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22 junho 2007

Normas e esperanto

Pouco tempo e muito a fazer para aprender o 'esperanto'
Valor Econômico 22/06/2007

As companhias abertas brasileiras devem dar prioridade ao preparo da conversão de sua contabilidade dos padrões da legislação societária para Padrões Internacionais de Demonstrações Financeiras (IFRS, em inglês). Essa foi a mensagem, mais que um conselho, que Pedro Farah, sócio-diretor de auditoria e contabilidade da Ernst & Young, passou aos participantes do 9º Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais, ocorrido nesta semana em São Paulo. "Anotem aí nas suas agendas", disse à platéia.O executivo foi enfático ao tratar da complexidade dessa conversão e destacou que os trabalhos podem durar cerca de 18 meses. Dada a determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que as empresas publiquem a conciliação de suas demonstrações financeiras com as regras internacionais a partir de 2010, ele considera o prazo apertado.

Por isso, defende que o início dos trabalhos nas companhias seja imediato.Enquanto o projeto de lei 3.741, de 2000 - que coloca o padrão contábil nacional mais próximo das regras internacionais -, ainda depende da aprovação do legislativo brasileiro, as organizações privadas e as governamentais buscam acelerar como podem a convergência, bem como orientar o tema por meio do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). O órgão é resultado do esforço da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), da CVM, da Associação dos Profissionais do Mercado de Capitais (Apimec), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), do Instituto Brasileiro de Contabilidade (Ibracon) e da Associação Brasileira das Companhia Abertas (Abrasca).

O coordenador Técnico do CPC e sócio da PricewaterhouseCoopers, Edison Arisa, contou que diversos temas já estão em discussão avançada no comitê e devem, em breve, ser alvo de pronunciamento conjunto com a CVM. Entre as próximas abordagens estão as demonstrações de fluxo de caixa, os contratos com parte relacionadas e também os seguros contratados pelas companhias.Na avaliação de Farah, o assunto deveria ser acompanhado muito de perto pelas empresas. Ele destaca que o nível de exigências do IFRS é substancialmente maior que as normas da legislação societária. É de se esperar, portanto, que as empresas brasileiras enfrentem alguma dificuldade para prover todas as informações solicitadas. O executivo acredita que talvez as companhias tenham que investir em tecnologia da informação para obter um nível maior de detalhes e registros sobre suas atividades.

Para acompanhar o tema, a Ernst & Young concluiu no segundo semestre do ano passado uma pesquisa com 65 grandes companhias européias que adotaram o IFRS em 2005, excluindo bancos e seguradoras. A conclusão foi que o tratamento dado às informações financeiras foi o mais complexo do processo. Por isso, naquele ano, houve uma visível alta na quantidade de informações disponíveis. O levantamento mostrou que 9% dos ativos e 6% dos passivos financeiros em derivativos foram relatados pelas empresas pela primeira vez em 2005. Além disso, dois terços das companhias reportaram baixas contábeis por deterioração de ativos, cuja vida útil havia acabado. Para explicar mais números, os relatórios financeiros das companhias ficaram consideravelmente mais longos - entre 20% e 30% de aumento - e a quantidade de páginas dedicadas às notas explicativas com relação às finanças foi ampliada em 10%.

Outra percepção da pesquisa feita pela Ernst & Young é que os relatórios no IFRS mantiveram muitos regionalismos contábeis. Com isso, o avanço na comparação internacional dos balanços continuou limitada. Parte desse efeito deve-se à ausência de padrões de migração claros, o que levou a administração das empresas a adotar julgamentos individuais sobre alguns temas, durante a troca.

Arisa, do CPC, destacou os esforços da iniciativa privada para que o Brasil avance na convergência contábil, a despeito da demora do governo em avançar no tema. O assunto aguarda aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Câmara dos Deputados, e depois seguirá para o Senado. "Estamos tentando fazer com que a convergência contábil seja realidade no nosso país."O executivo da Ernst & Young, por sua vez, afirma que dentro do esforço privado pela união contábil, as companhias deveriam se preocupar em estar preparadas para a mudança, bem como preparar seus investidores - isso porque o balanço poderá sofrer alterações consideráveis. "O processo de conversão é mais do que um exercício técnico. Envolve uma mudança na visão da alta administração da companhia." Ele ressalta a importância de os executivos comunicarem bem a transição aos investidores, tanto dos dados registrados, bem como das expectativas.O Brasil está atrasado no processo de convergência contábil. Na Europa, o IFRS já é adotado e nos Estados Unidos o tema teve avanço importante nesta semana. A Securities and Exchange Commission (SEC) propôs aceitar o padrão como suficiente para listagem das européias no seu mercado. Anteriormente, era necessário fazer a reconciliação com as regras americanas.

No Brasil, além da decisão da CVM de estabelecer a necessidade de publicação do padrão nacional e do internacional a partir de 2010, o Banco Central publicou seu balanço já convergente e obrigou os bancos a fazer o mesmo também em 2010.Um dos motivos do atraso da discussão no Brasil é a questão tributária. A União teme queda na arrecadação, conforme o impacto nos balanços. Para convivência de ambos os interesses, a saída deverá ser a adoção de dois balanços - um para atender à legislação tributária e outro, o IFRS, para fins societários.

Preocupado com o atraso brasileiro e com os debates peculiares do país, Nelson Carvalho, presidente do conselho consultivo do Conselho de Padrões Internacionais de Contabilidade (Iasb, em inglês) e diretor da Fipecafi, pediu: "Resistamos à tentação de criar o Esperanto."

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