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11 setembro 2018

Tese em formato de artigo

Eu faço parte de um programa de pós-graduação bastante criativo, modéstia a parte. Há anos, diante da restrição de doutores na área, criamos um curso em que quatro (depois três) universidades colaboravam entre si e que permitiu a formação de centenas de mestres e dezenas de doutores. Além de ser criativo no formato, o programa também foi criativo na sua finalização, onde as três universidades optaram, de forma bastante amigável, pela separação.

Na criação do programa da UnB decidimos que a tese de doutorado seria feita no formato de artigo. Algo pouco usual na nossa área, mas que já se torna uma realidade em diversos países. A duas primeiras teses, Rafael e Mariana, já assumiram este formato.

O que seria o formato de artigo? A tese tradicional corresponde a um grande assunto, dividido em uma introdução, uma extensa revisão bibliográfica, uma metodologia, seguida da análise dos dados e conclusão. Para impressionar, geralmente a tese deve ter um tamanho acima das cem páginas. O formato artigo é diferente; a tese é composta por vários artigos, que podem ser inéditos ou não. Isto já é um heresia, já que no meio acadêmico prevalece a noção de que deve existir ineditismo e originalidade. Além disto, estes artigos devem ter uma relação entre si, com uma introdução e conclusão para amarrar os artigos individuais. É possível que um dos artigos seja uma extensa revisão bibliográfica, mas não é obrigatório.

A grande vantagem deste formato é aproximar a tese de um artigo publicável. Acreditamos que o formato pode ajudar a tirar a tese do arquivo da biblioteca da instituição e ser divulgada em um periódico. Isto ajuda o doutorando a conseguir, de forma mais rápida, um currículo acadêmico.

Mas o formato artigo tem alguns desafios. Em primeiro lugar, é necessário vencer a resistência dos acadêmicos tradicionais. Em geral isto é possível diante da longa história de trabalhos que não foram publicados. Para um orientador, a dedicação sem um resultado de publicação é realmente frustrante. E este é provavelmente um grande critério que um professor orientador usa no momento de definir suas orientações: será que este aluno irá ajudar na publicação.

O segundo desafio é evitar a repetição. Se você está construindo três artigos sobre um mesmo assunto, é provável que parte das referências e da própria metodologia esteja repetida.

O terceiro desafio é o fato de que o artigo pode não ser aceito por um periódico. Isto gera uma insegurança no doutorando. Mas este aspecto foi bem abordado no link citado acima:

O importante é lembrar que a rejeição é uma parte normal do processo. A decisão nem sempre é sobre a qualidade do trabalho, mas seu encaixe no periódico naquele momento específico.

O quarto desafio é a relação com o orientador, que será diferente neste formato. Na tese tradicional, o trabalho, depois de aprovado, era transformado em artigo. Na minha experiência de orientador, já tive situações onde o orientando decidiu não publicar; o sentimento do orientador é de perda de tempo. Também já tive situações onde o orientando optou por publicar sozinho; respeito sempre esta decisão, mas se foi um aluno de mestrado, recusarei a orientação no doutorado. E já tive casos em que atuei como um orientador informal em que fui convidado a participar da publicação. Em alguns programas, como é o caso do doutorado da UnB, parte da publicação deve ser com o orientador, obrigatoriamente. Mas esta obrigação não existe no mestrado do programa. Caso o orientador participe do trabalho, conversando, dando ideias e/ou fazendo parte do trabalho é natural que seja considerado como autor do artigo.

O quinto desafio é a curva de aprendizagem do orientador. Estamos acostumados ao formato tradicional; o formato artigo possui diversos problemas - repetição, rejeição de publicação, distinguir pesquisas próximas, entre outros - que não sabemos ainda como lidar. Somente a experiência de orientação vai solucionar isto. Para o orientador é um novo recomeço, uma nova experiência.

Apesar dos desafios, creio que há grandes ganhos no formato artigo. Suas vantagens superam amplamente os desafios. Acredito que permita aumentar a produção de artigos originários dos trabalhos finais de curso.

Aqui uma postagem anterior sobre o mesmo assunto

Síndrome do impostor

A sindrome do impostor é a sensação que temos que estamos fora do lugar no nosso trabalho; é a sensação que temos que não estamos preparados para fazer o que estamos fazendo. É o nosso sentimento de fraude no trabalho que fazemos.

A pesar de haber demostrado su competencia en el día a día, las personas que sufren el síndrome del impostor están convencidas de que no merecen el puesto que tienen o el éxito que han conseguido. Cuando les va bien, piensan que es cuestión de suerte o coincidencia. Les cuesta trabajo creer en su talento y sienten que engañan a todo el mundo.

Parabéns se você já sentiu a síndrome do impostor. Sinal que tem um senso crítico razoável. E talvez seja uma condição prévia para aprender: reconhecer as suas limitações.

