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17 outubro 2025

Veículo Elétrico e a depreciação


Quando surge uma nova tecnologia, a contabilidade precisa de algumas informações básicas para reconhecer e mensurar. De tempos em tempos, algo novo acontece no mundo das empresas e a contabilidade se vê diante do desafio de atribuir um valor a um ativo ou passivo. Mesmo situações já conhecidas podem desafiar o profissional em razão de um novo fato, como uma evolução tecnológica. Veja o caso do automóvel. Apesar de ser uma tecnologia com mais de um século de existência e de todo o conhecimento acumulado, o processo de mensuração pode se tornar um desafio quando surge alguma novidade no setor.

Esse foi o caso da popularização de um tipo diferente de automóvel, o veículo elétrico, ou EV na sigla em língua inglesa. Como o sucesso desse produto é muito recente, o valor contábil é determinado, a princípio, pelo preço de compra. Mas como depreciar o veículo elétrico? Essa é uma questão difícil de responder, pois a tecnologia é nova e boa parte do valor do ativo decorre da bateria. E ainda sabemos pouco sobre a vida útil da bateria de um veículo elétrico.

Algumas pistas, no entanto, começam a aparecer. Uma empresa indiana, a BluSmart, faliu e viu sua frota de veículos elétricos, adquiridos por 12 mil dólares, ir ao mercado por 3 mil dólares. É verdade que esse valor foi influenciado pela descontinuidade da empresa, mas outros exemplos parecem indicar que o problema realmente existe. Nos Estados Unidos, modelos da Tesla (gráfico) perderam 42% do valor em dois anos, enquanto veículos a combustão comparáveis apresentaram uma redução de apenas 20%. Uma tendência semelhante começa a surgir também no Reino Unido. 

Uma consequência disso é que empresas que possuem grandes frotas de veículos precisarão reconhecer a depreciação dos elétricos não pelas taxas usuais dos veículos a combustão, mas por um percentual maior. Caso contrário, o efeito aparecerá no momento da venda ou na realização de um teste de recuperabilidade decente – usei esse termo de propósito, pois não acredito que as empresas realizem esse procedimento de forma adequada.

Os efeitos já estão se manifestando na prática. Houve o caso reportado da Hertz, com um prejuízo de 2,9 bilhões de dólares em 2024, parte dele decorrente de seus EVs. A desconfiança aumenta quando se noticia que a BYD está realizando o seu maior recall, envolvendo mais de 115 mil veículos, devido a falhas no design e na instalação da bateria.

Um apanhado das notícias sugere que a taxa de depreciação de um EV deve girar em torno de 25% ao ano para representar com maior fidelidade a realidade. Quem sabe o desenvolvimento futuro permita trabalhar com uma percentagem menor nos próximos anos.

16 outubro 2025

IA não isenta de responsabilidade: o caso Deloitte na Austrália


O fato de alguém utilizar uma IA para elaborar uma pesquisa ou um trabalho não significa que os erros cometidos pelos algoritmos sejam automaticamente desculpados. Afinal, trata-se de falhas da própria pessoa que recorreu à IA sem realizar a necessária análise crítica.

Um exemplo recente demonstra bem isso: a tarefa pode até ser delegada a uma IA, mas a responsabilidade nunca é. Esse é um princípio antigo da administração que não deve ser esquecido. No ano passado, o governo australiano contratou a Deloitte para elaborar um estudo na área do mercado de trabalho. Vale lembrar que, anteriormente, o mesmo governo já havia enfrentado problemas com outra das chamadas big four, contratada para atuar na área tributária e que usava informações obtidas em seus serviços para ajudar clientes a reduzir o pagamento de impostos.

Menos de um ano depois, a Deloitte entregou o relatório, que foi disponibilizado publicamente pelo Department of Employment and Workplace Relations (DEWR). Um mês mais tarde, um pesquisador identificou problemas graves: citações de trabalhos acadêmicos inexistentes, referências falsas e até decisões judiciais que jamais ocorreram.

No início deste mês, uma nova versão do relatório foi publicada. Mas o estrago já estava feito. Afinal, a Deloitte havia recebido cerca de 290 mil dólares pelo serviço. Para conter o impacto em sua reputação, a empresa anunciou que restituiria parte do valor recebido. A Deloitte admitiu ter utilizado um modelo de IA, mas afirmou que as correções não alteram o conteúdo substancial do documento, nem suas conclusões e recomendações.

O episódio ganhou ampla repercussão na imprensa, com destaque para a cobertura do Australian Financial Review (AFR).

 

Bolsas de Produtividade do CNPq: inscrições abertas

Nesta semana (13/10) o CNPq abriu as inscrições para a "Chamada CNPq Nº 23/2025 Bolsas de Produtividade", com o objetivo de incentivar a produção científica, tecnológica e de informação.

As inscrições vão até 20/01/2026.

