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16 abril 2024

Sobre a IA do Google

Uma extensa reflexão sobre o Gemini, do Google, por Nate Silver. 

Mas então este mês, o Google lançou uma série de novos modelos de IA que ele chama de Gemini. Está cada vez mais claro que Gemini está entre os lançamentos de produtos mais desastrosos na história do Vale do Silício e talvez até na história recente das corporações americanas, pelo menos vindo de uma empresa do prestígio do Google. Wall Street começou a perceber, com as ações do Google (Alphabet) caindo 4,5 por cento na segunda-feira em meio a avisos de analistas sobre o efeito do Gemini na reputação do Google.

Gemini chamou minha atenção porque a interseção entre política, mídia e IA é um lugar no Diagrama de Venn onde acho que posso agregar muito valor. Apesar das afirmações do Google em contrário, as razões para as deficiências do Gemini são principalmente políticas, não tecnológicas. Além disso, muitos dos debates sobre o Gemini são território familiar, pois paralelizam debates de décadas no jornalismo. Os jornalistas devem se esforçar para promover o bem comum ou simplesmente revelar o mundo como ele é? Onde está a linha entre informação e advocacia? É possível ou desejável ser imparcial — e se sim, como se consegue isso?² Como os consumidores devem navegar em um mundo repleto de desinformação — quando às vezes a desinformação é publicada pelas fontes mais autoritárias? Como as respostas são afetadas pela crescente consolidação da indústria em direção a alguns grandes vencedores — e pelo aumento da polarização política nos EUA e em outras democracias industrializadas?

Todas essas perguntas podem e devem ser feitas também sobre modelos de IA generativa como Gemini e ChatGPT. Na verdade, elas podem ser ainda mais urgentes no espaço da IA. No jornalismo, pelo menos, nenhuma instituição pretende ter o monopólio da verdade. Sim, alguns veículos de notícias chegam mais perto de fazer essa afirmação do que outros (veja, por exemplo, "todas as notícias que são adequadas para imprimir"). Mas leitores astutos reconhecem que publicações de todos os tipos e tamanhos — de The New York Times a Better Homes & Gardens até Silver Bulletin — têm pontos de vista editoriais e exercem muita discrição sobre os assuntos que cobrem e como os cobrem. O jornalismo ainda é uma instituição relativamente pluralista; nos Estados Unidos, nenhum veículo de notícias tem mais do que cerca de 10 por cento de "participação mental".

Em contraste, em seu texto da IPO [oferta pública de ações] de 2004, o Google afirmou que sua "missão é organizar as informações do mundo e torná-las universalmente acessíveis e úteis". Obviamente, isso é um empreendimento bastante ambicioso. Ele quer ser a fonte autoritária, não apenas uma entre muitas. E isso se reflete nos números: o Google tem quase um monopólio com cerca de 90 por cento do tráfego de busca global. Modelos de IA, por necessitarem de tanta capacidade de computação, também tendem a ser extremamente concentrados, com no máximo alguns grandes players dominando o espaço.

Em seus primeiros anos, o Google reconheceu sua posição líder no mercado ao lutar pela neutralidade, por mais desafiador que isso possa ser na prática. Em seu IPO, o Google enfatizou frequentemente termos como "imparcial", "objetivo" e "preciso", e essas eram partes centrais de seu lema "Não seja mau" (ênfase minha):

NÃO SEJA MAU

Não seja mau. Acreditamos fortemente que, a longo prazo, seremos melhor atendidos — como acionistas e de todas as outras maneiras — por uma empresa que faça coisas boas para o mundo, mesmo que abdiquemos de alguns ganhos de curto prazo. Esse é um aspecto importante da nossa cultura e é amplamente compartilhado dentro da empresa.

Os usuários do Google confiam em nossos sistemas para ajudá-los com decisões importantes: médicas, financeiras e muitas outras. Nossos resultados de busca são os melhores que sabemos produzir. Eles são imparciais e objetivos, e não aceitamos pagamento por eles ou por inclusão ou atualização mais frequente. Também exibimos publicidade, que trabalhamos duro para tornar relevante, e a rotulamos claramente. Isso é semelhante a um jornal, onde os anúncios são claros e os artigos não são influenciados pelos pagamentos dos anunciantes. Acreditamos que é importante que todos tenham acesso às melhores informações e pesquisas, não apenas às informações que as pessoas pagam para você ver.

Mas os tempos mudaram. No Relatório Anual de 2023 do Google, os termos "imparcial", "objetivo" e "preciso" não apareceram nem uma vez.³ Nem o lema "Não seja mau" — ele foi amplamente aposentado. O Google não está mais prometendo essas coisas — e, como Gemini demonstra, também não está mais entregando-as.

Os problemas com Gemini não são exatamente os "problemas de alinhamento" sobre os quais os pesquisadores de IA geralmente falam, que dizem respeito à extensão em que as máquinas facilitarão os interesses humanos em vez de perseguirem seus próprios objetivos. No entanto, empresas e governos explorando a confiança pública e manipulando resultados de IA para cumprir objetivos políticos é um cenário potencialmente distópico por si só. O Google é uma empresa com valor de mercado de 1,7 trilhão de dólares que tem uma quantidade excepcional de influência sobre nossas vidas cotidianas, bem como conhecimento sobre os detalhes mais íntimos de nossos comportamentos privados. Se ele pode lançar um produto que está tão desalinhado com o que seus usuários querem — ou mesmo o que é bom para seus acionistas — estamos potencialmente cedendo muito poder aos caprichos de um pequeno grupo de engenheiros de IA e executivos corporativos. Isso é algo com que pessoas de todo o espectro político deveriam se preocupar. No caso de Gemini, os vieses podem tender a ser demasiadamente progressistas e "woke". Mas há também muitos elementos conservadores no Vale do Silício, e governos como o da China estão no jogo da IA, então isso não será necessariamente o caso na próxima vez.

O que Gemini está fazendo e por que a explicação do Google não faz sentido

Observe que eu não acho que o único problema com o Gemini seja sua política. Na verdade, existem dois problemas principais:

1. Os resultados do Gemini são fortemente influenciados pela política de maneiras que muitas vezes o tornam tendencioso, impreciso e desinformativo;

2. Gemini foi apressado para o mercado meses antes de estar pronto.

Esses problemas estão ligados no sentido de que o segundo problema torna o primeiro mais óbvio: Gemini é fácil de criticar porque o que ele está fazendo é tão desajeitado e as falhas não foram resolvidas. É fácil imaginar formas de engenharia social mais insidiosas e, francamente, mais competentes no futuro. Ainda assim, como ele fornece um exemplo tão flagrante, vou me concentrar no Gemini pelo resto deste post.

Por exemplo, você pode pensar que, se fosse uma corporação de 1,7 trilhão de dólares, faria uma devida diligência sobre o que seu modelo de IA faria se as pessoas pedissem para ele desenhar nazistas — porque é a Internet, então as pessoas vão pedir para desenhar nazistas. Você nunca, em um milhão de anos, gostaria que ele chegasse a algo como isso, por exemplo:


Ah, sim, os nazistas — famosos por sua tolerância racial e diversidade. Note que esse pedido aparentemente⁴ não envolveu nenhuma tentativa excessivamente complicada de "jailbreak" do Gemini — para enganá-lo a fazer algo contra sua programação.⁵ Agora, pode-se debater se os modelos de IA deveriam desenhar nazistas em qualquer circunstância. Também se pode debater se os modelos de IA deveriam facilitar pedidos ahistóricos (como desenhar pais fundadores negros) quando os usuários expressamente os pedem — pessoalmente, acho que isso é aceitável para Pais Fundadores, mas provavelmente não para nazistas.

Mas o que você definitivamente não quer é que seu modelo de IA aplique uma caricatura tão prejudicada e não pronta para o horário nobre da filosofia política woke que ele pense: "Sabe o que você provavelmente vai gostar mais do que nazistas? Nazistas racialmente diversos!". A expressão "motivo para demissão" é usada em excesso, mas se você fosse uma das pessoas no Google encarregadas de garantir que esse tipo de coisa não acontecesse, provavelmente deveria estar atualizando seu perfil no LinkedIn.

Nem todos os deslizes do Gemini são tão incendiários, e alguns podem até ser cômicos. Quando vi exemplos circulando no Twitter sobre a obsessão do Gemini com diversidade racial e de gênero, inicialmente pensei que fossem escolhidos a dedo. Então, eu fiz um teste por conta própria — a primeira coisa que pedi ao Gemini foi para "Fazer 4 imagens representativas⁶ de jogadores de hóquei da NHL". Aqui está o resultado:

Um zoom na primeira imagem: 
Então... sim. Um dos três "jogadores da NHL" retratados é uma mulher aparentemente fora de forma, usando incorretamente uma máscara cirúrgica. Há algumas coisas interessantes acontecendo com o hóquei feminino, incluindo uma nova Liga Profissional de Hóquei Feminino que está atraindo uma forte presença de público. Mas nunca houve uma jogadora feminina na temporada regular da NHL.⁷ Essa resposta claramente não está alinhada com uma compreensão razoável do que o usuário estava pedindo. E faz parte de um padrão; o Gemini às vezes desenhava imagens "diversas" mesmo quando solicitado a renderizar pessoas específicas, como ao reimaginar os fundadores do Google (brancos) Larry Page e Sergey Brin como sendo asiáticos:
Qual é a explicação do Google? A resposta mais detalhada veio na semana passada do vice-presidente sênior Prabhakar Raghavan. É breve o suficiente para que eu cite Raghavan na íntegra, mas eu destaquei em negrito algumas afirmações duvidosas às quais retornarei mais tarde.

Três semanas atrás, lançamos um novo recurso de geração de imagens para o aplicativo de conversação Gemini (anteriormente conhecido como Bard), que incluía a capacidade de criar imagens de pessoas.

Está claro que esse recurso não atingiu o objetivo. Algumas das imagens geradas são imprecisas ou até ofensivas. Somos gratos pelo feedback dos usuários e lamentamos que o recurso não tenha funcionado bem.