Morosidade da justiça brasileira 2

O problema da morosidade da justiça não decorre da falta de recursos. Pelo contrário: há muito dinheiro. Veja outra notícia sobre o assunto:

Se comparados com os vencimentos de juízes em outros países, porém, os contracheques do Judiciário brasileiro estão longe de ser modestos. Um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej, na sigla em francês) mostra que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do país (que era de R$ 2.154 no fim de 2017).

Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, 65,7 mil euros por ano. Ao câmbio de hoje, o valor equivaleria a cerca de R$ 287 mil - ou R$ 23,9 mil mensais.

Segundo a última edição do relatório Justiça em Números, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem hoje cerca de 18 mil magistrados (juízes, desembargadores, ministros). Eles custam cada um, em média, R$ 47,7 mil por mês - incluindo salários, benefícios e auxílios. O custo de um magistrado é portanto quase 40 vezes a renda média do trabalhador brasileiro.

Se os salários no STF forem reajustados para R$ 39,3 mil, passarão a ser 39 vezes maiores que o salário mínimo previsto para 2019 - de R$ 998.


Morosidade da justiça brasileira

A morosidade da justiça brasileira é muito grande. A presença de recursos, prazos diversos e permissividade com a alegação de permitir a defesa ampla das partes é totalmente irracional.

Veja o caso de um processo julgado no início de setembro pelo STJ (via aqui), envolvendo a Estrela e a União. Neste processo, a empresa de brinquedos pede indenização por prejuízos com a mudança da alíquota de importação e abertura do mercado nacional em ... 1994. Há 24 anos o governo federal reduziu o imposto de importação, de 30% para 20%. A empresa alega que os produtos chineses invadiram o mercado e foi responsável pelo fechamento de fábricas.

O tribunal deu ganho de causa para o governo. O argumento de que a empresa sabia com antecedência da mudança na política industrial prevaleceu. A questão já ultrapassa a duas décadas e faz a alegria dos advogados - que “trabalharam” nestes 24 anos.

O problema poderia ser resolvido de duas formas: redução nas possibilidades de extensões de prazo e eliminação dos pedidos de vista. Eis o que diz a notícia:

O julgamento foi retomado no STJ com o voto-vista do ministro Benedito Gonçalves. O magistrado já havia acompanhado o relator, o ministro Gurgel de Faria. Mas resolveu pedir vista depois das manifestações dos demais integrantes da turma. 

Duas observações e que enfatizam a sugestão de eliminar os pedidos de vista:
1) os processos no STJ já são, há tempos, eletrônicos. Assim, o ministro Gonçalves poderia ter tido acesso ao processo a qualquer momento.
2) quem conhece os tribunais superiores em Brasília sabe que o trabalho de um ministro é feito principalmente pelos seus funcionários. Assim, quando um ministro pede vista a sua assessoria já deveria ter um posicionamento sobre o assunto.

Com estas duas medidas, os processos seriam mais céleres, reduzindo o que o país gasta com atividades que não agrega valor; no caso, rábulas.

Rir é o melhor remédio





Rafael Mantesso e seu cão

10 setembro 2018

VW e o escândalo do diesel: a conta está chegando

Sabe a manipulação da Volkswagen na emissão de diesel? A conta já está salgada e pode ficar ainda mais. Começou na Alemanha no dia de hoje um julgamento coletivo que pode representar 9 bilhões de euros para a empresa. Alguns investidores consideraram que a empresa sabia do escândalo e não avisou os acionistas no tempo hábil. Quando a notícia chegou ao mercado, as ações da empresa caiu 37%. Os acionistas querem um compensação pela perda.

Isto tudo ocorreu em setembro de 2015. O promotor estadual de Braunschweig já aplicou uma multa de € 1 bilhão em julho de 2018. A empresa já pagou mais de 14 bilhões de dólares nos Estados Unidos. Agora chegou a vez da Alemanha.

"A VW deveria ter dito ao mercado que eles trapacearam e geraram risco no valor de bilhões", disse o advogado Andreas Tilp, que lidera a equipe jurídica de Deka. "Acreditamos que a VW deveria ter dito ao mercado, até junho de 2008, que eles não poderiam fabricar a tecnologia de que precisavam nos Estados Unidos".

Observe como isto é diferente do que ocorreu com a Petrobrás. A defesa da empresa era que a entidade não sabia do que estava ocorrendo. E que era uma vítima da corrupção generalizada. Este argumento parece que não está sendo colocado pela VW. Afinal, se uma entidade não possui controles suficientes, deve ser punida, assim como seus executivos. A empresa não é vítima.

Leia mais aqui e aqui

Bain e a provisão por um serviço duvidoso

O que fazer quando o contador descobre que a receita obtida pela empresa em um serviço prestado a um órgão do governo teve uma finalidade política pouco recomendável. No caso, a sua empresa foi contratada para produzir um relato usado como vingança política.

