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10 junho 2010

Convergência


Normas obrigatórias a partir de 2010 estão em revisão e podem mudar mais se houver convergência com os EUA.

Por Fernando Torres, de São Paulo
09/06/2010

As normas internacionais de contabilidade que serão adotadas obrigatoriamente pelas companhias abertas brasileiras nos balanços de 2010, conhecidas como IFRS, estão com o prazo de validade perto de vencer.

Enquanto contadores e auditores locais correm contra o tempo para deixar tudo pronto no prazo, os principais órgãos internacionais responsáveis pela emissão de normas contábeis tentam costurar um entendimento que pode resultar em mudanças significativas nas regras atuais.

Na prática, isso quer dizer que o modelo novo adotado pelas companhias aqui no Brasil pode se tornar velho em poucos anos.

Um exemplo é o caso das provisões para inadimplência dos empréstimos. Até o ano passado, os bancos brasileiros usavam o critério da perda esperada para calcular a provisão de devedores duvidosos. No balanço em IFRS referente a 2010, terão que usar o sistema de perda incorrida. Daqui a poucos anos, com a revisão da norma internacional, o mais provável é que voltem para o sistema antigo, embora com algumas diferenças no método de avaliação.

Além desse processo contínuo de aperfeiçoamento das normas IFRS, que já ocorre normalmente, isso deve se intensificar tendo em conta a busca por um padrão global de contabilidade que envolva também os Estados Unidos.

O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), que emite as IFRS, e o seu similar americano Fasb, responsável pelo padrão chamado de US Gaap, têm dito repetidamente que buscam uma convergência entre os dois sistemas de contabilidade.

De fato houve acordo entre os dois órgãos em diversos aspectos tratados até agora, mas numa das áreas mais importantes e polêmicas, relativa à classificação e mensuração de instrumentos financeiros, o que se viu foi um distanciamento de opiniões.

Seguindo o histórico de sua escola, o Fasb deixou claro há duas semanas, com a divulgação de uma minuta que entrou em audiência pública, que defende uma abordagem que aumenta a abrangência do registro dos instrumentos financeiros pelo valor de mercado (valor justo), enquanto o Iasb já emitiu uma nova norma, o IFRS 9, que admite com maior flexibilidade o uso do método do custo amortizado (marcação do papel pela curva), o que deve reduzir a volatilidade dos balanços em momentos de crise.

Os especialistas não consideram que essa divergência seja insolúvel, mas entendem que, se o objetivo for alcançar um único padrão contábil internacional de alta qualidade, algum dos lados terá que ceder, ou os dois.

Eventuais mudanças que o Fasb possa fazer no US Gaap não interferem no novo padrão de contabilidade brasileiro, que tem como base as IFRS, ressalta a presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Ana María Elorrieta.

No entanto, ela admite que tanto a minuta proposta pelo órgão americano, como os comentários recebidos durante a audiência pública, podem influenciar a regulamentação do Iasb.

O IFRS 9 foi emitido em agosto, com permissão para adoção antecipada, mas com o uso obrigatório previsto apenas para o exercício de 2013. Diante disso, uma mudança na regra até poderia ser feita, mas não seria algo trivial, uma vez que África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e algumas empresas japonesas já estão usando o novo sistema.

Também não seria fácil para o Iasb simplesmente ignorar todo o processo de audiência pública conduzido para elaborar o IFRS 9 e dizer que mudou de ideia após ouvir a opinião do Fasb.

Nesse sentido, o Iasb pediu que todos os agentes envolvidos com o IFRS nos mais de 120 países que adotam mo modelo se manifestem na consulta feita pelo órgão americano. A esperança é que, ao perceber a reação do mercado à sua proposta, o Fasb possa rever o texto sugerido.

Segundo o professor Eliseu Martins, representante da Fipecafi no Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a minuta apresentada pelo Fasb expande o uso do valor justo para quase todos os instrumentos financeiros, como carteiras de recebíveis e de empréstimos, que nos sistemas contábeis usados até agora podiam ser marcados pela curva, caso fossem mantidos até o vencimento. "Parece que depois de toda essa discussão sobre valor justo, o Fasb concluiu não só que ele não foi responsável pela crise financeira, como quer expandir seu uso", diz o professor, que destaca que as diferenças em relação ao modelo proposto no IFRS "são grandes".

Se o Iasb for convencido a seguir pelo mesmo caminho do Fasb, isso mudaria bastante não só o balanço dos bancos, como das empresas não financeiras brasileiras, diz Eliseu.

Se o plano A de convergência total entre o IFRS e US Gaap não der certo, não está descartado um caminho de meio termo. O plano B teria como base aproximar a contabilidade em quase todos os pontos e apresentar uma breve reconciliação com as diferenças. Nesse cenário, há expectativa de que a Securities and Exchange Commission (SEC) poderia permitir a adoção do IFRS pelas empresas americanas mesmo sem a convergência total.


Valor Econômico (via Vladmir Almeida)

A própria Estrutura Conceitual está sendo discutida atualmente, com alterações sendo estudadas até na definição de Ativo.

