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25 novembro 2025

Responsabilidade social dos contadores

As responsabilidades sociais dos contadores, seja empregados na prática pública, na indústria ou no governo, derivam do status da contabilidade como uma prática que é geralmente considerada entre as "profissões". Este status profissional impõe responsabilidades aos contadores de duas maneiras. A primeira é através das responsabilidades gerais associadas a todas as práticas que são consideradas profissões; a outra é através da singularidade da prática contábil.

Membros de profissões desfrutam de status e privilégios negados à maioria das pessoas. Uma interpretação funcionalista do status e privilégio do profissional os atribui à função social essencial que o profissional desempenha. Medicina, direito, clero ou contabilidade, todos representam funções sociais essenciais que impõem aos seus praticantes a responsabilidade pelo serviço público; suas responsabilidades têm um caráter distintamente público.

Devido ao caráter público do serviço profissional, de acordo com Kultgen (1988), todas as profissões compartilham certas responsabilidades comuns. Uma delas é a responsabilidade da competência. Visto que todas as profissões dependem de alguma base de conhecimento teórico, o profissional deve ser conhecedor e bem treinado nessa base. A sociedade espera habilidade daqueles a quem concede status profissional.

Uma segunda responsabilidade de um profissional é a da integridade. O público deve poder esperar que o praticante de uma profissão se conforme a normas de comportamento que garantam a confiabilidade. Praticamente todas as profissões (incluindo contadores empregados na maioria das áreas da profissão) possuem códigos de conduta escritos; integridade, no mínimo, significa a adesão a um código de conduta.

A terceira responsabilidade de um profissional é a do bem-estar dos outros (welfare of others). O interesse próprio não é a consideração primordial dos profissionais ao executar seus serviços. Para o profissional, existe a obrigação de realizar certas atividades, mesmo que essas atividades não sejam do interesse desse profissional. No mínimo, o profissional é obrigado a não causar dano (do no harm).

No entanto, a prática da contabilidade possui uma característica bastante única que impõe algumas responsabilidades aos contadores que são de particular importância. As profissões são centradas no cliente; os profissionais realizam seus serviços para indivíduos que os procuram e, quando possível, pagam por esses serviços. Os médicos cuidam da saúde de seus pacientes individuais. Se o médico fizer isso bem, ele pode alegar ter cumprido suas responsabilidades sociais como médico. Da mesma forma, um advogado se baseia na natureza adversarial do sistema legal para garantir que, ao se preocupar apenas com o bem-estar de seu cliente, ele cumpriu suas responsabilidades como advogado.

Um contador, não importa onde ou por quem seja empregado, não tem esse empregador como seu único cliente. Assim, um contador, ao contrário de um advogado ou médico, não serve à sociedade meramente servindo a um cliente individual. Isso ocorre porque os contadores estão envolvidos em um processo comunicativo bastante complexo. Os serviços dos contadores constituem um meio primário através do qual as empresas (públicas e privadas) prestam uma contabilidade econômica de si mesmas à comunidade. Isso impõe aos contadores um dever maior do que apenas servir o cliente.

Todos os que são direta ou indiretamente afetados pelos relatórios contábeis são um cliente. Por exemplo, os contadores públicos geralmente se referem à administração da empresa que devem auditar como seu cliente. No entanto, ao contrário de um médico, atender apenas aos interesses deste cliente é uma ab-rogação (abandono) da responsabilidade social, e não um cumprimento dela. A sociedade confia nos contadores para fornecer-lhe informações que ela usa para tomar decisões que têm efeitos significativos sobre várias pessoas ou grupos de pessoas dentro da sociedade. Como esses efeitos geralmente envolvem a distribuição de renda ou riqueza, duas responsabilidades sociais dos contadores são particularmente agudas.

