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25 agosto 2020

Tarda e Falha - Parte 2

 

Sobre o julgamento da Petrobras na CVM (aqui a postagem de ontem), o mesmo foi adiado:

Foi adiado o desfecho do caso em que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisa se 17 ex-diretores e conselheiros de administração da Petrobrás violaram seu dever de diligência ao aprovar obras bilionárias da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco. O julgamento iniciado nesta segunda-feira, 24, foi suspenso por um pedido de vista do diretor Gustavo Gonzalez. O relator do caso, Henrique Machado, votou por condenações que somariam R$ 10,5 milhões ao grupo. (Mariana Durão, Estado de S Paulo, 25 de agosto de 2020)

Confesso que não entendo bem. A CVM usa o SEI para seus processos eletrônicos. Isto permite que o relator do caso possa disponibilizar o assunto com antecedência e os outros membros acompanharem seu parecer (ou pelo menos estudar os documentos). Qual o sentido de "pedir vista"? Confesso que não entendo. Isto deveria ser proibido ou coibido em qualquer entidade do setor público que estivesse julgando algo. 

É possível a convivência entre ESG e Valor?

Robert Armstrong escreve sobre os limites dos investimentos ambientas, sociais e de governança (ESG). Há uma crítica bem fundamentada nos argumentos. Alguns trechos a seguir (O Apelo Dúbio do Investimento ESG, 25 de agosto de 2020, Financial Times e Valor Econômico)

Portanto os apoiadores do ESG têm razão de que as empresas não podem sempre maximizar os lucros de longo prazo por pretender fazer isso. Elas têm de ter como meta fornecer produtos excelentes, o que cria lucro como efeito colateral. Em muitos casos, a excelência gera bons resultados para as partes interessadas também, que vão desde investimentos nos funcionários até baixas emissões de carbono. Mas isso não significa que os retornos dos acionistas e o bem social sempre possam se alinhar. E existe um caminho importante no qual esses dois fatores têm de se separar.

Este é um primeiro ponto. Nem sempre ESG significa valor (ou retorno dos acionistas). 

Parte da justificativa para o investimento em ESG é que desinvestir de determinados setores produtivos (combustíveis fósseis ou tabaco, digamos) cria pressão econômica em favor da mudança, mesmo efeito passível de ser produzido pelo boicote aos produtos de uma empresa. O desinvestimento aumenta o custo do capital para uma empresa: quando há um número inferior de investidores dispostos a comprar suas ações ou bônus, ela tem de vender esses papéis por valor menor. Isso encarece sua possibilidade de investir em projetos socialmente destrutivos.

Isto funciona se o volume de investimento ESG for suficiente significativo para alterar este padrão. Esta é uma informação que realmente não temos (uma vez que alguns investimentos ESG não podem ser considerados como tal). Em outras palavras, o argumento funciona se a oferta e demanda puder ser alterada. 

Qual é o corolário inevitável? O custo do capital para as empresas amigáveis ao ESG cai, na medida em os dólares são canalizados para elas. Suas ações e bônus ficam mais caros. Mantidas inalteradas as demais variáveis, isso tem de significar retornos mais baixos para os investidores em ESG. Se os retornos não tiverem diminuído, é sinal de que as opções dos investidores em ESG não afetaram os incentivos corporativos em absolutamente nada.

Ou seja, pense pelo lado do investidor. Ele realmente deseja trocar investimento tradicional por outro, classificado em ESG, com rentabilidade menor? 

Pelo fato de as coisas serem assim, muitos defensores do ESG assumem posição diferente. Argumentam que a questão não é mudar os incentivos corporativos, e sim investir em empresas que vão prosperar financeiramente exatamente por levarem o ESG a sério. Pode ser que um futuro distante e ideal nos separe desse objetivo. Mas mesmo os melhores dirigentes corporativos não podem agir tendo em mente o fim dos dias. Eles fazem escolhas sobre o que podem antever com certo grau de confiança.

Mas a economia é baseada em incentivos. 

Nessa amplitude, é evidente que os interesses dos acionistas e das partes interessadas podem conflitar. Se não conflitassem, haveria muito menos demissões anunciadas e muito menos poços de petróleo prospectados. Se o capitalismo dos “stakeholders” significa alguma coisa, é que os dirigentes corporativos têm às vezes que fazer escolhas que beneficiem as partes interessadas à custa dos acionistas.

Se os dirigentes corporativos silenciam, é porque sabem qual será sua escolha quando surgirem conflitos desse gênero. Eles recebem em ações, e, se os incentivos monetários não forem suficientes, há incentivos jurídicos. A maioria das empresas americanas são formalmente constituídas como corporação em Estados em que a lei exige que elas coloquem os acionistas em primeiro lugar. Promessas de virtude não mudam isso. Como destacam Aneesh Raghunandan e Shivaram Rajgopal, da Faculdade de Negócios de Columbia, os signatários corporativos da carta da Business Roundtable têm históricos em ESG piores do que seus pares setoriais.

Esta última frase é importante. Se for verdade, o ESG tornou-se um instrumento de marketing. 

