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16 agosto 2012

Ainda Petrobrás

Sobre a questão contábil da Petrobras, que já comentamos diversas vezes aqui nos últimos dias, o ex-presidente da empresa, Gabrielli, concedeu uma entrevista para o Estado de S Paulo (15 Ago 2012 B14)

A percepção é que a presidente Graça Foster está, aos poucos, revelando "esqueletos" deixados por sua gestão.

Isso é absurdo. Não tem nada de "esqueleto". Na questão dos poços secos, por exemplo. Poço seco é algo que ocorre ao longo do tempo. Ele é resultado de um processo de contabilidade dos investimentos realizados em exploração, com expectativa de retorno econômico. No momento que não há mais essa expectativa, esses investimentos vão a resultado [1]. Isso é clássico. Não há nada de novo nisso.

Mas existe algum motivo para que o balanço da empresa tenha lançado 41 poços secos, explorados em sua gestão, de uma só vez?

Não conheço o detalhe de cada um dos poços, não estou mais na Petrobrás, mas a decisão de levar a resultado poços secos é uma decisão contábil universal [2]. Não é específica da Petrobrás, não tem nada de especial. Nesse balanço, quatro grandes poços afetaram o resultado da Petrobrás, dos quais três eram em terra. Mas os dois grandes elementos que afetaram o balanço foram a variação do câmbio - que afetou em quase R$ 7 bilhões o resultado - e a diferença dos preços da gasolina e do diesel na comparação com o mercado internacional. São fenômenos que estão existindo há algum tempo.

Esses "fenômenos" poderiam ser mais bem gerenciados?

Não vou discutir Petrobrás. Estou falando genericamente. Eu saí da Petrobrás em 9 de fevereiro. O trimestre divulgado é posterior à minha saída.

Em entrevistas, o senhor se referiu à "inabilidade" da presidente Graça Foster nas apresentações feitas pela empresa...

Não disse isso. Não é uma questão de inabilidade, ou descuido. O problema é que você tem uma mudança que ocorre na maturação de um conjunto de mais de 600 projetos - que compõem o plano de negócios da Petrobrás -, que vai evoluindo. E a nova gestão tem de administrar essa nova realidade. Eu acho, e disse isso a ela pessoalmente, que alguns dos slides que ela apresentou não seriam os mais adequados. Ao representar a visão do mercado sobre a Petrobrás, na posição dela, ela traz para si algo que ela quer comprovar o contrário. Por exemplo: no que se refere a ajustes no processo de produção, a própria apresentação dela mostra que a produção vem sendo ajustada ao longo do tempo. No entanto, o que parece é que houve um ajuste de produção instantâneo, o que não é verdade. Ao dizer que os processos de definição dos projetos de investimentos nas refinarias têm uma forma de aprendizado, também. Isso já vinha sendo feito.

As apresentações trouxeram novas metas de produção, revisadas para baixo. Elas ficaram mais realistas?

Não vou comentar sobre isso. Deixei de ser presidente da Petrobrás em fevereiro.

Mas houve perda de eficiência operacional. Na Bacia de Campos, por exemplo, caiu de 90% para 71%. Um dos motivos apontados é a má gestão dos recursos na exploração...

Olha a interpretação. Há três grandes fases na produção de petróleo, a de exploração, a de desenvolvimento - implantar as plataformas, oleodutos, gasodutos, sistemas de controle, infraestrutura de transporte - e a de produção. Em todas elas você precisa de equipamentos. Se há uma fase de grandes descobertas, com prazos para desenvolver, você precisa fazer escolhas. Por exemplo: cinco anos atrás, a Petrobrás tinha duas sondas para mais de 2 mil metros de profundidade. Agora, ela vai ter 30, no fim do ano. Mas você tinha de optar. Ou eu usava essas sondas para fazer perfuração exploratória ou para desenvolver a produção. E essas coisas não acontecem no mesmo lugar. Eu tenho atividades exploratórias nas novas fronteiras e tenho as atividades mais antigas, em áreas como a Bacia de Campos, produzindo há muitos anos. Evidentemente, a eficiência no uso desse maquinário no desenvolvimento da produção, se eu tenho uma fase de mudança em quantidade de sondas, no tempo vai mudar. O que faz com que isso tenda a se acelerar quando você vai maturando os campos. Na medida em que isso vai acontecendo, o declínio da produção se acelera. Portanto, as intervenções necessárias nos campos mais maduros são maiores, com a necessidade de mais sondas. Quando se fala em perda de eficiência, não quer dizer que foi algo que não foi feito certo, foi que face a uma realidade de escassez de recursos críticos (as sondas), a opção de investir na exploração afeta a produção.

