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18 setembro 2013

Anos após a crise...

Uma entrevista com Rubens Ricúpero, que participou da tentativa de solucionar a crise de 2008:

O marco da última grande crise financeira mundial - a quebra do Lehman Brothers - está completando cinco anos. Quais as conclusões da Comissão Stiglitz sobre as razões para o que ocorreu em 2008?

A crise é fruto direto da imprevidência dos banqueiros, da tomada de riscos excessivos e às vezes até de atividades criminosas. A responsabilidade foi do setor financeiro, mas os banqueiros acabaram não sendo punidos. A dívida foi transferida aos governos. Quem está pagando por isso até hoje é a população da Grécia, da Espanha, da Itália e até dos EUA, com o desemprego. A prova de que não foi resolvido é que hoje o grau de concentração dos bancos é significativamente maior do que era antes da crise. Esse ponto não foi resolvido. Está se adiando. Algum dia vai haver uma outra crise.

Que medidas o Relatório propôs para evitar que se repita o que ocorreu em 2008?

Basicamente a ideia da comissão era voltar a ter um nível mais estrito de regulamentação dessa globalização financeira, tornar mais difícil esse contágio de um país para outro e submeter a uma regulação mais rígida os mercados de derivativos - todos esses instrumentos financeiros novos. Eram medidas muito profundas, que não foram levadas em consideração diretamente no processo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, sobretudo, pelo G20. O que se fez, no fundo, foi meio cosmético. Não houve uma grande reforma.

Por que as propostas da Comissão não foram aproveitadas pelo FMI e pelo G20?

A Comissão foi uma iniciativa das Nações Unidas. Organizações como o Fundo Monetário Internacional costumam ter muito ciúme da sua competência nessa área e não gostam muito de interferência de outras organizações, como as Nações Unidas. Além disso, a ação foi toda feita pelos governos - e os governos, nessa parte, cedem muito ao lobby do mercado financeiro. Sobretudo, o Departamento do Tesouro dos EUA é quase como um outro lado de Wall Street. São as mesmas pessoas.

Mas os países não tinham interesse em evitar novas crises?

Havia uma regulamentação muito grande que nunca foi feita. A praça financeira de Londres e de Nova York e os governos desses dois países não quiseram limitar demais o mercado de derivativos, porque essa é a área que eles expandem mais, em que há mais especulação. Basicamente, o que os países fizeram foi empurrar essa crise com a barriga e esperar que tudo voltasse ao normal.

(...)
Os combustíveis são a grande âncora da economia brasileira...

É uma miniâncora. Não é tão forte quanto o câmbio, mas ajuda a segurar os preços. Tanto assim que você vê uma coisa interessante. A inflação está em 6,5%, mas quando você separa os preços livres, que são 75% dos índices, a taxa chega a quase 8%. O que ainda está segurando a inflação no Brasil são os preços administrados, que são 25%. São esses preços que dependem do governo. Aí a inflação está sendo reprimida artificialmente.(...)

E o texto completa com um resumo didático sobre o que ocorreu:

PRINCIPAIS ASPECTOS DA CRISE, SEGUNDO O RELATÓRIO STIGLITZ, E O QUE FOI FEITO

■ Os bancos não poderiam ser tão grandes que não pudessem quebrar (too big to fail)

Hoje, o grau de concentração dos bancos é muito maior do que era antes da crise. Esse ponto não foi resolvido. O excesso de remuneração que estimula muita gente a assumir riscos excessivos também não foi tocado.

■ Era preciso diminuir a alavancagem dos bancos

É o que, em parte, o G20 levou adiante com Basiléia 3: obrigar os bancos a levantar muito mais capital. Mas a comissão queria um critério muito mais ambicioso em termos de reduzir a alavancagem.

■ Os derivativos deveriam ser regulamentados

A Comissão propôs que todas as operações fossem transparentes, publicadas, e, em prazos determinados, deveriam ser liquidadas para que não se perpetuassem. Nada foi feito.

■ Os shadow bank, instituições financeiras que vivem na sombra, precisam ser reguladas

Muitas das operações de maior risco não eram carregadas pelos bancos tradicionais, mas por instituições que não estão submetidas ao controle estrito dos órgãos de fiscalização. A Comissão procurou dar ideias para que tudo fosse submetido a um controle mais eficaz.

Fonte: Brasil Econômico

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