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10 outubro 2006

Artigo de Phelps

O ganhador do Nobel de Economia deste ano escreveu o seguinte artigo para o Project Syndicate, traduzido pelo Valor de hoje. Gostei muito do primeiro parágrafo, que poderia ser aplicado a própria contabilidade e finanças.

Ciência econômica deve ser baseada em evidências

Edmund S. Phelps
Existe um movimento na medicina que exige que as solicitações das licenças para a venda de um novo medicamento sejam "baseadas em evidências". Os economistas experientes, por outro lado, consideram que sua disciplina já teria alcançado este padrão científico. Afinal, eles manifestam as suas opiniões com a matemática e chegam a estimativas quantitativas de relações implícitas a partir de dados empíricos.

A ciência econômica não é baseada em evidência na seleção dos seus paradigmas teóricos. Iniciativas de política econômica são muitas vezes tomadas sem todos os pré-testes empíricos que poderiam ter sido realizados.

Um exemplo notório é a elaboração de política macroeconômica posterior à Segunda Guerra Mundial sob os keynesianos radicais. Eles se basearam na teoria não testada de Keynes de que o desemprego dependia da "demanda efetiva" em relação à "renda assalariada", porém suas políticas ignoraram a parte sobre salários e procuraram estabilizar a demanda num nível suficientemente elevado para assegurar "pleno" emprego.

Cecil Pigou e Franco Modigliani objetaram, afirmando que, se a demanda fosse elevada com êxito, o nível de renda assalariada aumentaria, se equipararia à demanda, e empurraria o nível de emprego de volta ao seu nível anterior. O nível de emprego não pode ser sustentado acima da sua linha de equilíbrio inflacionando a demanda efetiva.

Apesar disso, os radicais triunfaram por meio daquilo que o economista Harry Johnsom chamou de "desdém e escárnio". As políticas macroeconômicas do pós-guerra foram dedicadas ao "pleno" emprego, sem nenhuma evidência de que a renda assalariada não atrapalharia.

No fim da década de 50, os neokeynesianos finalmente reconheceram o argumento postulado por Pigou e Modigliani. O trabalho de Will Phillips sobre salários não lhes deixou nenhuma escolha. Eles ainda insistiam, porém, que aumentos regulares na demanda a uma taxa suficientemente elevada manteriam a demanda um passo adiante do nível da renda assalariada, de forma que o nível de emprego poderia ser mantido num patamar alto, embora ao custo de uma inflação constante.

De formas distintas, Milton Friedman e eu nos opusemos, argumentando que esse tipo de política exigiria uma taxa de inflação em alta constante. A renda assalariada ficará defasada em relação à demanda, sustentei, somen-te enquanto uma determinada empresa for dissuadida de elevar os salários pela falsa percepção de que os salários nas demais empresas já estariam num nível inferior em relação aos seus - um desequilíbrio que não pode durar.

A exemplo dos radicais, os neokeynesianos não desafiaram esses questionamentos com testes empíricos. A eficácia da demanda elevada era uma questão de fé. Os eventos da década de 70, porém, submeteram aquela fé a um teste cruel. Quando os choques de oferta atingiram a economia dos EUA, a reação dos neokeynesianos foi despejar mais demanda, acreditando que ela poderia ressuscitar a taxa de emprego. Houve pouca recuperação - apenas mais inflação.

A época atual oferece um paralelo. Ainda que a política tenha mudado desde então, para refletir a economia do lado da oferta e a teoria do ciclo de negócios real, os novos elaboradores e defensores de paradigmas da vez mostram a mesma aversão à verificação dos dados na busca de erros graves.

Uma lição acadêmica anterior foi bem-fundamentada: alíquotas de imposto temporariamente abaixo do normal que incidem sobre o trabalho neste ano, quando combinadas com a perspectiva de um retorno às alíquotas normais no próximo ano, estimularão as famílias a concentrar mais trabalho neste ano e a trabalhar menos nos anos futuros. Esta proposição foi recentemente testada de novo em dados da Islândia e deu bons resultados.