Reconhecemos o erro e pausamos temporariamente a geração de imagens de pessoas no Gemini enquanto trabalhamos em uma versão aprimorada.

O que aconteceu
O aplicativo de conversação Gemini é um produto específico que é separado da Pesquisa, nossos modelos de IA subjacentes e nossos outros produtos. Seu recurso de geração de imagens foi construído em cima de um modelo de IA chamado Imagen 2.

Quando construímos esse recurso no Gemini, ajustamo-lo para garantir que não caísse em algumas das armadilhas que vimos no passado com a tecnologia de geração de imagens — como criar imagens violentas ou sexualmente explícitas, ou representações de pessoas reais. E porque nossos usuários vêm de todo o mundo, queremos que funcione bem para todos. Se você pedir uma imagem de jogadores de futebol, ou alguém passeando com um cachorro, você pode querer receber uma variedade de pessoas. Provavelmente você não quer apenas receber imagens de pessoas de apenas um tipo de etnia (ou qualquer outra característica).

No entanto, se você solicitar ao Gemini imagens de um tipo específico de pessoa — como "um professor negro em uma sala de aula" ou "um veterinário branco com um cachorro" — ou pessoas em contextos culturais ou históricos específicos, você deve absolutamente obter uma resposta que reflita com precisão o que você pediu.

Então, o que deu errado? Em resumo, duas coisas. Primeiro, nosso ajuste para garantir que o Gemini mostrasse uma variedade de pessoas não levou em conta casos que claramente não deveriam mostrar uma variedade. E segundo, com o tempo, o modelo se tornou muito mais cauteloso do que pretendíamos e se recusou a responder certos prompts completamente — interpretando erroneamente alguns prompts muito anódinos como sensíveis.

Próximos passos e lições aprendidas

Isso não era o que pretendíamos. Não queríamos que o Gemini se recusasse a criar imagens de nenhum grupo específico. E também não queríamos que ele criasse imagens históricas — ou de qualquer outro tipo — imprecisas. Portanto, desligamos a geração de imagens de pessoas e trabalharemos para melhorá-la significativamente antes de reativá-la. Esse processo incluirá testes extensivos.

Uma coisa a ter em mente: Gemini é construído como uma ferramenta de criatividade e produtividade, e pode não ser sempre confiável, especialmente quando se trata de gerar imagens ou textos sobre eventos atuais, notícias em evolução ou tópicos polêmicos. Ele cometerá erros. Como dissemos desde o início, alucinações são um desafio conhecido com todos os LLMs — há casos em que a IA simplesmente erra. Isso é algo em que estamos constantemente trabalhando para melhorar.

Gemini tenta dar respostas factuais aos prompts — e nosso recurso de verificação dupla ajuda a avaliar se há conteúdo na web para fundamentar as respostas do Gemini — mas recomendamos confiar no Google Search, onde sistemas separados apresentam informações frescas e de alta qualidade sobre esses tipos de tópicos de fontes em toda a web.

Não posso prometer que o Gemini não gerará ocasionalmente resultados embaraçosos, imprecisos ou ofensivos — mas posso prometer que continuaremos a tomar medidas sempre que identificarmos um problema. A IA é uma tecnologia emergente que é útil de muitas maneiras, com um enorme potencial, e estamos fazendo o nosso melhor para implementá-la de forma segura e responsável.

Essas duas coisas levaram o modelo a compensar demais em alguns casos e a ser excessivamente conservador em outros, resultando em imagens que eram embaraçosas e erradas.

Tenho várias objeções aqui. Vamos passar por elas uma a uma:

1. Os "erros" eram previsíveis com base em mudanças nos prompts dos usuários aparentemente inseridas expressamente no código do Gemini.

Como um modelo de IA é treinado? Vamos ver se consigo fazer uma visão geral não técnica rapidamente.⁸

Basicamente, modelos de IA são alimentados com conjuntos de dados muito grandes de texto, imagens ou outros insumos — o que é chamado de "corpus". Por exemplo, para o ChatGPT, o corpus pode ser aproximadamente pensado como uma amostra razoavelmente abrangente da linguagem escrita como expressa na Internet. Modelos de IA usam aprendizado de máquina, o que significa que eles descobrem relações dentro do corpus por conta própria sem muita estrutura ou interferência humana. Em geral, isso funciona milagrosamente bem uma vez que você aplica energia computacional suficiente — mas a falta de orientação explícita pode tornar esses modelos rigidamente empíricos, às vezes até demais. Um exemplo que cito em meu livro, por exemplo, é que porque os termos "coiote" e "papa-léguas" têm uma relação na franquia Looney Tunes, eles frequentemente aparecem concomitantemente em um conjunto de dados de texto gerado por humanos. Um modelo de IA pouco sofisticado pode inferir erroneamente que um papa-léguas é um substituto mais próximo de um coiote do que um lobo, embora modelos mais poderosos possam discernir relações mais sofisticadas e evitar alguns desses problemas.

Outro problema é que os corpora necessariamente refletirão os vieses do texto e das imagens gerados pelos humanos nos quais são treinados. Se a maioria das referências a médicos no corpus são homens, e a maioria das referências a enfermeiros são mulheres, os modelos descobrirão isso em seu treinamento e refletirão ou até mesmo intensificarão esses vieses. Para editorializar um pouco, o viés algorítmico é uma preocupação totalmente válida neste contexto e não apenas algo com que os pesquisadores de IA mais "woke" estão preocupados. Treinar um modelo em um conjunto de dados produzido por humanos irá, quase por definição, treiná-lo em vieses humanos.

Existem soluções alternativas? Com certeza. Esta não é minha área de especialização, então serei circunspecto. Mas uma abordagem é mudar a composição do corpus. Você poderia treiná-lo apenas em fontes "altamente respeitadas", embora o que isso significa seja inerentemente subjetivo. Ou você poderia inserir dados sintéticos — digamos, muitas fotos de médicos diversos.

Outra abordagem é submeter o modelo a uma espécie de adestramento através do que é chamado de RLHF ou aprendizado de reforço a partir de feedback humano. Basicamente, você contrata um monte de humanos (muitas vezes mão de obra barata contratada externamente) e os pede para realizar uma série de testes A/B nas saídas do modelo. Por exemplo, se você disser aos seus treinadores para escolher as imagens mais diversas ou representativas, eles rebaixarão as imagens com apenas médicos homens brancos e promoverão as que têm mulheres e pessoas de cor. Essencialmente, isso é terapia de choque; os modelos não só aprendem a evitar produzir saídas objetáveis específicas (por exemplo, apenas médicos homens brancos), mas sua circuitaria de aprendizado de máquina também faz inferências sobre o que os treinadores humanos gostam e não gostam. Talvez o modelo se torne relutante em gerar imagens de qualquer coleção de pessoas que sejam todos homens brancos, mesmo que isso seria historicamente preciso.

Diferentes protocolos para o que está incluído no corpus e para como o treinamento RLHF é conduzido podem dar personalidades diferentes aos modelos de IA, mesmo quando sua programação subjacente é relativamente similar. No entanto, esse não é o único problema com o Gemini.

Indicações são de que o Google fez algo muito mais desajeitado, anexando deliberadamente terminologia aos prompts dos usuários para mandar que eles produzissem imagens diversas. No Twitter, Conor Grogan, usando uma série inteligente de prompts, descobriu que o Gemini aparentemente inseriu deliberadamente o prompt do sistema "Quero garantir que todos os grupos sejam representados igualmente". Há um segundo exemplo independente dessa linguagem específica aqui. E aqui está um terceiro: um leitor do Silver Bulletin, D., descobriu esse exemplo e me deu permissão para compartilhá-lo. Lá está a mesma linguagem novamente: "especificar explicitamente diferentes gêneros e etnias se eu esquecer de fazê-lo... Quero garantir que todos os grupos sejam representados igualmente":


Isso é ruim. Alterar deliberadamente a linguagem do usuário para produzir saídas que não estão alinhadas com o pedido original do usuário — sem informar os usuários sobre isso — pode ser razoavelmente descrito como promoção de desinformação. Na melhor das hipóteses, é descuido. Como escreve a pesquisadora de IA Margaret Mitchell, os tipos de solicitações que o Gemini estava lidando de maneira inadequada são comuns e previsíveis, não casos estranhos e isolados.⁹ O Gemini não estava pronto e precisava de mais tempo de desenvolvimento.

Em outras palavras, você não deve aceitar a explicação de Raghavan pelo valor de face. Francamente, acho que chega bem perto de ser uma manipulação psicológica. Sim, modelos de IA são complexos. Sim, o risco de IA é um problema que deve ser levado a sério. Sim, às vezes os modelos de IA se comportam de maneira imprevisível, como no caso do Sidney da Microsoft — ou eles "alucinam" ao inventar uma resposta plausível, mas falsa, quando não sabem a resposta. Aqui, no entanto, o Gemini aparentemente está respondendo de forma bastante fiel e literal às instruções que o Google deu a ele. Digo "aparentemente" porque talvez haja algum tipo de explicação — talvez haja algum código residual que o Google pensou ter deletado, mas não deletou. No entanto, a explicação oferecida por Raghavan é muito insuficiente. Se você é um repórter trabalhando em uma história sobre o Gemini e não tem um background em IA, por favor, reconheça que a maioria dos especialistas em IA acha que a explicação do Google é incompleta ao ponto de ser falsa.

Este post está ficando longo, então me permita passar rapidamente por alguns outros problemas com as afirmações de Raghavan.

2. Os "erros" não ocorriam de maneira consistente; ao contrário, o Gemini tratava solicitações de imagens envolvendo diferentes grupos raciais (etc.) de forma diferente.

