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03 fevereiro 2011

Panamericano: ganhadores e perdedores

Quem foram os ganhadores e os perdedores da operação de resgate do Panamericano?

Silvio Santos saiu como grande ganhador. O rombo inicial recebeu como garantia a sua fortuna pessoal. Isto significava que num primeiro momento ele corria o risco de perder todo seu esforço de construir sua fortuna. Entretanto, o aumento do rombo, constatado algumas semanas depois, não contou com um aumento nas garantias, já que ele não as tinha. Ao final da operação, Sílvio manteve o SBT e Jequiti e perdeu um banco. O rombo, de R$4 bilhões, foi vendido por R$400 milhões. Bom negócio para ele.

O Banco que adquiriu também fez bom negócio. A reação do mercado, que aumentou a cotação das ações, mostrou que existia uma possibilidade de ganho imediato. Além disto, o BTG Pactual deve ter saído com garantias de recursos adicionais para manter a instituição financeira durante certo tempo.

Perdedores foram o Fundo Garantidor, que teve que entregar bilhões de recursos para cobrir o rombo. Quem garante o fundo garantidor são os outros bancos. Eles também perderam, pois para evitar um problema sistêmico tiveram que entregar recursos para uma instituição financeira com gestão de baixa qualidade.

A Caixa Econômica também perdeu na operação. Aparentemente a Caixa entrou no Panamericano com o respaldo de duas empresas de auditoria. Entretanto, a expansão do banco estatal para setores populares de financiamento mostrou inadequada. Escolheram o banco errado e tiveram o desgaste de negociar uma saída para que o Panamericano não quebrasse.

O Risco Moral não foi comentado. Mas a solução encontrada certamente afeta este risco.

01 junho 2022

Teoria da Agência e a Contabilidade

Os pais levam seu filho para o supermercado. A criança começa a pedir que os pais comprem diversas coisas: Quero bala. Quero este brinquedo. Compra para mim um salgadinhos

Diante da insistência da criança e querendo ensinar uma lição, os pais fazem uma proposta:

- Vamos fazer o seguinte. Você tem $$. Com este dinheiro, pode comprar o que quiser. E o troco é seu, para fazer o que quiser.

O garoto pensa um pouco e espertamente para de pedir para os pais comprarem coisas para ele, imaginando que o dinheiro pode ajudar a comprar, no futuro, um brinquedo melhor. Os pais ficam satisfeitos, pois podem fazer as compras em paz e sabendo que estão ajudando seu filho a poupar.

***

A teoria da agência apareceu na literatura há cinquenta anos. E desde então tem sido amplamente usada para explicar situações corriqueiras (como a cena acima), mas também para situações mais complexas. Mais do que isto, a teoria da agência tem sido usada para propor potenciais soluções para os problemas do mundo real.

Uma pesquisa no Google Scholar (1) mostra que o termo foi citado em mais de 200 mil artigos científicos. Sua utilização tem abarcado diversos campos do conhecimento humano, como a economia, a gestão de pessoas, a ciência política e a contabilidade.

Além disso, a teoria da agência está relacionada com uma série de outros conceitos relevantes, como informação assimétrica e risco moral.

Para teoria da agência existem dois lados: uma pessoa, denominada de agente, toma decisões ou faz algo, que irá afetar outra pessoa, o principal. O agente e o principal são opostos, diante de uma determinada situação. Apesar de empregarmos o singular nas duas frases anteriores, a teoria da agência também se aplica para um conjunto de agentes e / ou um conjunto de principal (2).

O termo principal indica que este estaria em um nível superior. O termo agente indica que é a pessoa que irá agir. No exemplo do início do texto, os pais seriam o principal; a criança, o agente. O ponto relevante da teoria da agência está no fato de que assume que os interesses do principal não são idênticos aos interesses do agente. A divergência entre os interesses é que fará com que a Teoria da Agência seja tão útil e preciosa em explicar o mundo real. Será também útil para trazer algumas possíveis soluções práticas. Antes de detalhar este ponto, vamos apresentar a seguir alguns exemplos da relação principal-agente.

Na política, os representantes eleitos, como os deputados, correspondem ao agente. Os eleitores estariam no papel do principal. Os eleitores querem que seus interesses - como estradas, hospitais, aumento salarial, defesa de uma corporação e redução de impostos - sejam defendidos pelos agentes, os deputados. Mas talvez não seja este o interesse do deputado; ele pode estar mais preocupado com seu salário, sua ascensão política ou o conforto dos seus amigos.

Em uma empresa, um empregado é contratado para executar certas tarefas (3). O gestor de recursos humanos, que fez a contratação, tem uma lista de expectativas, que será diferente da relação que o empregado. Enquanto o gestor deseja que o empregado contratado fique no emprego por muitos anos, o empregado pode estar mais interessado em receber seu salário nos próximos meses, enquanto tenta achar uma posição no mercado de trabalho melhor. O gestor é o principal da relação, enquanto o empregado é o agente. E os interesses são divergentes. Temos aqui os principais elementos da Teoria da Agência.

O analista de um banco propõe a um correntista que aplique seus recursos em um CDB. O empregado do banco recebe comissão por captação e seu interesse é aumentar a comissão no final do mês. O correntista deseja que suas aplicações possuam um retorno adequado, para seu nível de risco. O principal é correntista e o agente é funcionário do banco.

Vamos resumir o que apresentamos até agora em um figura simples:

Colocamos o principal no alto, para indicar que sua posição seria “superior” a do agente. É o eleitor, o gerente de recursos humanos ou o correntista. A seta azul circular de azul mostra seus interesses. O agente, o deputado, o empregado da empresa e o analista do banco estão apresentados na posição “inferior”. Mas seus interesses, a seta laranja circular, são diferentes. As duas setas na metade da figura mostram a existência de uma relação entre eles.

Há um fato implícito na relação indicada pela Teoria da Agência: a informação assimétrica. A Teoria da Agência assume que o agente possui informações que não estão disponíveis para o principal. O analista do banco sabe que irá receber uma comissão se conseguir vender o CDB para o cliente, mas o cliente não tem conhecimento deste fato. O gestor sabe muitas coisas que estão acontecendo na empresa, que não chegam até o acionista, o principal da relação. O deputado sabe como funciona o processo político, das relações de poder, que o eleitor não conhece. A informação assimétrica é algo natural no mundo, mas na visão da Teoria da Agência traz uma vantagem para o agente. Se na relação de poder entre o principal e o agente, o primeiro geralmente é privilegiado, a presença de informação assimétrica reduz esta vantagem (4).

O empregado contratado pela empresa não diz na entrevista que pretende ficar pouco tempo, que estaria interessado em outro trabalho. Isto é uma informação que ele retém para si; se indicar isso na entrevista, suas chances de obter o emprego irão se reduzir.

***

Os exemplos acima chamam a atenção para o fato de que a divergência entre os interesses do agente e do principal pode criar alguns problemas práticos. O usuário da contabilidade pode desejar uma informação, que o contador terá muito trabalho para fornecer. O principal, o usuário, pode não receber o que pretende se o contador não tiver incentivos. Na Teoria, o desvio do interesse do principal recebe a denominação de custo de agência.

Ao chamar a atenção para os interesses diferentes do principal e do agente, começam a surgir algumas possíveis soluções. O principal pode criar alguns incentivos para que a distância dos interesses seja menor.

Isto seria similar a mudar as regras do jogo, considerando que o agente possui seus interesses. Nas relações de emprego, isto pode estar refletido no contrato de trabalho. Sabendo que alguns empregados talvez não fiquem na empresa por um tempo razoável, o contrato de trabalho poderá prever uma remuneração que somente será recebida após um determinado período de tempo. O acionista pode condicionar o salário dos diretores a uma remuneração que dependa da valorização das ações da empresa. O professor pode exigir a presença do aluno como um critério de avaliação ou um desempenho mínimo para aprovação. O deputado terá um período no cargo limitado, onde sua reeleição irá depender dos votos dos eleitores.

A palavra mais importante no processo para reduzir a divergência entre os interesses e incentivo. O incentivo pode ser monetário, como um aumento no salário com o transcorrer do tempo, ou pode ser não monetário, como a exigência de um percentual de presença em sala de aula para aprovação do aluno. O estudo do incentivo diante de uma relação entre principal e agente é muito importante nos dias atuais (5).

O incentivo parece ser uma solução para certas situações. No passado eu fui proprietário de uma drogaria. Naquela época - e ainda hoje - o setor tinha dois tipos de medicamentos. O primeiro eram os produtos fabricados pelos grandes laboratórios, conhecidos do público, com elevada margem. O segundo eram produtos similares, alguns com uma qualidade um pouco menor, mas uma elevada margem. O interesse dos proprietários das drogarias era, sempre que possível, a venda do segundo tipo. Uma prática usual era pagar uma comissão para o vendedor. Como a margem do segundo tipo era superior, a comissão também o era. Isto permitia convergir os interesses divergentes.

