Isenções fiscais para organizações religiosas são comuns em todo o mundo e são fundamentais para a sustentabilidade financeira de muitas igrejas. Mas essas políticas, aparentemente neutras, podem ter consequências não intencionais que reconfiguram mercados religiosos e sistemas políticos.
Em um artigo no American Economic Journal: Microeconomics, os autores Raphael Corbi e Fabio Miessi Sanches mostram como as generosas isenções fiscais do Brasil para igrejas aceleraram inadvertidamente o declínio da dominância católica, ao mesmo tempo em que impulsionaram o crescimento entre denominações evangélicas.
“As isenções concedidas a igrejas são bastante disseminadas e muitas vezes até automáticas”, disse Corbi à AEA em entrevista. “Mas raramente são avaliadas em termos de suas consequências econômicas ou institucionais.”
Segundo Corbi, o Brasil oferece um estudo de caso convincente. O país passou por uma transformação religiosa dramática nas últimas décadas, saindo de uma predominância católica esmagadora para um cenário muito mais diverso, no qual as igrejas evangélicas ganharam participação substancial. Algumas projeções sugerem que o número de evangélicos pode chegar a 40% da população brasileira até 2032, superando a proporção de católicos.
Em vez de simplesmente documentar correlações, os pesquisadores construíram o que chamam de “modelo dinâmico de entrada e saída da concorrência religiosa”. Eles analisaram dados da Receita Federal do Brasil cobrindo todas as organizações religiosas registradas de 1992 a 2018, concentrando-se em 246 municípios isolados para garantir fronteiras de mercado claras.
O modelo trata as igrejas como empresas concorrentes, cada uma enfrentando decisões sobre onde entrar em novos mercados com base em custos de entrada, despesas operacionais contínuas e competição de igrejas já existentes. Ao acompanhar as aberturas e fechamentos reais de templos por quase três décadas, os pesquisadores conseguiram estimar esses parâmetros de custo para diferentes denominações e, em seguida, simular cenários contrafactuais perguntando o que teria acontecido se as igrejas enfrentassem diferentes cargas tributárias.
O modelo mostrou que reduções nas alíquotas de impostos geralmente levam a maior entrada de todas as igrejas. Mas também revelou uma assimetria marcante na forma como igrejas católicas e evangélicas operam.
“Pareceu óbvio depois que encontramos, mas não antes”, observa Corbi. As igrejas evangélicas normalmente se expandem alugando prédios simples, com mobiliário básico, o que resulta em baixos custos de entrada, mas despesas correntes mais altas. Já as igrejas católicas constroem seus próprios templos, muitas vezes com arquitetura e obras de arte sofisticadas, exigindo investimentos iniciais substanciais, porém custos operacionais menores. Como a política brasileira de isenção tributária afeta principalmente as despesas operacionais contínuas, essa estrutura de custos assimétrica gera um benefício fiscal desproporcional para as igrejas evangélicas.
Os pesquisadores estimam que, removendo as isenções e impondo uma alíquota de 30% — próxima à típica alíquota corporativa —, a participação evangélica em templos teria sido reduzida em aproximadamente 20 pontos percentuais. Nesse cenário, algumas denominações evangélicas teriam participação média muito próxima de zero, indicando que tal imposto poderia limitar as opções religiosas disponíveis.
O efeito da política tributária vai além dos mercados religiosos e alcança a política. A bancada evangélica no Brasil cresceu de 27 membros em 1994 para 187 em 2018. Usando dados eleitorais, os pesquisadores constataram que, quando igrejas evangélicas abriam, a fatia de votos para candidatos evangélicos aumentava cerca de 5 pontos percentuais nas eleições subsequentes, em comparação a municípios semelhantes sem abertura de igreja.
As conclusões levantam questões importantes sobre a relação entre política tributária e liberdade religiosa. “As políticas deveriam ser neutras em relação à religião”, disse Corbi. “O Estado não deve dar vantagem a uma denominação sobre outra. Mas parece que essas políticas estão, inadvertidamente, privilegiando certas denominações.”
O trabalho dos autores mostra como ferramentas econômicas podem iluminar consequências não intencionais de políticas aparentemente neutras. À medida que organizações religiosas continuam a desempenhar papéis relevantes na política mundial, entender essas dinâmicas pode se tornar cada vez mais importante para os formuladores de políticas.
“Church Tax Exemption and Structure of Religious Markets: A Dynamic Structural Analysis” appears in the August 2025 issue of the American Economic Journal: Microeconomics.
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