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29 janeiro 2019

LRF e a falência dos Estados

Segundo informação do Valor Econômico, nove estados brasileiros não cumpriram o teto de gastos em 2018. Esta é uma estimativa, já que a informação definitiva deverá ser entregue em março. Uma consequência prática é que estas unidades devem devolver o que deixou de pagar para a União.

Segundo o governo federal, a regra de recuperação fiscal destes estados não será flexibilizada e a decretação de calamidade financeira não muda em nada este ambiente.

A constatação é que a Lei de Responsabilidade Fiscal não foi suficiente para impedir este problema. Ou melhor explicando, a lei é boa, o problema foi sua execução ao longo do tempo. A coluna semanal de Ribamar de Oliveira no Valor, de 24 de janeiro, segue esta linha: o problema não é a LRF, mas sua execução. Os tribunais de contas começaram a legislar e afrouxar a lei, permitindo casos não previstos na lei: retirada dos gastos de inativos e pensionistas é um exemplo. A doutoranda Selene Peres Nunes existiriam duas razões para o problema: (1) os ajustes dos tribunais no entendimento da lei, que muitas vezes os beneficia; (2) a existência de vínculos políticos nos cargos de conselheiros, deixando o aspecto técnico de lado. Estes artifícios terminam por dificultar a punição dos responsáveis pelo descumprimento da lei.

Talvez exista uma terceira explicação: a maldição dos recursos naturais. Isto geralmente ocorre quando um estado ou município é premiado por um recurso natural. É o caso da descoberta de petróleo e os royalties decorrentes. O prêmio se torna uma maldição, já que muitos municípios e estados deixam de investir em fontes alternativas de receita e inicia gastos inadequados em razão da grande quantidade de dinheiro. Com o tempo, o recurso natural inibe boas decisões por parte dos governantes. A tese de José Lúcio Tozetti mostra justamente isto.

Para finalizar, gostaria de colocar aqui uma citação, defendendo os tribunais de contas:

Esta instituição [o tribunal de contas], tão util em todos os tempos, se-lo-ha ainda mais hoje, por exigir mais do que nunca o estado de nossas finanças a maior severidade na observancia das gregras da contabilidade, e a mais restricta ordem na manutenção dos dinheiros publicos. 

Onde? Quando? A frase acima diz respeito ao Brasil. Publicada no O Commercial, de 22 de fevereiro de 1850 (p. 22, ed 33).

Invista logo em lego

Uma pesquisa, conduzida por Victoria Dobrynskaya e Julia Kishilova encontrou que o Lego pode ser uma alternativa a ser considerada em termos de investimentos. Há um grande mercado secundário para o produto, o que gera muitas transações. Usando estes dados, as pesquisadores descobriram que certos produtos em caixas fechadas podem apresentar um retorno médio de 11% nominal ou 8% real. Estes valores são históricos, para o período de 1987 a 2015. Alguns dos produtos, como aqueles baseados em filmes, podem oferecer um retorno mais elevado. O Lego pode ser interessante como diversificação, conforme constataram as autoras.

Contra o brinquedo pesa a baixa liquidez (em relação as ações) e os custos de armazenamento. Além disto, exige um conhecimento do “setor”, sendo difícil de advinhar qual o produto que irá valorizar. As autoras pesquisaram 2.300 conjuntos do produto e encontraram bons e maus retornos.

Finalizando, o artigo das autoras é um dos mais baixados na semana no SSRN.

Via aqui 

Rir é o melhor remédio





Um cubo de gelo como personagem

28 janeiro 2019

Relatório de Gestão

O CFC divulgou um relatório da atual gestão. São 365 dias e o objetivo do documento está expresso no início:

No dia 31 de dezembro de 2018, completamos um ano na atual gestão do Sistema CFC/CRCs e muitas foram as realizações nesse período. Com ética, integridade e transparência, o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Contabilidade, buscaram o aprimoramento e a assertividade nas ações para a valorização da classe contábil e para a construção de um desenvolvimento sustentável do País.

Veja na figura abaixo o sumário do documento de 18 páginas. É um documento conciso, bem produzido em termos gráficos. Alguns itens não são realmente da gestão 365, como a ISO, de 2015. 