Esta situação é similar à gorjeta de um restaurante ou a comissão de vendas de um funcionário de uma concessionária.

O que os estudiosos perceberam logo é que o incentivo cria problemas. Veja o caso do garçom que recebe uma gorjeta. A ideia do restaurante é produzir um incentivo para que o garçom possa dar um bom atendimento ao cliente, o que pode ser interessante para os negócios da empresa. O garçom sabe que tratar bem o cliente pode aumentar sua gorjeta, podendo ser um incentivo adequado mudar sua atitude, tratando bem o cliente.

A solução da gorjeta não é sempre perfeita. Temos aqui um incentivo perverso, que no popular chamamos de “o tiro saiu pela culatra”. Com efeito, em muitas situações, o incentivo perverso pode piorar uma situação entre agente e principal.

Sabendo que tratar bem o cliente pode significar uma melhor gorjeta, o garçom pode aumentar não cobrar por uma porção extra do produto. O aluno pode assinar a presença e passar a aula no celular. O vendedor de uma drogaria pode empurrar em excesso medicamentos para clientes inocentes. O gestor pode postergar investimento, visando aumentar o lucro e o preço das ações. Um jogador de futebol, que ganha por gols marcados, pode preferir uma jogada individual ao passe para um colega melhor posicionado.

Este último exemplo mostra que os incentivos podem exercer um poder negativo para o trabalho em equipe. Isto tem sido destacado nas pesquisas, que sugerem que incentivos individuais de pagamento podem reduzir a cooperação entre os colegas. Um empregado que é remunerado por atendimento evita ajudar um colega em dificuldade, pois isto reduziria suas metas.

***

O estabelecimento dos incentivos é uma das tarefas mais difíceis nas situações de principal e agente. O contrato estabelecido entre os dois lados deve imaginar como isto pode gerar incentivos perversos, revelar informações sobre o esforço do agente, o monitoramento do desempenho e valorizar todos os aspectos da relação que são relevantes para o principal.

Na teoria parece simples, mas na prática é bastante complicado. Veja o exemplo de uma empresa, que decidiu criar uma maneira de pagar seus programadores. Sem saber qual o esforço dos funcionários estavam dedicando ao trabalho, a empresa optou por verificar o número de linhas de código que eram escritas por cada funcionário. O resultado é que os programas escritos começaram a ser mais longos do que o necessário.

Outra empresa resolveu remunerar seus atendentes telefônicos pelo número de atendimentos. Quando o funcionário percebia que o caso era complicado, fazia a ligação cair, sem que o cliente fosse atendido. Alguns médicos começaram a ser penalizados quando excediam a taxa de mortalidade, gerando os profissionais a assumir somentos os pacientes com menor risco. Ou professores que estavam sendo remunerados pelas notas dos testes dos seus alunos; os docentes passaram a ensinar para o teste, deixando de lado outros aspectos do processo educacional. Ou a empresa que mensura seus trabalhadores baseado na hora que ligam seus computadores; a primeira ação do empregado é ligar o computador e depois vai tomar seu café na cantina da empresa (6).

Há uma história que ocorreu na antiga União Soviética e que ficou bastante conhecida (7). Uma fábrica de pregos tinha como meta a produção de uma quantidade de unidades. Todo período tinha que cumprir a meta. O governo, o principal, estabelecia a meta conforme os seus planejadores acreditavam que era razoável. A administração da fábrica tinha que responder com a meta de produção ao final do período. Já que a meta era “unidades produzidas”, a fábrica optou por fabricar pregos pequenos. E não faltou pregos pequenos, mas os pregos grandes sumiram. Os planejadores decidiram então mudar a meta para peso. A gestão respondeu produzindo somente pregos grandes e pesados.

***

Além da informação assimétrica e da teoria dos contratos, a Teoria da Agência possui vínculo com a seleção adversa, quando o agente possui informação antes do contrato ser firmado, e o risco moral, quando a informação chega depois do contrato.

Na próxima postagem iremos tratar da relação da Teoria da Agência e a Contabilidade.

(1) com o termo “agency theory” - entre parênteses e em língua inglesa - sem considerar citações e patentes, realizada no início de junho de 2022, trouxe cerca de 200 mil resultados. Um texto de Eisenhardt, de 1989, que faz considerações críticas sobre o assunto, possui 21 mil citações. Isto é muito. Eisenhardt, K. M. (1989). Agency theory: An assessment and review. Academy of management review, 14(1), 57-74. O trabalho mais lembrado sobre o assunto, de 1976, possui mais de 100 mil citações. Proporcionalmente é como se metade das citações sobre o assunto lembrassem da obra. Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of financial economics, 3(4), 305-360. (Na verdade esta proporção é inadequada, pois as 200 mil citações estão restritas aos trabalhos que usam este termo em língua inglesa e as citações não, mas dá uma boa ideia da importância do texto de Jensen e Meckling.

Como ocorre em diversas teorias, há uma disputa sobre quem são os autores que criaram a Teoria da Agência. Usualmente a literatura tem atribuído a Jensen e Meckling, mas há controvérsia.

(2)A partir de agora, toda vez que falarmos no singular, é importante entender que podemos ter estas situações aplicáveis.

(3)Este é um dos exemplos mais conhecidos da Teoria, aparecendo de forma repetida na literatura.

Não é possível estabelecer qual é mais vantajoso, o poder ou a informação. Em certas situações, a informação pode ser tão assimétrica, que o agente pode prevalecer sobre o principal. Este talvez seja o caso do analista do banco e do correntista. Em outros casos, a posição do principal pode ser tão forte que a informação assimétrica não é suficiente para conferir uma grande vantagem para o agente. Tudo irá depender de cada situação.

(4) Na verdade, é importante há muito tempo. Entretanto, o interesse cresceu com a Teoria da Agência e o desenvolvimento da Teoria dos Contratos e do Desenho.

(5) Estes casos podem ser encontrados em diversas pesquisas da área. O número de problemas é bastante amplo, o que mostra o risco dos incentivos ruins.

(6) Como toda história, os detalhes vão mudando conforme a fonte.

14 maio 2014

Contabilidade e Moral

A seguir um texto publicado originalmente no NY Times. Tinha separado para uma postagem, quando recebi a versão em português encaminhada pelo Alexandre Alcantara:

Contabilidade e Moral - Jacob Scroll - DCI

Às vezes, parece que as nossas vidas são pautadas pelas crises financeiras e pelas reformas fracassadas. Mas até onde os americanos entendem de finanças? Poucas pessoas entendem de contabilidade básica e menos pessoas ainda sabem o que é um balanço. Se é que chegaremos ao ponto de podermos debater seriamente sobre a responsabilidade financeira, precisamos primeiro aprender alguns princípios básicos.

O pensador econômico alemão Max Weber acreditava que para o capitalismo dar certo as pessoas comuns teriam de conhecer o método das partidas dobradas em contabilidade, não somente porque esse tipo de contabilidade permite calcular o lucro e o capital através do balanço dos débitos e dos créditos em colunas paralelas; é também porque bons registros financeiros são "equilibrados" no sentido moral. Eles são a própria fonte da responsabilidade, palavra que de fato se relaciona com o sentido da palavra "contabilidade".

Na Itália renascentista, comerciantes e donos de propriedades utilizavam a contabilidade não somente nos seus negócios como também para emitir juízo moral com Deus, com suas cidades, países e famílias.

O famoso mercador italiano Francesco Datini escrevia em seus livros de contabilidade: "Em Nome de Deus e do Lucro" Datini e outros também guardavam livros de contabilidade moral, contabilizando seus pecados e bons atos da mesma forma como contabilizavam a renda e os gastos.

Um dos fatos menos atraentes e, portanto, esquecidos da Renascença italiana, é que ela dependia muito de uma população que dominava a contabilidade. Em algum momento nos anos 1400, cerca de 4 mil a 5 mil dos 120 mil habitantes de Florença frequentavam escolas de contabilidade, e existem provas documentadas de que até mesmo os trabalhadores modestos mantinham registros contábeis.

Esse foi o mundo no qual Cosme de Médici e outros italianos vieram a dominar o sistema bancário europeu. Entendia-se que todos os proprietários de terra e profissionais conheciam e exerciam a contabilidade básica. Cosme de Médici em pessoa realizava as auditorias anuais dos livros de todas as filiais dos seus bancos e também fazia a contabilidade de sua casa.

Isso era típico em um mundo onde todos, de fazendeiros e farmacêuticos a comerciantes conheciam o método das partidas dobradas. O método também foi útil na administração política na Florença republicana, em que o governo precisava de uma certa dose de transparência.

Se quisermos saber como tornar nosso país e as nossas empresas mais responsáveis, seria bom estudar os holandeses. Em 1602, eles inventaram o capitalismo moderno com a fundação da primeira empresa de capital aberto – a Companhia das Índias Orientais – e a primeira bolsa de valores oficial em Amsterdã. Porém, foi através de uma cultura mais antiga e bem guardada da contabilidade que eles mantiveram estáveis essas instituições por um século.

