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19 maio 2025

O Problema dos Três Corpos (2)

Ontem falamos sobre a série O Problema dos Três Corpos e hoje eu, infelizmente, descobri que ainda não há previsão de estreia para a segunda temporada. 

Segundo a revista Esquire, o alto custo da primeira temporada é um dos principais fatores que colocam a continuação em xeque. Cada episódio teria custado cerca de US$ 20 milhões, o mesmo nível de investimento de A Casa do Dragão. Para comparação, Game of Thrones (em sua 8ª temporada) ficou na faixa de US$ 15 milhões por episódio. 

 O ScreenRant aponta que esse valor coloca Três Corpos entre as séries mais caras da Netflix. E a Forbes foi além: segundo reportagem, o custo total foi de US$ 233,1 milhões, o que dá uma média de impressionantes US$ 29,1 milhões por episódio, valor semelhante ao da consagrada Stranger Things.

Ainda assim, há esperança. O site Omelete noticiou que a continuação está nos planos, mas só deve chegar em 2028 (!!). As gravações, inclusive, foram realocadas do Reino Unido para a Hungria, onde o governo oferece um incentivo fiscal de 30% sobre os custos de produção.

Multa do UBS por uma investigação criminal

O banco suíço UBS Group AG concordou ontem [5 de maio] em pagar US$ 511 milhões para resolver uma investigação criminal do Departamento de Justiça dos EUA que concluiu que o Credit Suisse (o banco que o UBS comprou em 2023 [1]) ajudou americanos ricos a escapar de impostos sobre mais de US$ 4 bilhões em pelo menos 475 contas offshore. O acordo surge mais de uma década depois de o Credit Suisse se ter comprometido a pôr termo a tais práticas [2]. 

No caso mais recente, o Credit Suisse admitiu ter conspirado para ajudar indivíduos ricos a preparar e apresentar declarações fiscais falsas dos EUA entre 2010 e 2021 e descobriu-se que falhou repetidamente na divulgação completa de contas offshore às autoridades. O acordo ocorre dois anos depois de o Comité de Finanças do Senado dos EUA ter concluído que o Credit Suisse tinha violado o seu acordo de confissão de 2014 com o governo dos EUA.

O UBS disse que não estava envolvido na má conduta, que ocorreu antes de o UBS comprar o Credit Suisse por US$ 3,2 bilhões sob um acordo mediado pelo governo suíço para evitar uma potencial crise bancária [3].

[1] A questão da contabilidade dessa aquisição é muito interessante e foi tratada no blog anteriormente

[2] Isso deve ter pesado no valor da multa

[3] Até então, eram os dois grandes bancos da Suíça. 

Fonte: 1440 newsletter

18 maio 2025

Resenha: O Problema dos Três Corpos

Escrever para o blog é uma tarefa interessante. As minhas resenhas presenciais são falhas ao não entrarem em detalhes, pois considero tudo spoiler. De vez em quando, não leio nem a sinopse e me deixo levar pela capa, título ou autor. É uma prática que me trouxe ótimos frutos e recomendo. Todavia, como a ideia aqui não pode ser essa, tentarei sintetizar sem estragar a experiência. 

Hoje quero conversar sobre “O Problema dos Três Corpos”, obra que faz parte de uma trilogia de ficção científica escrita pelo chinês Cixin Liu. O primeiro livro recebeu o prestigiado prêmio Hugo de melhor romance de ficção científica em 2008 e, atualmente, é considerado um clássico moderno. 

A saga merece o seu tempo e atenção, caso se interesse por física, suspense, mundos extraterrestres e, até história (por que não?). Na narrativa, alguns cientistas se envolvem em projetos ultrasecretos sobre ondas sonoras e a possibilidade de uma comunicação extraterrestre. Nessa brincadeira, uma civilização alienígena à beira do colapso decide aproveitar o embalo e planeja uma invasão. O pano de fundo da história é a China, meio à Revolução Cultural, no final dos anos 1960. 