O contador da empresa de consultoria Bain decidiu provisionar o valor da receita. A empresa, assim como a KPMG e a McKinsey, envolveram com a figura do corrupto ex-chefe de estado da África do Sul, Zuma. O caso da KPMG é bastante conhecido dos leitores (aqui, aqui e aqui). Já a Bain, um renomada empresa de consultoria, foi contratada pelo fisco da África do Sul para promover mudanças no fisco para perseguir inimigos de Tom Moyane, presidente do fisco.

O fisco da África do Sul está solicitando que a Bain devolva o dinheiro recebido, já que o presidente da Bain no país reconheceu que a empresa foi “usada” por Moyane no início do mês.

O trabalho da Bain foi realizado em 2015 e a empresa propôs várias mudanças no fisco, mas nenhuma foi implementada. Antes disto, Massone, o presidente da Bain na África do Sul, tinha encontrado pessoalmente com Moyane e o próprio Zuma. Inicialmente o projeto era de 2 milhões de dólares, que terminou como sendo 164 milhões. Massone deixou seu cargo, como parte do esforço da “reservada” empresa de consultoria em salvar as aparências. O anúncio da contabilidade da empresa naturalmente faz parte deste esforço.

Rir é o melhor remédio

Anteriormente publicamos sobre um fotógrafo que transforma um ambiente e produz fotos belíssimas. A seguir, um homem que tira fotos com heróis (na verdade, pequenos bonecos de brinquedo) de um determinado ângulo, com um resultado bem engraçado:





09 setembro 2018

Amigos, distância e instrução

A nossa rede de amigos revela muito sobre o que somos. E o próprio fato, raro, de não termos redes sociais. Uma pesquisa publicada no Journal of Economic Perspectives (via aqui) mostrou que pessoas de baixa renda e como pouca instrução tendiam a morar perto dos seus amigos. Veja a figura a seguir do artigo:


Tributando vendas da Amazon

Resumo:

For years, online retailers have maintained a price advantage over brick-and-mortar retailers by not collecting sales tax at the time of sale. Recently, several states have required that online retailer Amazon collect sales tax during checkout. Using transaction-level data, we document that households living in these states reduced Amazon purchases by 9.4% after sales tax laws were implemented, implying elasticities ranging from –1.2 to –1.4. The effect is more pronounced for large purchases, for which we estimate a reduction of 29.1% in purchases, corresponding to an elasticity of –3.9. Studying competitors in the electronics field, we detect some evidence of substitution toward competing retailers.

The 'Amazon Tax': Empirical Evidence from Amazon and Main Street Retailers (with Itzhak Ben-David and Hoonsuk Park) Journal of Finance. 

Resultado de imagem para amazon tax sale

Rir é o melhor remédio

Enquanto isto, na internet:




08 setembro 2018

Publicar ou perecer

O nome é infeliz, mas o assunto é importante: a publicação de pesquisadores em "revistas predatórias", ou seja, periódicos internacionais onde o critério de publicação é frouxo, é reduzido entre os brasileiros, mas a prática está crescendo. Menos de 1% doas artigos foram publicados nestes periódicos.

A determinação de uma "revista predatória" também é controverso. Há uma listagem de 1,5 mil publicações suspeitas, o periódico não fazer parte do Doaj e a inexistência de fator de impacto no Journal Citation Reports.

Embora a penetração das revistas predatórias seja restrita, o estudo apontou motivos de preocupação. Um deles é que vem crescendo o número de autores brasileiros que recorrem a esses periódicos. “Entre 2010 e 2015, triplicou o número de artigos de brasileiros em revistas listadas por Jeffrey Beall”, diz o engenheiro Denis Borenstein, especialista em pesquisa operacional aplicada, um dos autores do estudo. O dado mais delicado, porém, é que várias revistas apontadas como predatórias estavam presentes no sistema Qualis Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que classifica cerca de 30 mil publicações para avaliar a produção científica dos programas de pós-graduação do Brasil. “Em todas as áreas do conhecimento, havia revistas recomendadas pelo Qualis que se encaixam nos três critérios adotados por nós para identificar práticas predatórias. Nenhuma delas têm conceito elevado, mas o fato de valerem algo na avaliação estimula pesquisadores a submeterem artigos a elas”, explica Borenstein.


Um aspecto interessante é a questão da idade do pesquisador:

O estudo fez outras constatações. Não se confirmou a ideia de que pesquisadores jovens e inexperientes são o público principal desses periódicos. Observou-se que, quanto mais antigo era o título de doutor, maior era a probabilidade de o autor publicar em títulos suspeitos. “A má conduta está associada a pesquisadores experientes, que possivelmente têm conhecimento das práticas levianas, mas acham que podem se beneficiar delas.”