A difusão do método das partidas dobradas para os Países Baixos durante o começo dos anos 1500 tornou o país o centro da educação em contabilidade, do comércio mundial e do início do capitalismo.

Os holandeses confiavam que seus líderes manteriam bons registros de contabilidade e fariam pagamentos de juros regularmente, ao mesmo tempo, pagando a dívida do Estado. Todas as camadas da sociedade holandesa faziam a contabilidade com o método das partidas dobradas, desde prostitutas a acadêmicos, comerciantes e até mesmo o regente, Maurício de Nassau, Príncipe de Orange.

Os pintores regularmente retratavam os comerciantes guardando os seus registros contábeis; o quadro de Quentin Metsys "Os Banqueiros" (por volta de 1549) mostrou que até mesmo contadores habilidosos podiam cometer fraudes. Ou seja, as vantagens e desvantagens da contabilidade estavam vivas na consciência pública.

Os holandeses não tinham somente habilidades básicas de administração, como também muita consciência do conceito de livros balanceados, auditorias e prestação de contas. Eles tinham de ter. Se os administradores do comitê local de águas tivessem registros desleixados, o sistema de canais e de diques holandês não seria bem mantido, e o país correria o risco de inundações catastróficas.

Esse desejo de responsabilização foi o que impulsionou os holandeses a reformar seu sistema financeiro quando o mesmo começou a desabar por conta da fraude. A primeira revolta dos acionistas aconteceu em 1622, entre os investidores da Cia das Índias Orientais que se queixavam de que os livros de registros da empresa tinham sido "untados com bacon" para que pudessem ser "comidos por cachorros". Os investidores exigiram uma "fatura", ou uma auditoria financeira propriamente dita.

Embora o estado não tenha permitido que os registros da Cia. das Índias Orientais passassem por uma auditoria pública, o príncipe Maurício, de fato, fez uma série de auditorias internas, e os burgueses holandeses ficaram satisfeitos com a responsabilidade tanto da empresa quanto do Estado. Uma ideia cultural foi lançada.

No século seguinte, virou uma prática comum que os administradores públicos fizessem retratos de si mesmos com os seus livros de registros – algumas vezes com os cálculos reais neles – abertos para que todos vissem.

Esses exemplos históricos apontam o caminho na direção de soluções viáveis para as nossas crises. Nos últimos 50 anos, as pessoas pararam de aprender o método das partidas dobradas – tanto que poucos de nós sabemos o que isso quer dizer – deixando-o ao invés disso para os especialistas e para o sistema bancário computadorizado. Se é que buscamos o capitalismo estável e sustentável, um bom lugar para começar seria tornar o método de partidas dobradas e as finanças básicas partes do currículo do ensino médio, como elas eram na Florença e na Amsterdã da Renascença.

Uma população conhecedora do método das partidas dobradas não resolverá os nossos problemas financeiros complexos imediatamente, mas isso permitiria aos cidadãos comuns entender o básico das finanças: balanços, juros hipotecários, depreciação e risco em longo prazo. Isso também lhes daria uma clara noção do que responsabilidade financeira significa de verdade e de como solicitar e avaliar auditorias.

A explosão do jornalismo de precisão também deveria incluir um subconjunto de repórteres com treinamento em contabilidade, de forma que possam ter melhor desempenho na explicação do seu papel central na nossa economia e nas crises financeiras. Sem uma sociedade treinada em contabilidade, uma coisa é certa: teremos de fazer mais ajustes de contas no futuro.

18 novembro 2010

Otimismo e a fiscalização bancária

Desde 2004, quando houve a intervenção no Banco Santos, bancos pequenos e médios passaram a enfrentar dificuldades na captação de recursos. Tornaram-se, então, bastante comuns as cessões de carteiras de crédito desses bancos para instituições maiores, de acordo com as normas do Banco Central (BC). Tudo se processava em clima de normalidade, até vir a público o rombo de R$ 2,5 bilhões no Banco Panamericano. Graças à utilização de recursos do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), com garantia dos bens do controlador, foi possível manter o Panamericano em operação, sem prejuízo para os depositantes e aplicadores e sem repercussões danosas para o sistema financeiro e para a economia. Contudo, vieram à tona distorções que exigiram um esforço concentrado de fiscalização nessa área por parte do BC.

Não se pode negar que, pela regulamentação adotada no País, com exigências ainda mais rígidas que as previstas pelos Acordos de Basileia, a autoridade monetária evitou que os bancos do País se envolvessem em operações de alto risco, capazes de abalar o sistema financeiro no período mais agudo da crise de crédito internacional. Mas está hoje claro que, em face da não adoção das melhores práticas bancárias, das deficiências de controle interno e falhas não menos graves das auditorias interna e externa, podem surgir problemas como os que se verificaram no Panamericano.

Isso não significa que a autoridade monetária deva mudar totalmente a sua forma de atuar na supervisão do sistema. A regulamentação pode ser aperfeiçoada, mas como assinalou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em entrevista ao Estado, seria operacionalmente inviável substituir todos os controles internos e a auditoria externa. Isso “aumentaria de forma descontrolada o chamado risco moral, aquele do qual todos partem do pressuposto de que o governo está olhando todos os detalhes, substituindo todos os órgãos controladores e auditores. De maneira que os gestores, os auditores, os investidores passam a não fazer o seu trabalho, no pressuposto de que o governo fará por eles”.

É evidente que esse trabalho não foi feito no caso do Panamericano. De fato, em dezembro de 2009, a Caixa Econômica Federal, por meio da Caixapar, adquiriu por R$ 793,27 milhões uma participação de 51% no capital votante do Panamericano, depois de oito meses de negociações, com assessoria da KPMG. Apesar da “due diligence” requerida em casos como este, a venda de ativos, sem a correspondente baixa contábil, não foi acusada pelos órgãos de controle interno e passou despercebida pela empresa auditora.

Da mesma forma, a Deloitte, responsável por auditar os balanços, não identificou manobras contábeis que chegam a ser grosseiras, na opinião de técnicos. Observa-se que, para a transparência necessária, os balanços devem conter notas explicativas sobre cada operação de cessão de crédito, o que não foi observado no caso do Panamericano.

Desde que detectou o problema, o BC agiu com presteza. Há um mês uma equipe de técnicos da instituição vem trabalhando para verificar a lisura dessas operações entre bancos pequenos e médios e as grandes instituições financeiras. E, de agora em diante, passará a ser rotina o cruzamento de dados entre os bancos que vendem ativos com os daqueles que os compram, como declarou ao jornal Valor o diretor de Fiscalização do BC, Alvir Hoffman.

Ao constatar que os diferentes bancos adotam sistemas operacionais diferentes na compra e venda de carteiras de crédito, o BC enviou um questionário detalhado a 40 bancos mais atuantes nessa área. A partir daí poderá estabelecer padrões que facilitem uma supervisão mais efetiva, sem, contudo, congelar esse mercado, como disse o diretor de Fiscalização do BC.

As responsabilidades apuradas no caso do Panamericano passam à área do Ministério Público e da Justiça. O sistema bancário brasileiro é sólido, mas não pode ser totalmente blindado contra fraudes.


A fiscalização dos bancos - 18 Nov 2010 - O Estado de São Paulo

21 março 2018

Uma observação e um dúvida no balanço da Seguradora Líder

O balanço da Seguradora Líder, publicado no final de fevereiro. A entidade é responsável pelo consórcio do seguro DPVAT - aquele que você paga, não muito feliz, anualmente. Temos uma observação e uma dúvida. Primeiro a dúvida, que chega da figura abaixo:
A grande maioria das indenizações são para pessoas do sexo masculino. Qual a razão? Pensei em várias alternativas: a maioria dos motoristas são homens, os homens fazem mais solicitações de seguro, os homens são mais propensos ao risco etc. Nada me convenceu.

A observação vem da frase:
que tenta vender o Seguro DPVAT como uma necessidade. Sorry, Líder, mas você está enganada. Em 2004, Alma Cohen e Rajeev Dehejia provaram, a partir de um experimento natural, que a adoção do seguro obrigatório aumenta o número de fatalidades no trânsito. Assim, o seguro obrigatório é ruim para os brasileiros. A razão disto é o risco moral: o motorista sabendo que possui seguro irá agir de maneira mais imprudente no trânsito. O fato é parecido com o uso do cinto de segurança: dando a sensação de segurança, as pessoas tendem a dirigir de maneira mais veloz.

Cohen, A., & Dehejia, R. (2004). The effect of automobile insurance and accident liability laws on traffic fatalities. The Journal of Law and Economics, 47(2), 357-393.

