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06 fevereiro 2013

Sadia

Saiu uma decisão do TRF, 3a. região, sobre o uso de informações privilegiadas por executivos da Sadia. É o primeiro caso julgado de insider trading do Brasil !

Dois ex-executivos da Sadia tiveram suas penas de prisão aumentadas por lucrarem no mercado de capitais norte-americano valendo-se de informações privilegiadas (insider trading) que detinham sobre a oferta hostil da Sadia pela Perdigão. Trata-se do primeiro caso de insider levado ao Judiciário brasileiro. Por unanimidade, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF-3) deu parcial provimento à apelação da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aumentando as penas de prisão de Luiz Gonzaga Murat Filho, ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, para dois anos, seis meses e dez dias, e de Romano Ancelmo Fontana Filho, ex-membro do Conselho de Administração da empresa, para dois anos e um mês. O Tribunal também fixou dano moral coletivo de R$ 254 mil para Murat e de R$ 303 para Fontana, mantendo as multas de R$ 349 mil e R$ 374 mil pelas práticas do crime de insider.

Murat e Fontana foram denunciados em 2009 pelo Ministério Público Federal (MPF) após ficar constatado que lucraram com a negociação de ações da Perdigão na Bolsa de Nova Iorque logo após participarem das tratativas da Sadia para a aquisição da concorrente, como nas negociações para a viabilização de empréstimos e na elaboração da oferta de mercado. A CVM atuou no caso, que foi objeto de coordenação entre a Autarquia e o MPF desde a origem, como assistente de acusação. Em fevereiro de 2011, foram condenados a um ano e nove meses de prisão e multa de R$ 349 mil (Murat) e a um ano, cinco meses e 15 dias de prisão e multa de R$ 374 mil (Fontana) pelos crimes de insider. Ambos recorreram da decisão, mas tiveram a apelação rejeitada hoje (04/02) pela 5ª Turma do TRF-3.

Fontana alegava incompetência da Justiça Federal para processar o caso, além de pedir sua absolvição por suposta atipicidade dos fatos, pela eventual inexistência na legislação do crime de insider e sob o argumento de que não teve dolo ao vender suas ações antes de anunciada a decisão da Sadia da desistência, em 2006, da compra da Perdigão – o que fez cair o valor das ações desta. Pedia também, caso não fosse atendido nos outros pleitos, que sua pena fosse reduzida. Murat, por sua vez, aduzia que a conduta por ele praticada não era tipificada no Brasil e que a informação privilegiada que detinha não era relevante o suficiente para caracterizar o crime pelo qual fora condenado.

A PRR-3 e a CVM rebateram os argumentos dos réus, demonstrando que, embora negociada na Bolsa de Nova Iorque, as negociações empreendidas pelos dois afetaram a confiança do mercado de capitais como um todo. “É ingenuidade, para dizer o mínimo, acreditar que a ação negociada na Bolsa de Nova Iorque, com participação de um insider trading brasileiro e com informações privilegiadas de uma empresa brasileira, afetaria apenas o mercado norte-americano”, constatou a Procuradora Regional da República, Janice Agostinho Barreto Ascari, autora do parecer da PRR-3 no caso. “O fato é que os apelantes sabiam, antecipadamente, do projeto de Oferta Pública de Aquisição, tinham consciência de que isso poderia elevar o preço das ações da Perdigão e, com estas informações, negociaram ações da empresa”, prosseguiu.

Em relação ao dolo na conduta dos ex-executivos, a PRR-3 mostra que o histórico de compra e venda de ações da Perdigão, sempre após reuniões ou negociações da cúpula da Sadia, desmonta as teses de que Murat seria investidor de longo prazo da empresa ou efetivara as transações para fazer o “preço médio” - técnica que consiste em fracionar a compra de ações em vários períodos para se proteger de oscilações ou recuperar prejuízos -, ou a de que Fontana seria um “investidor ocasional” da empresa. Para a PRR-3, além das transações pontuais, o fato de comprarem ações de empresas brasileiras no mercado de capitais norte-americano através de corretoras estrangeiras “denota estratégia de esconder as transações das autoridades brasileiras”.

Por fim, a Procuradoria e a CVM requereram o aumento das penas em razão dos postos que ocupavam na Sadia. Murat, como diretor de Relações com Investidores, não apenas tinha “o dever legal de não se utilizar da informação privilegiada mas, principalmente, o de proteger o mercado do uso indevido da informação, o que torna sua culpabilidade exacerbada”. Em relação a Fontana, pontuou-se que “sua culpabilidade mostra-se exacerbada diante da busca da lucratividade fácil e a qualquer custo, mesmo sendo desastrosa a operação tentada pela sua empresa”.

Participaram da sessão de julgamento a Subprocuradora-Geral da CVM, Julya Sotto M. Wellisch, e o Procurador Regional da República, Marcelo Moscogliato. “Assim como no caso Doron Mukamal, o TRF-3 fez história com o caso de informação privilegiada da Sadia/Perdigão. Os votos do desembargador Stefanini e do desembargador Cedenho, bem como da juíza Marangoni, foram muito bem fundamentados, detalhados e só merecem elogios”, disse Moscogliato após a sessão.

Para a Subprocuradora-Geral da CVM, Julya Sotto M. Wellisch, "trata-se de julgamento histórico e que foi objeto de uma precisa, fundamentada e acertada decisão do TRF3, que consolidou judicialmente importantes conceitos do sistema jurídico do mercado de capitais, como o momento no qual uma informação se torna relevante e o fato de o crime ser formal, independente, portanto, da obtenção de lucro".

Além de aumentar as penas e rejeitar o recurso dos réus, a 5ª Turma também atendeu aos pedidos da PRR-3 e da CVM de reverter o valor das multas (cerca de R$ 700 mil) para o Fundo Penitenciário Nacional e de que o valor do dano moral coletivo (cerca de R$ 500 mil) seja destinado para a CVM promover campanhas educativas contra o crime de insider trading.

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