Foto: Design you

23 abril 2010

Convergência no momento da verdade

No ápice da crise financeira mundial em 2008, o sossegado presidente do Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb), Bob Herz, viu-se no centro dos holofotes, com furgões das equipes de TV se amontoando do lado de fora da sede do órgão responsável pelas regras contábeis nos Estados Unidos, na normalmente sonolenta cidade de Norwalk, Connecticut.
De uma hora para outra, as atenções haviam se voltado para o tratamento contábil misterioso dado a alguns ativos obscuros em mãos de bancos de investimento de Wall Street, papéis que estavam sendo cada vez mais considerados culpados de exacerbar a crise.
Desde então, a questão ainda não se esgotou. No início de maio, Herz deverá voltar ao tema quando apresentar as propostas do Fasb sobre o grau de uso que o controverso parâmetro do "valor justo" - também conhecido como "marcação a mercado" - deveria ter para a determinação do preço de derivativos e outros instrumentos nos livros dos bancos.
Seu pronunciamento atenderá a um pedido do Grupo dos 20 principais países industrializados e em desenvolvimento, que em setembro colocou a contabilidade entre os itens de sua agenda. O grupo pediu ao Fasb e ao Conselho de Padrões de Contabilidade Internacional (Iasb, na sigla em inglês), com sede em Londres, para preparar um padrão contábil mundial de alta qualidade - uma forma única de medir todas as companhias do mundo.
A questão é tensa - e precede, há um longo tempo, a recente crise. Desde o século XVI, quando Luca Paciola, monge franciscano itinerante amigo de Leonardo da Vinci, inventou [1] a contabilidade moderna nas montanhas da Toscana, há discussões sobre seu significado e propósito.A contabilidade é uma construção social, apenas uma entre várias formas de ver o mundo, ou praticamente uma ciência, baseada em fatos precisos? [2]
Nos tempos modernos, a capacidade de comparar [3] contas em diferentes fronteiras tornou-se o santo graal dos contadores do mundo, assim como de muitos investidores e analistas financeiros. Eles argumentam que essa uniformidade [3] significa que o capital poderia ser alocado de uma forma mais eficiente, que haveria menos facilidade para as companhias provocarem os reguladores e serem processadas e até que escândalos contábeis com os de Enron, WorldCom e Parmalat ocorreriam com menos frequência.
As turbulências financeiras mundiais, no entanto, centraram as atenções em uma questão fundamental: como calcular quanto vale um ativo. O motivo é que durante o pânico do mercado, os preços dos produtos financeiros mais complexos, como os derivativos, despencaram enquanto os mercados se congelavam [4] - um declínio praticamente independente da qualidade de créditos dos ativos que estavam por trás, sustentando esses derivativos. Para alguns, a situação proporcionou pechinchas, compradas rapidamente. Para a maioria dos bancos e fundos hedge, no entanto, levou a buracos devastadores em seus balanços patrimoniais, por causa da prática de marcar os ativos pelos preços atuais de mercado.
As baixas contábeis criaram um círculo vicioso no qual a queda dos valores levou as instituições de crédito a pedir mais garantias para conceder empréstimos, o que por sua vez obrigou grupos demasiado alavancados a vender ativos, empurrando os preços ainda mais para baixo. [5] Como resultado, as autoridades monetárias começaram a ver procedimentos alternativos com interesse renovado: permitir que administradores julgassem os valores ou os contabilizassem pelo que custaram originalmente e pelo dinheiro que supostamente gerarão antes de sua venda.
A opinião de que a contabilidade de "valor justo" enfraquece a estabilidade financeira e econômica persiste entre muitos políticos e autoridades reguladoras, especialmente na Europa, mas também na Ásia. Alguns investidores, contudo, mais notavelmente nos EUA, continuam convictos na defesa do valor justo, pois o consideram mais transparente. Daí a vontade do G-20 em ver um padrão único até junho de 2011.
Dependendo de como as investigações dos responsáveis por determinar as regras prosseguirem, a Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) pretende decidir até este mês se todas as companhias americanas deveriam deixar de usar o padrão contábil americano (US Gaap), atual sistema em vigência no país, e aderir aos padrões internacionais de contabilidade (IFRS), do Iasb, usado na maior parte do mundo.
Os investidores, em sua maioria [6], são a favor da convergência, mas alguns temem que, na pressa para cumprir o prazo do G-20, possam ser cometidos erros que criariam problemas futuros para a contabilidade das empresas. "A coisa mais importante para os investidores é que sejam padrões de alta qualidade e que atendam as demandas dos acionistas e da comunidade de investimentos em geral - e é um equívoco sugerir que a convergência é mais importante do que isso", diz Michael McKersie, da Associação de Seguradoras Britânicas (ABI, na sigla em inglês), um poderoso grupo de investidores do Reino Unido.
A decisão da SEC será crucial, já que sem o apoio do maior mercado de capitais do mundo, qualquer padrão global seria assim apenas no nome. Com a aproximação do fim do prazo, as inevitáveis diferenças culturais, divergências e rivalidades que acabam surgindo com uma tarefa global desse tamanho - e que afetam os debates contábeis há séculos - ameaçam interromper o processo. Apesar de meses de negociações, há sinais de que o Fasb e o Iasb não conseguirão chegar a um consenso sobre até que ponto o valor justo dever ser usado para determinar o valor dos instrumentos financeiros. De acordo com um encarregado de determinar os padrões, o sonho do G-20 de harmonia contábil mundial depara-se com a real possibilidade de "explodir".
A história de como a contabilidade se tornou um viveiro de ressentimentos que confrontam autoridades reguladoras, contadores, investidores e executivos tem suas raízes nas semanas anteriores ao desmoronamento do Lehman Brothers, em setembro de 2008. No fim de agosto daquele ano, o projeto para criar um padrão único mundial, congregando EUA e resto do mundo, chegou ao que ainda é seu ponto mais alto até hoje.
Christopher Cox, então presidente da SEC, anunciou um acordo tentativo segundo o qual, até 2014, todas as empresas americanas estariam cumprindo o IFRS. O raciocínio de Cox, bem recebido por contadores [6], foi o de que a "crescente aceitação em todo o mundo - e o cada vez maior controle de companhias estrangeiras por investidores americanos - deixam claro que se nada fizermos, e simplesmente deixarmos essas tendências se desenvolverem, a comparabilidade e a transparência diminuirão para investidores e emissores americanos".
Tornando cada vez mais viável a implementação da visão de contadores - a prática de "uma norma única" -, naquele ano mais de cem outros países adotaram ou concordaram em adotar o IFRS [7]. Mas após a implosão do Lehman muitos governos voltaram a procurar garantir a sua "soberania contábil". [8]
Poucas semanas depois do colapso do Lehman, Cox foi substituído por Mary Schapiro [9], nome pertencente ao novo governo do presidente Barack Obama. Durante as audiências de confirmação no cargo, Schapiro disse que "não estaria disposta a delegar a definição de padrões ou responsabilidade pela supervisão ao Iasb".
Enquanto o afável Herz, no Fasb, enfrentava as equipes de televisão à frente de seu escritório, David Tweedie, o combativo escocês e ex-sócio da KPMG que comanda o Iasb, tinha de lidar com seus próprios problemas no outro lado do Atlântico. Em outubro de 2008, pressões da UE forçaram a publicação de uma regra que foi amplamente considerada como uma diminuição na qualidade de informação - mas que pode ter poupado alguns bancos europeus do colapso. As mudanças permitiram que os bancos reclassificassem carteiras inteiras, inclusive produtos estruturados complexos, e avaliassem de forma mais favorável com base no custo dos empréstimos e títulos que lastreavam os papéis. Tweedie, cujo desejo de precisão contábil por vezes conflitava com a visão tradicional dos formuladores de normas contábeis da Europa Continental como elaboração social e instrumento de estabilidade econômica, mais tarde disse quase ter se demitido devido ao incidente.
Então, em julho, o Fasb e o Iasb anunciaram não ter conseguido chegar a uma abordagem comum sobre como valorar instrumentos financeiros. Por isso, foi preciso a intervenção do G-20 para aumentar as esperanças de que a convergência estava de novo no bom caminho. Mas, exatamente quando os EUA pareciam mais próximos, a Europa divergiu. Em novembro, a UE recusou-se a considerar a adoção da primeira fase do IFRS 9, norma do Iasb relacionada à valoração de instrumentos financeiros, alegando que ela defende o uso excessivo de valor justo.
Tweedie seguiu em frente e publicou o IFRS 9 para uso em mais de 110 países que haviam adotado ou estavam em vias de adotar o IFRS, mas sem o apoio de seu principal patrocinador [10]. A convergência foi avançando a partir de então, mas com crescente intervenções por parte de agências reguladoras e de formuladores de políticas, particularmente na Europa.
Michel Barnier, novo comissário para mercado interno da UE, pareceu, recentemente, ter criado um novo conflito, ao sugerir que verbas futuras para manutenção do Iasb dependeriam de a organização ceder a pressões de Bruxelas no sentido de admitir mais quadros de agências reguladoras em seu conselho diretor. A SEC disse que a independência do Iasb é necessária para que avalie submeter as empresas americanas aos IFRS. No entanto, dizem especialistas, duas coisas podem contribuir para impedir o que recentemente parecia um desfecho mais provável: a criação de blocos contábeis regionais, ou seja, EUA, Europa e Ásia.
Um fator em jogo é o apoio ao Iasb na Ásia. Embora a Europa pareça estar se distanciando, o Japão, segundo maior mercado de capitais no mundo, convergiu um pouco mais. Noriaki Shimazaki, da Sumitomo Corporation e curador do Iasb, diz acreditar que o Japão está a caminho de tornar o IFRS obrigatório para as empresas japonesas já a partir de 2016. À medida que os fluxos de capital deslocam-se para a Ásia, o peso dos países asiáticos deve influenciar mais o processo de normatização, diz Mohandas Pai, da Infosys, segunda maior exportadora indiana de serviços de tecnologia. Entretanto, China, Índia e Japão estão apoiando o desenvolvimento dos IFRS entre si para promover o comércio intrarregional.
O segundo fator envolve o Lehman. O evento, que fez descarrilhar a convergência, ainda poderá levá-la a se concretizar.
Quando Anton Valukas, procurador de Chicago, publicou no mês passado seu relatório condenando as práticas que resultaram na maior falência empresarial na história, uma das revelações foi a "arbitragem regulatória" utilizada pelo banco para tratar as operações de uma maneira que "embelezavam" temporariamente seu balanço. As hoje infames operações Repo 105, que permitiram ao Lehman lançar US$ 49 bilhões fora de seus livros em um trimestre, eram permitidas nos termos do padrão americano US Gaap. Mas se a contabilidade obedecesse ao IFRS, acabariam permanecendo no balanço e bem à vista dos investidores.
Estando as audiências do Congresso que discutirão o relatório sobre o Lehman previstas para o início desta semana, os contabilistas esperam que a convergência receba um impulso favorável em função dessas revelações. "É a melhor razão que até agora já vi para que a convergência progrida", diz um alto executivo de uma das maiores firmas de contabilidade americanas.
Se isso não ocorrer, a uma próxima geração de contabilistas, em meio a uma futura crise, poderá ser legada a tarefa de prosseguir o debate.