A primeira é a responsabilidade pela honestidade. Francis (1990), por exemplo, classifica a honestidade como o bem interno primordial da prática contábil. Se os contadores individuais não forem meticulosos em serem o mais verdadeiros possível, a confiança pública será diminuída. E qualquer perda de confiança pública corrói o status profissional de qualquer grupo de praticantes. A responsabilidade do contador pela honestidade é institucionalizada através da exigência de ser "independente". A independência exige que os contadores sejam objetivos ao fazer julgamentos, o que significa não permitir que o interesse próprio os influencie.

A segunda responsabilidade crucial dos contadores é a preocupação com a justiça (fairness). A prática contábil gira em torno do desenvolvimento e aplicação de regras, pressupostos, convenções e procedimentos que, quando aplicados à atividade econômica, resultam nos relatórios contábeis que representam a "informação contábil". A atividade econômica resulta tanto na criação de riqueza quanto na sua distribuição. Assim, a prática contábil está profundamente implicada no relativo bem-estar econômico dos membros da sociedade. Julgamentos de justiça são inescapáveis ao conceber e aplicar regras e técnicas contábeis, pois estas representam e, portanto, afetam a distribuição de bens econômicos. O contador profissional tem a responsabilidade de refletir sobre os efeitos distributivos do que ele ou ela faz; o contador profissional deve se esforçar para garantir que os efeitos de sua prática sejam justos.

Em anos recentes, alguns contadores e cientistas sociais têm defendido um papel social mais abrangente para os contadores. Em vez de limitar a contabilidade a uma função de "medição do desempenho financeiro", eles argumentam que ela deveria ser estendida para abranger o relato sobre o desempenho social de grandes organizações empresariais (ver Bauer 1966, Bauer e Fenn 1977, Belkaoui 1984 e Gambling 1974). Essas organizações afetam o mundo de inúmeras e complexas maneiras, e o sistema tradicional de relatórios financeiros é inadequado para capturar e comunicar totalmente todos os efeitos significativos.

Para satisfazer esta maior responsabilidade social, os contadores precisariam de um compromisso com o desenvolvimento de métodos para representar e relatar o comportamento das corporações no que se refere aos efeitos sobre o meio ambiente, oportunidades de emprego, saúde e segurança do trabalhador, segurança do produto, e áreas similares. Até agora, a profissão tem estado relutante em aceitar esta maior responsabilidade social, embora alguns acadêmicos de contabilidade, como Christine Cooper (1992), Rob Gray (1992) e Ruth Hines (1991), continuem a trabalhar no desenvolvimento do conhecimento necessário para que a profissão aceite tal responsabilidade.

Paul F. Williams in The History of Accounting, verbete Responsabilidade social dos contadores. 

19 novembro 2025

Sobre a situação financeira da Fundação IFRS


Encontrei essa notícia, de outubro desse ano, no site da Fundação IFRS:  

IASB — devido à inflação e ao fato de algumas jurisdições terem reduzido ou encerrado suas contribuições nos últimos anos, o poder de gasto das jurisdições para apoiar o trabalho do IASB se contraiu em termos reais. A prioridade de curto prazo é trabalhar com as jurisdições para ajustar suas contribuições de acordo com a inflação e aumentar o número de jurisdições que contribuem. Atualmente, pouco mais de um quarto das jurisdições que exigem o uso das Normas de Contabilidade IFRS contribuem para o financiamento do IASB.

ISSB — os acordos de financiamento inicial que têm sustentado com sucesso a criação e os primeiros anos de trabalho do ISSB chegam ao fim em 2026. A prioridade de curto prazo é renovar ou estender esses acordos como uma etapa de transição rumo a um modelo de financiamento de longo prazo.

O objetivo de médio prazo para ambos os boards é implementar um modelo de financiamento de “parcela justa”, baseado em um aporte mais amplo por parte das jurisdições, no qual aqueles que se beneficiam da adoção ou do uso das normas contribuam para seu desenvolvimento e manutenção.