Leia mais: aqui

15 outubro 2025

Ainda blogando (e sonhando) depois de trinta mil

Queridos amigos e leitores, esta nova publicação vem com um entusiasmo especial: em quase vinte anos de blog, chegamos à postagem 30.000. Não tem como alcançar este número sem voltar ao passado e revisitar a estrada.

Ao pensar neste marco, algumas postagens se destacam.  Dois milhões”, sobre o marco de dois milhões de acessos, conta um pouco do início do blog, em 2006, e quando dois alunos entusiasmadíssimos,  o Pedro e a Isabel, foram convidados a participar. Quando a Isabel recebeu o convite, pulou de alegria, literalmente. Ela sentiu que fazer parte de uma equipe com pessoas tão inteligentes e criativas seria um ponto marcante em sua trajetória. O Pedro precisou se afastar para focar outras questões, mas a memória e o lugar permanecem.

A continuação daquela postagem é a intitulada “Fazer (e continuar) um blog é um ato de amor”, quando chegamos a três milhões de acessos. Algumas vezes acontecem coisas em nossas vidas e não sabemos se serão ou não grandiosas. Eu sempre senti que o blog seria importante pra mim, mas nunca imaginei que esses débitos e créditos da vida real seriam a ocupação mais estável, o interesse mais genuíno.

Na postagem “blogs acadêmicos morreram?” o professor César, ao falar sobre a motivação para blogar, destaca uma citação: “um [blog é] cérebro externo que dá sua “direção e recompensa de pastoreio de conhecimento”, permitindo que ele arquive as coisas que despertam sua curiosidade enquanto vagueia pela Internet.” E acrescenta que estar aqui ajuda a aperfeiçoar possíveis explicações em sala de aula, além de ser parte do processo de publicar e pesquisar, já que muitas ideias surgem exatamente quando se escreve. (Leia também: Por que os professores de contabilidade não blogam?)

Quanto à Isabel, escrever sempre foi o seu jeito de entender o mundo e por aqui ela aprendeu a transferir isso para outras partes da vida, em um mundo cheio de referências, ideias e variedade. Foi por aqui que ela se organizou e deixou grande parte do mestrado. E espera também, em breve, fazer uma simbiose com o doutorado. Porém os amigos que fizemos por aqui são, sem dúvida, a parte mais doce da recompensa.

Aqui é possível descobrir lados curiosos da contabilidade, que a vida profissional cotidiana não chega nem perto. Aqui também é possível aprender a olhar reportagens com um senso crítico diferente, acompanhando os textos com referências, provocações, críticas e observações. Aqui percebemos que dá pra misturar bem jornalismo e contabilidade. E entendemos que dá pra gostar de normas e de narrativas ao mesmo tempo. Foi seguindo dicas do blog que alguns se aventuraram por Mr. Robot, Breaking Bad, Malcolm Gladwell, Daniel Kahneman e tantas outras vozes que nos moldaram. Tanta coisa aconteceu por causa do blog...

Escrever é uma atividade tão viva, que começamos este texto com o propósito de refletir novamente sobre o porquê de blogar, mas a emoção nos levou por veredas imprevisíveis e chegamos aqui. Esse é, inclusive, um dos motivos de gostarmos tanto de ler o que é aqui publicado: os nossos “eus líricos”, perceber quando as nossas personalidades pulam das páginas. Como leitores, sentimos que blogs nos trazem o privilégio de espiar dentro da cabeça de mentes que admiramos.

Li em algum lugar, provavelmente aqui, que um blog é uma conversa que nunca termina. Enquanto houver algo que nos intrigue, uma história, uma dúvida, uma curiosidade, uma vontade de ensinar, continuaremos parando os nossos dias por outras 30 mil vezes para aparecer por aqui. E se você está por aqui lendo, é porque de alguma forma essa conversa é sua também.

E chegamos ao dia de hoje com a necessidade de reforçar o vínculo com o leitor. No tempo de IA, quando ficou muito prático fazer uma pergunta para o app no celular e obter uma resposta, ainda insistimos em entregar um conteúdo diverso, com comentários pessoais, e ligações do que ocorre no mundo com os débitos e créditos. Ainda queremos fazer planos e sonhos, como já fizemos nesses dezenove anos de postagens, que incluíam ter uma maior participação no Instagram, convidar outros amigos para ajudar na postagem, fazer um livro de piadas de contabilidade, um canal no youtube, repostagens do Rir é o Melhor Remédio no Instagram, entre outros tantos. Sim, não fizemos nada disso, mas sonhos não envelhecem. O fato de estarmos aqui, na trigésima milésima postagem, é prova que queremos mais.

Não procure uma razão racional para isso. O que gastamos de tempo e dinheiro – o blog tem despesa de hospedagem e outras – compensa, pois cada postagem contribui para que possamos atender a um apelo, que uma vez li em um livro, de caminhar na beleza.

