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19 abril 2006

Ebitda

Uma reportagem interessante do Jornal do Comércio de ontem

Debate sobre eficiência do Ebitda gera controvérsia

Nos últimos anos, um indicador financeiro passou a ser amplamente utilizado pelas empresas de capital aberto e pelos analistas de mercado como a principal e, às vezes, única avaliação de desempenho ou do valor das companhias: o Ebitda.

A sigla corresponde a “Earning Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization” ou, em português, “Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização”, também conhecido como Lajida.

Tido por muitos como um certo modismo, o Ebitda foi utilizado por diversas empresas como único índice em negociações de compra e venda, procedimento visto com reservas pelo mercado. “Ele é mais um dado que, sozinho, não funciona. Precisa de outros parâmetros para refletir a avaliação correta de uma empresa. Quando vai comprar um carro, por exemplo, você olha o consumo, a quilometragem e a pintura. Com uma empresa é o mesmo processo”, alerta Geraldo Soares, presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri).

De fato, segundo analistas, o modismo disseminou-se rapidamente e muitas empresas, dos mais variados portes e segmentos no Brasil também passaram a considerar o Ebitda como uma importante ferramenta de avaliação de performance operacional. Ao mesmo tempo, o procedimento para calcular o Ebitda é inteiramente livre de regulamentação, ou seja, a empresa calcula o seu da maneira que desejar. Este tipo de postura chamou a atenção de entidades como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec).

Para o presidente do Ibri, é necessário que a CVM estabeleça normas para estrutura o índice, já o órgão com poder para regular o mercado. Mesmo assim, alguns discordam, porque o Ebitda não é considerado um parâmetro contábil. “Ele mede o fluxo de caixa e o retorno sobre os ativos, sendo muito utilizado, mas não foi bem esclarecido. Precisamos de uma metodologia para padronizar, levando em conta as diferenças entre as empresas”, pede Soares. Segundo o executivo, com um modelo único, será possível a comparação entre o desempenho das empresas.

O Ebitda tornou-se conhecido e ganhou notoriedade no mercado norte- americano na década de 70. Naquela época, a métrica era utilizada pelos analistas como uma medida temporária para avaliar o tempo que seria necessário para que uma empresa, com grande volume de investimento em infra-estrutura, viesse a prosperar sob uma perspectiva de longo prazo. Ao excluir os juros dos recursos financiados e somando-se a depreciação dos ativos, os investidores conseguiam projetar uma medida de performance futura da empresa, considerando apenas a atividade operacional.

Contudo, ao longo do tempo, o Ebitda foi se tornando cada vez mais popular, chegando a ser comparado por muitos como uma aproximação do Fluxo de Caixa e passando a funcionar como um “amortecedor” (quando mal utilizado) em relação ao julgamento do mercado quanto ao efetivo “lucro líquido” da empresa. “Mesmo assim, é um índice importante, que faz parte da cultura do mercado, que não pára de aumentar. Temos que crescer com responsabilidade empresarial, acima de tudo”, ressalta Soares.

Entre os executivos favoráveis ao Ebitda, dois são os principais argumentos. O primeiro seria o de que, por eliminar os efeitos dos financiamentos e decisões contábeis, o Ebitda pode fornecer uma comparação relativamente boa para o analista, pois mede a produtividade e a eficiência do negócio. No segundo argumento, a variação percentual do índice de um ano em relação a outro mostra aos investidores se uma empresa conseguiu ser mais eficiente ou aumentar sua produtividade.

Para os analistas que vêem a métrica com reservas, contudo, o Ebitda não considera as mudanças no capital de giro e, portanto, sobrevaloriza o fluxo de caixa em períodos de crescimento do capital de giro, além de causar uma falsa idéia sobre a efetiva liquidez da empresa. “Lado bom e lado ruim sempre existirão, mas repito: é preciso estabelecer um parâmetro de cálculo, pois um índice tão admirado pelo mercado tem que ter uma fórmula”, resume Soares.

Norte-americanos mostra-se cautelosos com a métrica
Principalmente após os escândalos contábeis de grandes corporações norte-americanas, como a Enron e a Worldcom, a preocupação com o Ebitda vem crescendo. Especialmente nos Estados Unidos, muitas companhias que davam excessiva ênfase à métrica em suas comunicações sobre os resultados voltam a focar muito mais no lucro por ação e dar mais atenção a outros indicadores.
Muito embora a ênfase possa vir a ser menor, analistas prevêem que o Ebitda continuará sendo muito utilizado porque é um bom indicador para a avaliação da tendência dos lucros da atividade principal de uma empresa. Adicionalmente, parece que, de forma gradual, haverá uma compreensão melhor de que, por existir diferenças significativas entre os dois, o Ebitda não é ideal em substituição ao Fluxo de Caixa Operacional. Assim, este continuará sendo a melhor forma de saber o quanto o cofre de uma companhia está produzindo.
No Brasil, executivos do mercado de capitais acreditam que o Ebitda permanecerá muito utilizado pelo mercado, principalmente na avaliação de empresas, e deve continuar valorizando mais a variação percentual de crescimento ou queda do indicador em relação ao período anterior do que o valor isolado do Ebitda.