Fonte: Valor Econômico, via Análise de Balanços - IFRS: Ainda sobre o valor "justo" - Contabilidade: Paralisada pela crise, convergência global está em risco.
Padrão global de balanços enfrenta sua hora da verdade - Por Rachel Sanderson e Jennifer Hughes, Financial Times, de Londres - 22/04/2010

[1] Um erro comum considerar Pacioli o "inventor". Na realidade foi o divulgador.

[2] A ciência não significa necessariamente que seja baseada em fatos precisos. Talvez o melhor fosse fazer a contraposição entre ciência exata e ciência social.

[3] Aqui faltou um pouco de precisão técnica. Na contabilidade uniformidade é diferente de comparabilidade.

[4] Ou seja, faltou liquidez.

[5] Mas conduziu a ganhos com a perda de valor dos passivos.

[6] Há controvérsias...

[7] Na realidade a adoção da IFRS não garante uma "norma única"

[8] A normatização é uma atividade política. Isto foi refletido nesta atitude.

[9] O fato de Cox ter sido um burocrata com um trabalho ruim na SEC não ajudou.

[10] Talvez o termo correto seja "apoiador". O principal patrocinador do Iasb é o grupo das maiores empresas de auditoria.

23 fevereiro 2010

Conselheiros

O jornal Valor Econômico de 22 de fevereiro explora a questão dos Conselhos nas empresas abertas, em particular no caso Sadia. Esta empresa até 2007 apresenta uma elevada lucratividade na área financeira, obtida através de investimentos de elevado risco, apresentou um elevado prejuízo em razão da mesma área financeira em 2008.

As perdas, decorrentes da própria turbulência do mercado, não atingiram somente a Sadia. Empresas como Votorantim Industrial (prejuízo de 2,2 bilhões de reais) e Santa Elisa (380 milhões) são exemplos citados no texto Empresa foi primeira a revelar o uso de derivativos "tóxicos", de Graziella Valenti. Este texto estima que os valores totais de perdas foi de 30 bilhões de reais. O número é uma estimativa grosseira, já que algumas empresas eram de capital fechado e não divulgaram os problemas nas demonstrações contábeis.

