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02 setembro 2013

História da Contabilidade: O Surgimento da Auditoria no Brasil

O termo auditor e seus derivados eram comuns na área militar brasileira e na religiosa (1). Isto torna a pesquisa sobre o surgimento da auditoria, como uma atividade na área privada, difícil e trabalhosa (2). Alguns autores acreditam que as empresas estrangeiras chegaram no início do século XX(3). Entretanto esta visão é errônea por dois motivos. Primeiro, existe certo preconceito em associar o aparecimento das empresas de auditoria estrangeiras ao início desta atividade no Brasil. Na realidade, não é possível afirmar com precisão quando começou esta atividade no Brasil e é sempre bom lembrar que o conselho fiscal exerceu o papel de auditoria. Em segundo lugar, tudo leva a crer que a atividade de auditoria é anterior a data estipulada por estes autores.

Sorocabana
Em 1920 o secretário de agricultura do Estado de São Paulo, ao fazer um relatório das atividades da secretaria no ano de 1919, faz uma interessante citação do termo (4). No tópico denominado de Viação, o documento afirma:

Tres factos de grande importância assignalaram o ultimo anno deste quatriênio: a rescisão do contrato de arrendamento da Estrada de Ferro Sorocabana, a desapropriação da Estrada de Ferro de Araraquara (S. Paulo Northern Railroad Company) e a apuração das contas da Paulista. (5)

A partir daí, o texto se detém no caso da Sorocabana. O secretario afirma sobre as dificuldades de tratamento com a empresa e os problemas que a empresa estava causando para o transporte de produtos agrícolas. Após o acordo fechado com a empresa, o secretario afirma que
O certificado dos auditores da Sorocabana Company relativo a somma pagável sob esta clausula aos curadores será por ele considerado derradeiro (6)

Assim, os auditores teriam a palavra final sobre o cumprimento do acordo. Logo a seguir:
O lucro liquido da Sorocabana Company, certificado pelos auditores (...)

Evidenciação
É importante lembrar que até este período o padrão usual era que a contabilidade fosse aprovada por um conselho fiscal. Não existia nenhum relatório de auditoria. Em 1928 aparece, segundo o banco de dados da Biblioteca Nacional, o primeiro certificado de auditoria no Brasil.

Alguns aspectos interessantes deste certificado:

(a) A Leon Israel era uma empresa dos Estados Unidos (7), vinculada a exportação de café.
(b) O ativo está apresentado em ordem de liquidez, ao contrário do padrão da época, onde a conta caixa está no final.
(c ) Só é publicado o balanço, mas o conselho fiscal examinou outros documentos
(d) Aparece o certificado dos auditores, assinado por Mc. Auliffe, Davis, Bell & Co que assinam como Chartered Accountants ou “peritos em contabilidade”.

Primeiro balanço publicado com Auditoria
O balanço que apareceu no periódico do Paraná não foi, no entanto, o primeiro publicado no Brasil com o parecer de auditoria. Antes dele, vários balanços foram publicados no Wileman´s Brazilian Review, sendo o primeiro deles, referente à Companhia Agricola Fazenda Dumont (8) em 1915.

Mas o primeiro auditor que se tem notícia foi Edward Albeury, que trabalhava na companhia ferroviária Leopoldina (9). Antes dele, em 1880 noticiou-se a possibilidade de se criar um departamento de auditoria na estrada de ferro Dom Pedro II (10). Nunca é demais lembrar que a atividade de auditoria era de certa forma exercida pelo conselho fiscal da empresa. Sobre isto, uma notícia de 1898 mostrava a distribuição de dividendos na São Paulo Railway, uma empresa de transporte, estava sujeita a auditoria (11).

Em suma, a atividade de auditoria no Brasil é anterior ao que encontramos na literatura brasileira.

(1) Por exemplo, o Correio Braziliense de 1809 utilizava este termo. Correio Braziliense, 1809, p. 439. Lembrando que se trata do jornal editado em Londres. Com respeito ao uso do termo na área religiosa, o Almanach do Rio de Janeiro, ed. 1, p. 123 é um exemplo. Também é importante lembrar que o termo começa a ser usado na área fiscal do governo. Na década de 1910 criou-se o Instituto Brasileiro de Contadores Fiscaes, que correspondia aos auditores fiscais. Vide Estado de S. Paulo, 11 de fevereiro de 1916, p. 10. Naturalmente que nesta postagem iremos abordar o uso do termo na iniciativa privada.
(2) E sujeita a falhas. Por este motivo, o texto é bastante impreciso quanto as datas.
(3) CORDEIRO, Claudio M R. Auditoria e Governança Corporativa, Curitiba: IESDE, 2012, p. 14.
(4) Baseado no texto publicado no Estado de S. Paulo, 26 de abril de 1920, p. 5 e seguintes.
(5) Grafia da época. Já tínhamos comentado sobre o caso da S. Paulo Northern Railroad Company em postagem anterior.
(6) Baseado no texto publicado no Estado de S. Paulo, 26 de abril de 1920, p. 7
(7) SANCHES, Cipriano Luiz. A COLONIZAÇÃO NORTE-AMERICANA NO NORTE DO
PARANÁ: A EXPERIÊNCIA DA LEON ISRAEL. Jacarezinho, 2011. Via aqui
(8) Wileman´s Review, ed 34, 24 agosto de 1915, p. 8, auditado pela Jackson, Pixley, Browning, Husey & Co. A fazenda era de propriedade da The Dumont Coffee Company Limited, uma empresa com sede em Londres e diretores no Brasil. Sobre esta publicação, aqui um histórico deste periódico financeiro. Nome da empresa conforme grafia da época. Posterior a publicação do balanço da Dumont, apareceram os balanços da Empresa de Força e Luz de Ribeirão Preto (Estado de S. Paulo, 9 de abril de 1916, p. 9) e da Companhia Construtora de Santos (Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1916, p. 8).
(9) The Rio News, 21 de março de 1899, p. 7. Assim como o Wileman´s Review, este era um periódico publicado em língua inglesa no Rio de Janeiro. Existia pelo menos um periódico publicado em língua francesa. Esta mesma empresa anunciava, em 1901, que estava procurando um chefe de auditoria interna. Vide The Rio News, 8 de janeiro de 1901, p. 5.
(10) The Rio News, 24 de dezembro de 1880, p. 4, ed 36.
(11) The Rio News, 18 de outubro de 1898, p. 7, ed. 42.

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