Há uma adaptação louvável na Netflix. Quando a iniciei, achei o início lento e precisei me ajustar ao clima, mas, após esse momento inicial, me peguei fascinada. Pausa para a minha inabilidade em elogiar algo que quero que você assista, mas não quero influenciar a experiência. ...! 


Há apenas uma temporada disponível na Netflix, então, quando a terminei, fui sedenta ler o livro que já estava na minha pilha há algum tempo. Eu estava imensamente interessada na continuidade da história e, como estava envolvida com a magia da conclusão da primeira temporada na Netflix, achei a leitura arrastada, acabei deixando-a de lado. Mas voltei, persisti e terminei. E posso afirmar: é um bom livro. 

E aí fui para o segundo. Gente! Que livro!!! Que livro!!! O terceiro também é sensacional. A trama é muito bem estruturada; o universo que sustenta a saga é construído e alimentado de forma sólida. Os personagens são interessantes, as explicações envolvendo física e pesquisa são didáticas e fascinantes. O desenrolar da história não perde o fôlego, muito pelo contrário, é cada vez mais eletrizante. Parece que com a experiência, o Cixin Liu cresceu ainda mais e se superou de novo e de novo. 

O único problema que encontrei foi o tamanho da letra na versão impressa. Ela é um pouco menor do que o padrão; eu tenho a vista muito ruim, então acabei deixando de lado e comprando o ebook para o Kindle. 

Na época, minhas expectativas estavam tão medianas que troquei meu exemplar físico no sebo de livros usados. Um pouco mais à frente, acabei comprando novamente um exemplar, para presentear meu irmão, que se interessou ao acompanhar a minha experiência. Alerta de spoiler: ele ainda não leu. Acho que entregar quase duas mil páginas para alguém de uma só vez não é a melhor forma de incentivá-la a ler. Porém, prometo que vale a pena! 

Vale a pena? Com certeza! Se ficção científica não é a sua praia, sugiro que ainda assim dê uma chance à série. Embora haja diferenças consideráveis entre a adaptação e o livro, a primeira temporada se saiu excepcionalmente bem. Acredito que, em alguns aspectos, ela é até melhor do que o primeiro livro. Um alerta: devido a essas diferenças, não recomendo assistir à primeira temporada e, em seguida, partir para o segundo livro. O primeiro livro da saga é o menor, então, se você se interessar, vale o investimento.

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Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Sombart

Sombart, Werner (1863–1941)

Werner Sombart, influente economista político, nasceu e morreu na Alemanha. Estudou direito, economia, história e filosofia nas universidades de Berlim, Roma e Pisa, e acabou se tornando professor de economia em Berlim. Foi aluno dos chamados socialistas de cátedra (Kathedersozialisten), como Schmoller e Wagner, e, quando jovem, tornou-se marxista. No entanto, provavelmente era inteligente demais para permanecer marxista por muito tempo e acabou se tornando um crítico do marxismo. De fato, sua obra Der Moderne Kapitalismus (O Capitalismo Moderno), publicada em 1919, é na verdade um livro que elogia o capitalismo, no qual previu que esse sistema atingiria seu auge no século XX.


Mais tarde, já idoso, Sombart tornou-se um apologista do Nacional-Socialismo, mas os nazistas não o aceitaram plenamente nesse papel, principalmente porque suas observações sobre o papel dos judeus na Idade Média entravam em conflito com as teorias do regime.

Em termos de volume de publicações e traduções, Sombart pode ser considerado um dos economistas de maior sucesso de sua época. No entanto, ele não fundou uma escola de pensamento nem deixou discípulos de suas ideias, sendo hoje visto mais como uma curiosidade histórica. Isso provavelmente se deve ao fato de que combinou as origens sociais e históricas de seu pensamento econômico em uma mistura empolgante, porém instável, de forma que as gerações seguintes passaram a considerar pouco científica.