O principal problema decorreu da questão cambial. O texto explica isto:

O objetivo inicial das empresas que contratavam era ganhar ou se proteger da contínua queda do dólar. Daí a maior adoção por grandes exportadoras como Sadia e Aracruz, que tinham 50% e 95% das receitas atreladas ao dólar, respectivamente. A operação funcionava como uma banda cambial, mas com ganhos limitados e perdas imprevisíveis e ilimitadas.

Na prática, a companhia adquiria o direito de vender dólar ao banco por um preço acima do mercado. Assim, maximizava a receita de exportação, que vinha perdendo com a valorização do real.

Mas havia um teto estabelecido para isso e, caso o dólar subisse e ficasse acima dessa faixa, a empresa era obrigada a vender duas vezes mais dólar ao banco por um preço preestabelecido. Nesse cenário, a companhia acabava tendo que comprar a moeda no mercado por um preço superior ao que venderia ao banco, o que resultava em perda de caixa - não só de marcação a mercado.

A conseqüência contábil da crise foi um maior rigor, por parte da CVM e do Banco Central, no que diz respeito à evidenciação das operações.

Num outro texto, Conselho da Sadia na fogueira, também de Graziella Valenti, o foco é a perda de R$2,6 bilhões na Sadia. O texto informa que a CVM abriu um processo contra catorze pessoas pelo episódio. Basicamente o texto questiona onde estava o Conselho que não fez nada para impedir os eventos na empresa. Como ocorre na maioria dos Conselhos das empresas abertas no Brasil, parte dos membros são pessoas cujo principal atributo é ser parente próximo do acionista controlador ou pessoas que possuem prestígio no governo ou no mercado. No primeiro caso faziam parte do Conselho da Sadia alguém com sobrenome Furlan; no segundo caso, o consagrado consultor de empresas Vicente Falconi (aqui, uma lista de livros do consultor). Naturalmente que os conselheiros que responderam à reportagem recusaram a responsabilidade. (É o padrão do conselheiro brasileiro: só querem o bônus, mas não o ônus)

Um último texto, Casa do Sadia expõe riscos da profissão de conselheiro, também de Valenti, parte para opinião de quatro especialistas da área. No final, um texto interessante:

No caso da Sadia, havia um comitê financeiro e um de auditoria, para assessorar o colegiado. Cassio Casseb, Everaldo Nigro dos Santos, Walter Fontana Filho e Roberto Faldini compunham o órgão dedicado às finanças. Francisco Céspede, Roberto Faldini e José Marcos Konder Comparato formam o núcleo dedicado à auditoria.

O conjunto de reportagem pecou por não observar mais de perto a questão dos controles internos e da auditoria. Quem sabe numa próxima reportagem.

Sobre o assunto Sadia, um texto da Revista Piauí descrevendo o que ocorreu na empresa. A recomendação ainda vale.

29 janeiro 2010

Iasb

IASB descarta mudar regras de contabilidade a pedido da Europa
Por Cesar Bianconi - Reuters Focus - 28/1/2010

SÃO PAULO, 28 de janeiro (Reuters) - O International Accounting Standards Board (IASB) não mudará as regras contábeis relacionadas ao valor justo de instrumentos financeiros nos balanços de bancos e empresas apenas com base em demandas da União Europeia, disse nesta quinta-feira o chairman da organização, David Tweedie.

O IASB acaba de adotar mudanças na regra contábil para definição do valor justo que foram criticadas por alguns ministros de Finanças da UE, por aumentar o impacto da crise de crédito sobre os balanços dos bancos.

"Não podemos mudar (as regras contábeis) por uma parte do mundo... Não podemos permitir que a Europa sempre nos diga o que fazer. Isso é global. Nós somos o IASB, não o comitê de contabilidade europeu", disse a jornalistas.

Tweedie assinou nesta quinta-feira, em São Paulo, um memorando de entendimentos entre o IASB, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Na prática, isso coloca o Brasil no diálogo sobre elaboração e adoção de regras internacionais de contabilidade (IFRS, na sigla em inglês).

Para o chairman do IASB, o melhor meio de estabelecer o valor justo de instrumentos financeiros quando o banco não sabe qual será o fluxo de caixa é sua marcação a valor de mercado.

"O mercado é provavelmente o melhor lugar para determinar o valor presente dos instrumentos financeiros. É isso o que a nova regra diz. Alguns na Europa acreditam ser muito rígido. Mas nossas consultas pelo mundo mostram que é isso que as pessoas querem que façamos", disse.

A reforma na maneira de se contabilizar o valor justo está sendo feita em três etapas e o IASB está no meio das consultas para a segunda fase, que exigirá dos bancos que antecipem bastante as possíveis perdas com empréstimos.

Durante a crise global de crédito, "alguns bancos ignoraram algumas das evidências" de perdas, disse o chairman do IASB.

EXPECTATIVA COM EUA

Nos Estados Unidos, o IASB vem mantendo há anos conversas com o Financial Accounting Standards Board (Fasb), que define os padrões contábeis na maior economia do mundo, para tentar aproximar as regras norte-americanas das internacionais.

"No fim das contas, temos que falar pela comunidade internacional. Se nós não concordarmos com o Fasb, teremos que fazer o que pensamos ser o certo. Não podemos buscar a convergência das regras contábeis a qualquer custo", afirmou o chairman do IASB.

Ao mesmo tempo, ele disse esperar que a Securities and Exchange Commission (SEC), que regula o mercado de capitais dos EUA, divulgue nas próximas semanas um comunicado sobre qual será seu próximo movimento em relação ao IFRS. "Acredito que eles irão confirmar que irão tomar uma decisão no ano que vem."

"Temos todas as grandes economias adotando o IFRS, exceto os EUA... Eu acho que, se eles decidirem não usar o padrão, irão encontrar resistência no mundo. Eu não acho que os EUA vão querer ficar isolados", disse.

"Você entende a contabilidade chinesa? Você entende a contabilidade indiana? A resposta é não. Mas você irá entender quando esses países usarem o IFRS e você investirá (nas empresas desses países) quando souber onde estão as respostas... Se você não tiver segurança de todos os detalhes da contabilidade, você não investirá", completou.