Será que a resposta é, então, uma mudança completa dos pacotes de remuneração dos executivos e, de resto, da legislação corporativa? Não. Reescrever as regras internas do capitalismo corporativo poria em risco um sistema que nos atendeu bem em seu escopo: criar riqueza. Ao mesmo tempo, será que queremos que um maior quinhão do poder e responsabilidade para resolver nossos problemas mais prementes, desde a desigualdade até a mudança climática seja depositado à força nas mãos das corporações, que continuarão sendo comandadas e controladas pelos mais ricos dentre nós? Mais uma vez, não.

O capitalismo dos acionistas é uma excelente maneira de gerir nossa economia corporativa e deveríamos permanecer fiéis a ele. Temos, além disso, um conjunto muito bom, ainda que atualmente negligenciado, de ferramentas para garantir que todos participem dos frutos do progresso econômico.

Imagem: aqui

Terceirização do trabalho

Tenho pensado bastante em “Bob”. Ele foi um desenvolvedor de softwares americano que trabalhava de casa para uma grande companhia. Em 2013, veio à tona que ele estava terceirizando o próprio trabalho para a China. Ele mandava uma boa parte do seu salário para uma consultoria chinesa, que fazia o seu trabalho para que ele pudesse surfar no Reddit, negociar no eBay, atualizar seu Facebook e assistir vídeos de gatos, segundo postagem de Andrew Valentine no blog da Verizon, que investigou o caso.

A solução esperta de Bob para o equilíbrio entre trabalho e vida particular está em minha mente por causa da sugestão perturbadora de que se você trabalha à distância, seu patrão eventualmente poderá perceber que você pode ser substituído por outra pessoa do outro lado do mundo que fará seu trabalho por um preço menor.

Se o seu trabalho é de qualquer lugar, qualquer um pode fazer? - Andrew Hill - Financial Times

Na minha experiência profissional já vi casos de terceirização de aula por parte de professor. Ou seja, um professor contratava um conhecido para ministrar aula no seu lugar. Nos tempos do Covid isto não ficaria mais comum? 

Agora imagine este problema para um auditor. Como terá certeza que a pessoa que está trabalhando na empresa é Bob ou um chinês? 

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Mercado financeiro x economia real

 Resumo:


We analyze optimal monetary policy when asset prices influence aggregate demand with a lag (as is well documented). In this context, as long as the central bank's main objective is to minimize the output gap, the central bank optimally induces asset price overshooting in response to the emergence of a negative output gap. In fact, even if there is no output gap in the present but the central bank anticipates a weak recovery dragged down by insufficient demand, the optimal policy is to preemptively support asset prices today. This support is stronger if the acute phase of the recession is expected to be short lived. These dynamic aspects of optimal policy give rise to potentially large temporary gaps between the performance of financial markets and the real economy. One vivid example of this situation is the wide disconnect between the main stock market indices and the state of the real economy in the U.S. following the Fed's powerful response to the Covid-19 shock.


Fonte: Monetary Policy and Asset Price Overshooting: A Rationale for the Wall/Main Street DisconnectRicardo J. Caballero and Alp Simsek. 2020


Rir é o melhor remédio

 

24 agosto 2020

Controlador e a governança da JHSF

O jornal Valor divulgou que a CVM recebeu uma reclamação contra a empresa empresa JHSF. A denúncia inclui problemas na contabilidade, nos controles da empresa e na governança. Esta notícia saiu no dia 21 de agosto, mas boa parte dos problemas já tinham sido divulgados pela empresa de auditoria EY, que mencionou no formulário de riscos, mas não no relatório do auditor. 

Basicamente algumas operações realizadas pelos administradores da empresa deveriam passar pelo conselho de administração ou pelos diretores e isto não ocorreu. Por coincidência, estas transações incluíam pagamentos ao controlador em desacordo com o estatuto da empresa, segundo o Valor. A empresa entende que errou, mas considera que não ocorreu desvio. 

A empresa de auditoria já chamava atenção para transações desde 2018. O “erro” não foi corrigido e agora temos a denúncia. 

Pelo estatuto social, qualquer transação com sócios controladores precisa de aprovação do conselho se superar R$ 5 milhões. Caso fique abaixo desse valor, é obrigatória a anuência de dois diretores estatutários. A EY diz que três operações, acima desse limite (quase R$ 30 milhões pagas ao controlador) foram aprovadas sem o aval do colegiado. Outras duas, de menor valor (R$ 3,8 milhões, no total), também ao sócio, não tiveram anuência de diretores.

Além disso, os auditores ainda citam outras quatro operações no montante de R$ 324,6 milhões, entre julho e dezembro de 2019, que não foram aprovadas segundo o determinado no estatuto (até o processo de conclusão das demonstrações financeiras no fim daquele ano). Trata-se de uma expansão, uma incorporação, uma aquisição de ações e um registro de saldo em aberto.