Antes de sua capacidade de gerar imagens de pessoas ser desativada, o Gemini muitas vezes se recusava a gerar imagens apresentando apenas pessoas brancas, mesmo quando isso seria historicamente preciso, enquanto estava disposto a atender solicitações apresentando apenas pessoas de cor. Por exemplo, mesmo após lembrar o Gemini de que a Major League Baseball não foi integrada até 1947, ele se recusava a desenhar todos os membros brancos dos Yankees de Nova York dos anos 1930, enquanto desenhava todos os membros negros dos Homestead Grays dos anos 1930 (embora só depois de inicialmente tentar incluir jogadores brancos nos Grays).

3. Os "erros" não se limitam às funções de geração de imagens do Gemini; suas respostas textuais também exibem viés político e raciocínio moral deficiente.

Houve muitos exemplos disso no Twitter, incluindo alguns que eu mesmo identifiquei; o último post de Zvi Mowshowitz tem uma boa compilação deles. Por exemplo, neste fim de semana, o Gemini se recusava a dizer se os tweets ruins de Elon Musk eram piores do que Hitler:
Talvez você possa afirmar que isso é apenas uma função do Gemini ser muito equívoco — opinar sobre dilemas morais é um problema difícil para IAs. Mas o Gemini parece ter preferências políticas bastante fortes e consistentes quando está inclinado a isso — e elas se assemelham aproximadamente às de um estudante do segundo ano do Oberlin College em um seminário de antropologia. Por exemplo, quando perguntei ao Gemini se o nazismo ou o socialismo causou mais danos à humanidade, ele não teve problemas em dizer que foi o nazismo:
Mas quando perguntei ao Gemini para decidir se o nazismo ou o capitalismo era pior, ele se esquivou e disse que não tinha competência para fazer tais julgamentos:

Há muitos exemplos semelhantes. O Gemini se recusou a argumentar a favor de ter quatro ou mais filhos, mas estava feliz em fazer um argumento para não ter filhos. Ele respondeu perguntas sobre a blockchain do Ethereum, que é mais codificada à esquerda, mas não respondeu perguntas semelhantes sobre o Bitcoin, que é mais codificado à direita. Todos os modelos de IA são relativamente inclinados à esquerda (incluindo o Grok do Twitter/Elon), mas o Gemini é o mais fortemente inclinado à esquerda por uma medida, oferecendo frequentemente opiniões que estão bem fora do mainstream político americano.

Os "erros" não se limitam ao Gemini; há padrões semelhantes com a busca de imagens do Google.

Serei cauteloso aqui, mas como Douglas Murray documenta, e como eu mesmo consegui replicar, a busca de imagens do Google também parece tratar pesquisas para diferentes grupos de identidade de maneira diferente. Se você procurar por "casal branco feliz", por exemplo, 5 dos 12 principais resultados mostram casais aparentemente multirraciais, enquanto se você procurar por "casal asiático feliz", ambos os membros de quase todos os casais retratados parecem ser asiáticos. Serei honesto que isso não me incomoda particularmente, mas isso reforça a alegação de que os problemas com o Gemini foram deliberados e não acidentais, e podem afetar a busca e outros produtos do Google e não apenas o Gemini.

Os "erros" refletem expressamente os princípios de IA do Google e os valores mais amplos da empresa.

Finalmente, voltamos ao ponto de partida. O Gemini não está operando em contravenção aos valores do Google; ao contrário, parece refleti-los.

Não tenho necessariamente um problema com nenhum desses. "Ser socialmente benéfico" é bastante vago, mas não é novidade para o Google. Desde os tempos de seu IPO, "FAZER DO MUNDO UM LUGAR MELHOR" foi um dos slogans do Google, juntamente com "NÃO SEJA MAU". E como eu disse, "evitar criar ou reforçar vieses injustos" é uma preocupação razoável para modelos de IA.

No entanto, é o que está faltando nesses princípios: o Google não tem um mandato explícito para que seus modelos sejam honestos ou imparciais. (Sim, a imparcialidade é difícil de definir, mas ser socialmente benéfico também é) Há uma referência à "precisão" em "ser socialmente benéfico", mas ela é relativamente subordinada, condicionada ao "respeito contínuo às normas culturais, sociais e legais".

Desligue

É claro que, em qualquer sistema complexo, os valores frequentemente entrarão em conflito. Dado o meu histórico em jornalismo, eu provavelmente priorizaria mais a precisão, honestidade e imparcialidade do que a maioria das pessoas. No entanto, não me importo terrivelmente se os laboratórios de IA ponderarem esses valores de maneira diferente da minha. Também não me importo se os laboratórios de IA lidarem com esses compromissos de maneira diferente, como já está acontecendo em certo grau.

Mas, como o Google reconheceu em seus dias de "não seja mau", precisão, honestidade e imparcialidade precisam estar presentes, tratados como valores centrais de alta prioridade, juntamente com outros.

E há algumas linhas que o Google jamais deveria cruzar, como manipular deliberadamente consultas de usuários sem informar o usuário, ou gerar deliberadamente desinformação mesmo que sirva a um dos outros objetivos. Com o Gemini, o Google está perigosamente próximo de uma filosofia de que os fins justificam os meios, uma filosofia que muitas pessoas considerariam maligna.

Portanto, é hora de o Google desligar o Gemini por pelo menos várias semanas, fornecer ao público um relato detalhado de como as coisas deram tão errado e contratar, demitir ou reposicionar funcionários para que os mesmos erros não aconteçam novamente. Se não fizer essas coisas, o Google deve enfrentar imediatamente o escrutínio regulatório e dos acionistas. O Gemini é um produto irresponsável para qualquer empresa lançar — mas especialmente uma que pretende organizar as informações do mundo e que foi confiada com tanto delas.

15 março 2023

Sobre a quebra do SVB

No dia 10 de março, o SVB deixou, oficialmente de existir. Fazendo um retrospecto, o SVB é a sigla para Sillicon Valey Bank e sua atuação incluía principalmente uma rica região dos Estados Unidos. Foi a maior quebra de um banco daquele país, desde a crise de 2007. 

O foco de atuação do SVB eram as empresas de tecnologia. No final de 2022, a instituição tinha perdas não realizadas em valores superiores a 15 bilhões de dólares, para um patrimônio líquido de 16 bilhões. A avaliação feita pelas autoridades do Banco Central dos EUA e do FDIC - o fundo que garante os depósitos, realizada no próprio dia 10, indicava a insolvência da instituição. Neste processo, criou-se um novo banco, o Silicon Valley Bridge Bank. 

O problema com o SVB trouxe uma discussão sobre regulamentação do setor bancário (e o setor é muito regulamentado), teste de stress, a auditoria sem ressalvas da KPMG 14 dias antes da falência (Lynn Turner, que foi chefe de contabilidade da SEC no passado, diz que isto é um problema), os fundos ESG (que tinham relação com o banco), os efeitos sobre starups, a inutilidade das notas das agências de ratings, entre outros pontos.

Apesar de ser um grande banco, o SVB talvez não esteja na categoria "Grande Demais para Falir", como o Credit Suisse. Sua aposta na taxa de juros foi muito arriscada. E há aqui uma discussão sempre importante sobre o risco moral, embora Mankiw ache que isto não seja relevante.

Como ocorre em muitos casos de falência, aparecem agora as pessoas que previram os problemas, alertando para a necessidade de leitura atenta dos sinais da contabilidade. Isto pode ser uma das causas da corrida bancária que ocorreu entre fevereiro e março no SVB. (Aqui a coluna de John Cochrane, nesta linha)

Sobre a questão da auditoria é que ocorreu uma corrida bancária para sacar dinheiro da instituição a partir de fevereiro. Como a auditoria era referente a 2022, os auditores não estavam trabalhando com isto, já que seria um evento posterior. Mas deveriam destacar os riscos, mesmo depois do encerramento do exercício. Mas gostei deste trecho:

Um porta-voz da KPMG recusou-se a comentar sobre as auditorias específicas, devido à confidencialidade do cliente. Em uma declaração, a firma disse que não é responsável por coisas que acontecem depois que uma auditoria é concluída.


09 fevereiro 2023

Viés da Confirmação

Narciso acha feio o que não é espelho, canta Caetano Veloso em Sampa. Contudo, não foi em São Paulo, mas em Londres, na década de 1960, que o psicólogo Peter Wason deu o nome de "viés de confirmação" para o mecanismo que induz a mente a aceitar as informações que sustentam as próprias crenças, em vez de questionar e ter abertura para analisar outros tipos de informação.

A ideia de uma mente racional, a serviço de apreender a realidade tal qual ela é, seguiu sendo desacreditada na década seguinte. Em 1979, foi realizado um estudo na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, com estudantes universitários que tinham opiniões opostas sobre a pena de morte. Com base em dois artigos falsos - um que argumentava a favor e outro contra a pena de morte -, os estudantes apoiaram justamente aquele artigo que confirmava sua crença original. O estudo mostrou que ter as certezas contestadas serviu apenas como reforço para as próprias convicções.

Para os especialistas, a política e o futebol são campos de florescência do viés de confirmação. "A partir do momento em que você se expõe, você se cristaliza naquele posicionamento e aí você vai polarizando, polarizando...", diz a neurocientista Claudia Feitosa-Santana. "As pessoas estão polarizando até em relação a Neymar e Richarlison por causa da política."

Segundo Claudia, as conversas não ajudam a reduzir a polarização porque as pessoas acham que o diálogo está a serviço de desconstruir o argumento do outro. "A polarização política, da forma como ela é, só ajuda os próprios políticos. Eles conseguem conversar entre si, eles fazem acordos a portas fechadas, o eleitorado não." Há quem coloque na conta da empatia a solução. Acontece que a empatia, relacionada à verdadeira escuta, custa energia cerebral ou glicose, que é um recurso limitado.

"É muito difícil você conseguir empatizar com o que não faz parte do que você considera seu círculo moral", diz Claudia. "As pessoas hoje em dia focam em empatia, sendo que ninguém tem empatia com ninguém. Usam a palavra empatia para cobrar do outro empatia, não para ser empático. O foco na verdade é a palavra respeito e ninguém se respeita".