(Edição de Daniela Machado)

21 janeiro 2010

Convergência

O texto abaixo foi publicado há alguns dias. Mas é importante por fazer um balanço geral do processo de convergência. E por ressaltar suas dificuldades. O trecho final do artigo foi contestado, numa correspondência ao Financial Times. (Infelizmente já não tenho mais o link. Mas foi publicado no Financial Times de 30/12/2009, Information Quality still takes priority, Letters to the Editor).

Europa e EUA disputam liderança de convergência contábil mundial

A convergência é o cálice sagrado dos contadores, mas com um prazo final de pouco mais de um ano restando para a criação de uma norma contábil global, única e de alta qualidade, a obtenção dessa meta está longe de estar garantida.

Em Pittsburgh em setembro de 2009, o G20 apelou para todos os organismos contábeis redobrarem os esforços para chegar a um conjunto de normas e uma convergência de sistemas até junho de 2011.

O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), o formulador de regras para a maioria das localidades fora dos Estados Unidos, era o órgão lógico para liderar o processo. Ele tem obtido êxito desde 2000, tornando os Padrões Internacionais de Demonstrações Financeiras (IFRS, na sigla em inglês) a escolha da maior parte do mundo.

À medida que se aproxima o prazo final de convergência, a jornada do Iasb se torna mais difícil. É como um viajante no deserto, que enxerga um oásis que pode se revelar uma miragem.

Os dois últimos anos foram adversos para os formuladores de normas, que foram golpeados de vários lados. A própria controvérsia pública em torno das regras de valor justo - marcação de ativos a preços de mercado - levou-os a serem responsabilizados em parte pela crise financeira.

Houve a adoção apressada, em outubro de 2008, de uma emenda ao IFRS, permitindo reclassificações de certos ativos, sem coordenação aparente com o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

Então, em julho de 2009, Iasb e Fasb deram pareceres distintos sobre o uso do valor justo na contabilização de instrumentos financeiros.

Em novembro, a Comissão Europeia desferiu outro golpe na convergência, ao se recusar a considerar a adoção, em 2009, das regras de IFRS relativas ao uso do valor justo.

Nos EUA, a Comissão de Valores Mobiliários e Bolsas (SEC, na sigla em inglês), continua se abstendo de tecer comentários sobre o marco da adoção do IFRS, que observadores atribuem à falta de coragem de adotar um padrão global único.

O Japão trouxe David Tweedie, presidente do conselho de administração do Iasb, que significou boas notícias quando sua Agência de Serviços Financeiros (FSA, na sigla em inglês) deu um passo rumo à convergência, ao permitir que empresas nacionais usassem o IFRS a partir de março do próximo ano.

Isso deixa os EUA na condição de única economia de grande porte que não está usando as normas de demonstração global de alguma forma

Mesmo assim, Atsushi Saito, presidente e executivo-chefe da Bolsa de Valores de Tóquio, disse que o processo continua frágil.

Saito afirmou que as companhias japonesas "não ficarão nem um pouco contentes" se o Iasb alterar os seus pareceres sobre contabilização de instrumentos financeiros para uma visão mais próxima dos EUA, que estão mais apegados a um regime de valor justo pleno. Observadores dizem que esta poderá ser a única forma de o Iasb obter o apoio do Fasb para um padrão internacional.

O maior perigo dessas idas e vindas não está no abandono da busca por uma norma única - o Iasb e o Fasb reafirmaram em novembro o seu compromisso com a convergência. O risco é que, qualquer que seja o padrão que despontar ao fim, ele seja tão diluído, a ponto de apelar para as muitas partes refratárias envolvidas, que se torne de pouca valia.

Contadores respondem que um único padrão contábil de alta qualidade que abarque o mundo todo é vital para o vigor dos mercados de capitais.

Esta é a pura verdade. No entanto, um levantamento conduzido nesse mês pelo CFA Institute, uma associação que reúne cem mil profissionais de investimento de todo o mundo, conferiu uma visão elucidativa a respeito desse argumento.

Quando foram questionados sobre qual deveria ser o objetivo da reforma contábil dos instrumentos financeiros, a clara maioria dos respondentes disse que antes de tudo eles querem que ela os ajude a tomar melhores decisões de investimento. Em segundo lugar, eles querem que a reforma reduza a complexidade da contabilidade. Terceiro, os formuladores de normas devem ter a convergência como meta, mas apenas como um meio para chegar às demais metas.

Portanto, a qualidade das normas contábeis ainda é muito mais valorizada que sua convergência.

Fonte: Valor Econômicao (de Financial Times, de Londres, Rachel Sanderson), via Agência de Notícias CFC via Análise de Balanços

23 dezembro 2009

Convergência não é tão importante

A convergência entre as normas internacionais e as normas dos EUA é menos importante do que estabelecer regras contábeis mais relevantes para as decisões de investimento, diz uma pesquisa com investidores.

Uma pesquisa realizada pelo CFA Institute, uma associação internacional com mais de 16 mil profissionais investimento, mostrou que três quartos dos entrevistados acreditam que a melhoria nos padrões são mais úteis para a tomada de decisões de investimento e é "pelo menos tão importante, se não for mais importante" do que a redução da complexidade ou a convergência.

Apesar de os entrevistados em geral apoiar a convergência, apenas 6 por cento dos pesquisados, incluindo analistas, gestores de carteira, analistas financeiros das empresas e contadores, consideram que a convergência entre o International Accounting Standards Board e seu rival dos EUA deva ser o objetivo primordial.

(...) Observadores dizem que a crise tem complicado a convergência do IASB e o Financial Accounting Standards Board. As organizações têm respostas diferentes para a questão do valor de ativos financeiros. O FASB tem favorecido o uso do justo valor, ou marcação de ativos a preços de mercado, enquanto o IASB defende valorização empréstimo como instrumentos de custo e tudo o mais valor justo.