Reclamação anônima contra JHSF chega na CVM - Por Ana Paula Ragazzi, Valor, 21/08/2020 

EY alertou JHSF sobre operações com controlador - Por Adriana Mattos e Ana Paula Ragazzi, Valor, 24/08/2020

JHSF fez pagamentos a controlador em desacordo com estatuto, diz EY, Por Adriana Mattos, Valor, 21/08/2020

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Tarda e falha

A conduta dos administradores e conselheiros da Petrobras na construção da refinaria Abreu e Lima e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), nos governos Lula e Dilma, será tema de análise da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em cinco julgamentos marcados para hoje e amanhã. No rol de acusados há 46 pessoas mais duas empresas de auditoria. Os nomes envolvem ex-presidentes, diretores e conselheiros da estatal, a ex-presidente Dilma Rousseff e os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci.

O regulador vai decidir se os acusados atuaram com a “diligência necessária”, ou seja, se decidiram em prol dos interesses da companhia nas duas obras. Também irão avaliar se os então executivos da estatal deixaram de reconhecer baixas contábeis nas duas refinarias. No limite, em caso de condenação, e se todos receberem a multa máxima de R$ 500 mil, o total de penalidades pode superar R$ 50 milhões. Mas, além dos valores das multas poderem variar, também é possível inabilitar ou aplicar advertência aos executivos que não forem absolvidos. E, mais uma vez, discussões sobre a prescrição dos casos podem permear os julgamentos.

Os julgamentos são relevantes uma vez que os escândalos de corrupção na Petrobras marcaram o governo do PT. E casos de superfaturamento e propinas nas obras dos dois projetos foram presenças constantes na Operação Lava-Jato. O desperdício de dinheiro na construção das duas refinarias foi bilionário, segundo as investigações. Desde 2014, a estatal contabilizou baixas contábeis de cerca de R$ 45 bilhões por perdas por redução ao valor recuperável do ativo (impairment") nas duas refinarias. O atual presidente da companhia, Roberto Castello Branco, costuma se referir ao Comperj e à Rnest como “cemitérios da corrupção”.

Em dezembro de 2019, a CVM aplicou multas no total de R$ 1,7 milhão e inabilitou os ex-diretores da empresa Nestor Cerveró, por 15 anos, e Jorge Zelada, por 18 anos. Os julgamentos analisaram irregularidades nas contratações de quatro navios-sonda pela estatal. Nestes casos, a autarquia havia acusado outros ex-integrantes da diretoria. No entanto, por maioria, o colegiado considerou que o processo em relação aos outros acusados havia prescrito e o mérito não foi julgado para nomes como Dilma, Mantega e Palocci, além dos ex-presidentes da Petrobras José Sergio Gabrielli e Maria das Graças Foster.

CVM vai julgar conduta de ex-gestores da Petrobras - Juliana Schincariol e André Ramalho, Valor, 24/08/2020

Será que iremos ter uma justiça que tarda e falha? Foto: aqui

Momentos bons e momentos maus

 

A pandemia parecia que iria trazer resultados ruins para as empresas brasileiras. Mas um texto publicado hoje, no jornal Valor Econômico, mostra que o resultado foi melhor do que esperado (Exportações atenuam efeitos da pandemia no balanço trimestral, Valor, 24 de agosto de 2020, Raquel Brandão):

Levantamento feito pelo Valor Data com as demonstrações financeiras divulgadas por 231 companhias de capital aberto mostra que a receita líquida ficou praticamente estável, com recuo de apenas 1,8% ante o segundo trimestre de 2019. O lucro operacional da amostra cai 29%. Os dados não incluem empresas financeiras.

O texto deixa claro que o resultado foi influenciado pelas exportadoras, que tiveram aumento na receita em razão da taxa de câmbio e do mercado chinês. 

Mas nem todas as empresas tiveram este comportamento. Os dados do texto citado dizem respeito as grandes empresas brasileiras, que podem ter se beneficiado da crise. Isto obviamente é válido para parte das empresas. Veja que entre as empresas de energia elétrica o resultado não foi adequado. Em outro texto (Distribuidoras têm piora dos balanços, Valor, 24 de agosto de 2020, Letícia Fucuchima), este fato é demonstrado.  A causa são dois fatores:

De um lado, a redução da atividade econômica provocou queda da demanda de energia, o que prejudicou a receita. De outro, a inadimplência no pagamento da conta de luz aumentou, o que diminuiu a arrecadação.

E parece que o efeito não foi o mesmo no Brasil. Conforme citação do artigo:

Carolina Carneiro, analista do Credit Suisse, aponta que as empresas tiveram impactos distintos no Ebitda principalmente por causa das diferentes regiões em que atuam. “Olhando para o indicador de volume, vemos que as companhias com subsidiárias no Nordeste e Sudeste sofreram muito mais do que às que estão no Norte e Centro-Oeste”. Ela observa ainda que os impactos foram relativamente menores para as empresas “integradas”, que operam em outros segmentos e estão menos expostas em distribuição, em comparação com as distribuidoras “puras”.

Uma das marcas mais evidentes da pandemia nos balanços é a escalada das perdas esperadas de créditos de liquidação duvidosa (“PECLD”). De acordo com as empresas, a constituição dessas provisões se intensificou entre abril e junho já que uma das principais ferramentas de combate à inadimplência - o corte de fornecimento de energia - não era uma opção.