Aqui estamos, escrevendo esta trigésima milésima postagem, a quatro mãos. E estaremos, quem sabe, escrevendo muitas outras.

Agradecemos imensamente a companhia.

Contabilidade Ambiental e os Desafios do BECCS nas Estratégias Corporativas


A pressão sobre as empresas em relação à questão ambiental nos últimos anos tem trazido desafios interessantes para a contabilidade, especialmente no que diz respeito às demonstrações financeiras.

Muitas organizações precisam justificar que não são “inimigas” do meio ambiente. Politicamente, isso as coloca em uma posição menos vulnerável diante de reguladores e investidores. No caso das empresas de tecnologia, com pesados investimentos em computação e energia, o dilema é evidente: possuem produtos desejados pelo público, mas precisam demonstrar que sua atividade não causa danos ambientais.

Uma estratégia encontrada tem sido o uso da técnica conhecida como BECCS (bioenergia com captura e armazenamento de carbono) para compensar emissões. Nesse modelo, o saldo climático se torna mais favorável, já que as companhias “adquirem” desempenho ambiental positivo. Funciona assim: diversas indústrias, como fábricas de celulose e usinas de biomassa, geram resíduos ricos em carbono que, ao invés de serem queimados, podem passar por sistemas de captura que impedem a liberação de CO₂ na atmosfera.

Assim, os investimentos das empresas de tecnologia nesses projetos aparecem como ações ambientais positivas: ajudam a reduzir emissões por meio dessa decisão.

No entanto, alguns desses resíduos já possuem usos alternativos e a captura pode estimular práticas nocivas, como o corte excessivo de florestas. Embora o BECCS possa oferecer benefícios climáticos, também levanta questões sérias sobre incentivos perversos, a integridade das alegações corporativas e os impactos ambientais associados ao aumento da demanda por biomassa — aspectos que muitas vezes não se refletem na contabilidade ambiental.

14 outubro 2025

Uma gafe histórica usando planilha

Para quem é fã de uma planilha, eis uma história interessante (via newsletter AFR)

Uma pequena mudança de ritmo nesta semana com um olhar para um erro real do Microsoft Excel, o famoso #REF!, que continua a assombrar a cantora Kelly Rowland.

O erro em questão é a cena do videoclipe Dilemma, de 2002, em que Rowland aparece “mandando mensagem” para o rapper Nelly usando o Excel. Fãs atentos de planilhas nunca deixaram de se fixar nessa gafe.

Rowland, que leva tudo com muito bom humor, disse à revista Elle em um novo post no Instagram: “Eu não sei de quem foi a brilhante ideia de mandar mensagem no Microsoft Excel, mas isso me persegue em todos os lugares para onde vou.”

A cantora contou que recebeu o celular-cenário momentos antes da filmagem e simplesmente seguiu com a cena. “Me entregaram o aparelho. Ele estava com o [Excel], e então, no vídeo, disseram ‘ah, precisamos de uma tomada com isso’ e eu pensei ‘acho que é assim mesmo’.”

Esse momento se tornou uma peça duradoura da história das planilhas. “E aqui estamos, 25 anos depois. [As pessoas me perguntam] ‘por que você estava mandando mensagem para ele?’ Cara, eu não sei. Eu não sei. Me perguntam isso literalmente toda semana.”

 A fotografia a seguir mostra a cena:

Eis o que consta do verbete da Wikipedia:

Em um momento do videoclipe, Rowland é vista tentando mandar uma mensagem para Nelly em um aplicativo de planilhas[a] usando seu Nokia 9210 Communicator. Nelly defendeu o uso do aplicativo em uma entrevista ao talk show australiano The Project, em novembro de 2016, explicando que ele era utilizado na época, apesar de ter se tornado obsoleto depois. Em entrevistas posteriores, Rowland admitiu não saber o que era o Microsoft Excel, o que gerou uma resposta da conta oficial do aplicativo no Twitter.

Metade dos textos produzidos hoje foram escritos por IA


A pesquisa Graphite com 65 mil URLs publicadas entre 2020 e 2025 para estimar a proporção de artigos gerados por IA versus artigos escritos por humanos concluiu que, atualmente, cerca de metade foi escrita por IA. É verdade que muitos textos resultaram de uma colaboração entre humanos e máquinas, mas acredito que seja muito próximo da realidade. 

Este próprio texto é um exemplo do processo: encontrei a citação na newsletter da Bloomberg, fui para o link, pedi ao GPT para fazer um resumo de que não gostei. Solicitei que a IA indicasse o trecho exato — que, de fato, não existia no link indicado. Só depois, sem ajuda da IA, localizei o trecho correto e o reproduzo aqui:

The percentage of AI-generated articles in this data set briefly surpassed human-written articles in November 2024, but the two have stayed roughly equal since. 

Depois de pronto, pedi à IA para fazer uma revisão ortográfica e gramatical. E fica a pergunta: a postagem foi feita por uma IA ou por um ser humano ou algo híbrido?