Perceberam a ausência de alguma coisa? Eu achei que faltaram as demonstrações contábeis do CFC...

AlphaZero

No final de 2018, a chinesa Ju Wenjun (rating de 2578, na data de hoje) confirmou o título mundial de xadrez feminino. Quase na mesma época, o norueguês Magnus Carlsen (rating de 2844, hoje) derrotou o desafiante Fabiano Caruana para manter seu título. Carlsen talvez seja o maior jogador na história do xadrez, acima de Fisher ou Kasparov. Também no final do ano, o programa Stockfish novamente ganhava o título de software de campeão de xadrez (rating de 3390).

A versão 8 do Stockfish pesquisa 70 milhões de posições por segundo. É algo realmente assombroso. Mas em dezembro, o Stockfish levou um surra de um programa que pesquisa somente 80 mil posições por segundo.

O AlphaZero é um software desenvolvido pela mesma empresa que criou o AlphaGo, que derrotou o campeão mundial de Go, um feito que muitas pessoas achavam que não ocorreria tão cedo. O programa foi programado para treinar com ele mesmo, sem usar jogos passados ou teoria. Apenas programação, com redes neurais. Com quatro horas de treinamento, o Alpha Zero estava jogando melhor que o Stockfish 8 (e melhor que Carlsen, obviamente). Depois de 9 horas de treino, o AlphaZero jogou 100 partidas de xadrez contra o Stockfish 8 e ganhou 28 e empatou 72.

Além disto, o AlphaZero joga também Go e Shoji (um tipo de jogo de estratégia japonês). Ele jogou contra a versão AlphaGo e venceu. Como o AlphaZero analisa menos posições, a qualidade da sua análise é muito melhor. O estilo de jogo do programa foi elogiado por Kasparov, o ex-campeão mundial de xadrez que foi derrotado por um antecessor, chamado DeepBlue.

Em razão dos resultados, o AlphaZero está sendo considerado hoje o auge da pesquisa de inteligência artificial no mundo. Conforme lembra um especialista da área:

(...) o próximo passo é usar suas capacidades para resolver problemas do mundo real - como o dobramento de proteínas, que é responsável por doenças como Alzheimer, Parkinson e fibrose cística. Mas ele também espera que o AlphaZero seja capaz de desenvolver materiais mais fortes e leves, melhores remédios e eventualmente se tornar flexível o suficiente para se adaptar a novas situações.

Enquanto o DeepBlue foi programado para jogar xadrez, o AlphaZero aprendeu a jogar xadrez. O próximo passo talvez seja colocar o AlphaZero para jogos com informações ocultas, como pôquer. O fato é tão relevante que deu origem a um artigo na prestigiosa revista Science, de Kasparov.

Nota 1: Aqui tem algumas das partidas. Em uma delas, o Alphazero sufoca o Stockfish com os peões.

Nota 2: Existem algumas críticas. O GM, e um dos maiores jogadores da atualidade, Nakamura (rating 2744 no tradicional, segundo melhor jogador do mundo no rápido e terceiro no blitz) chama a atenção para o fato das condições não serem as mesmas e que as partidas com o Stockfish não são comparáveis, pelo fato do AlphaZero estar usando um supercomputador. Ou seja, o hardware não era igual.

Nota 3: O Alphazero é uma empresa do Google.

Imagem, fonte aqui

Vale e o mercado

Como era esperado, a cotação das ações da Vale caíram substancialmente na abertura do mercado acionário: - 18%. O índice da Bolsa também está em queda.

O curioso é que a queda da Vale não é a pior do dia (pelo menos até agora). Bradespar, um dos acionistas da empresa de minério, caiu mais.

Vale e Brumadinho - 3

O rompimento da barragem de Brumadinho da Vale poderá ter algumas consequências. Mas alguns fatos já são conhecidos:

Fato 1 - Na sexta, as ações da empresa nos Estados Unidos tiveram uma queda de 8% após a notícia do fato. O mercado brasileiro estava fechado, em razão do aniversário da cidade de São Paulo. Hoje, na abertura do pregão, teremos uma ideia melhor do efeito da tragédia.

