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04 setembro 2017

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Pizza, cérebro e opináceos (fotografia)

A mansão de férias de Putin

Uber deve fazer IPO em até três anos

Empresas brasileiras conseguiram reduzir endividamento

Cemig questiona MP 579

Através da Medida Provisória 579, o governo Dilma promoveu uma grande reestruturação do setor elétrico. Naquele momento, algumas empresas resolveram entregar algumas concessões. Agora, o governo Temer pretende fazer um novo certame para os interessados. A Cemig, uma das empresas que não aceitaram a proposta do antigo governo, resolveu barrar no Supremo o leilão das ex-usinas da empresa. Segundo Fernandes e Moura (Por Cemig, governo de Pimentel ataca Dilma, Estado de S Paulo, 2 de setembro, B11) a empresa, no processo, afirmou o seguinte:

Utilizou-se a máscara de reorganizar o sistema elétrico brasileiro, mas seu intuito, na realidade, era simplesmente eleitoreiro.

O atual governo de Minas Gerais, principal acionista da Cemig, é do mesmo partido de Dilma. O texto também afirma que o governo estadual argumenta:

Caso as concessões das três usinas não sejam prorrogadas, a empresa perderá mais de 50% de sua capacidade de geração de energia elétrica com reflexos sociais e financeiros para a região. 

Somente o desespero para produzir uma pérola de argumento como este. Ao Supremo não interessa a perda de capacidade de geração da empresa. Haverá simplesmente uma transferência para outra entidade, não fazendo sentido o choro sobre reflexos sociais (item 2). Além disto, a empresa quando decidiu devolver as usinas sabia o que estava fazendo.

Um teste para a família Widjaja

A empresa Paper Excellence (PE) aparentemente efetuou a compra da empresa de celulose do grupo JF, a Eldorado Celulose, com uma oferta de R$15 bilhões pela empresa brasileira. Neste processo, três pontos interessantes se destacam: a história da PE e o preço de negociação.

A empresa PE faz parte do grupo Asia Pulp e Paper, que por sua vez pertence a família Widjaja. A PE tem sede na Holanda e começou suas atividades em 2007, com operações no Canadá. Atualmente a PE possui uma capacidade de produção de 2,7 milhões de celulose por ano (Scaramuzzo, Mônica. Dona da JBS fecha venda da Eldorado Celulose por R$ 15 bi em duas etapas, Estado de S. Paulo, 3 de setembro de 2017, p. B1). Apesar destas informações divulgadas na imprensa, a PE é, de certa forma, um mistério. Não possui página na wikipedia, na página da APP não existe referência a PE e sequer do negócio anunciado (vide aqui) e até na página da PE não existia nenhuma notícia sobre a aquisição.

História - A própria vida empresarial do seu fundador, Widjaja, possui algumas controvérsias. Nascido na China, imigrou para Indonésia com nove anos de idade, fez doutorado em economia em Pittsburg, Estados Unidos. Segundo a Wikipedia, iniciou seus negócios na década de 70 com a produção de soda caústica. O negócio cresceu durante o governo do presidente Suharto, um governante conhecido como estudo de caso sobre corrupção. Certamente a proximidade com a família Suharto deve ter favorecido o crescimento do grupo.

A partir de meados dos anos 1990 a APP iniciou um agressivo processo de expansão. Isto resultou num elevado endividamento, que não resistiu a crise a dívida da Ásia. A empresa declarou moratória de uma dívida que 14 bilhões de dólares. Posteriormente a dívida foi negociada, com elevado prejuízo para os financiadores. No início dos anos 2000 a empresa também esteve envolvida em outra controvérsia: sua política de desmatamento provocou a ira do Greenpeace, WWF e de outras organizações ambientais. A empresa tentou negociar acordos para reduzir os efeitos econômicos do boicote, que afetou encomendas por parte de empresas como a Mattel.

Negócio - Inicialmente a Eldorado seria negociada para um grupo chileno, que desistiu do negócio. O valor do negócio foi considerado excessivo por alguns analistas (Stella Fontes e Ivo Ribeiro, Asiátios oferecem prêmio alto para assumir Eldorado, Valor, 1 de setembro de 2017, B4). Nos 15 bilhões estão 7,7 bilhões de dívida líquida e correspondem a 2.792 dólares por tonelada. Usando este múltiplo na empresa Fibria, tem-se um preço da ação que corresponde ao dobro do negociado no mercado acionário. (Esta comparação não é muito adequada, já que a PE está também adquirindo o controle, que não é negociado no mercado). Segundo o Itau, o prêmio seria de 100%, enquanto o Citi estima o prêmio em 80%. Segundo o mesmo texto, desde 2004 o preço máximo desembolsado foi de US$2 mil. E o investimento realizado na Eldorado foi de US$1.467 por tonelada. (Este número deve ser considerado com cautela, já que estamos falando de valor de venda de uma empresa, não seu investimento)

Um aspecto da negociação que foi destacado pelo texto de Scaramuzzo é o fato de ter sido fechado em duas etapas. Parece que PE irá comparar uma parcela minoritária e depois fará uma aquisição completa. Não foram divulgadas notícias mais precisas sobre estes detalhes, mas este fato pode indicar que talvez o preço não seja o anunciado.