Essas chamadas “proposições de Sombart” receberam atenção significativa na literatura contábil. Yamey (1950, 1964) as revisou criticamente em dois artigos, Winjum (1972) identificou “apoio acadêmico substancial à tese de Sombart”, e Kenneth S. Most (1972) reconheceu algum mérito nelas. As proposições se referem ao papel da contabilidade no desenvolvimento do capitalismo. Sombart chegou a afirmar que a introdução da contabilidade foi de importância máxima para o desenvolvimento do capitalismo — e, claramente, tal percepção merece estudo especial.

Sombart partiu de uma Europa feudal pré-capitalista, na qual o objetivo de cada homem era garantir o suficiente para sua subsistência. Observou, então, que em determinado momento o motivo do lucro substituiu a satisfação de necessidades pessoais como força motriz da sociedade. Ele levantou a questão: por meio de que mecanismos isso ocorreu? O que transformou o artesão pré-capitalista no fabricante capitalista? Sua resposta foi que o ser humano desenvolveu duas capacidades: calcular e poupar. E a importância da contabilidade estaria justamente em unir essas duas habilidades em uma poderosa ferramenta de gestão: a firma capitalista, vista como uma entidade contábil.

De forma resumida, Sombart viu a invenção da escrituração por partidas dobradas como um instrumento para objetivar o conceito de capital. Ele escreveu que “a representação da firma por meio das contas, especialmente a representação dos interesses de propriedade na forma das contas de capital, torna objetiva a ideia de riqueza, dissociando-a das pessoas humanas envolvidas na empresa”. A ideia de capital desvinculava-se de qualquer objetivo de satisfação de necessidades ou motivações pessoais dos participantes da firma, e isso levou diretamente à formulação do racionalismo econômico. Por esse caminho, a produção e a distribuição tornaram-se objetos de cálculo, o que significava que as ferramentas da matemática podiam ser usadas para planejar poupança e investimento e fomentar o crescimento do capitalismo.

Em uma passagem marcante, Sombart citou as palavras que Goethe colocou na boca do cunhado de Wilhelm Meister: “A escrituração por partidas dobradas é uma das mais belas descobertas do espírito humano.” E prosseguiu explicando: “Para se compreender corretamente seu significado, ela deve ser comparada ao conhecimento que os cientistas desenvolveram desde o século XVI sobre as relações no mundo físico. A escrituração por partidas dobradas surgiu do mesmo espírito que produziu os sistemas de Galileu e Newton e o conteúdo da física e da química modernas. Por meios semelhantes, organiza percepções em um sistema, e pode ser caracterizada como o primeiro Cosmos construído puramente com base no pensamento mecanicista. A escrituração por partidas dobradas captura para nós a essência de um mundo econômico ou capitalista do mesmo modo que, mais tarde, os grandes cientistas usaram para construir o sistema solar e os glóbulos do sangue. Sem muita dificuldade, podemos reconhecer na escrituração por partidas dobradas as ideias de gravitação, da circulação do sangue e da conservação da matéria. E até mesmo num plano puramente estético não podemos olhar para a escrituração por partidas dobradas sem espanto e admiração diante de uma das mais artísticas representações da fantástica riqueza espiritual do homem europeu.”

Kenneth S. Most The History of Accounting

Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Schreiber ou Grammateus

Schreiber, Heinrich (c. 1496–1525)

O segundo texto publicado sobre a escrituração por partidas dobradas foi escrito por um matemático e professor de aritmética alemão, Heinrich Schreiber, também conhecido como Henricus Grammateus. A obra de Schreiber, Ayn neu Kunstlich Buech (Nuremberg, 1518), incluía capítulos sobre álgebra, aritmética comercial, música e contabilidade. O texto de Schreiber foi revisado e reimpresso diversas vezes após sua morte; foi plagiado duas vezes durante o século XVI.


