Imagine que o leitor desta postagem esteja respondendo um daqueles questionários de pesquisas com as seguintes questões:
“Numa escala de 0 a 10, sendo 0 discordo totalmente e 10 concordo plenamente, analise as seguintes frases sobre um Contabilista típico:
1. Um contabilista típico possui um grande conhecimento político
2. Um contabilista típico possui uma mente aberta
3. Um contabilista típico está disposto a considerar idéias não tradicionais
4. Um contabilista típico está disposto a mudar sua crença
5. Um contabilista típico não é preconceituoso
6. Um contabilista típico sabe usar abordagem probabilística na sua vida diária
7. Um contabilista típico considera todas as alternativas disponíveis
8. Um contabilista típico está treinado para trabalhar em grupo”
Depois de pensar em cada uma das afirmações acima, verifique se suas respostas estão mais para o discordo totalmente (a nota zero) ou o concordo totalmente (nota dez).
Mudemos um pouco de assunto. Há quarenta anos o Ibracon aprovou um estudo sobre princípios contábeis. Na lista de princípios havia a “objetividade”. Basicamente as decisões contábeis deveriam, na medida do possível, estar baseadas em critérios objetivos, como um documento de transação passada. Este princípio estava ligado à convenção do “custo como base de valor”. Isto significava que a mensuração contábil deveria ser realizada através do valor do custo do ativo ou passivo. Se uma empresa comprou um terreno por $100 há tempos, mas hoje ele possui um valor de mercado de $50 ou $200, o valor da mensuração deveria continuar sendo $100.
Os princípios do Ibracon estavam baseados nos estudos realizados quarenta anos antes nos Estados Unidos por Paton e outros teóricos. Foram adotados pela CVM e extensamente ensinados pelo Brasil. Mas naquele momento estava ocorrendo grandes mudanças nas finanças empresariais, com a introdução da mensuração do risco e discussão sobre precificação de ativos. Estas questões começaram a chegar à contabilidade dos países desenvolvidos, que resolveram rediscutir a questão da objetividade e do custo como base de valor.
Inicialmente os países abandonaram todo arcabouço teórico construído em torno dos princípios contábeis. E começaram a olhar a contabilidade sob a ótica da informação útil para o usuário. Como consequência, a objetividade e o custo como base de valor deixou de ser a sustentação desta contabilidade. O importante era informar que o terreno tinha um valor de $50 (ou $200), e não que foi adquirido por $100.
Outra consequência desta mudança foi que a contabilidade deveria olhar mais para o futuro, deixando de lado o registro do passado. Estamos aqui fazendo algumas simplificações, mas espero que o leitor compreenda, ao final da leitura, nosso objetivo. O principal ponto que queremos ressaltar é que o profissional passou a ser demandado em termos da necessidade de olhar para o futuro.
Ao mesmo tempo, o auditor começou a ser cobrado também em termos desta visão. Em lugar de meramente dizer se a contabilidade de uma empresa tinha feito o registro adequado dos eventos passados, o seu parecer precisava informar se haveria condições futuras em termos da continuidade. Assim, em sua opinião, o auditor informava se a empresa satisfazia o “going concern”, baseado em diversas variáveis.
Há mais de uma semana Robert Shiller publicou um texto no Project Syndicat (e traduzido pelo Valor Econômico) tentando responder a seguinte pergunta: “para que servem os economistas?”. Num determinado trecho o Nobel de Economia de 2013 afirma:
Sim, a maioria dos economistas não consegue prever crises financeiras – assim como os médicos também não conseguem prever doenças.
A capacidade de projeção tem sido extensamente estudada por diversos cientistas, sendo o mais famoso deles Philip Tetlock (
aqui por exemplo). Num estudo que ficou famoso, Tetlock solicitou de diversos estudiosos da política que fizessem uma série de projeções sobre como ficaria o mundo nos próximos anos. Anos depois, ao comparar as projeções com o que tinha ocorrido, Tetlock constatou que os cientistas políticos eram péssimos nas suas projeções. Era como se astrológos estivessem fazendo estas afirmações, com conselhos sem nenhum valor, a exemplo dos peritos, nas palavras de
French.
A questão da previsão está na base da decisão que a Petrobras terá que tomar nos próximos dias: deverá fazer a amortização de certos ativos em razão da queda do
preço do petróleo. Esta decisão é a seguinte: se o preço do petróleo continuar no nível baixo atual, alguns investimentos da empresa deverão ser considerados inviáveis em razão do elevado custo. Nesta situação, a contabilidade da empresa deverá verificar se os preços no futuro manterão reduzidos. Se esta for a crença, o resultado será levar para o resultado, com o sinal negativo, estes valores.
A contabilidade da Petrobras deverá prever o preço futuro do barril de petróleo. Mas será possível? Os economistas, os médicos e os cientistas políticos não conseguem fazer boas projeções.
Recentemente algumas pesquisas mostraram que a capacidade preditiva está associada a uma série de
características. Isto inclui conhecimento político, ser uma metamorfose ambulante, não ortodoxo, ter a mente aberta e sem preconceito, usar a construção de cenários probabilísticos considerando todas as alternativas e construir suas decisões em grupo.
Se nos oito itens do inicio deste texto você marcou mais para “discordo totalmente” isto é sinal que acredita que o profissional contábil não é capaz de fazer boas previsões. Caso você tenha dado notas mais próximas do “concordo totalmente” isto é sinal de que você considera que o contabilista típico está preparado para colocar nas demonstrações contábeis suas previsões. Isto seria um bom sinal.
Mas ao contrário dos economistas, dos astrológos e dos cientistas políticos, as projeções do contador possuem duas características. Em primeiro lugar, elas devem ser muito precisas em termos numéricos. Enquanto o cientista político pode afirmar que haverá conflitos no Oriente Médio, algo um tanto quanto impreciso, o contabilista deve afirmar que o ativo deve ter um valor de “x”. Em segundo lugar, enquanto a afirmação do economista ou do astrológo se perde nas páginas velhas da internet, a projeção do contabilista fica registrado num conjunto de documentos.
Voltaremos a discutir sobre este assunto.
(Seria bom que algum aluno, no seu TCC, fizesse uma pesquisa com os oito itens acima, para certificar o que as pessoas acreditam em termos das características do contabilista. Se alguém aceitar o desafio, peço encaminhar o resultado para este blog)