Nos últimos anos, a Fundação aumentou substancialmente o número de funcionários, os locais onde possui algum tipo de instalação física (Japão, China, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra são alguns dos países de que me lembrei) e ampliou os trabalhos realizados. O Accounting Today fala em um déficit de 5 milhões, mas, dependendo de como serão conduzidas as negociações para financiamento do ISSB, o valor pode ser bem maior.

O Brasil, que já teve um papel importante no financiamento, incluindo a participação expressiva do Conselho Federal de Contabilidade, tem feito doações ridículas. A venda de conteúdo é contraditória com o objetivo de expandir a adoção das normas: precificar o acesso ao site inibe a presença de usuários de países pobres, que não podem pagar.

Nos últimos anos, a dependência do dinheiro das grandes empresas de auditoria diminuiu, o que é positivo. Mas parece que os gestores da Fundação realmente exageram nos planos grandiosos do ISSB. Uma estratégia de contenção de gastos, fechando escritórios nos diversos países e reduzindo pessoal, pode ser uma sinalização importante para os doadores. 

 

18 novembro 2025

Uma ideia simples e brilhante

Sylvan Goldman, empresário nascido em Oklahoma, trabalhava para um atacadista de mercearia na Califórnia após a Primeira Guerra Mundial quando ficou fascinado com os novos “supermercados”, que colocavam tudo sob o mesmo teto. Ainda assim, ele percebeu um problema: os clientes compravam apenas o que conseguiam carregar em sacolas e cestos. Em 1920, ele e seu irmão Alfred levaram o conceito de supermercado de volta a Oklahoma, onde estabeleceram sua própria rede de lojas. Mas Goldman continuava preocupado com o problema persistente de os consumidores estarem limitados pela força dos próprios braços.

O primeiro protótipo de Goldman para um carrinho de compras, em 1936, era deliciosamente rudimentar. Consistia em duas cadeiras dobráveis colocadas uma de frente para a outra, com rodas presas na parte inferior e uma cesta em cima. Ele apresentou oficialmente o primeiro carrinho de compras em 4 de junho de 1937, na mercearia Humpty Dumpty, em Oklahoma City.

No entanto, o coração de Goldman afundou quando percebeu que os clientes não queriam ter nada a ver com aquelas novas engenhocas. As mulheres, já cansadas de empurrar carrinhos de bebê, se recusavam a empurrar qualquer coisa dentro da loja novamente. Os homens consideravam os carrinhos emasculantes e diziam que empurrá-los por aí era “trabalho de mulher”, segundo Alyson Atchison, diretora de galerias e coleções do Science Museum Oklahoma. O museu abriga hoje o primeiro carrinho que Goldman colocou em uso público — que passou seus primeiros dias largado e ignorado na entrada da loja.

A solução de Goldman foi elegante e muito simples: ele contratou modelos atraentes para fazer compras na loja empurrando os carrinhos com confiança, mostrando aos demais clientes, na prática, como eles eram convenientes e estilosos. Os compradores viram o apelo e começaram a imitar esses homens e mulheres vistosos. Outros merceeiros logo começaram a implorar pelos carrinhos, mas muitos tiveram de esperar: em 1940, donos de lojas que queriam adquirir novos carrinhos enfrentavam, segundo relatos, uma lista de espera de sete anos. Nesse mesmo ano, Goldman começou a produzir o carrinho “encaixável” mais familiar (após uma guerra de patentes pelo design), que solucionava o problema de armazenar os carrinhos entre um cliente e outro.

Os produtores de alimentos passaram a oferecer embalagens maiores nas lojas, sabendo que os consumidores agora podiam transportar itens volumosos com facilidade. A modesta invenção de Goldman ajudou a criar a base do panorama varejista atual — lojas enormes repletas de produtos gigantes. Como diz Atchison, aquelas rodinhas “mudaram e inovaram o ato de fazer compras para sempre”.


Fonte: aqui