A PE possui uma capacidade de 2,3 milhões de toneladas e a capacidade da Eldorado é de no mínimo 1,7 milhão. Um executivo da empresa deu uma empresa hoje e afirmou estar feliz com o negócio (Stella Fontes e Carolina Mandi, Paper Excellence diz que Eldorado é chance rara, Valor, 4 de setembro de 2017). O negócio permitiria que a PE expandisse sua capacidade e incorporasse um tipo de produto onde sua produção é baixa, segundo afirmou o executivo da PE.

Preço adequado? - o valor de um negócio depende de muitas variáveis, sendo um número subjetivo. Talvez a Eldorado não tenha o valor de R$15 bilhões para um concorrente, como a Fibria. Ou assuste, por não ter informações claras sobre seus passivos, como parece que ocorreu com o grupo chileno, que inicialmente tinha preferência no negócio. Além disto, negociar com os irmãos Batista deve ser complicado, seja pela forma como eles transacionam, seja pelo risco judicial envolvido em razão dos potenciais desdobramentos das operações de investigação de corrupção. Os compradores parecem calejados nestas situações e o contrato deve ter cláusulas que resguardem algum problema.

Tudo leva a crer que o preço de negociação não foi à vista. Segundo declaração do executivo da empresa, “como o financiamento leva quase doze meses”. Segundo Carolina Mandl e STella Fontes (Compra de fatia minoritária assegurou negócio com JF, Valor, 4 de set, B3), a PE irá desembolsar 2,25 bilhões de reais agora e em até um ano o restante para garantir 100% das ações. Neste período terá que negociar com minoritários e os financiadores; basicamente, fundos de pensão e bancos oficiais de fomento.

Para quem deseja entrar no mercado produtor brasileiro, a aquisição da Eldorado pode ser interessante: os principais problemas para implantação de uma fábrica de celulose, como licença ambiental e tecnologia, já foram vencidos. Além disto, a família da indonésia já provou, no passado, que tem apetite pelo risco. Será um bom teste.

Rir é o melhor remédio


03 setembro 2017

Fato da Semana: Venda da Eldorado

Fato: Venda da Eldorado Celulose

Data: 1 de setembro

Contextualização - A empresa Eldorado Celulose pertencia aos irmãos Batista, do grupo JBS. Diante da crise do grupo e da necessidade de ter dinheiro, o grupo está decidido a desfazer de alguns negócios. Já vendeu anteriormente a Alpargatas e agora tenta comercializar a Eldorado.

Alguns interessados desistiram do negócio. Tudo parece encaminhar para venda da empresa para um grupo da Indonésia. A negociação seria em duas etapas.

Relevância - Num processo de negociação, o comprador faz uma diligência para certificar a qualidade do negócio e verificar se existe alguma pendência. O interessante da Eldorado foram as desistências de diversos interessantes. Aparentemente, o problema foram alguns passivos.
O processo é de interesse da contabilidade já que envolve uma transação de parte de uma empresa, com um prêmio elevado, onde os valores poderiam indicar um grande valor para a Eldorado.

Notícia boa para contabilidade? Não. Dada como certa a venda para um grupo chileno, sua desistência parece indicar alguns problemas obscursos na Eldorado. O histórico do grupo comprador também não inspira confiança.

Desdobramentos - A venda deverá ser concluída em 12 meses. Mas é preciso ficar a atento para uma eventual desistência.

31 agosto 2017

Eletrobras destruiu R$562 bilhões de valor do acionista em 22 anos

A notícia da possibilidade de privatização da Eletrobras trouxe também a oportunidade de analisar o papel desempenhado pela entidade nos últimos anos. Para fazer isto, usei os dados da empresa de 1995 até 2016. Ou seja, minha análise contempla o início do processo de estabilização, a mudança drástica do setor promovida no governo Dilma e inclui o último resultado da empresa.

Método - Na minha análise utilizei o conceito de lucro econômico. Esta medida de desempenho nada mais é do que considerar, após o lucro contábil, uma remuneração mínima para os acionistas. Em termos gerais, é possível provar que no longo prazo o lucro econômico equivale ao fluxo de caixa descontado, que é o método mais defensável de mensuração de desempenho de uma entidade. Para um determinado exercício social, o lucro econômico é medido da seguinte forma:

Lucro Econômico = Lucro Contábil - Taxa de Desconto x Capital Investido pelo Acionista

O lucro contábil é obtido numa base de dados; no meu caso, eu usei os dados das demonstrações consolidadas disponível na Economática (gráfico abaixo). No capital investido pelo acionista foi utilizado o patrimônio líquido contábil, apresentado pela empresa nas suas demonstrações. Apesar de parecer estranho, a mensuração do lucro econômico realmente utiliza o valor apurado pela contabilidade. Como se deseja saber o valor do retorno obtido pelo investimento na empresa, o montante utilizado corresponde ao valor inicial.