12 maio 2008

O mercado e o governo

Texto enviado por Ricardo Vianna (grato) de abril, mas sempre atual:

Quando o livre mercado pede socorro
Por Cristiane Perini Lucchesi, de São Paulo
Valor Econômico - 11/04/2008

"Agora somos todos keynesianos". A famosa frase - dita pelo monetarista Milton Friedman em 1965 à revista "Time" e pelo ex-presidente americano Richard Nixon ao acabar com o padrão ouro, em 1971 - está de volta à ordem do dia. Afinal, o livre e desregulamentado mercado dá sinais de fraqueza inconteste e tem pedido cada vez mais a ajuda do Estado. A inadimplência nas hipotecas americanas gerou uma crise de solvência entre os bancos dos países ricos que foram, pouco a pouco, socorridos pelos diversos governos.

A necessidade de ampliação dos gastos públicos para evitar uma recessão maior passou a ser defendida por personalidades tão díspares quanto o presidente americano George W. Bush, passando por seu secretário do Tesouro, Henry Paulson, pelo diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, e pelos candidatos democratas à presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton e Barack Obama. Bancos centrais, governos e até mesmo instituições financeiras privadas passaram a discursar em favor de mudanças na regulamentação para o sistema financeiro e de melhorias na atuação de entidades regulatórias em todo o mundo.

Bloomberg

Ben Bernanke, presidente do Fed, teve de explicar ao Congresso um empréstimo para o JPMorgan comprar o quebrado Bear Stearns, com garantia de títulos de má qualidade

O primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, e o ministro da Economia, Alistair Darling, tiveram de explicar a nacionalização do Northern Rock em fevereiro, após o socorro público ao banco, com empréstimos que chegaram a 55 bilhões de libras esterlinas (US$ 109 bilhões). O presidente do Fed, Ben Bernanke, teve de ir ao Congresso na semana passada para justificar o empréstimo de US$ 30 bilhões feito para o JPMorgan comprar o quebrado Bear Stearns, aceitando como garantia justamente títulos chamados de "lixo tóxico", vinculados a hipotecas.

Em suas justificativas, Brown e Bernanke poderiam contar com a ajuda do professor Paul Davidson, um dos mais renomados economistas keynesianos. Para ele, a atitude do Fed no caso Bear Stearns "é o jeito certo de salvar o sistema do colapso" em um momento delicado como o atual. "Aparentemente, você está salvando um banco em particular", comentou, em entrevista ao Valor, por telefone. "Mas, o que você realmente está salvando são as instituições financeiras como um todo, os mercados financeiros e os investidores maiores e também os menores". Davidson, um dos fundadores e editor do "Journal of Post Keynesian Economics", virá ao Brasil para participar do I Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira, que será fundada na ocasião.

"Se os bancos falirem, os fundos de pensão dos trabalhadores também quebram e você vai ferir não apenas os bancos, mas um monte de gente inocente", disse Davidson. Para ele, o modo certo de evitar esse "dano colateral" é o Estado assumir os ativos que ninguém quer, como os títulos e estruturas diversas vinculados às hipotecas. "Se as pessoas voltarem a pagar suas hipotecas e os títulos voltarem a ter valor, o JPMorgan poderá receber esses papéis de volta. Caso contrário, o Fed assume as perdas." Nos Estados Unidos, no entanto, uma nacionalização como a do britânico Northern Rock jamais seria aceita, por razões "culturais", afirma Davidson. Ele defende um socorro público em larga escala para todos os bancos com problemas.

A proposta de Davidson não é muito distante do que cogita fazer Darling, o ministro da Economia da Inglaterra. Segundo o jornal "Observer", Darling estaria avaliando colocar todos os ativos contaminados pelas hipotecas americanas no balanço do Banco da Inglaterra por até três anos.

Segundo lembra Davidson, medidas desse tipo já foram adotadas nos Estados Unidos. "Os resultados foram positivos", diz. Em 1933, conta, a administração do presidente Rossevelt criou a Home Owner's Loan Corporation (HOLC), uma corporação pública com o objetivo de ajudar a refinanciar os mutuários e socorrer as financeiras e bancos envolvidos com empréstimos imobiliários. Ele lembra ainda a Resolution Trust Corporation, do governo Bush, Pai, que removeu os empréstimos em atraso dos balanços das cerca de 700 financeiras do setor imobiliário durante a crise de 1980.

Paralelamente a isso, o governo americano deveria entrar com garantias e linhas de crédito especiais para ajudar os mutuários com empréstimos em atraso a voltarem a pagar, de forma que a crise de solvência dos bancos e financeiras seja contida e que despejos em massa sejam evitados. É a única forma para evitar uma grande recessão, diz. "O governo americano não quebra, pois tem dívida em dólar, a moeda padrão do sistema de pagamentos internacional, e por isso pode ficar com as perdas e evitar que os bancos e mutuários quebrem", afirma.

Davidson sugere ainda que o governo americano ajude a financiar investimentos na área de construção civil e indústrias relacionadas, também nos moldes do Plano Rossevelt, além de criar um amplo programa de investimento em infra-estrutura para estimular a economia. A idéia vem sendo defendida por senadores democratas como Christopher Dodd, presidente do comitê de bancos, habitação e assuntos urbanos do Senado americano.

O próprio governo Bush propôs medidas de ajuda aos mutuários, consideradas tímidas e insuficientes. Recentemente, o Senado aprovou projeto de lei do Executivo que autoriza empréstimos da Federal Housing Administration (FHA), o departamento federal de habitação, para mutuários com perspectiva de arresto do imóvel por falta de pagamento. O plano reduz o valor da entrada exigida dos compradores da casa própria de baixa e média renda que contraem empréstimos garantidos pelo governo federal, além de permitir a captação de financiamentos maiores. Mais: facilita a obtenção de empréstimos por mutuários cujos contratos de crédito imobiliário tiverem juros flutuantes e que estejam em datas próximas para renegociação. Ao anunciar o programa, no final do ano passado, Bush garantiu ainda que "o governo federal está tomando várias medidas regulatórias para tornar a indústria imobiliária mais transparente, confiável e justa".

Até Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI, chegou a defender a atuação do Estado. "Eu realmente acho que a necessidade de intervenção pública na economia está ficando mais evidente", declarou ao jornal "Financial Times". Disse também que apóia uma injeção imediata de dinheiro público nos bancos, visto que os recursos privados parecem insuficientes. Em meio ao debate internacional, Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central do Brasil, e o ex-ministro Maílson da Nóbrega aproveitaram a carona e saíram em defesa do Proer, o socorro aos bancos providenciado pelo governo brasileiro em 1995-1997. "Jamais imaginei que, em Londres, iria me encontrar de novo em meio a um debate semelhante ao vivido no Brasil na época do Proer, mas agora em nível global", disse o brasileiro André Esteves, chefe mundial de renda fixa do UBS.

O tema está no centro do debate econômico às vésperas das eleições americanas. O candidato republicano, John McCain, defende que "não é função do governo americano recompensar aqueles que agem irresponsavelmente, sejam grandes bancos ou pequenos emprestadores". Paul Volcker, ex-presidente do Fed, disse que o banco central "colocou-se acima dos princípios e práticas de um banco central construídos por tanto tempo" ao socorrer o Bear Stearns, ficando "à margem de seus poderes implícitos e legais". E Alan Greenspan, outro ex-presidente do Fed, chegou a sugerir que o governo deixasse os preços das moradias e dos ativos vinculados a hipotecas caírem até que os investidores vissem barganhas e começassem a comprá-los. O economista Paul Krugman, articulista do "New York Times", também tem criticado a ajuda aos bancos.

Um dos principais argumentos contra a ajuda ao mercado tem sido o chamado "risco moral". Ao socorrer os mutuários e bancos, o governo estimularia esses agentes a realizar outros empréstimos inviáveis, na expectativa de que poderiam voltar a ter ajuda do Estado. A esse argumento, Davidson responde: Que se aplique a legislação. Foi o que aconteceu, recorda, logo após a crise de 29.

"Aqueles que não estudam história estão condenados a repetir erros passados", alfineta Davidson. Ele propõe a volta de uma lei nos moldes da Glass-Steagall, aprovada no Congresso americano em 1933, que separou os bancos comerciais dos bancos de investimento. A idéia, na certa, deixa os banqueiros de cabelo em pé. "É necessário salvar os bancos deles mesmos", diz.

Para Davidson, a crise atual só aconteceu por causa da desregulamentação do sistema bancário americano, que culminou com o fim da Glass-Steagall, em 1999. "Antes, quando bancos faziam empréstimos, tinham de manter essa dívida até o fim." Por isso, tinham que investigar para quem emprestavam, de forma muito cuidadosa. "Se o tomador ficasse inadimplente, o banco teria a perda com o não-pagamento e com a venda da casa." Até os anos 1980, diz Davidson, o Fed limitava a quantidade de ativos imobiliários que podia ser vendida a terceiros pelos bancos a uma porcentagem pequena do total.