Fato 2 - No sábado, a agência de rating Standard e Poor´s alertou que poderia reduzir a nota da empresa.

Fato 3 - Duas novas medidas judiciais aumentou o valor do caixa congelado da empresa, de 1 bilhão para 11 bilhões. Em setembro, a empresa tinha informado que seu caixa era de 25 bilhões. Mesmo que a empresa consiga derrubar a medida, isto deverá aumentar o desgaste. Além disto, foi também multada pelo governo de Minas.

Fato 4 - O Conselho de Administração da empresa decidiu constituir dois comitês independentes para o caso. Um deles terá como função a apuração das causas e das responsabilidades.

Fato 5 - O Conselho também decidiu suspender os dividendos e JSCP, assim como remuneração variável aos executivos.

Para os próximos dias espera-se que a empresa

Projeção 1 - O atual presidente da empresa será cobrado por ter sido tão otimista sobre a empresa. O seu mandato encerra em maio, mas talvez ele não tenha mais condições de renovar.

Projeção 2 - A empresa estava chegando a um acordo com respeito ao problema da Samarco, de 2015. O valor pode ser majorado (ou até suspenso, segundo a Reuters) e a empresa pode sofrer com isto.

Foto: Estadão

Rir é o melhor remédio






Fotografias malucas. Via aqui

27 janeiro 2019

Uma pesquisa comportamental sob suspeita

Um dos mais famosos experimentos das finanças comportamentais está sob questionamento. Em 2008, Amir, Mazar e Ariely publicaram um estudo sobre resolução de matrizes. Foi dado a algumas pessoas, um conjunto de números e solicitado que respondessem quantos problemas eles resolveram. Os pesquisadores não controlaram se a informação era correta ou não. A pesquisa estava focada na honestidade das pessoas.

Os pesquisadores dividiram as pessoas em grupos. Para um grupo, solicitou que lessem os dez mandamentos. Para outro, uma listagem de livros que leram. O primeiro grupo indicaram um número de resoluções menor do que aqueles que fizeram a outra tarefa. Assim, a leitura dos dez mandamentos seria um “lembrete” mental para que as pessoas fossem honestas. Isto realmente era interessante e revolucionário sobre o assunto.

Este talvez seja o principal mote do livro de Ariely sobre desonestidade. Muitos anos depois e com várias pesquisas realizadas reproduzindo o tema, um grupo de pesquisadores reuniu estas pesquisas e ... não encontrou nada. Os resultados (figura abaixo) mostram que os efeitos da leitura dos dez mandamentos, se existirem, estão no sentido oposto.

Amir, Mazar e Ariely fizeram uma réplica as críticas recebidas. A réplica não convenceu a Jason Collins e a Andrew

Despesa para ganhar o Oscar

Harvey Weinstein tinha um grande número de estratégias para fazer com que os filmes que produzia ganhassem prêmios.

A empresa de streaming Netflix parece desejar muito prêmios para ser levada à sério como produtora. E esta apostando muito no filme Roma. Enquanto o filme teve um custo de US$15 milhões, a empresa tem um orçamento de US$25 milhões na campanha do filme. Isto inclui Angelina Jolie na campanha, material promocional para os eleitores, livro de 200 páginas, chocolates artesanais com bilhete da atriz protagonista. E também um spot publicitário na CBS, anúncios impressos e digitais, um coquetel de degustadores (com a presença de Jolie).

Uma das condições para um filme concorrer ao Oscar é ser exibido em cinemas. Muitos concorrentes divulgam os números de receita obtida no cinema. No caso de Roma, a Netflix não somente não divulga como restringiu o lançamento a um número de locais o suficiente para cumprir os critérios. 

