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30 dezembro 2013

Para que serve o orgasmo feminino?


Devem haver poucas questões da sexualidade humana mais rancorosas do que aquelas a respeito do orgasmo feminino. Os cientistas concordam que as mulheres provavelmente começaram a ter orgasmos como um subproduto de os homens os terem, semelhante à forma como os homens têm mamilos porque as mulheres têm.

Como Elisabeth Lloyd, uma filósofa da ciência e bióloga teórica da Universidade de Indiana (EUA), coloca em seu livro de 2005, “The Case of the Female Orgasm: Bias in the Science of Evolution” (“O Caso do Orgasmo Feminino: Um Viés na Ciência da Evolução”, em tradução livre): “As fêmeas têm o tecido [clitórico] erétil e nervoso necessário para o orgasmo em virtude da forte pressão seletiva em curso dos homens pelo sistema de entrega de esperma do orgasmo masculino e ejaculação”.
No entanto, por que as mulheres têm orgasmos ainda é muito debatido.

Os orgasmos masculinos existem, acredita-se amplamente, para incentivar os homens a espalharem suas sementes. Em valor nominal, seria fácil dizer que as mulheres têm orgasmos pela mesma razão: para incentivá-las a ter relações sexuais e fazer bebês. Entretanto, na prática, em comparação com o orgasmo masculino, o orgasmo feminino é muito difícil de conseguir. Mesmo dentro de cada mulher existem muitas variações e 10% delas não chegaram a alcançá-los, nem ao menos uma vez. E, ao contrário do orgasmo masculino, o orgasmo feminino não é um pré-requisito para a gravidez.

Então, por qual motivo as mulheres têm orgasmos? Existem dois campos que se opõem firmemente nesta questão. O primeiro grupo propõe que ele tem uma função adaptativa em uma das três categorias: ligação do casal, seleção de parceiros e fertilidade melhorada. Vamos analisá-los separadamente.

A teoria da ligação do casal sugere que os orgasmos femininos unem os parceiros, garantindo dois pais para a prole. Por outro lado, a seleção de parceiros propõe que as mulheres usam o orgasmo como uma espécie de prova de fogo para avaliar a “qualidade” dos parceiros. A teoria da fertilidade melhorada, entretanto, propõe que as contrações uterinas durante o orgasmo feminino ajudam a “sugar” o esperma para o útero.

Outro campo, todavia, afirma que o orgasmo feminino é até hoje um subproduto incidental do orgasmo masculino, e não uma adaptação evolutiva. “Não há nenhuma ligação documentada entre as mulheres que têm orgasmos, ou que os têm mais rápido, como tendo mais ou melhor prole”, defende Lloyd.

A dissidência entre os dois campos se aprofundou há cerca de dois anos, com a publicação de um novo estudo de gêmeos na revista “Animal Behavior” que parece descartar a teoria do subproduto do orgasmo feminino. Os pesquisadores Brendan Zietsch, da Universidade de Queensland, na Austrália, e Pekka Santtila, da Universidade Abo Akedemi, na Finlândia, perguntaram a 10 mil gêmeos e gêmeas finlandesas e seus irmãos para informarem sobre a sua “orgasmabilidade” (termo usado no estudo).

Eles procuraram semelhanças na função do orgasmo entre gêmeos femininos e masculinos. Se a teoria do subproduto do orgasmo feminino fosse verdade, dizem eles, essa semelhança deveria existir. Devido às diferenças inerentes ao orgasmo entre as mulheres e os homens, foi solicitado que as mulheres relatassem quantas vezes elas tinham orgasmos durante o sexo e o quão difícil era atingi-los, enquanto os homens foram questionados quanto tempo levavam para atingir o orgasmo durante o ato sexual e quantas vezes eles sentiram que ejacularam muito rapidamente ou muito lentamente.

Zietsch e Santtila descobriram fortes correlações de orgasmabilidade entre gêmeos idênticos do mesmo sexo, e mais fracas, mas ainda significativas, semelhanças entre gêmeos não idênticos do mesmo sexo e seus irmãos. No entanto, eles não encontraram correlação alguma na função do orgasmo entre gêmeos do sexo oposto. “Nós mostramos que, enquanto a função do orgasmo masculino e feminino são influenciadas por genes, não existe uma correlação cruzada de gênero na função do orgasmo – a orgasmabilidade das mulheres não se correlaciona com orgasmabilidade de seu gêmeo”, explica Zietsch. “Como tal, não existe um caminho pelo qual a seleção do orgasmo masculino possa ser transferida para o orgasmo feminino, caso em que a teoria do subproduto não pode funcionar”.