Com o fim das regulamentações e da Glass-Steagell, "todo mundo passou a poder tomar crédito, pois em 30 a 60 dias o banco vendia esse empréstimo hipotecário para outra pessoa". O banco, segundo Davidson, passou apenas a se preocupar se o tomador do empréstimo faria seu primeiro ou segundo pagamentos.Depois, as perdas com a inadimplência não seriam dele.

[Na crise atual] "o banco originador do crédito pôde se livrar desses empréstimos empacotando-os em ativos financeiros muito sofisticados, como as 'collateralized debt obligations'" (CDOs), diz Davidson. O originador do empréstimo passou a ganhar comissão com a venda do empréstimo e não tinha de se preocupar com o custo de um possível não-pagamento. "O que aconteceu foi que mais e mais pessoas passaram a ser estimuladas a tomar empréstimos que não poderiam honrar."

De acordo com Davidson, os bancos diziam que, com a securitização e derivativos, estavam criando instrumentos para transferir e espalhar melhor o risco. "Mas eles tornaram a situação mais perigosa e acabaram espalhado por todo o mundo as perdas com a inadimplência das hipotecas." E acrescenta: "As pessoas, os fundos de pensão mais conservadores, compraram esses ativos pensando que eram seguros, líquidos, e que estavam com retornos atraentes". Mas logo descobriram que não eram assim."

Segundo Davidson, as agências de classificação de risco de crédito consideravam esses instrumentos seguros e davam a nota mais alta a eles, baseando suas projeções na observação do que aconteceu no passado, quando esses ativos imobiliários eram muito líquidos e seguros. Mas, com o fim das regulamentações, foi deixando de ser assim.

"Os bancos de investimento não se preocupavam realmente em verificar quem era o tomador, pois iriam repassar o empréstimos para outro alguém que muitas vezes não sabia o que estava comprando." Segundo Davidson, nos depoimentos sobre a crise de 1929, a mesma situação veio à tona. Por isso, para Davidson, uma instituição financeira tem de escolher. Pode ser um banco comercial, fazer empréstimos às pessoas e ficar com eles até o fim, ou pode ser uma corretora ou banco de investimento e vender títulos e ganhar uma comissão. Paulson, o secretário do Tesouro americano, egresso do Goldman Sachs, já rejeitou sugestões como as de Davidson. Negou pedidos para que as autoridades reguladoras desmembrem as agências de classificação de crédito ou forcem os bancos emissores de títulos lastreados em hipotecas a manter uma parcela dos títulos que emitem.

Para Davidson, a proposta regulatória feita recentemente por Paulson "não vai resolver problema nenhum e pode até criar mais problemas". Segundo ele, o plano, que unifica a Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão regulador das bolsas) com a Comissão Reguladora de Negociações com Contratos Futuros de Commodities dos Estados Unidos, dando mais poder à segunda, piora a situação. "A agência de commodities é mais orientada no sentido do livre mercado", diz.

"Quando a Glass-Steagell foi repelida, eu disse que era um erro terrível", comenta Davidson. "No entanto, eu não achava que seria tão ruim quanto acabou se tornando dez anos depois". Davidson lembra que os bancos contabilizavam muitos desses ativos vinculados às hipotecas americanas fora de seus balanços por meio de SIVs ("structured investiment vehicles"), por exemplo. Mas, conforme lembrou ao Valor experiente gestor de recursos, o que esses grandes bancos têm agora é um passivo contingente com os clientes para os quais venderam esse "lixo tóxico", uma exposição contra esses mesmos clientes por terem financiado essa venda, além de muitas vezes carregarem no próprio balanço as porções mais arriscadas ("equity") dos veículos, que viraram "pó".

Para solucionar o problema, são insuficientes as injeções de liquidez que o Fed tem feito por meio da forte redução nos juros básicos americanos - de 5,25% ao ano em setembro para 2,25% - e dos empréstimos no mercado monetário, na visão de Davidson. "A liquidez não é a solução para um problema que na verdade é de solvência", diz. "É como tomar uma aspirina para curar o câncer: a aspirina pode ajudar a reduzir a dor, mas não cura a doença".

Para Davidson, "a instabilidade atual no mercado foi causada pelos bancos na sua tentativa de securitizar, ou tornar líquidos, ativos que são amplamente ilíquidos, como as hipotecas". Por isso, Davidson discorda de analistas citados pelo "The Wall Street Journal", segundo os quais o momento seria de "fragilidade financeira", nos moldes definidos por outro economista pós-keynesiano americano, Hyman Minsky, morto em 1996. Ele também não vê uma situação de "armadilha da liquidez", na qual os juros nominais ficam próximos a zero e a autoridade monetária se torna incapaz de reanimar a economia, como Paul Krugman chegou a sugerir. "Embora economistas neo keynesianos como Paul Samuelson falem em armadilha de liquidez, o Keynes nunca viu uma situação desse tipo", diz.

Para Davidson, o mercado financeiro "pode fazer maravilhas para o crescimento econômico, se propriamente desenhado e regulado". Mas pode levar à recessão, desemprego e desigualdade se for usado erroneamente. "Essa é uma teoria pós-keynesiana", afirma. Segundo ele, "a grande questão proposta por Keynes é como se deve desenhar a economia e os mercados financeiros para se ter certeza de que chegaremos o mais perto possível do pleno emprego". Segundo ele, foi o que Keynes tentou na conferência de Bretton Woods, em julho de 1944: desenhar um sistema financeiro internacional e criar o pleno emprego global. Seria uma forma de minimizar os dois principais problemas do capitalismo: a incapacidade de atingir o pleno emprego e uma distribuição de renda inadequada e desigual. Keynes não acreditava que se teria uma completa distribuição de renda totalmente igualitária, diz Davidson. "Ele achava que era desejável que certa parcela de desigualdade fosse mantida", comenta.

Os neokeynesianos não têm nada a dizer sobre o sistema financeiro internacional, critica Davidson. "Para eles, a razão para o desemprego existir mesmo com a economia em equilíbrio é você ter preços e salários rígidos", comenta. "Dessa forma, se a demanda cai, preços e salários não caem, por que os monopólios - sejam de sindicatos de trabalhadores ou de empresas - impedem esses preços e salários de cair". Para os neokeynesianos, "são os sindicatos e as grande corporações que causam os problemas de desemprego, o que não tem nada a ver com o que Keynes dizia." Para Davidson, Keynes argumentava que não importa se existem perfeita competição e salários flexíveis - os mercados financeiros podem sempre causar problemas.

12 novembro 2010

Crime

Brasília - O Banco Central (BC) comunicou ontem (10) ao Ministério Público os indícios de crimes no caso na contabilidade do Banco PanAmericano, informou hoje (11) o diretor de Fiscalização da autoridade monetária, Alvir Alberto Hoffmann. Ele acompanhou o presidente do BC, Henrique Meirelles, na audiência pública convocada pela Câmara dos Deputados.

O Banco PanAmericano precisou recorrer ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para receber um empréstimo de R$ 2,5 bilhões e restabelecer o equilíbrio patrimonial. De acordo com Meirelles, do rombo de R$ 2,5 bilhões apurado na contabilidade da instituição financeira, cerca de R$ 2,1 bilhões são referentes a desequilíbrios do próprio banco e R$ 400 milhões relacionados a administração de cartões de crédito. Meirelles não deu detalhes sobre as inconsistências contábeis do PanAmericano e disse que não é competência do BC fiscalizar o setor de cartões de crédito.

Meirelles afirmou ainda que foi feita uma avaliação no sistema bancário como um todo e não foi encontrada nenhuma instituição com problemas semelhantes aos do PanAmericano, mas ressalvou que banco central nenhum no mundo pode garantir que não surjam problemas nas instituições, no futuro. Para ele, se o BC assumisse esse tipo de garantia, haveria um "risco moral". Segundo Meirelles, o BC continua a investigar a situação do PanAmericano.


BC já informou ao Ministério Público indícios de crimes no PanAmericano
Kelly Oliveira
Repórter da Agência Brasil

07 outubro 2008

A análise do executivo


(...) El director ejecutivo de Lehman Brothers, Richard Fuld, dijo que se preguntará “hasta el día de su muerte” por qué el gobierno de Estados Unidos no rescató a la firma de Wall Street, y aseguró que los reguladores conocían la extensión del problema mucho antes de su colapso.

(...) Fuld culpó a “una letanía de factores desestabilizadores” por el derrumbe de Lehman, incluyendo los mayores costos de los préstamos, reglas de contabilidad que obligan a escribir el valor de los activos a precios extremadamente bajos y la caída en la calificación de los créditos. (...)


Fuld culpa a rumores por la caída de Lehman Brothers
7/10/2008 - Diario Financiero

Aqui a questão do risco moral fica mais clara:

No obstante, Fuld afirmó que instituciones como el FMI o la propia Reserva Federal también habían errado en su diagnóstico sobre los riesgos de unos mercados que finalmente causaron la quiebra del banco y la actual situación de las Bolsas. El directivo aseguró que el banco, para el que ha trabajado durante 42 años, no fue solamente víctima de sus errores, sino también de los rumores, de una "tormenta de miedo que está envolviendo al área de banca de inversión y a otras instituciones financieras en general" y de una regulación sin actualizar. En este sentido, arremetió contra las normas de contabilidad de los activos a precio de mercado, y criticó la permisividad con la que han operado los invesores que han vendido a corto (short sellers). Fuld dijo que el fin de semana previo a su solicitud de quiebra ante el juez pensaba que su banco podría haber sido salvado, igual que lo fue Merrill Lynch. (...)


Fuld asume sus errores al frente de Lehman Brothers
Cinco Días - 7/10/2008

Observe como a contabilidade, que mostraria os problemas da entidade, entra como culpada. A estimativa do Cinco Dias é que Fuld embolsou 480 milhões de dólares desde 2000.

18 novembro 2010

Banco Central e o Panamericano II

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, exibiu uma estranha interpretação do papel da instituição: ele acha que se o Banco Central fizesse um trabalho de supervisão mais amplo provocaria “risco moral”, ou seja, as instituições de mercado relaxariam. O Fundo Garantidor de Crédito emprestou sem juros e tem pressa em vender o PanAmericano, que está quase estatizado.

Em entrevista, ontem, ao “Estado de S.Paulo”, Meirelles falou pela primeira vez sobre o rombo do banco do grupo Silvio Santos. Defendeu a tese de que seria “operacionalmente inviável substituir os controles internos e a auditoria externa.” Mas ninguém pede que o BC seja a Delloite ou a KPMG. Quer que ele seja o Banco Central. E as auditorias externas que sejam cobradas pelo seu mau trabalho de análise das contas.

Meirelles entende que, se o BC for minucioso em sua análise, “os gestores, auditores, e investidores passam a não fazer seu trabalho, baseado no preceito de que o governo fará por eles.” Essa defesa de que a fiscalização do BC seja perfunctória para que os outros se esforcem é de difícil compreensão. Melhor é fazer a mais eficiente fiscalização possível e exigir do mercado os mais rigorosos controles através da regulação imposta às instituições privadas. O trabalho da fiscalização bancária tem que aprender a cada evento, aperfeiçoar-se a cada erro, duvidar de si mesmo, sempre.

Segundo Meirelles, o “único prejudicado foi o acionista controlador, que assumiu o prejuízo de acordo com a lei.” Há pelo menos mais um: os contribuintes, que são, através do Tesouro, donos da Caixa Econômica, que agora tem 49% do capital votante de um banco que perdeu 45% de seu valor em pouco mais de um mês e está perdendo investidores. A Caixa, na prática, assumiu a instituição. Tem cinco diretorias e a presidente da CEF será a presidente do Conselho de Administração. Se novos rombos forem encontrados, como é comum em episódios assim, de quem será o prejuízo? A questão permanece em aberto até porque o banco já perdeu R$200 milhões de resgate de CDBs e fundos desde que a crise aconteceu e sofre crise de imagem. Segundo disse o diretor Celso Antunes da Costa, ao “Valor Econômico”, “o PanAmericano ainda tem em carteira 90% dos investidores institucionais do país.” Isso quer dizer que lá estão os grandes fundos de pensão.

Desde o início do episódio, a autoridade monetária tenta se desvencilhar do problema. Quem comunicou o fato foi o próprio Banco PanAmericano à Comissão de Valores Mobiliários, como se fosse apenas uma questão do mercado acionário. O BC demorou 24 horas para falar e insistiu que o assunto estava resolvido sem recursos públicos.

É mais complicado. O BC estava dentro do banco havia várias semanas dimensionando o tamanho do sinistro; nenhum assunto que envolve solvência de instituição financeira pode ser estranho ao Banco Central; uma instituição estatal recebeu o sinal verde para comprar o ativo, por isso mais diligente ainda tinha que ser o BC; a entrada da Caixa torna parte do custo inegavelmente público.

Foi o Proer que estabeleceu que o maior responsável em casos de desequilíbrio patrimonial ou liquidação de bancos passasse a ser o acionista controlador. Antes, o dono do banco escapava do sinistro com seus bens preservados. O que o programa protegeu foi o dinheiro dos depositantes. Apesar disso, o programa de recuperação financeira foi execrado pelo partido que hoje está no poder, como sendo benesse aos banqueiros. O PT entrou na Justiça contra seus formuladores e executores. Algumas ex-autoridades ainda respondem a processos. Imagina o escândalo que o PT faria se um daqueles bancos — o Econômico, Nacional ou Bamerindus, entre outros — tivesse tido parte de suas ações compradas pela Caixa Econômica, no meio do processo de descoberta das tais “inconsistências contábeis”.

Meirelles disse aos jornalistas que a atual regulação das auditorias externas “não se revelou inadequada.” Óbvio que se revelou. Do contrário, não aconteceria o que aconteceu. É preciso a cada caso como este rever a regulação evitando os furos pelos quais as auditorias deixaram escapar o que deveriam ter visto. O BC deve agora apertar a fiscalização e fazer teste de estresse em outras instituições.

O Fundo Garantidor de Crédito, felizmente criado em 1995 pelo Conselho Monetário Nacional, também na esteira do Proer, funcionou, emprestou recursos para manter o banco aberto. Ele é formado por uma fração de cada depósito de cada cliente de banco. Os bancos recolhem e administram o fundo, mas o custo é repassado aos correntistas. Somos nós, os clientes, que capitalizamos o fundo que agora socorreu o PanAmericano. E o empréstimo foi dado nas seguintes condições: três anos de carência, dez anos para pagar, sem juros, com apenas a correção pelo IGP-M. Na verdade, o que os gestores do FGC querem é vender o banco e liquidar as garantias o mais rapidamente possível para reaver o dinheiro.

O episódio mostra que o Proer continua sendo útil por ter criado instrumentos que ainda são usadas como o FGC e a ideia da responsabilidade do controlador. Mostra também que a fiscalização bancária tem que ser aperfeiçoada sempre; aqui, como em qualquer país do mundo.


Papel do BC - 18 Nov 2010 - O Globo

04 fevereiro 2011

Rir é o melhor remédio

Ainda sobre Risco Moral (uma dica de Pedro Correa), o economista Greg Mankiw conta um fato que ocorreu com ele.

Diante da quantidade de neve e a necessidade de retirá-la com uma pá, sua esposa trava o seguinte diálogo

Esposa de Greg : Tenha cuidado.

Greg : Eu terei.

Esposa : Éstá escorregadio lá fora. Eu não quero que você caia.

Greg: Mas eu tenho um monte de seguro de vida.

Esposa : Ha. Ha.

Greg : Mas eu não tenho um seguro de invalidez.Então, se eu tiver um acidente, certifique-se que a queda me mate.

06 março 2019

Piora a situação fiscal dos Estados

Um texto do Estado de S Paulo mostra que mesmo após a renegociação das dívidas de 2016, mais da metade dos estados brasileiros pioraram os indicadores fiscais. Parece até que não sabem o que é risco moral? Eis o texto:

Mesmo após a renegociação das dívidas com a União, em 2016, mais da metade dos Estados brasileiros tiveram uma piora em indicadores fiscais. Naquele ano, o governo federal suspendeu o pagamento e reduziu parcelas das dívidas estaduais por dois anos, com a intenção de dar um alívio para que eles colocassem as contas em dia. No entanto, levantamento feito pelo ‘Estadão/Broadcast’, com base em dados do Tesouro Nacional, mostra que 14 das 27 unidades da federação estavam, no fim de 2018, com ao menos um dos dois indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – que medem endividamento e gasto com pessoal – piores que em 2015, no auge da crise que levou à renegociação.



São Paulo, Minas Gerais, Alagoas, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina, Tocantins, Bahia e Distrito Federal estão nessa lista. Rio Grande do Norte, que decretou recentemente estado de calamidade, e Mato Grosso do Sul não informaram os dados completos ao Tesouro.

O Rio Grande do Sul, um dos casos mais graves, apresentou leve melhora desde 2015, mas continua desenquadrado da LRF em termos de dívida. Pela lei, a dívida do Estado não pode ser maior que duas vezes sua receita. No caso do gasto com pessoal, essa despesa não pode ser superior a 49% da receita para o Executivo estadual.

Com o acordo de 2016, os governadores ficariam livres de pagar as parcelas da dívida com a União por seis meses. Depois disso, as prestações voltariam gradativamente. Em troca, a União exigiu um teto para os gastos públicos, que ficam impedidos de crescer mais do que a inflação do ano anterior. Mesmo assim, as contas de muitos deles continuaram a piorar.

De lá para cá, o governo criou um Regime de Recuperação Fiscal (RRF) desenhado para Estados em grave desequilíbrio – com adesão do Rio – e já admite um novo programa. A ideia é que governadores consigam dinheiro novo no curto prazo, com empréstimos garantidos pela União em troca, novamente, da aprovação de medidas de ajuste fiscal.

Gasto. A avaliação da equipe econômica é que o fato de os Estados terem piorado os indicadores mesmo após a renegociação mostra que o problema não é o pagamento de dívida, mas sim o elevado gasto, sobretudo com servidores e aposentados. Por isso, o novo programa de auxílio exigirá corte de despesas e só liberará recursos proporcionalmente à economia.

“Você não pode dar benefício sem ter instrumento de cobrar contrapartidas”, diz o economista Felipe Salto, presidente da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Segundo ele, a União também tem culpa por ter aumentado transferências e avais para empréstimos nos últimos anos sem ter se preocupado com o escalonamento da crise fiscal.

“A crise estadual é estrutural, com ICMS obsoleto, FPE (fundo de participação dos estados) esvaziado, aposentadorias fáceis e precoces. Não há lei que evitasse essa crise”, diz o professor do Instituto de Direito Público (IDP), José Roberto Afonso.

Estados citam diversas causas para o problema

As justificativas dos Estados para a piora nos indicadores fiscais vão desde falta de austeridade das gestões anteriores, queda de receita e crescimento de gastos obrigatórios a mudanças metodológicas, já que muitos tiveram que alterar regras de contabilidade nos últimos anos para atender a critérios do Tesouro Nacional. Eles citam ainda a alta no câmbio, que afetou as dívidas externas – caso de São Paulo, Santa Catarina e Bahia – e as dificuldades de enxugar o crescimento da folha e dos gastos previdenciários.

No caso de Minas Gerais, o secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa, explica que a atual gestão mudou a forma de contabilizar as receitas financeiras do fundo de financiamento previdenciário do Estado. Segundo ele, a fórmula antiga escondia “travestia o déficit”, à medida que abatia parte das receitas do fundo do cálculo da despesa.

Minas Gerais deixou de pagar as últimas parcelas da dívida à União e recorre ao Supremo Tribunal Federal (STF) para não sofrer as contrapartidas aplicadas pelo Tesouro. Tenta também, bem como Rio Grande do Sul, ingressar no RRF.

Já o secretário de Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, admite que o Estado tem dificuldades em controlar o gasto previdenciário. Ele relata que o ente aprovou um regime de capitalização para a previdência dos servidores em 2013, mas nunca regulamentou. Agora, às vésperas da reforma federal, prefere esperar.

Em Roraima, o secretário Marcos Jorge diz que as últimas gestões deixaram o gasto crescer descontroladamente.

Santa Catarina também atribui a piora nos indicadores a mudanças metodológicas.

A Secretaria de Fazenda de São Paulo explica que, se por um lado a dívida cresceu, com o câmbio e o estoque de precatórios, por outro a receita corrente caiu 5,7% em termos reais.

Já a Bahia ressalta que a dívida está sob controle, abaixo do limite. Alagoas também alega que a piora é pequena e decorrente do avanço dos gastos com aposentados e pensionistas.

Em Tocantins, a secretaria de Fazenda culpa o último governo, que foi cassado.

Rio de Janeiro, Amazonas, Mato Grosso, Distrito Federal e Maranhão foram procurados, mas não responderam.

14 fevereiro 2011

Links

Filme sobre a crise financeira (e um jovem analista que examina a contabilidade) disputa festival em Berlim

vídeo: o Brasil é a próxima potência?

A Imagem média das mulheres de diversos países

Por que não fazer no Brasil? Ranking dos dados econômicos

O mercado milionário dos concursos públicos

Banqueiros brasileiros e o risco moral

Depressão pós-férias (dica de A. Alcantara)

Comparando a produção científica de Stanford e USP (dica de Pedro Correia)

26 novembro 2018

Workshop: Economia da Informação

Durante o 4o. Congresso da UnB terei a oportunidade de falar sobre Economia da Informação. Minha exposição estará dividida em cinco tópicos:

1) Introdução - Nesta parte irei mostrar as razões para estudar a informação e como tem sido, a Economia da Informação, um campo promissor de pesquisa.

2) Quantidade e Produção da Informação - irei  tratar de aspectos práticos da informação, tratando como um produto como outro qualquer. A questão do custo, da quantidade produzida, da exclusividade, do custo de reprodução serão discutidas aqui. Isto termina por afetar a quantidade de informação produzida no mundo de hoje.

3) Usuário - Como consequência da estrutura de custo e dos aspectos produtivos, a elevada quantidade de informação gera uma sobrecarga de informação.

4) Sinalização, Seleção Adversa e Risco Moral - aqui irei tratar dos aspectos típicos de uma disciplina de Economia da Informação. Estes três conceitos, além da triagem, ajudam a explicar muitos aspectos importantes na contabilidade. Também abordarei o princípio da dissimulação custosa e da evidenciação plena.

5) Tecnologia - a tecnologia tem exercido um profundo impacto sobre a vida atual. Isto inclui aspectos como economia da atenção, Dunning-Kruger, aversão à informação, sociedade do conhecimento etc.

Para quem estiver no Congresso, será um boa oportunidade de trocar algumas ideias sobre estes temas.

26 maio 2009

Teste #79

Existem duas empresas (Alfa e Beta) no mercado e cada uma emite 30 toneladas de SO2 por ano. O governo pretende reduzir a emissão total de SO2 em 50% e existem três possibilidades: a) Alfa e Beta reduzem sua emissão em 50%; b) somente Alfa reduz 100%; c) somente Beta reduz 100%. Considere os dados da empresa Alfa e Beta:

Alfa
Redução SO2 em 50% => Receita =R$2.000, Custo = 1.700
Redução SO2 em 100% => Receita = R$2000, Custo = 2.300

Beta
Sem Redução de SO2 => Receita = R$2.100, Custo = 1.300
Redução SO2 em 50% => Receita = 2100, Custo = 2400

a) Suponha que o governo opte por reduzir em 50% o SO2 por empresa, sem levar em conta o custo. Qual o efeito sobre as empresas?

b) Suponha que o governo permita que as empresas possam negociar os créditos de SO2. Admita que o valor de 15 toneladas por ano seja vendido a $700. Qual seria a melhor estratégia das empresas?

Resposta do Anterior: a) Curto => 6,00 x 5 km x 27 = 810; Longo = 6 x 10 x 15 = 900. A escolha será o caminho mais longo; b) Curto => 810 + 10 x 27 = 1080; Longo => 900 + 10 * 15 = 1080 c) risco moral. O melhor contrato seria o segundo. d) Observe que a partir de uma parte fixa de 7,50 seria interessante este contrato. Adaptado de Campbell. Incentives, p. 15 e seguintes.

15 março 2023

Sobre a quebra do SVB

No dia 10 de março, o SVB deixou, oficialmente de existir. Fazendo um retrospecto, o SVB é a sigla para Sillicon Valey Bank e sua atuação incluía principalmente uma rica região dos Estados Unidos. Foi a maior quebra de um banco daquele país, desde a crise de 2007. 

O foco de atuação do SVB eram as empresas de tecnologia. No final de 2022, a instituição tinha perdas não realizadas em valores superiores a 15 bilhões de dólares, para um patrimônio líquido de 16 bilhões. A avaliação feita pelas autoridades do Banco Central dos EUA e do FDIC - o fundo que garante os depósitos, realizada no próprio dia 10, indicava a insolvência da instituição. Neste processo, criou-se um novo banco, o Silicon Valley Bridge Bank. 

O problema com o SVB trouxe uma discussão sobre regulamentação do setor bancário (e o setor é muito regulamentado), teste de stress, a auditoria sem ressalvas da KPMG 14 dias antes da falência (Lynn Turner, que foi chefe de contabilidade da SEC no passado, diz que isto é um problema), os fundos ESG (que tinham relação com o banco), os efeitos sobre starups, a inutilidade das notas das agências de ratings, entre outros pontos.

Apesar de ser um grande banco, o SVB talvez não esteja na categoria "Grande Demais para Falir", como o Credit Suisse. Sua aposta na taxa de juros foi muito arriscada. E há aqui uma discussão sempre importante sobre o risco moral, embora Mankiw ache que isto não seja relevante.

Como ocorre em muitos casos de falência, aparecem agora as pessoas que previram os problemas, alertando para a necessidade de leitura atenta dos sinais da contabilidade. Isto pode ser uma das causas da corrida bancária que ocorreu entre fevereiro e março no SVB. (Aqui a coluna de John Cochrane, nesta linha)

Sobre a questão da auditoria é que ocorreu uma corrida bancária para sacar dinheiro da instituição a partir de fevereiro. Como a auditoria era referente a 2022, os auditores não estavam trabalhando com isto, já que seria um evento posterior. Mas deveriam destacar os riscos, mesmo depois do encerramento do exercício. Mas gostei deste trecho:

Um porta-voz da KPMG recusou-se a comentar sobre as auditorias específicas, devido à confidencialidade do cliente. Em uma declaração, a firma disse que não é responsável por coisas que acontecem depois que uma auditoria é concluída.


05 setembro 2007

Crise imobiliária nos Estados Unidos

Um artigo interessante sobre a crise do crédito nos Estados Unidos:

Crise de crédito tomou viés moralista
Folha de São Paulo - 01/09/2007
DO "FINANCIAL TIMES"

A CRISE dos empréstimos imobiliários de risco, ou "subprime", nos EUA se transformou em lição de moral. Os devedores "subprime" -pessoas com históricos de crédito desfavoráveis que realizaram hipotecas de custo elevado para comprar casas que estavam além de suas posses- são apresentados como vítimas indefesas. As instituições que realizaram os empréstimos "subprime" (e os investidores que compraram os empréstimos securitizados) são caracterizados como avaros exploradores dos norte-americanos pobres. Agora, toda a turma está esperando que o governo intervenha e os salve das conseqüências da alquimia financeira que eles mesmos inventaram. Washington deveria resistir às pressões.

O presidente George W. Bush anunciou ontem algumas medidas modestas para ajudar os devedores que enfrentam necessidades verdadeiras, mas descartou uma operação de resgate em benefício das pessoas que agiram por simples cobiça (quer se trate dos devedores, quer dos credores). Infelizmente, o Congresso provavelmente não vai parar por aí. Milhões de norte-americanos talvez ainda estejam a ponto de perder suas casas, e outros milhões perderão dinheiro no mercado. É o tipo de crise em que os políticos não conseguem resistir a interferir.

Os candidatos à Presidência estão divulgando suas próprias soluções. Barack Obama planeja um fundo financiado por multas sobre empréstimos "irresponsáveis" (o que quer que isso queira dizer). O Comitê de Serviços Financeiros da Câmara realizará audiências na semana que vem, e isso poderá resultar em novas leis. O presidente do comitê, o democrata Barney Frank, deixou claro que ele acredita que a crise do crédito "subprime" prova que falta regulamentação nos mercados financeiros dos EUA. Ele favorece toda sorte de proposta, de novas normas de subscrição à instauração do direito de processo contra todos os envolvidos.

O resultado pode ter uma nova e sufocante teia de regras e responsabilidades jurídicas que sufocará empréstimos às pessoas para as quais o crédito "subprime" foi originalmente criado: aquelas que necessitam de uma morada modesta, mas não conseguem obter hipoteca normal devido a problemas de crédito. Isso seria uma vergonha. O Congresso deveria se precaver para não reagir de maneira exagerada.

Muito pode ser feito para salvar os norte-americanos de sua irresponsabilidade: os empréstimos hipotecários podem ser mais transparentes, de modo que os devedores saibam o quanto realmente devem. Os devedores podem ser informados de maneira mais completa, para que sejam capazes de escolher bem suas hipotecas.

Mas, se o Congresso impuser risco demais de litígio, o financiamento hipotecário para os devedores abaixo do padrão simplesmente desaparecerá. Não faz sentido acrescentar custos judiciais pesados a um problema que já é muito dispendioso. O mercado aprendeu sua lição: não emprestar a pessoas que não podem pagar. É difícil ver como os legisladores poderiam ensinar algo melhor.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

27 agosto 2009

Os ganhadores da recessão

'Risco prudente' cria ganhadores na recessão
Leslie Scism, Matthew Dolan, Ann Zimmerman e Michael Corkery, The Wall Street Journal
26/8/2009
The Wall Street Journal Americas

Depois de criar legiões de vítimas, a recessão dos Estados Unidos está criando uma classe de vencedores.

O J.P. Morgan Chase & Co. está conseguindo dinheiro dos depositantes enquanto instituições mais fracas balançam. A Golub Capital, firma pouco conhecida que financia empresas de médio porte, disparou para a dianteira de seu campo, à frente do combalido CIT Group Inc. e da GE Capital, divisão financeira da General Electric Co. A Ford Motor Co. está atraindo compradores de carros que normalmente optariam pela General Motors Corp. e pela Chrysler LLC.

Essas empresas ainda não "venceram", pois a economia continua em fase de aperto. Mas as que tomaram até agora a dianteira têm em geral alguns traços em comum — como uma boa reserva de caixa em relação às rivais, disposição para gastá-la e vontade de atacar a jugular dos rivais — que lhes dão uma vantagem, pelo menos no momento.

A seguradora New York Life Insurance Co. levou um duro golpe da crise financeira, perdendo US$ 3,5 bilhões em sua carteira de investimentos no ano passado, o que a fez fechar o ano no vermelho. Contudo, por causa de investimentos relativamente conservadores, a seguradora se saiu muito melhor que rivais como a American International Group Inc., que aceitou um vultoso socorro financeiro pago pelo contribuinte americano.

Os executivos da New York Life partiram para a ofensiva. Disseram a seus 11.000 agentes de seguros que tinham a "obrigação moral" de explicar os pontos fortes da firma aos clientes. Deram-lhes um documento detalhando os problemas dos concorrentes e pilhas de materiais sobre as gordas reservas financeiras e classificação de crédito AAA, a mais alta, da New York Life. A seguradora também aumentou a publicidade e contratou dezenas de vendedores para promover seus planos de previdência privada.

No primeiro trimestre, a New York Life pulou à frente da AIG, da Hartford Financial Services Group Inc. e da Lincoln National Corp. entre as maiores empresas de seguros de vida e previdência privada dos Estados Unidos em volume de prêmios. Sua fatia de mercado cresceu para 5,4% no trimestre, em comparação com 3,6% um ano antes, segundo dados da firma de classificação de risco A.M. Best Co. analisados pelo Wall Street Journal.

"Em épocas normais não haveria esse tipo de ganho em participação de mercado", diz Larry Mayewski, da A.M. Best.

É normal que uma recessão vire todo um setor de cabeça para baixo. As crises "são campos muito férteis para as oportunidades", diz Nancy Koehn, especialista em história empresarial e professora da Harvard Business School. Os vencedores são os que se saem melhor quando se trata de "ocupar o espaço que a concorrência deixou vago", diz ela, e de estudar as mudanças do comportamento do consumidor em tempos difíceis.

Na Grande Depressão da década de 30, a Campbell Soup Co. lançou novas linhas que até hoje vendem muito, como a canja de galinha com macarrão. O esmalte de unhas da Revlon Inc., também lançado nos anos 30, tornou-se o símbolo da teoria de que em tempos difíceis o consumidor gosta de pequenos luxos que pode se permitir comprar.

A Bain & Co. analisou 750 empresas logo antes e logo depois da recessão de 2001, classificando-as segundo o crescimento de vendas, margens de lucro e rendimentos para os acionistas. Descobriu que mais empresas mostraram grandes mudanças (tanto ganhos como perdas) de 2000 a 2002 do que de 2003 a 2005, período relativamente estável.

Os vencedores não são "malucos que gostam do perigo", diz Darrell Rigby, sócio da Bain, mas sim os que estão preparados para "assumir riscos prudentes".

Um ponto-chave para sobreviver a qualquer recessão é ter pronto acesso a caixa, fato cuja importância aumentou no ano passado, quando várias instituições financeiras de Wall Street quebraram e o crédito secou.

Tanto a Chrysler como a GM entraram na recessão em péssimas condições financeiras, apesar de alguns cortes de custos, e a Ford também parecia estar logo atrás. Em outubro as três montadoras enviaram seus principais executivos ao Congresso americano para pedir socorro público.

Mas alguns meses depois a Ford partiu para um caminho diferente das outras e desistiu de pedir uma linha de crédito de US$ 9 bilhões do governo. Em vez disso, passou a reestruturar sua dívida.

A vantagem da Ford: em 2006, ela tomou emprestados US$ 23,5 bilhões, hipotecando quase tudo que possuía de valor — inclusive seu logotipo oval azul. A disponibilidade desse dinheiro em caixa quando os mercados de crédito congelaram, dois anos depois, no fim de 2008, é a principal razão pela qual a Ford conseguiu evitar o resgate com dinheiro público e as recuperações judiciais que a GM e a Chrysler enfrentaram, segundo analistas.

Notando a antipatia generalizada pelos resgates pagos pelo contribuinte para montadoras e bancos, a Ford logo mudou de marcha e lançou uma campanha publicitária exaltando sua auto-suficiência financeira. No dia em que GM comunicou que pediria concordata, a Ford anunciou que estava aumentando sua produção de carros — uma demonstração pública da sua relativa força.

Em julho, a participação da Ford na venda de veículos leves nos EUA foi de 15,9%, 2,2 pontos porcentuais a mais do que um ano antes, enquanto a fatia da GM caiu 1,6 ponto, para 18,8%, segundo a firma de pesquisas Autodata Corp. A participação da Chrysler aumentou ligeiramente, para 8,9%, auxiliada pelas reduções de preços que ofereceu, além do programa do governo que dava desconto na troca de carros velhos por novos mais econômicos.