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18 outubro 2010

Governança Corporativa

Abaixo, uma entrevista com a gestora de recursos Rio Bravo Investimentos, Ana Novaes, sócia da Galanto Consultoria, sobre governança corporativa e a recente tentativa de mudança nas regras do novo mercado.

Que balanço você faz da evolução da governança corporativa no Brasil nos últimos dez anos? E, para quem não tem ideia do que a gente está falando, como é que você define governança corporativa?

(...) É impressionante a mudança que houve no Brasil de 2000 pra 2010, em particular, com a criação do Novo Mercado. Governança é um tema que vai sempre evoluir, então, a gente não pode parar aqui aonde a gente chegou - é preciso também que a gente continue evoluindo. No final da década de 90, a gente tinha um mercado que não ia pra frente, porque o minoritário não tinha informações adequadas e era sempre "ferrado" em toda operação de reestruturação corporativa por causa da prevalência das ações preferencialistas.

Eu sempre digo que ação preferencialista na hora da reestruturação societária, você é a variável de ajuste. Inclusive, existe um estudo feito em 2001, mostrando que o Brasil era o país aonde o prêmio de controle era o maior controle do mundo. Na média, as operações davam um prêmio extra para o controlador de 65%.

Se você tem ON que comanda o controle da companhia, você podia ter 2/3 de preferencialistas e 1/3 de ordinários - até a mudança da lei de 2001 -, então, você com os seus 17% controlava a companhia e todo poder estava nesses 17%. Então, na hora que tinha uma mudança societária que alguém queria adquirir uma companhia, esse cara dos 17% recebia tudo, o restante, os da ON, recebia 80% e os preferencialistas variavam de ajuste.

Eu acho que era por isso que o mercado de ações brasileiro, do ponto de vista da governança corporativa, é considerado de altíssimo risco e, evidentemente, os investidores, em particular, os estrangeiros estavam sempre reclamando e dando um desconto.

Eu não quero minimizar aqui os problemas macroeconômicos que ocorriam antes, mas a estabilização aconteceu em 1994, a desvalorização era em 1999, e chegou em 2001/2002 e você ainda estava engatinhando nessas questões - embora o Novo Mercado tenha sido adotado em dezembro de 2000.

A BM&F Bovespa tentou fazer uma reforma do Novo Mercado para aprimorar a governança das empresas. Alguns pontos foram aprovados, outros não. Havia, por exemplo, a proposta da obrigatoriedade de criação de um comitê de auditoria, que seria eleito pelo conselho de administração, com a participação de pelo menos um conselheiro independente. Essa proposta foi rejeitada. Qual é a ideia aqui?

Foi rejeitada e por larga maioria de votos. A gente está num momento muito particular na estrutura de controle das companhias e isso acontece uma vez na história. Nos Estados Unidos e na Inglaterra isso aconteceu no início do século XX e no Brasil está começando a acontecer.

Nesse processo, a estrutura deixa de ser familiar para ser uma corporação, o que quer dizer que nenhum grupo ou nenhum grupo de acionistas detém mais de 50% das ações com direito a voto. Hoje no Novo Mercado nós já temos mais de 50 companhias aonde você não tem um controlador com 50% mais um. Em algumas o controle é pulverizado, mas a maioria ainda tem um acionista que tem entre 15 e 20%.

Eu acredito que daqui a uns 5, 10 anos, muitos dos grandes grupos familiares ou empresas aonde você tem um acordo de acionistas não serão assim. Eu acho que a proposta da Bovespa foi colocada nesse meio de caminho e pegou diferentes interesses, pois o interesse de uma empresa que tem controle definido é diferente do interesse de uma empresa de controle disperso - aí que está a raiz da rejeição.

Tem outro ponto também que eu acho que aconteceu. Houve muita discussão na ABRASCA ao nível das companhias e ao nível, em particular, dos diretores de relações com investidores. É comum em economia as partes afetadas discutirem o assunto. Quando você pensa nos milhares de investidores, em particular, nos estrangeiros que estão longe e não se organizaram, teve muito pouco debate. Poucos asset managements se pronunciaram. Dos grandes, como Bradesco e Itaú, eu não vi interesse desse pessoal em defender junto com a Bovespa a mudança do Novo Mercado, então ficou uma coisa muito "na mão" ao nível das companhias.

A questão do comitê de auditoria é muito importante. A lei brasileira não prevê comitê de auditoria, prevê sim conselho fiscal, então muitas empresas têm conselhos fiscais instalados, inclusive, para aquelas que estão listadas no ADR. O conselho fiscal no Brasil é um conselho que opina - ele não tem participação da administração da companhia. Ele é formado por gente de fora da companhia numa empresa que tem o controle escolhido e definido pelo controlador - o conselho é como se fosse um fiscal do controlador em cima da administração.

Agora, o comitê de auditoria, que hoje em dia é requerido como uma prática básica de governança corporativa, é diferente.