Investors cool on audit convergence - Rachel Sanderson - 22/12/2009 - Financial Times

04 dezembro 2009

Impairment e balanço

Teste de Impairment Muda o Balanço das Empresas

Com o bom desempenho da economia brasileira durante a crise econômica mundial, os olhos dos investidores estrangeiros se voltaram para as empresas nacionais. Afinal, a turbulência econômica pouco afetou os negócios por aqui, o que garante bons resultados financeiros a quem decidir investir. Além disso, as recentes mudanças nas normas contábeis do país vão facilitar o acesso desses investidores aos números das organizações brasileiras. As alterações, definidas pela Lei 11.638, vão abranger, ao contrário do que muitos pensam, todas as empresas e não apenas aquelas consideradas de grande porte. Isso ocorre porque as mudanças foram ratificadas pelo Conselho Federal de Contabilidade, que é o órgão responsável pelas normas contábeis em vigor no país. As mudanças, portanto, valem para todas as empresas.

Entre todas as alterações introduzidas pelas normas contábeis internacionais, que começam a ser empregadas no Brasil, uma das principais é a contabilização dos ativos a valor justo, que é o valor pelo qual eles seriam negociados no mercado, diferentemente do registro pelo custo como ocorria antes. Nesse sentido, todos os ativos de uma empresa, sejam eles instrumentos financeiros, propriedades para investimento, ativos imobilizados ou até mesmo o ágio (pago no passado por expectativa de rentabilidade futura), deverão estar registrados ao valor justo de mercado.

Isso, sem dúvida, vai alterar os dados dos balanços das empresas, mas dará muito mais segurança aos investidores estrangeiros [1]. A falta deste instrumento pode render grandes equívocos. Um exemplo prático, e recente, foi a crise financeira originada pelo subprime (produto financeiro de alto risco relacionado à habitação, onde a garantia exigida é o próprio imóvel), onde os bancos (principalmente nos EUA) tiveram que reconhecer perdas bilionárias em seus balanços por causa da contabilização pelo valor justo. [2] Essa forma de contabilização fez com que perdas financeiras [3] significativas fossem verificadas nos balanços dessas empresas. Mas seria um retrocesso culpar o modelo. A causa dessas perdas foi a desvalorização do preço de mercado dos imóveis nos EUA e uma não realização do fluxo de caixa esperado dos papéis, que possuíam um alto risco e tiveram que ser remarcados a valor de mercado.

Outro fato que demonstra a aplicabilidade desse modelo de contabilização são as recentes baixas contábeis provindas de marcação a mercado dos ágios (goodwill) pagos por expectativas de rentabilidades futuras em empresas de todo o mundo. Certamente a euforia nas aquisições de empresas, em um cenário econômico passado mais otimista, levou as expectativas por lucros futuros serem ajustadas ao real e mais conservador cenário econômico atual.

Nesse sentido, a partir de agora as empresas no Brasil têm de elaborar um teste para comprovar se o valor de seus ativos imobilizados ou de um eventual ágio registrados em sua contabilidade está ajustado a valor justo. Esse teste (CPC 01), denominado teste de recuperabilidade dos ativos (ou impairment), deverá ser elaborado anualmente pelas empresas e objetiva demonstrar se a capacidade do ativo de gerar caixa no futuro ou se seu valor de venda a mercado é maior do que o valor registrado na contabilidade. Caso isso não seja feito, a empresa pode ter problema junto aos órgãos reguladores e fiscalizadores. [4]

Diante disso, é importante ressaltar que, com uma baixa contábil proveniente de uma marcação a mercado de um ágio, ou de um ativo imobilizado, há um impacto fiscal negativo para as empresas, seja por meio da diminuição do valor a ser amortizado fiscalmente do ágio (caso a empresa tenha aderido ao Regime Tributário Transitório - RTT, até o final de 2009) ou de uma diminuição do valor do ativo imobilizado a ser depreciado.

Entretanto, a aplicabilidade desse modelo de contabilização a valor justo dos ativos certamente trará maior transparência nos balanços das empresas [5], contribuindo para a melhoria das políticas contábeis, bem como a padronização internacional dos demonstrativos financeiros, o que aumentará o acesso a novas oportunidades e parceiros globais e reduzirá o custo de capital do negócio [6].

Fonte: FinancialWeb (via Contabilidade e Controladoria)

[1] Dado o grau de subjetividade do teste, esta afirmação é temerosa.
[2] Relação causa-efeito desastrosa. Afirma que a falta do teste pode ser perigosa, mas cita um país onde o teste faz parte das normas.
[3] Não está restrito as perdas "financeiras"
[4] Tenho dúvidas se os órgãos reguladores possuem capacidade de verificar a qualidade do teste. Eles não sabem nem observar o que ocorre com os laudos de avaliação no Brasil [irei comentar isto no futuro, em diversas postagens], imagine com o teste.
[5] Dado o grau de subjetividade, aos problemas de capacidade técnica de quem faz o teste e a qualidade dos auditores quanto ao processo de avaliação => não acredito
[6] É difícil comprovar que o teste irá afetar o custo de capital. É uma afirmação vazia.

30 setembro 2009

Soberania Contábil

Regulação: Regra do valor justo gera polêmica.
Seguradora francesa prega "soberania contábil"
Valor Econômico - 30/9/2009

Por Scheherazade Daneshkhu e Jennifer Hughes, Financial Times, de Paris e Londres
A Europa não deveria ter transferido o controle das normas contábeis para o International Accounting Standards Board (Iasb), com sede em Londres. A afirmação é do diretor-presidente da Axa, a maior companhia de seguros da França. O executivo Henri de Castries disse ontem que o Iasb "não presta contas a ninguém", afirmando que o estabelecimento de normas contábeis é "um instrumento de soberania política" e "importante demais para ser deixado a cargo de contadores".

Os comentários acontecem no momento em que o Iasb refaz as normas que tratam das demonstrações financeiras, na esteira da crise mundial.

Entre os pontos mais controvertidos está a atual exigência de muitos ativos serem marcados ao "valor justo", ou a preços de mercado. Com a queda dos mercados durante a crise, as regras forçaram os bancos a dar baixa de centenas de bilhões de dólares nos valores dos ativos, produzindo perdas e minando as proteções de capital.

A Axa, junto com bancos franceses como o BNP Paribas, há muito tempo vem criticando o valor justo. As companhias afirmam que as regras ignoram o fato de que os bancos com grandes operações de varejo e as seguradoras mantêm ativos para garantir compromissos de longo prazo, e que muitos ativos não são negociados com frequência, o que leva a grandes oscilações em seus preços.