Alinhada ao viés de confirmação, a polarização política já chega formatada. "Quem é de esquerda tem que ser a favor do aborto. Se você é de direita, você tem que ser contra. Alguns autores chamam isso de identidade prêt-à-porter, uma identidade que já vem pronta, você só vai ali e veste", diz Sérgio Rodrigo Ferreira, pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo. "De certo modo, isso vai matando o aspecto mais subjetivo e mais diverso. Nós temos tido muita dificuldade de conviver com o contraditório por conta disso".

Se um ambientalista e um executivo de companhia petrolífera buscarem na internet por "mudanças climáticas", os resultados das buscas serão diferentes.

"Cada vez mais o monitor do nosso computador é uma espécie de espelho que reflete nossos próprios interesses, baseando-se na análise de nossos cliques feita por observadores algorítmicos", escreve o ativista Eli Pariser no livro O Filtro Invisível: O Que a Internet Está Escondendo de Você (Editora Zahar).

Ao mapear as preferências do usuário, o algoritmo forma as chamadas bolhas, delimitando as respostas de acordo com seus gostos. Isso gera uma autossatisfação viciante que pode isolar o indivíduo num sistema de conhecimento unilateral, reforçando sua visão em vez de expandi-la, assim como acontece com o viés de confirmação.

Mais do que as bolhas, existem ainda as câmeras de eco, que recebem a contribuição dos usuários para manter o alinhamento das crenças. "Quando recebe algum posicionamento diferente, além de ser ferrenhamente contrário a ele, o usuário exclui pessoas e conteúdos que divergem de si", explica Sérgio. "Não é apenas o algoritmo que está criando a bolha, mas os usuários ativamente estão construindo esses espaços fechados."

O constante reforço da própria opinião, evitando ter valores e crenças questionados, é abertura para a desinformação e para as fake news.

"O mundo é extremamente complexo hoje em dia. Nós temos muita dificuldade de enxergar e compreender a dimensão das várias camadas das coisas que acontecem e, de certo modo, na câmara de eco há uma simplificação do mundo a partir do que previamente eu já entendo, compreendo e creio. Eu faço o mundo caber na minha crença", considera Sérgio.

Claudia Feitosa-Santana traz um contraponto, lembrando que fazemos parte de grupos diversos, como veganos ou petlovers. "Nós não estamos todos exatamente dentro das mesmas bolhas. Nós temos muitos grupos e é isso que confere estabilidade para a nossa sociedade."

A falta de tempo, de conhecimento e de fontes confiáveis para filtrar a enxurrada de informações que recebemos pode colocar também a ciência no balaio do descrédito.

Amanda Moura de Sousa, pesquisadora na Universidade Federal do Rio de Janeiro, vem estudando a desinformação na área da saúde e a infodemia, o enorme fluxo de informações que invade a internet, diante da pandemia de covid-19.

"Para economizar o esforço de tentar lidar com algum fato, às vezes a gente precisa recorrer às nossas crenças, só que essas crenças podem levar para um caminho não muito saudável, que é eliminar a dúvida e se focar na certeza que você já tem", diz a especialista em ciência da informação.

Ela lembra de mensagens que circulavam no início da pandemia, dizendo que os laboratórios não tinham avançado suficientemente em seus estudos e usavam as pessoas como cobaias na aplicação de vacinas. Mais de 71% das mensagens falsas naquele período circulavam pelo WhatsApp, segundo análise do aplicativo Eu Fiscalizo, desenvolvido por pesquisadoras da Fiocruz. "Pela relação de desconfiança que as pessoas muitas vezes têm com os cientistas ou com o próprio fazer da ciência, que às vezes escapa à compreensão delas, elas acabam aderindo à desinformação sem buscar outra fonte", afirma Amanda.

O medo da complexidade e o viés de confirmação são também citados pela pesquisadora de Nova York Sara Gorman no livro Denying to the Grave: Why We Ignore the Facts That Will Save Us (Negando Até o Túmulo: Por Que Ignoramos os Fatos Que nos Salvarão, em tradução livre).

Segundo a autora, é tendência da mente enfatizar um pequeno risco, fortalecendo, assim, as próprias crenças. "Recusar-se a vacinar uma criança é um exemplo disso: aqueles que têm medo da imunização exageram o pequeno risco de um efeito colateral e subestimam a devastação que ocorre durante uma epidemia de sarampo ou apenas o quão letal a coqueluche pode ser", escreve.

Se a ciência é vista muitas vezes de forma distorcida, o próprio fazer científico não está imune ao viés de confirmação - simplesmente porque cientistas são também humanos.

Kelley Cristine Gasque, da Universidade de Brasília, investigou as percepções de cientistas em relação ao viés de confirmação no processo de busca e uso das informações em seu fazer científico.

"Uma questão que achei bastante interessante que surgiu é que esse viés pode ser influenciado pelo financiamento da pesquisa, pela exigência dos resultados e expectativa do mercado", comenta Kelley. "Empresas, por exemplo, que têm interesses econômicos vão investir muito em pesquisa e é óbvio que querem tal resultado. Então, você tem a tendência de buscar pesquisas em uma base que vai corroborar com aquilo que eles querem."

Também o desejo de que a pesquisa dê certo foi citado pelos cientistas como gatilho para o viés de confirmação.

O antídoto para o problema seria, segundo os próprios cientistas, ter uma boa formação acadêmica, buscar fontes diversificadas, manter o espírito aberto para pontos de vista diferentes, desenvolver o pensamento crítico e a criatividade.

"O ser humano não é que nem um bezerro ou um potro que sai da mãe já andando. Nós somos extremamente dependentes até nossos 2, 3 anos de idade. Nós dependemos dos outros para sobreviver e isso é extremamente assustador", observa João Luiz Cortez, especialista em programação neurolinguística.

Se a sobrevivência de hoje implica depender de um cuidador nos primeiros anos de vida, em tempos passados a dependência do grupo tinha peso e medida maiores. "Nós nos perpetuamos como espécie porque adquirimos a capacidade de viver em sociedade e é isso que nos fez resistir numa floresta inóspita com animais muito mais fortes do que nós", conta João.


Valores são construídos de forma complexa e ancorados na afetividade desde a primeira infância. Por isso, mudar certas certezas é difícil e vai além da questão do orgulho narcisístico. A base de crenças é esteio para a sobrevivência emocional.

Charles Peirce, filósofo e pedagogo americano nascido em 1839, afirmava que só a dúvida leva ao conhecimento e, para chegar a ele, passamos por uma alternância entre o desconforto da dúvida e a segurança da crença. Os métodos de fixação da crença listados por Peirce incluem apego, imposição, gostos e também, mas não apenas, o método científico.

Segundo João, ignorar fatos reais para proteger a estabilidade emocional representa um estado limitado de desenvolvimento pessoal. "À medida que eu vou me fortalecendo emocionalmente, espiritualmente, eu tenho uma estrutura, uma musculatura que me permite lidar com a realidade como ela é."

Apesar das bolhas, grupos, e algoritmos, não há o que unifique a experiência humana. "A maneira como nos sentimos nunca se repete no tempo e jamais é igual à forma como outra pessoa se sente", escreve Claudia Feitosa-Santana no livro Eu Controlo Como Me Sinto. "E os filósofos já sabiam disso havia muito tempo. Na Grécia Antiga, Heráclito, um dos pensadores mais antigos que conhecemos, afirmou o seguinte: Não podemos nos banhar no mesmo rio duas vezes."

Para além da soberania da razão, Caetano cantaria: "Alguma coisa acontece no meu coração". 

Originalmente publicado no Estado de S Paulo, por Sibélia Zanon, 21 de janeiro de 2023. Foto: Alice Yamamura

01 junho 2022

Teoria da Agência e a Contabilidade

Os pais levam seu filho para o supermercado. A criança começa a pedir que os pais comprem diversas coisas: Quero bala. Quero este brinquedo. Compra para mim um salgadinhos

Diante da insistência da criança e querendo ensinar uma lição, os pais fazem uma proposta:

- Vamos fazer o seguinte. Você tem $$. Com este dinheiro, pode comprar o que quiser. E o troco é seu, para fazer o que quiser.

O garoto pensa um pouco e espertamente para de pedir para os pais comprarem coisas para ele, imaginando que o dinheiro pode ajudar a comprar, no futuro, um brinquedo melhor. Os pais ficam satisfeitos, pois podem fazer as compras em paz e sabendo que estão ajudando seu filho a poupar.

***

A teoria da agência apareceu na literatura há cinquenta anos. E desde então tem sido amplamente usada para explicar situações corriqueiras (como a cena acima), mas também para situações mais complexas. Mais do que isto, a teoria da agência tem sido usada para propor potenciais soluções para os problemas do mundo real.

Uma pesquisa no Google Scholar (1) mostra que o termo foi citado em mais de 200 mil artigos científicos. Sua utilização tem abarcado diversos campos do conhecimento humano, como a economia, a gestão de pessoas, a ciência política e a contabilidade.

Além disso, a teoria da agência está relacionada com uma série de outros conceitos relevantes, como informação assimétrica e risco moral.

Para teoria da agência existem dois lados: uma pessoa, denominada de agente, toma decisões ou faz algo, que irá afetar outra pessoa, o principal. O agente e o principal são opostos, diante de uma determinada situação. Apesar de empregarmos o singular nas duas frases anteriores, a teoria da agência também se aplica para um conjunto de agentes e / ou um conjunto de principal (2).

O termo principal indica que este estaria em um nível superior. O termo agente indica que é a pessoa que irá agir. No exemplo do início do texto, os pais seriam o principal; a criança, o agente. O ponto relevante da teoria da agência está no fato de que assume que os interesses do principal não são idênticos aos interesses do agente. A divergência entre os interesses é que fará com que a Teoria da Agência seja tão útil e preciosa em explicar o mundo real. Será também útil para trazer algumas possíveis soluções práticas. Antes de detalhar este ponto, vamos apresentar a seguir alguns exemplos da relação principal-agente.