Ele é formado nos Estados Unidos por pelo menos três conselheiros independentes do conselho de administração. Na lei consta que, se a empresa não montar o seu comitê de auditoria, o conselho todo é considerado comitê de auditoria. Agora, para você só ter membros independentes, você tem que ter muito mais conselheiros independentes.

Como a Bovespa só está exigindo 20% de independentes, já começou com um problema, porque isso exige a participação de um conselheiro independente e os outros são eleitos pelo conselho de administração. Uma empresa brasileira como a CPFL que tem ADR lá fora é obrigada a formar um comitê de auditoria em que não vai satisfazer seus donos - esse é um problema.

Por outro lado, eu imagino que toda empresa de capital disperso tinha que ser obrigada a ter comitê de auditoria por não ter justamente a figura do controlador. (...) O comitê de auditoria, ao ser formado por membros do conselho de administração, é um órgão de assessoria e supervisão.

O comitê de auditoria supervisiona, o conselho fiscal opina. Eu não diria que o comitê de auditoria tem mais poder que o conselho fiscal, agora, é ele que bota a mão na massa no sentido de supervisionar os auditores internos e externos, certificar-se de que você tem um canal de denúncias na companhia, vai estar sabendo quais são as principais práticas contábeis da companhia, vai estar reportando para o conselho de administração.

O conselho fiscal tradicional muitas vezes está muito longe da administração - simplesmente lê os relatórios depois de confeccionados. É diferente do comitê de auditoria que está acompanhando as demonstrações financeiras e que se responsabiliza por elas.

O conselho fiscal pode até funcionar numa empresa de controle definido, mas numa empresa de controle disperso, aonde você não tem a figura do acionista controlador, você tem que ter o comitê de auditoria porque o acionista e o investidor têm que poder responsabilizar diretamente o conselho, e numa empresa de controle definido você responsabiliza o controlador.

É essa figura que está muito clara na lei das S/As. Agora, como essa lei foi criada em 1976 para um ambiente de empresas de controle definido, ela tem essas lacunas. O que um conselho fiscal vai fazer numa empresa aonde cada acionista tem menos de 1%? A reforma de 2001 não deu conta dessas lacunas porque não estávamos ainda nesse ponto. É preciso levar em conta a estrutura das companhias.

Claro que uma empresa de grande porte tem comitê de auditoria e conselho fiscal. A obrigatoriedade do comitê de auditoria que a Bovespa propôs não exclui a obrigatoriedade de criar um conselho fiscal. Se você quer fazer um trabalho bem feito, custa caro. Estamos falando de mudanças substanciais.

Eu acho que a criação de um comitê de auditoria tinha que ser exigida apenas das companhias de capital disperso, ou que na realidade a Bovespa criasse uma outra categoria só com empresas de controle disperso, que aí teriam que adotar comitê de auditoria e as outras reformas que a Bovespa pediu.

O debate na sociedade continua. Para ter uma nova votação precisamos de dois anos?

É preciso discutir mais esses assuntos. Esse debate ficou muito ao nível de relações com investidores. Houve pouca discussão entre os acionistas - os principais interessados -, sejam eles controladores ou de capital disperso e os beneficiários, que não fizeram sua voz ser ouvida. Poucos grandes gestores se posicionaram.

Por outro lado, é uma discussão muito técnica, com termos que as pessoas não entendem. É preciso tornar a linguagem mais acessível. É preciso que esse pessoal entenda o que está acontecendo e se posicione em relação aos investidores. A gente tem que amadurecer a discussão. Embora a Bovespa tenha feito vários seminários, o enfoque era muito técnico.

Muitos advogados, muito RI, muita empresa e eu acho que não ficou bem compreendido. Por outro lado, empresas que não têm isso e que tem controle definido colocarem a cláusula no estatuto era outro problema. Essa reforma ia aprimorar a governança corporativa e permitir diminuir o custo de captação.

No final das contas, as regras do Novo Mercado poderiam ser adotadas por qualquer empresa em seus estatutos. Não tem nada na lei que impedisse uma empresa de adotar as regras do Novo Mercado em seu estatuto.

O que garantiria maior adesão seria a criação do Novo Mercado Premium e para pertencer ao Premium não poderia ter um acionista ou grupo de acionistas com 50% mais um, ter um comitê de auditoria com membros independentes e a maioria do conselho independente e adesões voluntárias.

A saída é discutir um pouco mais, esclarecer, explicar que a falta de uma regulação fez com que as companhias dessem um passo errado e adotar a regra europeia está muito mais na nossa tradição do direito. É muito melhor se auto-regular e se entender no mercado. E dar um novo salto no nível da governança.

Um comentário:

  1. Com a criacao do Novo Mercado, que surgiu para diferenciar um conjunto de empresas que possuem avancado nível de Governanca Corporativa, a BM&F Bovespa passou a atrair mais investidores, porém ainda há o que se fazer para que haja isonomia entre todos os acionistas de determinada empresa.
    Amaury Roldan - 10/0024386

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