Ainda sobre gestão, há o caso das novas refinarias, que estão atrasadas e vão custar de três a seis vezes mais do que as similares no exterior. O que houve?

Quando as quatro refinarias em questão - a Abreu e Lima (PE), as Premium I (MA) e II (CE) e a Clara Camarão (RN) - foram pensadas, elas foram planejadas para o Nordeste porque a região era a que tinha menos áreas de refino da Petrobrás e a que estava mais bem posicionada, geograficamente, em relação à Europa e aos Estados Unidos. Naquele momento, o mercado brasileiro estava estável havia mais de dez anos, em termos de consumo de combustível. Como a perspectiva de produção era grande, a lógica era atender o mercado internacional. Essa equação mudou muito nos últimos seis, sete anos. O Brasil passou a crescer no mercado de consumo e hoje tem uma taxa de crescimento extraordinária. A demanda por gasolina cresceu mais de 40% nos últimos seis anos no País. Não há mercado no mundo com crescimento tão grande. As refinarias, pensadas para atender o mercado externo, tiveram de ser replanejadas para atender o mercado interno. Ou seja, mudou completamente a lógica. E esse processo se deu ao mesmo tempo em que a experiência da Petrobrás no processo de construir uma refinaria, algo que não fazia desde 1980, foi se maturando. A experiência de construir a Abreu e Lima foi a de sair de mais de 30 anos sem construir uma refinaria. A Petrobrás tentou fazer o projeto por si só, tentou fazer a estimativa de custo com base em seus próprios dados, e, consequentemente, errou. [3]

Mas é explicável que elas custem de três a seis vezes mais do que as do exterior?

Acho que a diferença é possível [4]. Se o Brasil tivesse um mercado decadente em termos de consumo de combustível, como os dos Estados Unidos, da Europa ou do Japão, nos quais o consumo per capita cai e há disponibilidade de refinarias velhas e baratas, talvez não se pudesse justificar. Mas essa não é a realidade do mercado brasileiro, que é um mercado pujante, em crescimento, como o chinês e o indiano. E o que está acontecendo na Índia e na China? Construção de refinarias. Além disso, o custo de se levar um barril de petróleo para os EUA, para refinar, e trazer de volta só traz prejuízos à Petrobrás e para a população brasileira. Só o diferencial de logística já justifica a construção.

Outra coisa muito comentada é a ingerência política na empresa, sob sua administração. Chama a atenção, na atual administração da Petrobrás, a troca dos diretores. Do seu tempo, só ficou o diretor financeiro, Almir Barbassa. O que se fala é que os indicados politicamente estão sendo trocados por técnicos...

E antes não havia técnicos? Na época em que eu era presidente da Petrobrás, o único não petroleiro, o único "terceirizado", era eu. Todos tinham 30 anos, 35 anos na Petrobrás, inclusive (a atual presidente) Graça. Interpretação, quem quiser fazer tem o direito de fazer. O fato é que a diretoria é constituída de técnicos, nos últimos nove anos [5].

E na gestão da empresa, em questões como os preços praticados pela Petrobrás no mercado, como foi a interferência do governo nas decisões?

Eu sempre defendi a política de preços da Petrobrás, na lógica de que não há necessidade de repassar para o mercado brasileiro as flutuações de preço do mercado internacional. As características do mercado brasileiro, com grande concentração de refino na mão da grande produtora de petróleo do País, com um mercado crescente, com o álcool como alternativa, não são adequadas para flutuar o preço na refinaria a cada momento que há variação internacional. Agora, evidentemente que, se caracterizada uma tendência clara no preço internacional, não há como a Petrobrás ficar isolada. Não só por uma razão política, mas por uma razão econômica. O mercado brasileiro é aberto. Então, se o preço dos combustíveis no Brasil ficarem acima do mercado por muito tempo e com a expectativa de que vão continuar altos, as importações de outros players vão existir.


[1] A frase é estranha e de difícil entendimento. A questão, que será discutida mais adiante, não é o fato do poço seco ir para resultado (não "investimento"); é a quantidade de poços, que o repórter não deixa escapar.

[2] Correto. A questão é o tempo: quando você deve levar a resultado. É universal que isto deveria ocorrer assim que isto fosse constatado.

[3] Não respondeu a pergunta.

[4] Não é possível, exceto se existirem custos "ocultos" nos projetos.

[5] Existem casos de políticos.  Um exemplo: José Eduardo Dutra.

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