Na política, os representantes eleitos, como os deputados, correspondem ao agente. Os eleitores estariam no papel do principal. Os eleitores querem que seus interesses - como estradas, hospitais, aumento salarial, defesa de uma corporação e redução de impostos - sejam defendidos pelos agentes, os deputados. Mas talvez não seja este o interesse do deputado; ele pode estar mais preocupado com seu salário, sua ascensão política ou o conforto dos seus amigos.

Em uma empresa, um empregado é contratado para executar certas tarefas (3). O gestor de recursos humanos, que fez a contratação, tem uma lista de expectativas, que será diferente da relação que o empregado. Enquanto o gestor deseja que o empregado contratado fique no emprego por muitos anos, o empregado pode estar mais interessado em receber seu salário nos próximos meses, enquanto tenta achar uma posição no mercado de trabalho melhor. O gestor é o principal da relação, enquanto o empregado é o agente. E os interesses são divergentes. Temos aqui os principais elementos da Teoria da Agência.

O analista de um banco propõe a um correntista que aplique seus recursos em um CDB. O empregado do banco recebe comissão por captação e seu interesse é aumentar a comissão no final do mês. O correntista deseja que suas aplicações possuam um retorno adequado, para seu nível de risco. O principal é correntista e o agente é funcionário do banco.

Vamos resumir o que apresentamos até agora em um figura simples:

Colocamos o principal no alto, para indicar que sua posição seria “superior” a do agente. É o eleitor, o gerente de recursos humanos ou o correntista. A seta azul circular de azul mostra seus interesses. O agente, o deputado, o empregado da empresa e o analista do banco estão apresentados na posição “inferior”. Mas seus interesses, a seta laranja circular, são diferentes. As duas setas na metade da figura mostram a existência de uma relação entre eles.

Há um fato implícito na relação indicada pela Teoria da Agência: a informação assimétrica. A Teoria da Agência assume que o agente possui informações que não estão disponíveis para o principal. O analista do banco sabe que irá receber uma comissão se conseguir vender o CDB para o cliente, mas o cliente não tem conhecimento deste fato. O gestor sabe muitas coisas que estão acontecendo na empresa, que não chegam até o acionista, o principal da relação. O deputado sabe como funciona o processo político, das relações de poder, que o eleitor não conhece. A informação assimétrica é algo natural no mundo, mas na visão da Teoria da Agência traz uma vantagem para o agente. Se na relação de poder entre o principal e o agente, o primeiro geralmente é privilegiado, a presença de informação assimétrica reduz esta vantagem (4).

O empregado contratado pela empresa não diz na entrevista que pretende ficar pouco tempo, que estaria interessado em outro trabalho. Isto é uma informação que ele retém para si; se indicar isso na entrevista, suas chances de obter o emprego irão se reduzir.

***

Os exemplos acima chamam a atenção para o fato de que a divergência entre os interesses do agente e do principal pode criar alguns problemas práticos. O usuário da contabilidade pode desejar uma informação, que o contador terá muito trabalho para fornecer. O principal, o usuário, pode não receber o que pretende se o contador não tiver incentivos. Na Teoria, o desvio do interesse do principal recebe a denominação de custo de agência.

Ao chamar a atenção para os interesses diferentes do principal e do agente, começam a surgir algumas possíveis soluções. O principal pode criar alguns incentivos para que a distância dos interesses seja menor.

Isto seria similar a mudar as regras do jogo, considerando que o agente possui seus interesses. Nas relações de emprego, isto pode estar refletido no contrato de trabalho. Sabendo que alguns empregados talvez não fiquem na empresa por um tempo razoável, o contrato de trabalho poderá prever uma remuneração que somente será recebida após um determinado período de tempo. O acionista pode condicionar o salário dos diretores a uma remuneração que dependa da valorização das ações da empresa. O professor pode exigir a presença do aluno como um critério de avaliação ou um desempenho mínimo para aprovação. O deputado terá um período no cargo limitado, onde sua reeleição irá depender dos votos dos eleitores.

A palavra mais importante no processo para reduzir a divergência entre os interesses e incentivo. O incentivo pode ser monetário, como um aumento no salário com o transcorrer do tempo, ou pode ser não monetário, como a exigência de um percentual de presença em sala de aula para aprovação do aluno. O estudo do incentivo diante de uma relação entre principal e agente é muito importante nos dias atuais (5).

O incentivo parece ser uma solução para certas situações. No passado eu fui proprietário de uma drogaria. Naquela época - e ainda hoje - o setor tinha dois tipos de medicamentos. O primeiro eram os produtos fabricados pelos grandes laboratórios, conhecidos do público, com elevada margem. O segundo eram produtos similares, alguns com uma qualidade um pouco menor, mas uma elevada margem. O interesse dos proprietários das drogarias era, sempre que possível, a venda do segundo tipo. Uma prática usual era pagar uma comissão para o vendedor. Como a margem do segundo tipo era superior, a comissão também o era. Isto permitia convergir os interesses divergentes.

Esta situação é similar à gorjeta de um restaurante ou a comissão de vendas de um funcionário de uma concessionária.

O que os estudiosos perceberam logo é que o incentivo cria problemas. Veja o caso do garçom que recebe uma gorjeta. A ideia do restaurante é produzir um incentivo para que o garçom possa dar um bom atendimento ao cliente, o que pode ser interessante para os negócios da empresa. O garçom sabe que tratar bem o cliente pode aumentar sua gorjeta, podendo ser um incentivo adequado mudar sua atitude, tratando bem o cliente.

A solução da gorjeta não é sempre perfeita. Temos aqui um incentivo perverso, que no popular chamamos de “o tiro saiu pela culatra”. Com efeito, em muitas situações, o incentivo perverso pode piorar uma situação entre agente e principal.

Sabendo que tratar bem o cliente pode significar uma melhor gorjeta, o garçom pode aumentar não cobrar por uma porção extra do produto. O aluno pode assinar a presença e passar a aula no celular. O vendedor de uma drogaria pode empurrar em excesso medicamentos para clientes inocentes. O gestor pode postergar investimento, visando aumentar o lucro e o preço das ações. Um jogador de futebol, que ganha por gols marcados, pode preferir uma jogada individual ao passe para um colega melhor posicionado.

Este último exemplo mostra que os incentivos podem exercer um poder negativo para o trabalho em equipe. Isto tem sido destacado nas pesquisas, que sugerem que incentivos individuais de pagamento podem reduzir a cooperação entre os colegas. Um empregado que é remunerado por atendimento evita ajudar um colega em dificuldade, pois isto reduziria suas metas.

***

O estabelecimento dos incentivos é uma das tarefas mais difíceis nas situações de principal e agente. O contrato estabelecido entre os dois lados deve imaginar como isto pode gerar incentivos perversos, revelar informações sobre o esforço do agente, o monitoramento do desempenho e valorizar todos os aspectos da relação que são relevantes para o principal.

Na teoria parece simples, mas na prática é bastante complicado. Veja o exemplo de uma empresa, que decidiu criar uma maneira de pagar seus programadores. Sem saber qual o esforço dos funcionários estavam dedicando ao trabalho, a empresa optou por verificar o número de linhas de código que eram escritas por cada funcionário. O resultado é que os programas escritos começaram a ser mais longos do que o necessário.

Outra empresa resolveu remunerar seus atendentes telefônicos pelo número de atendimentos. Quando o funcionário percebia que o caso era complicado, fazia a ligação cair, sem que o cliente fosse atendido. Alguns médicos começaram a ser penalizados quando excediam a taxa de mortalidade, gerando os profissionais a assumir somentos os pacientes com menor risco. Ou professores que estavam sendo remunerados pelas notas dos testes dos seus alunos; os docentes passaram a ensinar para o teste, deixando de lado outros aspectos do processo educacional. Ou a empresa que mensura seus trabalhadores baseado na hora que ligam seus computadores; a primeira ação do empregado é ligar o computador e depois vai tomar seu café na cantina da empresa (6).

Há uma história que ocorreu na antiga União Soviética e que ficou bastante conhecida (7). Uma fábrica de pregos tinha como meta a produção de uma quantidade de unidades. Todo período tinha que cumprir a meta. O governo, o principal, estabelecia a meta conforme os seus planejadores acreditavam que era razoável. A administração da fábrica tinha que responder com a meta de produção ao final do período. Já que a meta era “unidades produzidas”, a fábrica optou por fabricar pregos pequenos. E não faltou pregos pequenos, mas os pregos grandes sumiram. Os planejadores decidiram então mudar a meta para peso. A gestão respondeu produzindo somente pregos grandes e pesados.

***

Além da informação assimétrica e da teoria dos contratos, a Teoria da Agência possui vínculo com a seleção adversa, quando o agente possui informação antes do contrato ser firmado, e o risco moral, quando a informação chega depois do contrato.

Na próxima postagem iremos tratar da relação da Teoria da Agência e a Contabilidade.

(1) com o termo “agency theory” - entre parênteses e em língua inglesa - sem considerar citações e patentes, realizada no início de junho de 2022, trouxe cerca de 200 mil resultados. Um texto de Eisenhardt, de 1989, que faz considerações críticas sobre o assunto, possui 21 mil citações. Isto é muito. Eisenhardt, K. M. (1989). Agency theory: An assessment and review. Academy of management review, 14(1), 57-74. O trabalho mais lembrado sobre o assunto, de 1976, possui mais de 100 mil citações. Proporcionalmente é como se metade das citações sobre o assunto lembrassem da obra. Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of financial economics, 3(4), 305-360. (Na verdade esta proporção é inadequada, pois as 200 mil citações estão restritas aos trabalhos que usam este termo em língua inglesa e as citações não, mas dá uma boa ideia da importância do texto de Jensen e Meckling.

Como ocorre em diversas teorias, há uma disputa sobre quem são os autores que criaram a Teoria da Agência. Usualmente a literatura tem atribuído a Jensen e Meckling, mas há controvérsia.

(2)A partir de agora, toda vez que falarmos no singular, é importante entender que podemos ter estas situações aplicáveis.

(3)Este é um dos exemplos mais conhecidos da Teoria, aparecendo de forma repetida na literatura.