Na semana passada, o presidente do conselho de administração do BNP Paribas, Michel Pébereau, disse ao "Financial Times": "Sou a favor do valor de mercado, mas restrito a áreas em que existam um mercado de verdade. É muito importante que a contabilidade reflita a realidade".

Os comentários de Castries também refletem a insatisfação entre alguns europeus com o foco internacional do Iasb, e não europeu.

Essa formuladora de normas ganhou proeminência quando a União Europeia impôs o uso dos padrões internacionais de demonstrações financeiras dentro de suas fronteiras, em 2005. Agora, seus padrões estão sendo usados, ou adotados, por mais de cem países, inclusive Índia, Japão, Coreia do Sul e Canadá.

O esforço para o desenvolvimento e o uso de um único conjunto global de normas contábeis recebeu neste fim de semana o apoio dos países do G20, que pediram ao Iasb e seu congênere americano que continuem trabalhando para a convergência de suas regras.

A Securities and Exchange Commission (SEC) dos Estados Unidos prometeu no começo do mês se esforçar em relação aos planos de como os Estados Unidos poderão mudar para as regras internacionais, embora esteja enfrentando uma certa oposição dos formuladores de políticas, que estão preocupados com a questão da soberania, levantada por Castries.

Christine Lagarde, a ministra das Finanças da França, escreveu no mês passado uma carta para Charlie McGreevy, comissário de Serviços Financeiros da União Europeia, dizendo que as regras precisam de "uma ação urgente" e pediu que a Comissão tome medidas para "garantir a salvaguarda" do interesse público europeu caso as mudanças de regras que estão sendo estudadas pelo Iasb não façam isso.

Castries disse que a prática de marcação a preços de mercado - recentemente defendida com veemência por Lloyd Blankfein, diretor-presidente do banco de investimentos Goldman Sachs - contribuiu para a volatilidade dos mercados financeiros mundiais.

"Esse sistema cai muito bem para os bancos de investimento e cria volatilidade. Quem se beneficia da volatilidade dos mercados? - os bancos de investimento", disse Henri de Castries. "Me recuso a usar o termo valor justo. As normas são descritas como valor imediato. Ninguém está a favor do valor injusto." (Tradução de Mario Zamarian)

10 setembro 2009

Novas normas do CPC

Contabilidade: Normas internacionais vão a audiência ainda neste mês
Sérgio Bueno de Porto Alegre- Valor Econômico - 10/9/2009

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) vai colocar em audiência pública ainda neste mês as seis normas que faltam para a adoção integral dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS, na sigla em inglês) no Brasil a partir do ano que vem. A informação é do diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Eliseu Martins, que fez ontem uma apresentação sobre as novas regras para empresários, contadores e auditores na Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul (Federasul).

As seis normas tratam das demonstrações consolidadas e separadas, dos investimentos em coligadas e joint-ventures, dos contratos de construção no setor imobiliário e da retirada do patrimônio pertencente à União dos balanços das concessionárias de serviços públicos. Outros quatro pronunciamentos, que se referem à marcação a mercado dos instrumentos financeiros, estão em audiência desde agosto até o dia 25 deste mês e a expectativa do diretor é que as primeiras sugestões das empresas e profissionais interessados cheguem a partir do dia 20.

Segundo Martins, as novas normas sobre instrumentos financeiros são um "refinamento" do pronunciamento a respeito do assunto que saiu no ano passado e não devem gerar grandes dúvidas. Uma exceção pode ficar por conta da determinação de que as provisões somente poderão ser feitas a partir de perdas efetivas e reconhecidas, ao contrário do critério atual que inclui o provisionamento de perdas estimadas. "Mas provavelmente os bancos não vão aplicar essa norma e o Iasb [grupo encarregado de elaborar os padrões internacionais de contabilidade] ainda pode mudar essa concepção até 2010", ressalvou.

Outro ponto que pode gerar dúvida determina que bancos e empresas que venderem instrumentos financeiros (recebíveis, por exemplo) sem repassar contratualmente para o comprador o risco pela realização dos ativos não poderão dar baixa dessas carteiras de seus balanços.

"Nesse caso a norma entende que a carteira é uma garantia por um empréstimo e o dinheiro recebido pela empresa é uma dívida", explicou Martins. Segundo ele, a nova regra está em linha com práticas semelhantes que começam a ser adotadas pelo Banco Central.

"O compromisso é que as normas saiam ainda em 2009 para vigorar em 2010", afirmou o diretor. De acordo com ele, a intenção é evitar problemas como os provocados em 2008, quando o primeiro bloco com 14 normas foi editado para vigorar a partir do mesmo ano por conta da lei 11.638, de 2007.

Outro pronunciamento, relativo à contabilização dos benefícios pagos a empregados e complementos de aposentadorias, já foi aprovado em audiência pública e deve ser publicado pela CVM nos próximos 15 dias, acrescentou.

Com as novas normas o Brasil será ainda "um dos primeiros países do mundo" a adotar uma única contabilidade para os balanços individuais e consolidados, disse Martins.

Segundo ele, isso foi possível porque a Receita Federal (que utiliza as demonstrações individuais para fiscalizar as empresas) aceitou que a adoção de normas contábeis para melhorar as informações a investidores, credores, sindicatos e fornecedores não irá provocar aumento ou redução da tributação.

28 agosto 2009

Basileia e Contabilidade

Comitê da Basileia vê necessidade de mudança contábil
Joseph Heaven, Bloomberg, de Zurique

Os padrões internacionais de contabilidade deveriam ser alterados para aperfeiçoar a forma de avaliação dos ativos quando os mercados sofrem de falta de liquidez ou com funcionamento inadequado, segundo o Comitê da Basileia de Supervisão Bancária.

O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês) deveria determinar os padrões para registrar o "valor justo" quando a avaliação não é clara, e os bancos, registrar previamente as perdas previstas ao longo da vida da carteira de empréstimos, segundo propôs o Comitê da Basileia, em comunicado divulgado ontem, quinta-feira, em seu site.

A polêmica em relação ao valor justo, ou marcação a mercado, aumentou sensivelmente depois da crise financeira, com forte pressão dos bancos pela flexibilização das normas.