Os defensores da economia do lado da oferta tiraram as conclusões temerárias de que um corte permanente nas alíquotas dos impostos que incidem sobre o trabalho incentivariam mais produto do trabalho permanentemente, sem nenhuma diminuição da eficácia. Larry Summers e eu duvidamos que essa afirmação pudesse ser geralmente verdadeira. Se cada aumento na taxa de salário líquido [após a dedução do imposto] conferisse um estímulo permanente à quantidade de trabalho ofertada, ponderamos, salários líquidos em altas crescentes a partir de meados do século XIX teriam produzido um aumento extraordinário no número total de horas de trabalho semanais e nas idades de aposentadoria. Ambas registraram queda, porém, e na Europa continental o nível de desemprego é maior.

Em minha opinião, este dogma central da economia do lado da oferta está calcado sobre um erro crasso simples. O que interessa para a quantidade de trabalho ofertado é a taxa de salário líquido relativa à renda proveniente das fortunas. Se por um lado as taxas salariais líquidas dispararam por mais de um século, por outro, as fortunas e os rendimentos que gerava cresciam à mesma velocidade.

Certamente, se as alíquotas dos impostos fossem reduzidas permanentemente neste ano, haveria inicialmente um efeito fortemente positivo sobre o trabalho ofertado. Mas também haveria um efeito positivo sobre a poupança e, portanto, sobre as fortunas no próximo ano e depois. No longo prazo, as fortunas tenderiam a subir na mesma proporção dos salários líquidos. O efeito sobre o trabalho desapareceria.

Precisamos avançar com cautela, contudo. Em análises padronizadas, o corte nos impostos provoca uma redução nas compras governamentais de bens e serviços, como gastos com defesa. Mas um corte de impostos poderia, por sua vez, fazer encolher o Estado do bem-estar social - a assistência social e a seguridade social, que constituem a riqueza social. Neste caso, o corte de imposto, ainda que aumente gradualmente a riqueza privada, poderá reduzir a riqueza social. O tema é de natureza empírica.

Pesquisas que realizei com Gylfi Zoega há uma década confirmaram que cortes em impostos que incidem sobre o trabalho elevam a taxa de emprego no curto prazo. Mas e o longo prazo? Os vastos efeitos de longo prazo das alíquotas de imposto ficam realmente evidentes nas diferenças internacionais existentes na taxa de emprego?

Em 1998 examinamos dados da OCDE para [estabelecer] uma correlação entre as taxas de desemprego nacionais em meados da década de 90 e as alíquotas de imposto atuais sobre o trabalho. Não encontramos nenhuma. Em 2004, verificamos as taxas de participação na força de trabalho e, mais uma vez, verificamos a taxa de desemprego. Ainda sem nenhuma correlação.

Países com altas taxas de desemprego incluíam países com altos impostos, como Alemanha, França e Itália, mas também Japão e Espanha, que têm impostos mais baixos. Países com baixos níveis de desemprego incluíam aqueles com baixos impostos, como Reino Unido e os EUA, mas também países com impostos extremamente elevados, como Dinamarca e Suécia.

Os neoliberais estão agora dizendo à Europa continental que cortes dos impostos que incidem sobre o trabalho podem dissolver as altas taxas de desemprego. Mas a eficácia destes cortes de impostos seria grandemente, se não completamente, transitória - especialmente se o Estado de bem-estar social fosse poupado. Em duas décadas, as altas taxas de desemprego voltariam sorrateiramente.

As falsas esperanças provocadas pelos cortes de impostos teriam afastado os formuladores de políticas das reformas fundamentais necessárias para o continente [europeu] alcançar o dinamismo, do qual dependem as altas taxas de inovação, a geração abundante de empregos, e a produtividade em nível mundial.

Copyright: Project Syndicate 2006 - www.project-syndicate.org

Edmund S. Phelps, ganhador do prêmio Nobel em Economia para 2006, é professor de Economia na Universidade Colúmbia (EUA), onde dirige o Center on Capitalism and Society

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