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12 junho 2019

Clube de Futebol e Valor

O processo de avaliação é antes de tudo uma opinião. Cabe ao analista indicar se sua opinião é crível ou não. Se o analista usa uma base de dados passado e de qualidade, analisando os diferentes aspectos do objeto avaliado, poderemos ser convencidos de que a opinião é razoável ou não. Caso os dados sejam frágeis ou baseados em métodos não claros, podemos acreditar ou não no analista baseado em outros parâmetros, como a expertise do mesmo ou a qualidade do seu acerto.

Aqui temos um outro ponto importante: para verificar se a opinião do analista é coerente, precisamos ter algo com que confrontar. Se um analista afirma que as ações de uma empresa valem um determinado montante e aparece investidores dispostos a comprar as ações por um valor próximo a estimativa realizada, podemos acreditar que o analista acertou na sua opinião. Mas mesmo neste caso podemos duvidar da capacidade do analista, pois não sabemos se seu acerto ocorreu pelo acaso ou pela qualidade da sua opinião.

A tarefa pode complicar ainda mais quando o objeto a ser analisado é complexo o suficiente para termos somente métodos que se aproximam da mensuração adequada.

Toda esta introdução é para falar do relatório sobre marcas do futebol, elaborado pela BDO. Esta empresa teve a sagacidade de escolher um assunto de interesse de muitos. Entretanto, avaliar o futebol brasileiro é uma tarefa ingrata, em razão da qualidade dos dados. As demonstrações contábeis dos clubes são de baixa qualidade, como é o caso recente do Corinthians e outros clubes brasileiros. Além disto, temos problemas sérios relacionados com a mensuração de marca. E para finalizar, é muito difícil fazer a comprovação da qualidade da mensuração realizada, pois não temos negociações (quando temos é um exceção) ou ações negociadas em bolsa, como ocorre na Europa.

Com respeito aos dados, os valores são enviesados pela existência de uma receita de valor elevado e que não necessariamente é recorrente: a receita proveniente da comercialização de atletas. Eis um exemplo: em 2017 a receita do Flamengo foi de 649 milhões de reais. Mas esta receita cai para 466 milhões se retirar a transferência. A diferença refere-se a comercialização de alguns atletas, entre eles um jogador chamado Vinícius Júnior. Como lidar com esta situação? Retirar a comercialização permite ter uma comparação mais estável ao longo do tempo; mas parte do valor de um clube (e sua marca) é originária da capacidade de revelar novos jogadores.

Se as informações de qualidade são um problema, o método usado para estimar o valor de uma marca de um clube de futebol pode ser outro complicador. Existem diversas metodologias que podem ser usadas como proxy em tais situações. Um delas é mensurar quanto é possível gerar de receita pela existência de uma marca. Se um torcedor está disposto a pagar um valor elevado por uma camisa oficial de um clube, a diferença entre o preço da camisa e o preço de uma camisa sem esta “marca” poderia ser considerada dentro do valor da marca. Neste caso, o clube consegue internalizar sua marca, gerando receita com a mesma. Isto provavelmente não ocorre no Brasil, já que usualmente os torcedores não compram a camisa oficial do clube (nem um ex-deputado e presidente da república paga por uma camisa oficial, preferindo uma cópia pirata).

Em resumo, é difícil opinar sobre o valor de uma marcar, mas esta tarefa talvez seja mais difícil quando se trata de uma marca de um clube de futebol brasileiro. Segundo a BDO:

“O estudo seguiu rigorosa métrica que inclui mais de 30 diferentes variáveis entre dados financeiros, históricos dos clubes, informações publicadas em pesquisas com os torcedores, dados de marketing esportivo, hábitos de consumo dos torcedores, engajamento em mídias sociais e dados sociais e econômicos do mercado em que atuam os clubes analisados.”

Isto não ajuda a esclarecer muito sobre o método. Em postagem anterior, discutimos sobre o uso de múltiplo para avaliar clubes de futebol. Vamos usar esta discussão para fazer nossa análise. Na figura abaixo coloquei o valor da marca dos clubes e o valor usando o múltiplo de 3,2 (método CATS). Note que estamos comparando algo diferente: a BDO mensura a marca; estamos mensurando o valor do clube, que é mais abrangente que a medida da BDO. Além disto, usamos a receita total; ou seja,  nosso resultado pode estar sendo influenciado pela venda de jogadores.

O gráfico mostra que em geral nossa estimativa é maior que a BDO, o que era esperado. Em média, os 25 clubes foram avaliados em 672 milhões usando o múltiplo e a marca recebeu uma avaliação de 435 milhões. Em alguns casos, a diferença foi expressiva. Avaliamos a Chapecoense em 319 milhões, enquanto a BDO considerou que a marca deste time tem um valor de 58 milhões. Mas nossa estimativa coloca o Corinthians como tendo um valor de R$1,25 bilhão versus R$1,74 bilhão da BDO. (Este é o único clube onde o valor do múltiplo foi menor que o valor da marca)

Em geral, as diferenças entre os dois métodos foi menor para os clubes de maior valor e aumentou substancialmente para os pequenos clubes, como é o caso da Chapecoense. Mas qual o método é melhor? É impossível responder a esta pergunta por dois motivos. Em primeiro lugar, não temos um conjunto de negociações de marcas (ou de clubes) que possa indicar quem estaria com a razão. Se ocorressem 25 transações de clubes e caso meus valores estivessem mais próximos dos valores transacionados, o meu método seria melhor. Em segundo lugar, estamos mensurando algo diferente e não temos condições de analisar se o método da BDO é razoável ou não. A afirmação da empresa, reproduzida acima, não permite verificar se os seus valores são razoáveis ou não.

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