Zietsch diz que ele não tem uma teoria favorita sobre a função evolutiva do orgasmo feminino, mas se forçado a escolher, diria que ele fornece às mulheres uma recompensa extra para se engajar em relações sexuais, aumentando assim a frequência destas relações e, por sua vez, a fertilidade. (Ainda não existe prova alguma, porém, como Lloyd aponta.) Zietsch continua: “Eu mostrei em outro artigo, no entanto, que há apenas uma associação muito fraca entre a taxa de orgasmo das mulheres e sua libido, então a pressão da seleção sobre o orgasmo feminino é provavelmente fraca – isso pode explicar por que muitas mulheres raramente ou nunca têm orgasmos durante o sexo”.

Lloyd e outros proponentes da teoria do subproduto concordam que a pressão de seleção fraca poderiam estar atuando sobre o orgasmo feminino, contudo não acham que seria o suficiente para mantê-lo ao longo das eras da evolução humana. Pelo contrário, se o orgasmo feminino confere quaisquer benefícios reprodutivos para a raça humana, seria por um acaso feliz. Sem surpresa, Lloyd enxerga vários problemas no estudo dos dois pesquisadores. “Comparar diferentes traços do orgasmo em mulheres e homens é querer forçar uma relação entre duas coisas fundamentalmente diferentes”, afirma ela.

Kim Wallen, um neuroendocrinologista comportamental da Universidade Emory e colaborador frequente de Lloyd, explica a questão desta forma: “Imagine que eu queria comparar altura em homens e mulheres. Nas mulheres, eu usei uma medida a partir do topo da cabeça até a sola do pé. Nos homens, usei a rapidez com que eles conseguem ficar de pé. Será que eu ficaria surpreso que cada medida foi correlacionada em gêmeos idênticos dentro de sexos, mas não correlacionada em gêmeos de sexos diferentes? Tal resultado seria o que foi previsto e nem um pouco surpreendente. Zietsch e Santtila fizeram o equivalente a esta experiência usando o orgasmo em vez da altura”.

Wallen também aponta que estudos anteriores mostraram que os traços sob forte pressão seletiva mostram pouca variabilidade, enquanto que aqueles sob pressão fraca tendem a mostrar maior variabilidade. “Pênis e o tamanho da vagina – ambos necessários para a reprodução – mostram pouca variabilidade, sugerindo que eles estão sob forte pressão seletiva”, acrescenta Lloyd. “Enquanto o comprimento do clitóris é altamente variável”. Wallen afirma que Zietsch e Santtila “optaram por comparar maçãs com laranjas, porque a evidência é muito forte que os orgasmos femininos e masculinos estão sob diferentes graus de pressão seletiva, exatamente o argumento que eles estavam tentando refutar”.

Para seu crédito, Zietsch e Santilla reconheceram as limitações do seu estudo, tanto no artigo, como em entrevista. Obviamente, ainda há muito trabalho pela frente. “Descobrir a função do orgasmo feminino, se houver, provavelmente vai exigir amostras geneticamente informativas muito grandes, dados de fertilidade, e informações detalhadas sobre o comportamento sexual, taxa de orgasmo, e as condições e os parceiros envolvidos”, defende-se Zietsch. “Eu tenho planos, mas o debate provavelmente não será resolvido nos próximos anos”.

Você pode estar se perguntando o que nós sabemos, de fato, sobre o orgasmo feminino. Bem, estamos mais perto de saber por que eles são tão poucos e distantes entre si durante o sexo. Em um artigo publicado online em janeiro de 2011 no portal da revista “Hormones and Behavior”, Lloyd e Wallen descobriram que quanto mais longe o clitóris é da abertura urinária, menos provável é que a mulher vá conseguir atingir o orgasmo regularmente com a relação sexual. Se o elo se mantiver em experimentos futuros, diz Lloyd, estabeleceria que a capacidade de uma mulher de ter um orgasmo durante o sexo repousa sobre uma característica anatômica que provavelmente varia de acordo com a exposição aos hormônios sexuais masculinos no útero. “Tal característica poderia estar sob seleção”, complementa a estudiosa. “Porém, isso teria que ser investigado. Até agora, nenhuma força seletiva parece surgir”.

Fontes: Aqui, aqui e aqui.

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