Schreiber não imitou a Summa de Arithmetica (1494), de Luca Pacioli; parece ter derivado seu sistema de partidas dobradas da prática comercial alemã. Ele utilizava três livros contábeis: um diário, um razão de mercadorias e um razão de dívidas. As compras eram lançadas no lado esquerdo das contas de inventário no razão de mercadorias, e as vendas no lado direito. No razão de dívidas, que continha contas a receber, a pagar e de caixa, as dívidas eram registradas no lado direito, e os pagamentos a credores no lado esquerdo. As contas a receber eram lançadas no lado direito, e os recebimentos no lado esquerdo. Assim, não havia uma posição fixa para os lançamentos de débito e crédito. Também não eram apurados separadamente os saldos a receber de devedores nem os saldos a pagar a credores no razão de dívidas.

Schreiber apresentou 10 regras para o registro de compras e vendas e descreveu o tratamento das despesas. O lucro ou prejuízo de cada tipo de estoque podia ser apurado subtraindo-se as compras das vendas. Ele reunia esses lucros e prejuízos individuais ao final de seu diário. Concluía com um teste rudimentar de exatidão contábil: “Some os recebimentos, o que lhe é devido e, então, as mercadorias restantes; e da soma total subtraia os pagamentos, o que você ainda deve, e se o saldo restante for igual ao lucro, então está correto.” Esse cálculo, que equipara o lucro ao ativo líquido, funcionava apenas porque as contas ilustrativas de Schreiber não continham saldos iniciais de ativos ou passivos.

Michael Chatfield para The History of Accounting

Ele também é conhecido como Henricus Grammateus

Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Schmidt


Schmidt, Julius August Fritz (1882–1950)

As contribuições publicadas de Fritz Schmidt são numerosas e substanciais em conteúdo. Ele publicou 16 livros — sendo o mais conhecido, no campo da contabilidade, sua obra-prima Die Organische Tageswertbilanz (1929) — e mais de 120 artigos sobre temas que abrangem práticas de bolsa de valores, câmbio e bancárias, contabilidade orgânica a valor corrente, custos e precificação, teoria dos ciclos econômicos, trustes e teoria da tributação, além de questões ligadas à educação e à profissão de economista.

Karl Schwantag, aluno de Schmidt, sugere que uma das maiores contribuições de Schmidt foi seu olhar sistemático, buscando proposições gerais a partir de particularidades observadas no cotidiano. Suas publicações podem ser divididas em três fases:

1. 1907–1918: livros e artigos nos quais registrou observações sobre práticas de bolsa e bancárias, resultando na catalogação e classificação de formas e métodos empresariais;

2. 1918–1936: obras voltadas à formulação de avanços teóricos em contabilidade e economia empresarial a partir das observações feitas na fase anterior;

3. obras posteriores nas quais consolidou os esforços da segunda fase, buscando uma teoria consistente de administração empresarial.

Os trabalhos de Schmidt em contabilidade ocorreram nas primeiras décadas do século XX, durante uma transição no pensamento europeu em administração de empresas — da teoria estática, orientada para o balanço patrimonial, para uma abordagem mais dinâmica, voltada para a apuração do resultado.

Schmidt, juntamente com o acadêmico holandês Theodore Limperg Jr., é reconhecido na literatura anglo-americana como um dos precursores teóricos das versões modernas da contabilidade a custo de reposição. Embora haja controvérsias quanto à primazia, argumenta-se que Schmidt exerceu o impacto mais precoce e relevante nesses desenvolvimentos. Sua contabilidade orgânica a valor corrente calcula o resultado da operação com base nas receitas correntes subtraídas dos custos correntes dos fatores de produção. Assim, os gastos com materiais, mão de obra e até itens indiretos, como depreciação, são todos avaliados a custo de reposição nas respectivas datas de venda, e os ativos do balanço patrimonial devem ser apresentados por seus custos de reposição à época.

Quaisquer alterações nos valores de reposição dos ativos não monetários não eram consideradas receitas (ou perdas), mas sim variações de capital, sendo registradas separadamente no sistema de Schmidt em uma conta de ajuste de capital (Wertberichtigungskonto). Schmidt afirmava que os mesmos dados de entrada poderiam ser usados tanto para elaborar a demonstração de resultados quanto o balanço patrimonial. Por isso, era descrito como dualista, em contraste com alguns outros monistas da Betriebswirtschaftslehre (ciência da administração empresarial), que sustentavam ser impossível usar os mesmos dados para ambos os fins.

