Contas públicas viraram faz de conta’, diz José Roberto Afonso sobre LRF
Adriana Fernandes
entrevista
(Estado S.Paulo/Broadcast)
José Roberto Afonso
Brasília - Um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o
economista José Roberto Afonso alerta que as finanças públicas no Brasil
se transformaram num "faz de conta". "Ninguém sabe direito quanto se
arrecada, se gasta e se deve", diz ele. Segundo o economista, a raiz da
crise de credibilidade da LRF está no elevado gasto do Judiciário,
Ministério Público e Tribunais de Conta. "Quem tem que aplicar a lei é
quem mais está descumprindo a lei. Há relatos desses Poderes
ultrapassando limites de gasto de pessoal", diz.
Para ele, quase
todas as medidas criativas para driblar a aplicação da LRF tiveram
origem nos tribunais de conta estaduais. "Como é que o órgão vai acusar
os outros Poderes quando ele mesmo não cumpre a lei?", questiona.
Broadcast: Como o sr. vê a crise dos Estados?
José Roberto Afonso: Sem surpresa. É uma crônica de uma crise
anunciada. É estrutural. Tínhamos alertado que o Rio de Janeiro não era
exceção. Ele só estava vindo na frente dos outros. O aspecto em comum é
que são os Estados que mais gastam com inativos. O que dispara a
falência dos Estados é o crescimento dos gastos de inativos. No curto
prazo, por incrível que pareça, esse problema se agrava com a própria
reforma da Previdência. Se você anuncia, há uma tendência de os
servidores anteciparem a aposentadoria com medo de perder seus
benefícios. O pior é anunciar a reforma e não fazer. Fica com ônus e não
tem o bônus.
Broadcast: Isso já está acontecendo?
José
Roberto Afonso: Não tenho dúvida nenhuma. Até na União acontece. Imagina
nos Estados e municípios. Isso é o estopim da falência dos Estados. No
Rio, Minas e Rio Grande, o número de folha salarial dos aposentados já
supera dos ativos. Os outros Estados vão vindo atrás. São Paulo, por
exemplo, tem um peso muito grande. A diferença é que São Paulo paga
salários médios mais baixos do que os outros Estados.
Broadcast: Mas a crise decorre só do problema dos inativos?
José Roberto Afonso: A crise não é só isso. Ela começa no padrão de
financiamento em cobrar impostos num tributo sobre bens, o ICMS, e o
único serviço que está dentro dele está ficando ultrapassado, que é o de
telefonia. O ICMS é um imposto ultrapassado e está pendurado em energia
elétrica, combustíveis e poucas base. Os governadores é que deveriam
estar liderando um movimento para substituir o ICMS sobre um Imposto de
Valor Adicionado (IVA). O terceiro componente estrutural e importante
para a crise dos Estados é o peso dos gastos com os outros poderes,
basicamente o Judiciário, o Ministério Público, o Legislativo e os
Tribunais de Conta. É muito alto o que os Estados gastam com esses
poderes. O Rio é o Estado em que esses Poderes mais pesam no Orçamento.
Não é por acaso que o Estado está falido.
Broadcast: Essa é uma razão dos problemas?
José Roberto Afonso: Isso está na raiz na crise de credibilidade da
LRF, porque quem tem que aplicar a lei é quem mais está descumprindo a
lei. Há relatos desses Poderes ultrapassando limites de gasto de
pessoal. A começar pelos tribunais de contas, que na maioria dos casos
são os órgãos que desenharam medidas criativas de interpretação de
despesa de pessoal. Não são todos os tribunais, mas quase todas as
medidas criativas para driblar a aplicação da LRF tiveram por origem no
caso dos Estados os tribunais de conta. E o órgão que mais extrapola o
limite de pessoal é o Ministério Público. Como é que o órgão vai acusar
os outros Poderes quando ele mesmo não cumpre a lei.
Broadcast: Essa é uma das razões pelo qual os governadores não são punidos?
José Roberto Afonso: Eu diria o contrário. Os governadores que
cumpriram a lei estão sendo punidos, inclusive, perdendo o mandato
porque foram austeros e não adotaram medidas criativas. A questão hoje é
que não se sabe mais o que vale e o que não vale. Duvido que tenha
alguém nesse País que saiba qual é a verdadeira situação de cada Estado e
prefeitura, dado todo esse retrocesso que tivemos. O próprio governo
federal tem parcela nisso porque boicotou a criação do Conselho de
Gestão Fiscal. Todo mundo tem culpa. Foi o governo federal que liderou o
processo de maquiagem com as pedaladas fiscais. Chegou-se ao ponto de
termos o impeachment da presidente Dilma Rousseff por não ter cumprido
as regras fiscais e não teve de lá para cá nenhuma mudança de regra
fiscal.
Broadcast: Por que não houve punição?
José Roberto
Afonso: Estamos tendo um desajuste de contas. Tem muito mais a ver com a
falta de uma lei geral de orçamento e contabilidade pública do que com a
LRF. Não está havendo punição porque até aqui se conseguiu de uma forma
ou outra esconder despesas ou até aparecer receitas. Tem que ter boa
governança não só nas empresas estatais, mas no governo. Precisamos
reconstruir as contas. Não é nem mais as regras. Ninguém sabe direito
quando se arrecada quando se gasta e quando se deve. O que temos nos
Estados é receitas futuras sendo antecipadas e que não estão pagando
para os municípios a cota parte constitucional. Isso é o mais grave. Os
governos estão se apropriando de receitas que nem lhes pertencem. Hoje,
as contas públicas viraram um faz de conta. (Adriana Fernandes)