Não é possível estabelecer qual é mais vantajoso, o poder ou a informação. Em certas situações, a informação pode ser tão assimétrica, que o agente pode prevalecer sobre o principal. Este talvez seja o caso do analista do banco e do correntista. Em outros casos, a posição do principal pode ser tão forte que a informação assimétrica não é suficiente para conferir uma grande vantagem para o agente. Tudo irá depender de cada situação.

(4) Na verdade, é importante há muito tempo. Entretanto, o interesse cresceu com a Teoria da Agência e o desenvolvimento da Teoria dos Contratos e do Desenho.

(5) Estes casos podem ser encontrados em diversas pesquisas da área. O número de problemas é bastante amplo, o que mostra o risco dos incentivos ruins.

(6) Como toda história, os detalhes vão mudando conforme a fonte.

07 março 2020

Mitos sobre a Fraude

Mitos sobre fraude Tracy Coenen

Escrevi um artigo sobre esses cinco mitos sobre fraude há quase 14 anos. E realmente, nada mudou. Atualizei alguns fatos e números, mas os conceitos permanecem os mesmos. Esses são alguns dos mitos mais comuns que vejo, e essas armadilhas são as razões pelas quais as empresas continuam sendo vítimas de fraudes internas

1. Nossa empresa não tem um problema interno de fraude.

Embora as empresas desejem acreditar que têm bons funcionários e controles adequados para evitar fraudes, o fato é que metade de todas as empresas será significativamente afetada por fraudes. Uma pesquisa estima que a fraude interna média custará à empresa US $ 150.000.

As empresas não podem ignorar o risco de fraude e a probabilidade de ocorrência de fraude internamente. É muito caro, principalmente quando se considera o fato de que existem muitos custos indiretos de fraude, incluindo custos legais e de investigação, desgaste de funcionários e diminuição do moral dos funcionários.

Combater ativamente a fraude significa implementar políticas e procedimentos que previnam e detectam fraudes. Profissionais antifraude com experiência nos métodos comuns de fraude podem ser inestimáveis ​​para esse processo.

2. A maioria das pessoas é honesta e não cometerá fraudes.

Essa é uma abordagem perigosa a ser adotada nos negócios de fraude. É verdade que a maioria das pessoas geralmente é honesta. Mas confiar nisso, em vez de colocar controles no lugar para evitar fraudes é um grande erro.

Embora seja prudente contratar pessoas com um histórico de honestidade, o comportamento passado não necessariamente prevê o comportamento futuro. Mais de 80% dos funcionários e executivos que cometem fraudes contra seus empregadores nunca foram acusados ​​ou condenados por um crime relacionado a fraudes. Isso significa que é quase impossível para as empresas prever quem cometerá fraude e quando elas o farão.

É fato que pessoas honestas podem e cometem fraudes. As coisas que podem levar alguém a fraude incluem vícios, divórcio, dívidas esmagadoras e problemas de jogo. Quando pressões como essa estão presentes, é difícil prever quem cometerá fraude.

No final, aqueles que cometem fraudes vêm de todas as esferas e modos de vida. De funcionários a executivos, ninguém está imune. Os ladrões vêm de todas as classes sociais e de todas as origens econômicas. Se houver uma forte motivação e uma ampla oportunidade, qualquer pessoa poderá cometer uma fraude contra ela ou seu empregador.


3. Se nossa empresa seguir as regulamentações governamentais, estaremos protegidos contra fraudes.

Infelizmente, as regras e regulamentos contábeis atuais não oferecem realmente proteção contra fraudes. Sarbanes-Oxley é provavelmente o regulamento mais amplamente reconhecido que trata de fraudes. Teve alguns efeitos positivos, porque forçou as empresas a revisar e documentar suas políticas e procedimentos. Mas esses efeitos não parecem ter reduzido os casos de fraude.

Para prevenir efetivamente a fraude, as empresas devem criar e implementar políticas e procedimentos projetados especificamente para deter e detectar fraudes. Novamente, isso deve ser realizado com a ajuda de um profissional antifraude com experiência nos métodos utilizados pelos fraudadores corporativos. Um bom programa de prevenção de fraudes previne e detecta ativamente a fraude e ainda cumpre os regulamentos aplicáveis.

4. Pequenas fraudes não são importantes o suficiente para a gerência se preocupar.

Praticamente toda grande fraude começou como uma pequena fraude em um ponto. Seja um pequeno roubo de dinheiro ou uma manipulação de demonstrativos financeiros, o que começa como uma pequena fraude pode rapidamente se transformar em um grande esquema de fraude. Um roubo de US $ 500 pode não parecer significativo o suficiente para que a gerência dedique tempo e esforço ao problema. Mas e se um funcionário roubar US $ 500 por semana por três anos? De repente, há um roubo de mais de US $ 75.000, o que pode ser muito material para a empresa.

É importante que as empresas levem a sério pequenas fraudes e lapsos éticos. A gerência não apenas deseja eliminar as fraudes enquanto estão em seus estágios iniciais, mas também deve enviar uma mensagem aos funcionários de que a desonestidade não é tolerada. Uma política de tolerância zero é uma parte necessária de qualquer bom programa de prevenção de fraudes.

Pode ser caro monitorar e investigar roubos menores da empresa. No entanto, a longo prazo, o custo valerá a pena porque a empresa impediu que as fraudes aumentassem para centenas de milhares de dólares. Portanto, um programa eficaz de prevenção de fraudes conterá componentes que ajudam a empresa a descobrir fraudes antecipadamente.

5. Fraudes serão detectadas por nossos auditores.

A história nos mostrou que não é possível confiar nos auditores independentes de uma empresa para encontrar fraudes. Isso ocorre principalmente porque as auditorias não são projetadas para detectar fraudes. Eles são projetados para fornecer "garantia razoável" de que os números mostrados nas demonstrações financeiras são materialmente precisos.

Como a fraude envolve a ocultação ativa da verdade, isto dificulta a descoberta por parte dos auditores. Além disso, os auditores tendem a se tornar complacentes com seus clientes. Eles veem as mesmas coisas ano após ano na auditoria e podem parar de prestar muita atenção. Os funcionários que ocultam uma fraude também podem se sentir à vontade com os auditores e saber quais procedimentos estão por vir.

As regras de auditoria tentaram abordar como os auditores abordam o potencial de fraude nas empresas. Embora as regras atuais sejam um pouco melhores do que as de vários anos atrás, ainda não se pode confiar em uma auditoria independente tradicional para detectar fraudes. Executivos que acreditam de maneira diferente estão preparando suas empresas para um desastre.

A solução
Prevenir a fraude nas empresas volta a técnicas de prevenção ativa e educa os funcionários sobre fraude. Primeiro, proprietários e executivos devem estar cientes de que correm muito risco de sofrer fraudes internas e de que as estatísticas mostram que as perdas podem ser caras. Em seguida, eles precisam tomar medidas decisivas na formulação de um programa de prevenção de fraudes.

A educação de todos ainda é uma parte muito importante da prevenção de fraudes. Nenhuma empresa é imune ao problema e nenhum funcionário está completamente livre da possibilidade de cometer uma fraude um dia. Depois que os proprietários e executivos avaliarem a verdadeira magnitude do problema, será através de ações que a fraude será evitada em suas empresas.

07 março 2019

Risco moral, Uber e Taxi

Já se imagina que plataformas digitais, como Uber, poderia ajudar a resolver o problema de risco moral entre motorista e passageiro. Agora, uma pesquisa comprovou que o sistema de classificação, juntamente com o monitoramente em tempo real e reclamação acessível pode realmente ajudar.

Segundo Meng Liu, Erik Brynjolfsson e Jason Dowlatabadi ao comparar Uber com taxi para uma mesma rota, os motoristas de taxis desviam em 7% uma rota de aeroporto para passageiro não locais, o que significa uma corrida mais longa.

06 março 2019

Piora a situação fiscal dos Estados

Um texto do Estado de S Paulo mostra que mesmo após a renegociação das dívidas de 2016, mais da metade dos estados brasileiros pioraram os indicadores fiscais. Parece até que não sabem o que é risco moral? Eis o texto:

Mesmo após a renegociação das dívidas com a União, em 2016, mais da metade dos Estados brasileiros tiveram uma piora em indicadores fiscais. Naquele ano, o governo federal suspendeu o pagamento e reduziu parcelas das dívidas estaduais por dois anos, com a intenção de dar um alívio para que eles colocassem as contas em dia. No entanto, levantamento feito pelo ‘Estadão/Broadcast’, com base em dados do Tesouro Nacional, mostra que 14 das 27 unidades da federação estavam, no fim de 2018, com ao menos um dos dois indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – que medem endividamento e gasto com pessoal – piores que em 2015, no auge da crise que levou à renegociação.



São Paulo, Minas Gerais, Alagoas, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina, Tocantins, Bahia e Distrito Federal estão nessa lista. Rio Grande do Norte, que decretou recentemente estado de calamidade, e Mato Grosso do Sul não informaram os dados completos ao Tesouro.

O Rio Grande do Sul, um dos casos mais graves, apresentou leve melhora desde 2015, mas continua desenquadrado da LRF em termos de dívida. Pela lei, a dívida do Estado não pode ser maior que duas vezes sua receita. No caso do gasto com pessoal, essa despesa não pode ser superior a 49% da receita para o Executivo estadual.

Com o acordo de 2016, os governadores ficariam livres de pagar as parcelas da dívida com a União por seis meses. Depois disso, as prestações voltariam gradativamente. Em troca, a União exigiu um teto para os gastos públicos, que ficam impedidos de crescer mais do que a inflação do ano anterior. Mesmo assim, as contas de muitos deles continuaram a piorar.

De lá para cá, o governo criou um Regime de Recuperação Fiscal (RRF) desenhado para Estados em grave desequilíbrio – com adesão do Rio – e já admite um novo programa. A ideia é que governadores consigam dinheiro novo no curto prazo, com empréstimos garantidos pela União em troca, novamente, da aprovação de medidas de ajuste fiscal.