O sistema de Schmidt baseava-se na manutenção dos valores físicos relativos na economia. Schwantag destacou outro aspecto em que o termo "relativo" se aplicava: o valor do capital empregado seria automaticamente ajustado em relação ao grau de satisfação das necessidades dos clientes.

A contabilidade orgânica de Schmidt teria ainda o benefício adicional de mitigar a natureza cíclica da atividade econômica. Esse aspecto foi citado pelo australiano Gottfried von Haberler, uma das principais autoridades sobre ciclos econômicos antes da Segunda Guerra Mundial. Mecanismos inovadores e pragmáticos de indexação, como Indexbuchführung e Goldmarkbilanz, tão comuns na Alemanha no início da década de 1920, eram vistos por Schmidt como soluções parciais. Esses métodos falhavam ao não analisar as empresas e sua contabilidade no contexto da economia de mercado — especialmente em seu estado deprimido do pós-guerra. Nesse sentido, careciam de uma perspectiva orgânica e relativa.

Fica evidente que Schmidt via a contabilidade como parte integrante de qualquer teoria de equilíbrio econômico, situando a teoria da firma — e a contabilidade empresarial — no contexto de uma economia dinâmica. Também é claro que sua teoria buscava incorporar a experiência prática dos efeitos da inflação e da queda de produtividade decorrentes da Primeira Guerra Mundial e do período pós-guerra, que levaram à desorganização da moeda, ao desgaste do estoque de ativos fixos e ao enfraquecimento sem precedentes das capacidades físicas e produtivas.

A natureza orgânica fundamental da teoria contábil de Schmidt é bem captada por Schwantag, que também sugere outro aspecto positivo e duradouro de sua obra: o reconhecimento de que a unidade monetária é "flexível na realidade e que essa flexibilidade precisava ser considerada ao mensurar". Alguns seguidores holandeses das ideias de Limperg sugeriram que o sistema de Schmidt era excessivamente focado nos problemas da guerra e da inflação — que seria específico demais para certos eventos e, portanto, não ofereceria uma teoria geral da contabilidade ou da administração empresarial. Essa visão é contestada por Clarke e Dean (1990).

As percepções de Schmidt sobre as funções da contabilidade são relevantes. A conexão entre ação econômica e mensuração foi essencial para o desenvolvimento de sua teoria contábil. Embora reconhecesse que a unidade de medida é variável, Schmidt não incorporou mudanças gerais no nível de preços às demonstrações contábeis. Em vez disso, orientava os gestores a fazerem a correspondência física entre os ativos e passivos monetários de uma entidade. Isso ficou conhecido como seu "princípio da identidade de valores", que foi amplamente criticado pelos teóricos contábeis alemães Eugen Schmalenbach e Walter Mahlberg na época, por considerarem que refletia visões totalitárias. Pode-se argumentar que essa política gerencial de equiparação entre ativos e passivos monetários foi um antecedente das soluções buscadas pelos ajustes de alavancagem nas propostas do Reino Unido, na metade dos anos 1970, sobre contabilidade a custo corrente.

A trajetória profissional inicial de Schmidt é instrutiva. Ele foi professor de administração de empresas na Universidade de Frankfurt, tendo anteriormente acumulado nove anos de experiência prática nos setores de varejo, atacado, manufatura, livrarias, seguros e importação e exportação internacional. Posteriormente, estudou formalmente e lecionou economia em diversas universidades alemãs.

Por ser um economista formado e um observador atento das atividades de bolsa e câmbio estrangeiro, não é surpreendente que seus escritos se baseassem no pensamento econômico contemporâneo, especialmente na teoria dos preços, no marginalismo e nos trabalhos do economista americano Irving Fisher sobre indexação. Tampouco surpreende o reconhecimento explícito de sua dívida intelectual com os economistas clássicos, como o inglês David Ricardo (1772–1823) e o americano Henry Charles Carey (1793–1879). Esses dois autores haviam proposto que os custos de reposição dos fatores de produção eram relevantes para empresários ao planejar suas ações.