CVM solicita maior consenso na padronização
No ofício circular CVM/SNC/SEP, de janeiro de 2006, a Comissão de Valores Mobiliários finalmente constata que as companhias abertas vêm o Ebitda como uma medição paralela às convencionais, apresentadas nas demonstrações contábeis. Essa medição também é largamente utilizada como um tipo de fluxo de caixa da companhia para fins diversos como a capacidade de servir a dívida, comparada aos recursos aplicados na empresa (valor de mercado mais dívida líquida a valor presente), ou utilizada como um múltiplo para avaliação de empresas, dentre outras aplicações.

Conforme a Comissão, vem sendo observado pelas entidades representativas do mercado de capitais que a informação do Ebitda está sendo elaborada e divulgada de forma muito particular pelas companhias abertas e de forma divergente entre elas.

“Essa situação torna difícil compreender tanto a formação do número apresentado quanto a sua integração ou conciliação com os outros números da Demonstração do Resultado, além de não ser comparável”, alerta Daniel Maranhão, auditor da BDO Trevisan. Essas medições, portanto, não são diretamente extraídas da mesma estrutura da demonstração do resultado construída segundo os princípios e normas contábeis, mas incluem e excluem montantes não previstos nessas normas.

Segundo a CVM, as medições não baseadas em normas contábeis são definidas como aquelas que incluem ou excluem montantes não previstos nas medições econômicas associadas às normas contábeis mais diretamente comparáveis. Esses ajustes pretendem refletir a visão da administração sobre a geração de recursos pela companhia, mas devem, também, estabelecer uma relação com as medições previstas nas normas contábeis. Como exemplo, a companhia ao divulgar uma medição semelhante ao Ebitda deve estabelecer uma reconciliação com a medição econômica baseada nas normas contábeis mais diretamente comparável com o Lucro Operacional.

No ofício a entidade sugere alguns modelos de construção do Ebitda, que servem como “um possível exercício de julgamento do administrador e não têm a pretensão de serem apresentados como uma solução única para o problema dos itens que devem ser incluídos ou excluídos em cada medição divulgada”, explica o ofício. Maranhão acredita que existe a necessidade de esclarecimento complementar e sobre as medições divulgadas dos conceitos e objetivos presentes na elaboração e divulgação do índice. “Deve-se considerar esse conjunto como base para a compreensão pelo usuário da construção da medição não baseada na estrutura contábil elaborada segundo as normas e práticas contábeis”, conclui o auditor.

Instituição avalia restrições técnicas e limitações do índice
O Moody´s Investors Services foi uma das muitas instituições que pesquisaram a validade do Ebitda como métrica. O levantamento é rico em dados que mostram claramente a falência do índice quando usado fora das condições limitadas a que se aplica.

Segundo a instituição, a exemplo do Lucro Econômico, o Ebitda é um item manipulável, mesmo sem se desobedecer qualquer regra legal ou contábil. Mudanças de critérios de depreciação e amortização, de avaliação de estoques, de remuneração da Administração, de apropriação das variações patrimoniais de investimentos, entre outras, são exemplos de como se pode melhorar ou piorar o lucro e o Ebitda da companhia, sem quebrar qualquer regra contábil estabelecida.

“Para negociações de compra e venda ele é um parâmetro fraco, servindo mesmo para publicação em jornais, com um modelo mais simplificado”, esclarece o auditor Roger Artur Lahm. Segundo ele, ganhos atípicos durante o ano podem facilmente inflar o Ebitda, mostrando uma saúde financeira não-usual.

A pesquisa do Moody´s constatou que investidores mais sofisticados utilizam o Fluxo de Caixa Livre em substituição ao lucro tradicional, atribuindo àquele maior confiabilidade, porque representa o quanto efetivamente sobra de dinheiro no caixa da empresa, depois de se deduzir os investimentos em capital fixo e de giro necessários para manter o crescimento nas vendas. Porém, isto deve ser feito antes de pagar seus financiadores: acionistas (dividendos) e bancos (juros).
Ainda segundo o estudo, o Ebitda também não considera o montante de reinvestimento requerido, o que é especialmente grave no caso de empresas com ativos de vida útil curta. Empresas de alta tecnologia, de transportes e várias outras cujos ativos tornam-se obsoletos em curto espaço de tempo correm o risco de perder espaço de mercado ou até desaparecer, se não se atualizarem na mesma velocidade dos concorrentes. “O conceito muito genérico do Ebitda permite que diversas formas de cálculo sejam adotadas, o que não é saudável e, por isso, a CVM quer agir. Ela apenas pede que as empresas mostrem como estão calculando seu Ebitda”, complete Lahm.

Além disso, o Ebitda, isoladamente, nada revela sobre a qualidade do lucro da empresa. Ao somar-se a depreciação e a amortização, pode-se conseguir Ebitda positivo, se os valores forem suficientemente grandes para cobrir o prejuízo e deixar um saldo. Estes e outros pontos têm tirado o sono de investidores, que apóiam a necessidade de regulação do Ebitda.

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