Um problema típico deste tipo de avaliação é determinar a taxa de desconto. Uma vez que o principal acionista da empresa é o governo federal, considerei nos cálculos do custo de oportunidade do capital. Basicamente é preciso imaginar qual o uso alternativo do dinheiro investido na empresa. Assumi que o mais razoável seria a taxa Selic:



Como estamos comparando valores de épocas distintas, faz-se necessário considerar a inflação. Afinal, nos primeiros anos da série a inflação chegou a 22% e não usar valores constantes poderia dar uma visão distorcida do desempenho da empresa. Escolhi como inflator o IPCA, do IBGE, um índice que expressa a inflação brasileira bem melhor que o IGP, muito usado no mercado, ou índices específicos. Assim, todos os valores estão corrigidos para o final de 2016.



Agregando valor para a empresa - a expressão do lucro econômico mostra que a agregação de valor depende de três variáveis: o lucro contábil, o custo de oportunidade de capital e o valor investido. No período analisado, a empresa gerou lucro em quase todos: somente de 2012 a 2015 o resultado foi negativo em 31 bilhões de reais, nominais. Em termos reais, o resultado contábil corrigido foi de 45 bilhões de reais. Aparentemente nada ruim para uma empresa estatal.

A segunda variável é o custo de oportunidade do capital. Quanto maior o custo, mais difícil é para a empresa conseguir agregar valor. Em razão das elevadas taxas da Selic dos primeiros anos, este custo de oportunidade apresentou um valor médio de 17,7%, nominais, sendo 7,57% ao ano o menor valor. Em termos reais, desde 2007 a taxa Selic ficou na casa de um dígito. Observe que quanto maior o custo da Selic, maior deve ser o lucro contábil para compensar o percentual.

A terceira variável é o capital investido. Durante o período a média do PL da empresa ficou em 66 bilhões de reais, sem considerar a inflação. Já quando se considera a inflação é possível observar um padrão nítido de descapitalização da empresa, conforme pode-se notar na figura abaixo. É verdade que o capital nominal sofreu uma forte redução nos últimos anos, passando de 77 bilhões no final de 2011 para 44 bilhões no último exercício social.

A redução do capital investido é boa em termos de agregação de valor: isto indicaria que os acionistas estão colocando menos recursos na empresa e continuam obtendo resultado. O problema é que a soma do lucro contábil obtido, da taxa Selic e do capital investido revela um resultado econômico ruim. O gráfico a seguir apresenta os números obtidos:



 Em nenhum exercício, a empresa foi capaz de gerar lucro econômico positivo. Vamos falar de outra forma: de 1995 a 2016 a Eletrobras só fez destruir valor. Em termos numéricos, isto significa uma destruição anual média corrigida de 25 bilhões de reais.



Observe que o gráfico possui a linha do zero no topo, indicando que todos os valores são negativos. Também é possível perceber que o desempenho de 1995 é claramente destoante; existe aqui uma explicação: a elevada taxa Selic, imposta no início do Plano Real. Assim, o número anterior está claramente influenciado pelo outlier de 1995. Veja o gráfico apresentado, sem o valor de 1995:



A média de destruição de valor anual foi de 20,8 bilhões de reais, corrigidos, sendo o melhor desempenho da empresa ocorrido em 2016.

Justificando a destruição de valor - Seria interessante verificar o efeito do lucro contábil, da taxa Selic e do capital investido no lucro econômico. O que queremos é tentar estabelecer o que foi mais relevante para a destruição de valor da empresa: o baixo desempenho do seu resultado contábil, o elevado custo de oportunidade do capital ou o montante excessivo de capital investido na empresa? Usamos aqui uma análise de correlação ao longo do período, retirando da série o ano de 1995.

Usando somente os valores nominais, a maior correlação foi com a Selic (-0,77). Já com valores sem o efeito da inflação, tanto o capital investido, quanto o custo de oportunidade do capital foram relevantes (-0,70 e -0,71).

Como estamos usando uma série histórica longa, uma questão surge naturalmente: qual a influência da pessoa que estava sentada na cadeira mais importante do Palácio do Planalto? Usando variáveis binárias para marcar os períodos do governo do PSDB, o governo Lula e Dilma, cheguei a uma constatação surpreendente: nenhum governo foi diretamente responsável pelos problemas da empresa. Mesmo no governo Dilma, com sua confusa mudança regulatória, a Eletrobras teve um desempenho diferente dos anos anteriores. Mesmo observando o gráfico acima, com a série histórica do lucro econômico corrigido, não podemos responsabilizar o PSDB pelo fracasso da empresa. (Se retirarmos os efeitos das decisões macroeconômicas, o resultado da empresa não apresenta diferença estatística)

A conclusão é a seguinte:

(a) a política não é uma variável relevante para explicar o desempenho da empresa;

(b) de 1995 a 2016, a Eletrobras destruiu valor para seu acionista no total de R$562 bilhões ou R$2.700 para cada brasileiro.