Como observa Schwantag, isso não significa que Schmidt aceitava de forma acrítica as ideias econômicas da época. Suas propostas de contabilidade orgânica ampliaram e sistematizaram as ideias baseadas em preços de venda de Pawel Ciompa (1910), e as ideias baseadas em custo de reposição de Ilmari Kovero (1912) e Emil Fas (1913).

Os trabalhos de Schmidt obtiveram reconhecimento internacional. Foram publicados não apenas em alemão, mas também em holandês (1923), inglês (1929) e em uma tradução japonesa de Die organische Tageswertbilanz (1929), publicada em 1934. Suas ideias também ganharam visibilidade no Segundo Congresso Internacional de Contadores em Amsterdã, em 1926, e no Terceiro Congresso Internacional em Nova York, em 1929.

Reconhece-se que as ideias de Schmidt influenciaram o contador americano Henry Whitcomb Sweeney no desenvolvimento de seu mecanismo de contabilidade estabilizada. A ligação estabelecida entre a Stabilized Accounting de Sweeney (1936, 1964) e as propostas do pós-Segunda Guerra Mundial sobre contabilidade a custo corrente assegura a influência contínua de Schmidt no desenvolvimento contemporâneo do pensamento e da prática contábil.

Frank L. Clarke e Graeme W. Dean - The History of Accounting. Foto aqui

Grandes nomes da história mundial da contabilidade: Peruzzi


Peruzzi

Entre 1300 e 1345, as casas mercantis e bancárias mais poderosas de Florença eram os Bardi, os Peruzzi e os Acciaiuoli. Em 1336, os Peruzzi — os segundos maiores entre esses “pilares da Cristandade” — tinham 15 filiais na Europa Ocidental, no Norte da África e no Levante. Os registros contábeis dos Peruzzi situam-se entre a escrituração de partida simples e a de partida dobrada. Incluíam vários diários mantidos de forma independente e mal integrados. Cada lançamento no livro-razão era referenciado, mas os dois lados de cada conta ainda não eram colocados lado a lado. Em vez disso, os débitos eram lançados na parte da frente do livro e os créditos na parte de trás. Embora fossem usadas contas de receitas e despesas, nenhuma verificação aritmética de igualdade era tentada, e os lucros eram determinados não pelo fechamento do livro, mas pelo inventário dos ativos e a dedução desses em relação ao total de passivos e capital.

— Michael Chatfield para The History of Accounting

Existiram muitos Peruzzi, mas a firma com o nome, gerenciada por meia dúzia de membros da família, é que merece nossa atenção. A dimensão dos negócios, com base em Florença, permite estimar que era o segundo maior banco da Europa, com quinze filiais, do Oriente Médio até Londres, todas capitalizadas com mais de 100 mil florins de ouro e operadas por aproximadamente 100 agentes comerciais.

A origem do capital dos Peruzzi era o setor têxtil: lã inglesa, transformada em tecido de alta qualidade em Bruges, era comprada por agentes dos Peruzzi e distribuída às luxuosas cortes de Paris, Avignon ou enviada de volta a Londres. As conexões dos Peruzzi exigia agentes e instrumentos de crédito, o que expandiu os negócios e estabeleceu uma rede internacional. E a casa Peruzzi estava no início do desenvolvimento das partidas dobradas. 

No início do século XIV, a principal atividade dos Peruzzi havia se deslocado para o comércio atacadista de mercadorias em larga escala para a atividade bancária, área pela qual são mais lembrados: papas, nobres, burgueses, cidades e abadias recorriam a empréstimos concedidos pelos Peruzzi. No entanto, grandes clientes também implicavam grandes riscos. Em 1343, o consórcio Peruzzi entrou em colapso e foi à falência em 1345, junto com seus parceiros de capital de risco, os Bardi. Já comentamos isso aqui.