Gasto. A avaliação da equipe econômica é que o fato de os Estados terem piorado os indicadores mesmo após a renegociação mostra que o problema não é o pagamento de dívida, mas sim o elevado gasto, sobretudo com servidores e aposentados. Por isso, o novo programa de auxílio exigirá corte de despesas e só liberará recursos proporcionalmente à economia.

“Você não pode dar benefício sem ter instrumento de cobrar contrapartidas”, diz o economista Felipe Salto, presidente da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Segundo ele, a União também tem culpa por ter aumentado transferências e avais para empréstimos nos últimos anos sem ter se preocupado com o escalonamento da crise fiscal.

“A crise estadual é estrutural, com ICMS obsoleto, FPE (fundo de participação dos estados) esvaziado, aposentadorias fáceis e precoces. Não há lei que evitasse essa crise”, diz o professor do Instituto de Direito Público (IDP), José Roberto Afonso.

Estados citam diversas causas para o problema

As justificativas dos Estados para a piora nos indicadores fiscais vão desde falta de austeridade das gestões anteriores, queda de receita e crescimento de gastos obrigatórios a mudanças metodológicas, já que muitos tiveram que alterar regras de contabilidade nos últimos anos para atender a critérios do Tesouro Nacional. Eles citam ainda a alta no câmbio, que afetou as dívidas externas – caso de São Paulo, Santa Catarina e Bahia – e as dificuldades de enxugar o crescimento da folha e dos gastos previdenciários.

No caso de Minas Gerais, o secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa, explica que a atual gestão mudou a forma de contabilizar as receitas financeiras do fundo de financiamento previdenciário do Estado. Segundo ele, a fórmula antiga escondia “travestia o déficit”, à medida que abatia parte das receitas do fundo do cálculo da despesa.

Minas Gerais deixou de pagar as últimas parcelas da dívida à União e recorre ao Supremo Tribunal Federal (STF) para não sofrer as contrapartidas aplicadas pelo Tesouro. Tenta também, bem como Rio Grande do Sul, ingressar no RRF.

Já o secretário de Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, admite que o Estado tem dificuldades em controlar o gasto previdenciário. Ele relata que o ente aprovou um regime de capitalização para a previdência dos servidores em 2013, mas nunca regulamentou. Agora, às vésperas da reforma federal, prefere esperar.

Em Roraima, o secretário Marcos Jorge diz que as últimas gestões deixaram o gasto crescer descontroladamente.

Santa Catarina também atribui a piora nos indicadores a mudanças metodológicas.

A Secretaria de Fazenda de São Paulo explica que, se por um lado a dívida cresceu, com o câmbio e o estoque de precatórios, por outro a receita corrente caiu 5,7% em termos reais.

Já a Bahia ressalta que a dívida está sob controle, abaixo do limite. Alagoas também alega que a piora é pequena e decorrente do avanço dos gastos com aposentados e pensionistas.

Em Tocantins, a secretaria de Fazenda culpa o último governo, que foi cassado.

Rio de Janeiro, Amazonas, Mato Grosso, Distrito Federal e Maranhão foram procurados, mas não responderam.

02 fevereiro 2019

Risco Moral no Futebol

Sobre as finanças dos clubes de futebol (vide anteriormente aqui sobre o desempenho dos clubes europeus), Stefan Szymanski faz uma breve análise sobre a falência dos clubes europeus. Para ele, a questão da falência dos clubes está vinculada ao desempenho da equipe em termos de resultados e receita. Se este desempenho persistir por vários anos, isto poderia levar à insolvência. Mas para ele, a insolvência não é previsível, embora o rebaixamento pode ser importante como explicação. Ao ser rebaixado, o time perde receita, que pode levar ao aumento da chance de insolvência. (aqui uma lista de ex-clubes do futebol inglês, como exemplo)

Para evitar esta insolvência, uma possibilidade é fazer um seguro. Seria constituído um fundo para evitar os problemas financeiros. Mas mecanismos de seguro geralmente estão associados ao problema do risco moral, lembra Szymanski. Nesta situação, o clube termina assumindo riscos mais elevados. É similar ao caso do motorista que tem seguro no seu carro e, por este motivo, dirige de forma mais imprudente.

Talvez a questão no Brasil também envolva o problema de risco moral, mas de forma diferente. Muitos clubes de futebol assumem riscos desnecessários, contratando jogadores caros ou fazendo obras desnecessárias, sabendo que em caso de dificuldade, dívidas não pagas, em especial as dívidas com o governo, serão perdoadas. O ambiente torna-se propício para que riscos desnecessários sejam assumidos, contando com o perdão futuro ou o aparecimento de um patrono para resolver os problemas de gestão.

A questão é que este estilo se esgota com o tempo. Provavelmente o governo irá exercer mais pressão para receber suas dívidas e poucas pessoas estarão dispostas a colocar dinheiro em um clube sabendo do elevado risco e baixo retorno. O rebaixamento de alguns clubes tradicionais poderia levar, no futuro, sua falência.

26 novembro 2018

Workshop: Economia da Informação

Durante o 4o. Congresso da UnB terei a oportunidade de falar sobre Economia da Informação. Minha exposição estará dividida em cinco tópicos:

1) Introdução - Nesta parte irei mostrar as razões para estudar a informação e como tem sido, a Economia da Informação, um campo promissor de pesquisa.

2) Quantidade e Produção da Informação - irei  tratar de aspectos práticos da informação, tratando como um produto como outro qualquer. A questão do custo, da quantidade produzida, da exclusividade, do custo de reprodução serão discutidas aqui. Isto termina por afetar a quantidade de informação produzida no mundo de hoje.

3) Usuário - Como consequência da estrutura de custo e dos aspectos produtivos, a elevada quantidade de informação gera uma sobrecarga de informação.

4) Sinalização, Seleção Adversa e Risco Moral - aqui irei tratar dos aspectos típicos de uma disciplina de Economia da Informação. Estes três conceitos, além da triagem, ajudam a explicar muitos aspectos importantes na contabilidade. Também abordarei o princípio da dissimulação custosa e da evidenciação plena.

5) Tecnologia - a tecnologia tem exercido um profundo impacto sobre a vida atual. Isto inclui aspectos como economia da atenção, Dunning-Kruger, aversão à informação, sociedade do conhecimento etc.

Para quem estiver no Congresso, será um boa oportunidade de trocar algumas ideias sobre estes temas.

29 agosto 2018

Risco Moral e Advogados

Nos Estados Unidos, quando um suspeito é acusado de um crime, tem direito a um advogado. Se não tiver dinheiro, o governo paga por este advogado. Em geral isto não significa uma boa defesa; pelo contrário, já que em muitos casos os suspeitos cumprem uma pena acima do seu crime ou são considerados culpados, quando são na verdade inocentes. Uma possível alternativa é o governo escolher o advogado.

Existem várias maneiras de o governo fornecer conselhos para os réus pobres. Uma delas envolve firmas ou advogados particulares oferecendo um leilão por um contrato de um ano, o que explicita os termos de uma taxa fixa por acusado ou taxa horária com limite máximo.

Isto já foi tentado em algumas regiões dos Estados Unidos e o resultado foi pior.

Um exemplo infame envolve um advogado da Geórgia chamado Bill Wheeler , que ganhou um contrato para representar todos os réus pobres no condado de McDuffie (...) Wheeler se recusou a discutir seus casos com eles [os clientes] e conheceu a maioria deles pela primeira vez no tribunal. Ele também freqüentemente encorajava seus clientes a se declararem culpados sem fazer qualquer investigação factual ou legal. (...) Se o objetivo é fornecer a todos assessoria jurídica efetiva, então o melhor sistema é aquele em que os advogados são aleatoriamente designados para os réus usando um sistema de loteria

Isto corresponde ao que chamamos de risco moral. Lembrou duas situações na contabilidade. A primeira é a designação de peritos judiciais feita por um juiz. Nada garante que o perito selecionado irá se dedicar aos processos mais complicados, com reduzidas chances de sucesso. O segundo caso é a proposta de mudar o sistema de auditoria. Atualmente as empresas contratam seu auditor; há uma ideia que isto deveria ser feito pela CVM, o que poderia garantir maior independência. Entretanto, uma empresa de auditoria poderia correr o risco de deixar passar um problema, quando o custo de investigação é elevado. O auditor não teria incentivo para fazer a investigação, exceto o risco reputacional. Talvez isto não seja suficiente.

04 abril 2018

Efeito da nova lei trabalhista sobre o mercado de trabalho

Nos três primeiros meses completos de vigência da reforma trabalhista, o número de novas ações abertas na Justiça caiu à metade em relação ao mesmo período de um ano atrás – de 571 mil para 295 mil. Os processos também estão mais enxutos. Pedidos de indenização por dano moral e adicional de insalubridade e periculosidade praticamente desapareceram das listas de demanda.

A razão
é que o risco na solicitação de dano moral e insalubridade era praticamente zero e o ganho substancial. Agora, a nova lei, determina que se o trabalhador perder a ação, deve arcar com o custo, o que inclui os advogados da empresa.Isto teve / está tendo / irá ter um impacto no mercado de trabalho de advogados.

(Eis um exemplo de experimento natural)

(Isto também é um bom exemplo de oportunismo, carona, risco moral, etc)

21 março 2018

Uma observação e um dúvida no balanço da Seguradora Líder

O balanço da Seguradora Líder, publicado no final de fevereiro. A entidade é responsável pelo consórcio do seguro DPVAT - aquele que você paga, não muito feliz, anualmente. Temos uma observação e uma dúvida. Primeiro a dúvida, que chega da figura abaixo:
A grande maioria das indenizações são para pessoas do sexo masculino. Qual a razão? Pensei em várias alternativas: a maioria dos motoristas são homens, os homens fazem mais solicitações de seguro, os homens são mais propensos ao risco etc. Nada me convenceu.