Roma é um filme adorado pelos críticos; mas nem tanto pelo público. No Metacritic a avaliação é muito positiva, uma das melhores de todos os tempos. Mas no IMBD, onde prevalece a crítica os não especialistas, sua nota é 8, bem abaixo de uma unanimidade. (Uma nota: comecei a ver e não consegui acabar)

Assim, os eleitores do Oscar, optando pelo filme, estarão concordando com os críticos e com a campanha de marketing. Muitos deles (muitos mesmo) sequer assistem os filmes que concorrem, mas votam e são influenciados por estes gastos. Não por coincidência, a pessoa que comanda a campanha do filme é Lisa Taback que trabalhou para ... Harvey Weinstein, com Shakespeare Apaixonado, Discurso do Rei, Spotlight e Moonlight.

Fonte: The Telegraph. Fonte da fotografia: aqui (montagem a partir de uma cena do filme)

História da Contabilidade: Ensino à distância e o IUB

O Instituto Universal Brasileiro foi durante muitos anos uma referência no ensino à distância no Brasil. No caso, o aluno mandava um formulário indicando o curso de seu interesse, o endereço e efetuava o pagamento para receber o material em sua casa, pelos correios.

Um dos cursos oferecidos pelo Instituto era o de contabilidade. Talvez fosse um dos mais importantes, pelo volume de propaganda que era feita. Talvez seja impossível de precisar a quantidade de alunos formados pelo Instituto ao longo do anos, mas não era um valor desprezível.

Durante a década de 30 a 40, analisando a principal revista brasileira da época, “O Cruzeiro”, era possível achar uma propaganda do IUB em quase todas as edições. A seguir, um exemplo de uma destas propagandas. Ela ocupava cerca de um quarto da página 21, edição 6, de 6 de dezembro de 1941.

Aqui outra, agora com um depoimento de um aluno do Poxoreu, Mato Grosso:

História da Contabilidade: Nasser e a UBC em 1948

David Nasser foi um conhecido compositor brasileiro (“A Camisola do Dia”, “Nega do cabelo duro” entre outras) e jornalista. Talvez tenha sido um dos jornalistas brasileiros mais conhecidos de todos os tempos, tendo atuado na revista O Cruzeiro, Manchete entre outros.

Em 1948, Nasser publicou na revista O Cruzeiro um texto chamado: Que Cigarro Fuma o Tesoureiro? (edição 11 de 1948, p. 62, 4 e 6, nesta ordem, de 3 de janeiro de 1948). O texto comentava sobre uma queixa-crime apresentada por Osvaldo Santiago, tesoureiro da União Brasileira de Compositores. A UBC era responsável por ajudar os compositores a arrecadar os direitos autorais de suas obras. Na abertura do texto, Nasser escreveu:

"(...) Osvaldo Santiago deveria, imediatamente, antes de qualquer processo criminal contra seus denunciadores, vir a público e, com o desassombro de quem tem a consciência tranquila, solicitar, êle mesmo, a abertura de um inquérito, com o exame de tôda escrita da sociedade."

(grafia da época, conforme página 62 da revista. O termo "escrita" refere-se a "contabilidade")

Mais adiante, na página 4, Nasser informa que o perito Florindo Focaccia, "membro efetivo da Câmara de Peritos Contadores do Instituto Brasileiro de Contabilidade" apresentou um laudo sobre a contabilidade da UBC. E cita parte deste laudo, reproduzido, também em parte, a seguir:

a U.B.C não se esforça nem mantém aceitável serviço de contabilidade, visto que o técnico que se propõe a fazer uma investigação contábil no seu campo administrativo, enfrenta tamanho "cáos", que, fatalmente, se embaraçará no cipoal de detalhes (...) [grifo no original]. 

(...) Ora, esta modalidade é inteiramente irregular e pode bem ser chamada de "martelo contábil", porque no fim do exercício financeiro, a diretoria vê-se na situação bastante cômoda" de fazer lançamentos de ajustes" que não se recomendam. 

Na página 6, continuando o texto, Nasser afirma que não é possível analisar os balanços patrimoniais e a "receita e despesa" em razão dos problemas contábeis da entidade. Como o texto é de 1948, observe que o termo "martelo contábil" (que alguns ainda hoje conhecem como "princípio da marreta") é anterior a esta data.

Apesar de ser um famoso jornalista, Nasser esteve envolvido em diversas polêmicas. Esta parece ter sido mais uma delas.