunhas ou contrato, ouro, prata, escravo ou escrava, boi ou carneiro, asno, ou o que for, das mãos de um filho alheio ou de um escravo alheio, esse homem se assemelha a um ladrão e é passível de morte.

Esse texto destaca a importância do registro contratual das operações e a punição esperada. Veja que o código é rígido, o que deveria coibir trapaças. A lei a seguir segue no mesmo sentido:

8 - Se um homem roubou um boi, carneiro, asno, porco ou um barco, se pertencente ao deus ou ao palácio, restituirá o correspondente a trinta vezes; se pertencente a um súdito comum, a compensação será correspondente a dez vezes. Se incapaz de restituir, o ladrão será passível de morte. 

Aqui há uma pena alternativa, que seria a pena em pecunia. No texto, muskenum (súdito comum) seria uma classe social intermediária, abaixo do awilum (homem), mas acima do escravo. Ou seja, a lei era mais rigorosa se o roubo fosse de bens dos mais ricos. 

9 - Se um homem que perdeu um objeto o encontra em poder de um outro e este declara: “Foi vendido a mim por um vendedor e eu o comprei na presença de testemunhas”, e se o dono do objeto perdido declara: “Apresentarei testemunhas que identicarão meu objeto perdido”, o comprador apresentará o vendedor que lhe transmitiu o objeto e as testemunhas na presença das quais o comprou. O dono do objeto perdido encaminhará as testemunhas que conhecem o objeto. O juiz fará o exame das declarações deles. As testemunhas da compra tanto quanto as testemunhas que reconheceram o objeto perdido declararão diante da divindade1 o que é de seu conhecimento. O vendedor será comparado a um ladrão e passível de morte. O dono do objeto perdido retomará seu objeto, ao passo que o comprador receberá de volta a prata que serviu de pagamento do objeto na casa do vendedor. 

Bem complicado, mas a lei trata da receptação de objeto e a punição do envolvido. As leis seguintes (até a 13) tratam de situações derivadas do caso principal e ressalta a importância do contrato e testemunhas.  Há diversos outros itens sobre roubo e punições pesadas para o crime. 

48 - Se um homem está comprometido com uma dívida que envolve juros, tendo um temporal inundado seu campo e carregado sua colheita ou se, por falta  e água, o trigo não cresceu em seu campo, nesse ano ele não entregará trigo ao credor, molhará na água sua plaqueta, e não pagará o juro desse ano. 

Como os contratos eram feito em argila, ao molhar a água, o contrato poderia ser modificado. 

100 - O comissionado registrará os juros da prata proporcionalmente à quantidade que levou, computará seus dias e pagará ao negociante

A presença de juros significa o conhecimento do valor do dinheiro no tempo. Esse trecho tem problemas de compreensão e lacunas. 

102 - Se um negociante deu prata gratuitamente a um comissionado, e se este teve prejuízo onde esteve [no decurso de sua viagem], ele restituirá o capital em prata ao negociante.

Esse trecho apresenta a noção de capital e resultado, no caso prejuízo. Conforme destaca Bouzon, o texto depende do que compreendemos do termo "tadmiqtim" que parece ser um empréstimo sem juros, como um adiantamento de capital para uma viagem de negócios. A lei anterior usa o termo "samallum" que alguns traduzem como "agente" e outros como "comissionado", mas há diferentes interpretações. As normas seguintes são derivações da relação entre o agente e o dono do capital. 

123 - Se, na ausência de testemunhas e sem obrigações (estabelecidas) ele deu em custódia, e se onde deu for contestado, essa causa não dará ensejo a nenhuma demanda.

A garantia legal para uma custódia é a existência de testemunhas e um contrato. 

Em suma, apesar de não ser tecnicamente uma obra contábil, o Código mostra como a cultura da época lidava com os negócios, enfatizando a necessidade do registro contratual dos mesmos.