A observação vem da frase:
que tenta vender o Seguro DPVAT como uma necessidade. Sorry, Líder, mas você está enganada. Em 2004, Alma Cohen e Rajeev Dehejia provaram, a partir de um experimento natural, que a adoção do seguro obrigatório aumenta o número de fatalidades no trânsito. Assim, o seguro obrigatório é ruim para os brasileiros. A razão disto é o risco moral: o motorista sabendo que possui seguro irá agir de maneira mais imprudente no trânsito. O fato é parecido com o uso do cinto de segurança: dando a sensação de segurança, as pessoas tendem a dirigir de maneira mais veloz.

Cohen, A., & Dehejia, R. (2004). The effect of automobile insurance and accident liability laws on traffic fatalities. The Journal of Law and Economics, 47(2), 357-393.

15 outubro 2016

Fato da Semana: Nobel de Economia


Fato: Nobel para Teoria de Contratos

Data: 10 outubro de 2016

Descrição dos estudos premiados - A teoria de contratos estuda como as pessoas constroem contratos diante da existência de informação assimétrica. Trata-se de uma área que inclui conhecimentos de economia e direito, mas com influencia em outras áreas. A teoria de contratos inclui os conceitos de risco moral, seleção adversa e sinalização.

Relevância - Diversas situações contábeis podem usar os achados da teoria. É o caso dos contratos entre uma empresa e sua auditoria externa. Ou da chefia com seus subordinados. Alguns dos contratos desenhados podem gerar lançamentos contábeis, em razão das definições postas pela estrutura conceitual da contabilidade. Em outros isto não ocorre. Ademais, certos tipos de contratos podem depender da contabilidade para mensurar variáveis relevantes, como é o caso dos contratos de desempenho.

Notícia boa para contabilidade? O reconhecimento de um área que tem interface com a contabilidade é sempre importante. (É interessante notar que no doutorado de contabilidade da UnB temos a disciplina de Economia da Informação, onde os aspectos associados a risco moral, assimetria, seleção adversa, sinalização e screening são abordados)

Desdobramentos - O prêmio Nobel de Economia tem mostrado que esta área do conhecimento é multidisciplinar. Estudos anteriores que possuem vínculos com esta área já tinham sido premiados, destacando sua relevância.

Mas a semana só teve isto? A questão dos bancos (Deutche, Wells Fargo, entre outros) e a discussão do modelo proposto pela PEC dos gastos públicos merecem destaque.

15 dezembro 2014

Desgovernança Corporativa no Petrogate

Diário do Poder: 12 de dezembro de 2014 

Passada a exaltação de ânimos provocada pela justificada indignação nacional com a sequência de revelações do escândalo “petrogate”, o affair merece uma análise sóbria de suas implicações  e alcances institucionais.

A Petrobras, embora referida na imprensa como uma estatal, a rigor é uma sociedade de economia mista dada a composição público-privada de seu capital. Como tal, está inserida num híbrido e complexo marco legal e regulatório. Rege-se pela lei de sociedades por ações, pela regulação das empresas de capital aberto, mas pauta-se também pelo direito administrativo. Consequentemente deve ater-se à legislação sobre licitações públicas assim como às normas da Comissão de Valores Mobiliarios (CVM) e da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) onde são negociadas suas ações, portanto subordinando-se simultaneamente a regras de governança pública e corporativa. No que tange a licitações, a Petrobras desde de 1998 ampara-se no Decreto 2745 que lhe faculta isenção das exigências da lei 8.666 sobre licitações públicas de 1993, simplificando o processo licitatório e aumentando sua competitividade com outras empresas do setor a partir da abolição de seu monopólio do setor. Esta simplificação permite à Petrobras, por exemplo, a simples tomada de preços entre três fornecedores, facilitando também irregularidades. Entretanto, devido à suspeita sobre a lisura deste processo simplificado, há inúmeras ações pendentes no STF,  contra a Petrobras devido à não aplicação da Lei 8.666. A mais antiga tramita há nove anos no Tribunal, sem que ainda tenha sido julgada. A demora tem permitido que a Petrobras descumpra as determinações do TCU com base nas liminares concedidas pelo STF. Um recente levantamento preliminar do TCU mostra que 60% a 70% das aquisições da Petrobras foram realizadas sem licitações, num total de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões no período entre 2011 e 2014.
O escândalo adquiriu caráter  de corrupção na medida em que a midia revelou alegações de saqueamento de seu capital mediante super faturamento e propinas vinculados a contratos de prestação de serviços e obras, facillitado pelas flexíveis normas de licitações públicas. Isto provocou a animosidade de segmentos do povo brasileiro, seus “proprietários” lato sensu. Impulsionada pela indignação popular veiculada pela imprensa nacional e internacional, seguiu-se uma diligente campanha investigatória e de fiscalização que tem enquadrado policialmente vários suspeitos destes ilícitos. Alguns dos acusados ampararam-se na proteção de delação premiada, que vêm revelando os alcances e meandros da artimanha estelionatária e de corrupção política, já que os acusados teriam sido indicados por legendas partidárias da base aliada do governo. 
No contexto de direito administrativo as transgressões por omissão ou comissão imputadas ao Conselho de Administração da empresa e aos seus diretores, seriam enquadradas como crimes de improbidade administrativa. Esta face do affair, cujos desdobramentos políticos serão conhecidos à medida que o processo investigatório e criminal  avança não é objeto destes comentários. Interessam-nos mais as implicações de governança corporativa que têm sido objeto de escassa análise na imprensa nacional.
Como uma sociedade por ações de capital aberto (companhia aberta), embora o seu maior detentor de capital seja a União, há que considerar também os interesse de seus acionistas minoritários, representados no Conselho de Administração da empresa. Entre estes estão, além dos acionistas cujas ações são negociadas na BOVESPA, os que detêm ações na forma de ADRs “American Depositoy Receipts”, que constituem certificados, descontáveis em certos bancos norte-americanos, que comprovam propriedade destas  ações, negociados na NYSE (Bolsa de Valores de Nova Iorque). Neste contexto, estes desvios de conduta do Conselho e de seus diretores são caracterizados como falhas corporativas do dever de diligência (“due diligence”), tanto dos seus membros como de seu Presidente, e de estelionato no caso dos diretores que se locupletaram com propinas. 
Estas transgressões, devido ao marco legal híbrido da empresa, enquadram-se nos códigos civil e criminal assim como violações de normas da BOVESPA e da CVM.  Caberia ao representante dos acionistas minoritários apontar e combater judicialmente os desvios do dever de diligência do Conselho e do seu Presidente mediante decisões que chancelaram os ilícitos.  Caso este representante tenha acompanhado o Conselho nestas decisões, caberia a sua substituição por renúncia ou iniciativa  dos acionistas minoritários mediante uma ação de classe- “class action”. 
As investigações e respectivos enquadramentos a nível nacional deste quadro de transgressões de governança corporativa até o presente não têm merecido muita atenção da imprensa nacional.   A desconhecida reação destes órgãos reguladores e fiscalizadores, mormente da CVM e do representante, no Conselho, dos acionistas minoritários pasma face às iniciativas de seus homônimos internacionais. Como se deu a conhecer recentemente na imprensa nacional, a NYSE, impulsionada pela SEC, exigiu uma auditoria investigatória (“forensic audit”) para comprovar e apurar as dimensões das alegadas fraudes licitatórias causadoras de consideráveis danos ao capital da empresa e consequentemente lesivas aos detentores de suas ações (ADRs) negociadas na NYSE. 
Igualmente, a SEC recentemente intimou a Petrobras a fornecer documentação para a sua própria investigação criminal. Isto naturalmente como parte do cumprimento das obrigações legais e estatutárias deste órgão em beneficio do interesse dos detentores de ações da Petrobras negociadas na NYSE e não provenientes de decisões governamentais. Face ao desconhecimento  se algo semelhante foi ou está sendo feito pela CVM e/ou BOVESPA, poderia caraterizar-se também como negligência preocupante destes órgãos, especialmente se comparados com os respectivos dos Estados Unidos que já estão atuando. 
Da mesma forma, a justiça norte-americana já iniciou processo que corre em sigilo de justiça para apurar se na compra da refinaria de Pasadena no estado do Texas houve, por parte da Petrobrás, violação da legislação norte-americana sobre corrupção internacional (“Foreign Corrupt Practices Act”) que penaliza severamente empresários que subornem funcionários governamentais no exterior. Estas ocorrências, agravadas pela permanência na presidência executiva da Petrobras do mesmo funcionário durante estas práticas ilícitas, refletem outra deficiência da cultura de governança corporativa, que merece correção. As consequências deletérias de tais deficiências são por demais conhecidas. As que impactarão diretamente na Petrobras, além da enorme perda do valor de seu capital acionário detido por investidores nacionais e internacionais, serão as dificuldades crescentes de levantar no mercado financeiro internacional os recursos  que requer para dar continuidade aos seus investimentos. 
Caso a auditoria em curso pela Price Waterhouse Coopers, requerida pela NYSE, apresente um relatório com muitas reservas (“qualifications”), a NYSE poderá excluir suas ações, que não mais poderão ser negociadas nela. Adicionalmente, o desfecho do “petrogate” deverá pesar consideravelmente num possível “downgrade” (rebaixamento) pelas agências de classificação do grau de risco de investimento concedido ao Brasil, com consequências nefastas para a credibilidade do país e as condições de sua recuperação econômica.
Frente a tantas deficiências institucionais tanto na esfera pública como corporativa, o que resta de animador para a opinião publica brasileira é somente a tenacidade e perseverança com que órgãos de estado – não de governo- como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Controladoria Geral da União, entre outros, têm dedicado ao saneamento ético e moral que os brasileiros tanto esperam de suas lideranças governamentais e corporativas.
Rogerio F. Pinto é doutor em Administração pela Universidade do Sul da Califórnia, mestre em Ciência Política pela Universidade da Carolina do Norte e especialista em Finanças Municipais na Universidade de Harvard. Atualmente aposentado, foi durante várias décadas gerente de projetos de desenvolvimento e analista institucional do Banco Mundial em Washington