Translate

22 maio 2006

Bolha no Brasil

Uma reportagem da revista Istoé Dinheiro questiona se não teríamos uma bolha nos recentes lançamentos de ações no Brasil. Eis a reportagem:

Existe uma bolha na bolsa?
O valor de mercado das empresas que abriram capital nos últimos dois anos descolou da realidade do pregão. Essa exuberância é irracional?


Por Daniella Camargos

Qual empresa vale mais, a fabricante de cosméticos Natura ou a telefônica Embratel? A Gol, caçula das companhias aéreas brasileiras, ou a Acesita, maior produtora de aço inoxidável da América Latina? Engana-se quem pensa que as gigantes da velha guarda são mais valiosas, pelo menos na Bolsa de Valores. As recentes ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, no jargão do mercado) não só estão servindo para aquecer as negociações na Bovespa como para mudar as referências de preços do mercado. Mesmo com uma receita 20% menor e um lucro 40% inferior, a Gol vale quase seis vezes mais que a Acesita. Por sua vez, a Natura equivale a duas Embratel, que tem o triplo do faturamento. O valor de mercado alcançado por outras empresas recém-lançadas na bolsa também surpreende. A produtora de açúcar e álcool Cosan, por exemplo, vale mais de cinco vezes a Petróleo Ipiranga. E a locadora de automóveis Localiza empata com a Perdigão. Dada a exuberância, potencialmente irracional, das companhias que abriram capital nos últimos dois anos, o mercado começa a fazer perguntas. Existem fundamentos reais para que as novatas do pregão sejam mais valiosas do que as veteranas? Ou a supervalorização dos ativos é o prenúncio de uma bolha?

As opiniões dos analistas se dividem. Os que afastam a hipótese da bolha não economizam argumentos para justificar a súbita valorização das calouras. A primeira justificativa, e talvez a de maior peso, é o fato delas terem aderido aos mais altos padrões de governança corporativa da bolsa, ao listarem suas ações no Nível 2 e no Novo Mercado. “O investidor considera justo pagar um prêmio maior pela transparência e pelo compromisso de prestação de contas aos minoritários”, diz Clodoir Vieira, analista da corretora Souza Barros. Seguindo este raciocínio, alguns especialistas acreditam que, se as empresas com mais tempo de pregão migrarem para tais níveis de governança, poderão sofrer uma reavaliação positiva no preço de suas ações, que estariam depreciadas. A prova poderá ser tirada com a Telemar, que pretende pulverizar seu capital, aderindo ao Novo Mercado. Os controladores da companhia condicionaram este movimento a uma alta de 62% na cotação das ações, o que significaria um acréscimo de R$ 11,4 bilhões no valor de mercado da operadora de telefonia. “Se a operação da Telemar der certo, será o divisor de águas do mercado de ações brasileiro”, acredita Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset Management. “Ávidas por atrair investidores, outras empresas tradicionais poderão seguir o mesmo caminho”, diz.

A segunda explicação para a rápida valorização das novatas no pregão é o grande potencial de crescimento. “A Gol, por exemplo, pode dobrar de tamanho num prazo muito curto caso conquiste os passageiros da Varig”, diz Vieira, da Souza Barros. Outra justificativa é a redução do risco país pelas agências internacionais. “Ela faz melhorar a percepção dos investidores, principalmente estrangeiros, sobre os ativos brasileiros”, diz Marco Melo, diretor de pesquisa em ações da corretora Ágora Sênior. Além disso, há, atualmente, uma farta liquidez internacional. Do total dos 16,2 bilhões em ações ofertadas no mercado brasileiro em 2005, 60% foi absorvido por investidores estrangeiros em busca de boas oportunidades de ganho.

Há quem acredite, porém, que tais argumentos não são suficientes para afastar a hipótese de uma euforia especulativa. “Nada justifica o fato de o valor de mercado médio das empresas que fizeram IPO recentemente representar cerca de 32 vezes seu lucro líquido, enquanto as maiores empresas do Brasil, com menor risco, valem aproximadamente 15 vezes o lucro líquido”, afirma Rodrigo Pasin, sócio da Value, uma consultoria especializada em avaliação de ativos. Por este critério de comparação, as novatas na bolsa estão valendo em média duas vezes mais que as companhias consideradas investment grade pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s. Isto é estranho, já que, pelo menos em tese, as empresas de risco mais baixo deveriam valer mais, por apresentar um custo de capital menor.

No caso da loja eletrônica Submarino, o preço atual dos papéis corresponde a 52 vezes o resultado operacional do ano anterior. Teoricamente, explica Pasin, isso significa que o prazo para que os resultados da companhia se equiparem ao preço pago por cada ação será de 52 anos. Além disso, lembra o consultor, muitas ofertas de ações estão ocorrendo para propiciar a saída de fundos de capital de risco ou de sócios das empresas. E não para capitalizar a companhia e turbinar seu crescimento. É o caso de Natura, Submarino e DASA (Diagnósticos da América, controladora dos laboratórios Delboni Auriemo), entre outras.

Na opinião de Póvoa, da Modal, os números das estreantes no mercado de ações impressionam porque há uma dificuldade de se aceitar que, atualmente, a economia de serviço (da qual faz parte a maioria das empresas que abriu capital nos últimos dois anos) é mais valorizada que a economia industrial. De fato, as companhias do chamado setor terciário estão ganhando uma importância cada vez maior no mundo dos negócios. Já há algum tempo que, lá fora, empresas do que um dia chamou-se “Nova Economia”, como Google e Microsoft, valem mais do que companhias tradicionalíssimas, como a General Motors. “Não existem explicações tangíveis para a rápida valorização dessas empresas”, diz Póvoa. “Por isso, os erros de avaliação podem ser maiores e, conseqüentemente, os riscos também”. Ele descarta, porém, a possibilidade de uma bolha estar sendo formada. “Ao contrário do que ocorreu com as empresas de Internet anos atrás, as companhias que chegaram recentemente à bolsa dão lucro e têm um histórico para ser avaliado.”

Se falta consenso entre os especialistas sobre a existência ou não de uma bolha, sobra certeza em relação à possibilidade de um ajuste no preço dos novos ativos. Segundo os analistas, à medida em que as empresas novatas na bolsa atingirem a maturidade, ou seja, finalizarem os investimentos previstos, o preço de suas ações será ajustado. “A velocidade e a intensidade em que isso acontecerá vai depender dos resultados futuros das companhias” diz Vieira, da Souza Barros. Isso significa que investidores tentados a investir agora pelos retornos altos e de curto prazo relatados nos últimos balanços correm o risco de apostar nas empresas no momento errado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário