Translate

13 setembro 2018

Turquia, crise e contabilidade

Com respeito a crise turca, uma das medidas de evitar uma crise maior é meramente contábil:

Os bancos propuseram regras para acelerar a reestruturação da dívida da empresa e permitir que os credores evitem contabilizar esses empréstimos como "empréstimos inadimplentes", uma medida que pode ajudar a evitar que as inadimplências se acumulem. Como ocorreu na Itália desde a crise da dívida soberana na Europa, os bancos tentarão estender os empréstimos indefinidamente para evitar buracos nos seus balanços patrimoniais.

Mas, ao contrário da Itália, a política pode ser uma grande restrição.

Condenado por escrever avaliações falsas

Os comentários de um livro, um filme, um restaurante ou um hotel são relevantes nos dias de hoje. Esta semana a justiça italiana prendeu um fraudador de comentários on-line. Serão nove meses de prisão por operar a PromoSalento, que vendia avaliações falsas para hotéis. Além disto, o empreendedor recebeu um multa de 9,3 mil dólares.

A empresa Tripadvisor considerou uma decisão histórica, pois seria a primeira vez que alguém é preso por escrever críticas falsas. A empresa investigou inicialmente o caso, repassou para as autoridades, que efetuaram a punição.

Melhorando como o governo gasta meu dinheiro

Três notícias recentes podem ter influencia sobre como o governo gasta o dinheiro do contribuinte. A primeira é que em 2016 o TCU considerou que a ECT (Correios) não pode ser contratada diretamente na prestação de serviços de logística sem licitação. O TCU entendia que os Correios não tem monopólio neste serviço e por isto a dispensa de licitação poderia violar a livre concorrência. Agora um ministro do Supremo decidiu que a ECT atende a lei para contratação direta. Poderia ser um notícia ruim, já que atrelaria todo serviço de logistica a uma empresa estatal que, em muitas situações, é ineficiente. A notícia é boa já que a dispensa não significa que exista um dever. A administração deve realizar um juízo de valor e decidir ou não pela licitação. Isto é interessante já que em alguns casos o processo de contratação pode ser tão honeroso que a dispensa pode compensar.

A segunda é que o mesmo TCU concluiu que o BNDES teve um prejuízo de 670 milhões de reais ao colocar dinheiro público no Bertin. As transações estranhas que ocorreram no BNDES estariam sob investigação do tribunal, que consideram que ocorreu um erro de avaliação.

A melhor notícia tem sua origem em Minas. A General Motors conseguiu uma liminar que determina a devolução de veículos, entregues em 2018, em razão do não pagamento do contrato. O governo estadual adquiriu 323 veículos em licitação por 24 milhões. Mas não pagou. Para evitar precatório e um governo que está com diversos atrasos de pagamentos, a empresa de automóveis entrou com uma ação judicial. Coincidência ou não, os veículos foram entregues antes do início da campanha do atual governador, que é candidato à reeleição. E este é um tema objeto de propaganda do candidato.

Por trás do raciocínio da GM, disse uma das fonte, estaria a tentativa de evitar um prejuízo maior, uma vez que atualmente o governo de Minas estaria agora pagando precatórios referentes a 2007. Apesar de a perspectiva de receber carros já rodados não ser a melhor solução para a companhia, a intenção seria vender os veículos o mais rapidamente possível para minimizar os prejuízos. A situação do governo é muito grave:

Nesta semana, a agência Reuters revelou que o governo mineiro deixou de repassar a bancos R$ 924 milhões referentes a valores emprestados a servidores estaduais, embora os recursos tenham sido descontados da folha de pagamento, segundo fontes dos setor bancário. (...)

Segundo fontes do setor financeiro, a prática do governo mineiro começou em novembro de 2017. Por isso, os bancos deixaram de conceder crédito a servidores estaduais. Em alguns casos passaram a debitar os valores referentes aos créditos devidos na conta corrente dos servidores.

P.S. O governo de Minas quitou a dívida com a GM. A estratégia funcionou.

Rir é o melhor remédio


Animais e casamento

12 setembro 2018

Desinformação na era da internet

Em 1917 H. L. Mencken publicou um artigo no New York Evening Mail lamentando que o 75o. aniversário da adoção da banheira nos Estados Unidos tenha passado sem qualquer notícia. Mencken detalhava a história da banheira nos Estados Unidos e a resistência médica a novidade. A história tem sido amplamente lida e citada, mas possui dois problemas. Primeiro, Mencken era um grande humorista, talvez um dos maiores de todos os tempos. Segundo, em 1926 o próprio autor confirmou que muito do que estava no texto era mentira. O exemplo é tão importante que possui uma entrada na Wikipedia para ele: Bathtub Hoax.

Em um artigo da PNAS, Granter e Papker Jr usam este exemplo para ilustrar os perigos da desinformação médica na era do Google. Parece muito antigo para ser um problema, mas Granter e Papker informam que muitos artigos com dados fraudulentos continuam sendo citados e apenas uma pequena parcela da citação (menos de 6%) reconhecia a fraude.

A desinformação ainda é um problema hoje, não só a despeito da tecnologia, mas também por causa dela. Aqui, propomos que a comunidade científica dedique mais recursos a abordagens tecnológicas que abordem a desinformação.

Ex-atleta diz ter sido subtraído em US$ 77 milhões

Durante anos, Kevin Garnett foi um jogador de basquete de destaque da NBA. Em 15 oportunidades foi convocado para o jogo das estrelas, que reúne os melhores jogadores da temporada. Agora, Garnett parece ter sido subtraído em 77 milhões de dólares. O jogador acusa o gerente de patrimônio, preso, e o ex-contador.

O engraçado é que o gerente de patrimônio também enganou Tim Duncan, tendo sido condenado por isto, e Duncan e Garnett se odiavam  nas quadras.

O roubo parece que contou com a participação dos bancos, que transferiram dinheiro de Garnett para a conta do gerente de patrimônio.

Situações como esta mostram como celebridades, que ganharam muito dinheiro no passado, perdem seu dinheiro, seja com gastos desnecessários ou por serem enganados por amigos e funcionários. 

Rostos e criatividade





Muita criatividade de Alexander Khokhlov

11 setembro 2018

Tese em formato de artigo

Eu faço parte de um programa de pós-graduação bastante criativo, modéstia a parte. Há anos, diante da restrição de doutores na área, criamos um curso em que quatro (depois três) universidades colaboravam entre si e que permitiu a formação de centenas de mestres e dezenas de doutores. Além de ser criativo no formato, o programa também foi criativo na sua finalização, onde as três universidades optaram, de forma bastante amigável, pela separação.

Na criação do programa da UnB decidimos que a tese de doutorado seria feita no formato de artigo. Algo pouco usual na nossa área, mas que já se torna uma realidade em diversos países. A duas primeiras teses, Rafael e Mariana, já assumiram este formato.

O que seria o formato de artigo? A tese tradicional corresponde a um grande assunto, dividido em uma introdução, uma extensa revisão bibliográfica, uma metodologia, seguida da análise dos dados e conclusão. Para impressionar, geralmente a tese deve ter um tamanho acima das cem páginas. O formato artigo é diferente; a tese é composta por vários artigos, que podem ser inéditos ou não. Isto já é um heresia, já que no meio acadêmico prevalece a noção de que deve existir ineditismo e originalidade. Além disto, estes artigos devem ter uma relação entre si, com uma introdução e conclusão para amarrar os artigos individuais. É possível que um dos artigos seja uma extensa revisão bibliográfica, mas não é obrigatório.

A grande vantagem deste formato é aproximar a tese de um artigo publicável. Acreditamos que o formato pode ajudar a tirar a tese do arquivo da biblioteca da instituição e ser divulgada em um periódico. Isto ajuda o doutorando a conseguir, de forma mais rápida, um currículo acadêmico.

Mas o formato artigo tem alguns desafios. Em primeiro lugar, é necessário vencer a resistência dos acadêmicos tradicionais. Em geral isto é possível diante da longa história de trabalhos que não foram publicados. Para um orientador, a dedicação sem um resultado de publicação é realmente frustrante. E este é provavelmente um grande critério que um professor orientador usa no momento de definir suas orientações: será que este aluno irá ajudar na publicação.

O segundo desafio é evitar a repetição. Se você está construindo três artigos sobre um mesmo assunto, é provável que parte das referências e da própria metodologia esteja repetida.

O terceiro desafio é o fato de que o artigo pode não ser aceito por um periódico. Isto gera uma insegurança no doutorando. Mas este aspecto foi bem abordado no link citado acima:

O importante é lembrar que a rejeição é uma parte normal do processo. A decisão nem sempre é sobre a qualidade do trabalho, mas seu encaixe no periódico naquele momento específico.

O quarto desafio é a relação com o orientador, que será diferente neste formato. Na tese tradicional, o trabalho, depois de aprovado, era transformado em artigo. Na minha experiência de orientador, já tive situações onde o orientando decidiu não publicar; o sentimento do orientador é de perda de tempo. Também já tive situações onde o orientando optou por publicar sozinho; respeito sempre esta decisão, mas se foi um aluno de mestrado, recusarei a orientação no doutorado. E já tive casos em que atuei como um orientador informal em que fui convidado a participar da publicação. Em alguns programas, como é o caso do doutorado da UnB, parte da publicação deve ser com o orientador, obrigatoriamente. Mas esta obrigação não existe no mestrado do programa. Caso o orientador participe do trabalho, conversando, dando ideias e/ou fazendo parte do trabalho é natural que seja considerado como autor do artigo.

O quinto desafio é a curva de aprendizagem do orientador. Estamos acostumados ao formato tradicional; o formato artigo possui diversos problemas - repetição, rejeição de publicação, distinguir pesquisas próximas, entre outros - que não sabemos ainda como lidar. Somente a experiência de orientação vai solucionar isto. Para o orientador é um novo recomeço, uma nova experiência.

Apesar dos desafios, creio que há grandes ganhos no formato artigo. Suas vantagens superam amplamente os desafios. Acredito que permita aumentar a produção de artigos originários dos trabalhos finais de curso.

Aqui uma postagem anterior sobre o mesmo assunto

Síndrome do impostor

A sindrome do impostor é a sensação que temos que estamos fora do lugar no nosso trabalho; é a sensação que temos que não estamos preparados para fazer o que estamos fazendo. É o nosso sentimento de fraude no trabalho que fazemos.

A pesar de haber demostrado su competencia en el día a día, las personas que sufren el síndrome del impostor están convencidas de que no merecen el puesto que tienen o el éxito que han conseguido. Cuando les va bien, piensan que es cuestión de suerte o coincidencia. Les cuesta trabajo creer en su talento y sienten que engañan a todo el mundo.

Parabéns se você já sentiu a síndrome do impostor. Sinal que tem um senso crítico razoável. E talvez seja uma condição prévia para aprender: reconhecer as suas limitações.

Morosidade da justiça brasileira 2

O problema da morosidade da justiça não decorre da falta de recursos. Pelo contrário: há muito dinheiro. Veja outra notícia sobre o assunto:

Se comparados com os vencimentos de juízes em outros países, porém, os contracheques do Judiciário brasileiro estão longe de ser modestos. Um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej, na sigla em francês) mostra que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do país (que era de R$ 2.154 no fim de 2017).

Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, 65,7 mil euros por ano. Ao câmbio de hoje, o valor equivaleria a cerca de R$ 287 mil - ou R$ 23,9 mil mensais.

Segundo a última edição do relatório Justiça em Números, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem hoje cerca de 18 mil magistrados (juízes, desembargadores, ministros). Eles custam cada um, em média, R$ 47,7 mil por mês - incluindo salários, benefícios e auxílios. O custo de um magistrado é portanto quase 40 vezes a renda média do trabalhador brasileiro.

Se os salários no STF forem reajustados para R$ 39,3 mil, passarão a ser 39 vezes maiores que o salário mínimo previsto para 2019 - de R$ 998.


Morosidade da justiça brasileira

A morosidade da justiça brasileira é muito grande. A presença de recursos, prazos diversos e permissividade com a alegação de permitir a defesa ampla das partes é totalmente irracional.

Veja o caso de um processo julgado no início de setembro pelo STJ (via aqui), envolvendo a Estrela e a União. Neste processo, a empresa de brinquedos pede indenização por prejuízos com a mudança da alíquota de importação e abertura do mercado nacional em ... 1994. Há 24 anos o governo federal reduziu o imposto de importação, de 30% para 20%. A empresa alega que os produtos chineses invadiram o mercado e foi responsável pelo fechamento de fábricas.

O tribunal deu ganho de causa para o governo. O argumento de que a empresa sabia com antecedência da mudança na política industrial prevaleceu. A questão já ultrapassa a duas décadas e faz a alegria dos advogados - que “trabalharam” nestes 24 anos.

O problema poderia ser resolvido de duas formas: redução nas possibilidades de extensões de prazo e eliminação dos pedidos de vista. Eis o que diz a notícia:

O julgamento foi retomado no STJ com o voto-vista do ministro Benedito Gonçalves. O magistrado já havia acompanhado o relator, o ministro Gurgel de Faria. Mas resolveu pedir vista depois das manifestações dos demais integrantes da turma. 

Duas observações e que enfatizam a sugestão de eliminar os pedidos de vista:
1) os processos no STJ já são, há tempos, eletrônicos. Assim, o ministro Gonçalves poderia ter tido acesso ao processo a qualquer momento.
2) quem conhece os tribunais superiores em Brasília sabe que o trabalho de um ministro é feito principalmente pelos seus funcionários. Assim, quando um ministro pede vista a sua assessoria já deveria ter um posicionamento sobre o assunto.

Com estas duas medidas, os processos seriam mais céleres, reduzindo o que o país gasta com atividades que não agrega valor; no caso, rábulas.

Rir é o melhor remédio





Rafael Mantesso e seu cão