Os lideres do G-20, que reúne os principais países industrializados e alguns emergentes, como Brasil e China, defenderam um endurecimento das regras de contabilização financeira em seu encontro em Londres, em abril. O Iasb é responsável por determinar as Normas Internacionais de Demonstrações Financeiras (IFRS, na sigla em inglês), usados em mais de 100 países, incluindo os 27 da União Europeia (UE).

"As novas regras contábeis precisam ser consistentes com as boas práticas de gestão de risco e aumento da transparência", afirmou Nout Wellink, presidente do Comitê da Basileia e do banco central holandês, no comunicado.

A fase de consultas do Iasb sobre os instrumentos de avaliação financeira acaba em 1º de setembro e a organização, com sede em Londres, poderia publicar um esboço da proposta em outubro.

Mark Byatt, porta-voz do Iasb em Londres, não quis fazer mais comentários.

As autoridades reguladoras da UE também preparam regras preliminares de adaptação ao sistema espanhol, que força os bancos a acumular capital nos bons momentos da economia para usá-lo nos maus, como parte de uma remodelação das regras de exigência de capital, idealizada para evitar outra crise financeira mundial.

A Comissão Europeia, em Bruxelas, pretende apresentar em outubro suas propostas sobre o sistema, chamado de provisionamento dinâmico, de acordo com comunicado divulgado em seu site em julho. O órgão informou que levará em conta os planos do Iasb.

Na quarta-feira, o Iasb anunciou que havia colocado em audiência pública uma proposta para reformar onze normas contábeis (IFRS) dentro de seu projeto anual de aprimoramento, segundo um comunicado do órgão em seu site. As propostas vão desde esclarecimentos sobre combinação de negócios (IFRS 3) a mudanças na linguagem para tornar mais claras as normas e remover inconsistências.

Valor Econômico - 28/8/2009

21 agosto 2009

Balanço da Eletrobrás

Atraso no balanço e perda bilionária pesam na ação da Eletrobrás
Por Graziella Valenti, Josette Goulart e Silvia Rosa, de São Paulo
Valor Econômico - 20/8/2009

O balanço do segundo trimestre da Eletrobrás, divulgado ontem, trouxe dúvidas extras à tradicional complexidade associada aos resultados da estatal.

Uma redução do "ativo regulatório" maior do que a esperada pelo mercado, que resultou num efeito negativo de R$ 1 bilhão, teve como resultado prático uma queda de 3,3% nas ações ordinárias da companhia num dia em que o Índice Bovespa subiu 0,7%.

O ajuste, lançado na receita da companhia, pesou na última linha do balanço da estatal, que teve prejuízo de R$ R$ 2,1 bilhões, ante lucro de R$ 142,8 milhões em igual intervalo de 2008.

As ações já tinham caído no fim da semana passada, com o atraso na divulgação do balanço [1]. O prazo legal para entrega dos números era dia 15.

De acordo com Astrogildo Quental, diretor financeiro e de relações com investidores da estatal, o motivo da demora foram questionamentos do auditor independente, a PricewaterhouseCoopers (PwC), sobre uma disputa antiga entre a construtora Mendes Júnior e a Chesf, sua controlada.

"Eles [PwC] pediram uns dias a mais." A partir deste ano, todas as companhias controladas são auditadas pela mesma firma.

Mas o que deixou os analistas perplexos foi uma questão matemática. A companhia afirmou no balanço que o impacto negativo do ativo regulatório acumulado no semestre foi de R$ 2,4 bilhões. Porém, a soma dos montantes divulgados no primeiro e no segundo trimestre dá R$ 1,95 bilhão, deixando os analistas em busca dos quase R$ 500 milhões de diferença. A explicação não está claramente detalhada no comunicado sobre as demonstrações financeiras. [2]

A justificativa da perda também não é das mais fáceis, nem para os especialistas. De forma simplificada, trata-se da marcação a valor de mercado do crédito que a Eletrobrás possui pelo financiamento de Itaipu. Parte desse crédito, que é em dólar, é corrigido pela inflação americana. Como os indicadores para isso foram negativos nos últimos meses, por conta da recessão naquele país, o valor da correção desse crédito caiu.

Itaipu tem uma dívida de US$ 18 bilhões com o governo federal e com a Eletrobrás, que financiaram a construção da usina. Desse total, US$ 6 bilhões são compromissos da usina binacional com a estatal brasileira. Essa dívida era, até o fim de 2007, corrigida por juros da ordem de 7% ao ano mais os índices de inflação americana. Desde o ano passado, porém, foram retirados da correção da dívida de Itaipu os índices inflacionários dos Estados Unidos. Mas, para isso não afetar a Eletrobrás, esse crédito foi transformado numa conta chamada ativo regulatório, que vai direto para a tarifa de repasse da energia de Itaipu, separada da dívida.

Quando foi feita essa segregação, no fim de 2007, o valor do ativo regulatório era da ordem de R$ 4 bilhões. No fechamento de junho, esse total havia sido reduzido para R$ 2,7 bilhões, fruto da variação dos índices americanos.

Contudo, esse crédito será pago num prazo de 14 anos, até 2023. Portanto, trata-se do valor presente da expectativa desse ganho ao longo do tempo. Até sua efetiva concretização, tal impacto poderá não existir ou ser até mesmo positiva. "Num intervalo tão grande, inflação é sempre positiva. Não há recessão que dure tanto", ressaltou Quental, diretor financeiro e de relações com investidores da estatal.

Além do efeito sobre a correção pelos indicadores americanos, como o crédito é em dólar, o valor em reais também sofreu com a valorização da moeda nacional. No total, a empresa tem recebíveis de US$ 7 bilhões, e o efeito negativo da queda do dólar foi de R$ 2,9 bilhões no balanço trimestral.

Quanto à diferença do ativo regulatório entre o acumulado no semestre e a soma dos valores divulgados para o primeiro e segundo trimestres, a explicação é que o conceito inclui a recomposição da tarifa emergencial, herança ainda da época do apagão e isso não foi detalhado no texto.

Mas não foi só a comunicação que trouxe insatisfação no balanço do segundo trimestre. Além da variação cambial, a queda na demanda por energia, em função do desaquecimento da economia doméstica, também afetou o resultado das empresas controladas. "A geração de caixa também foi muito fraca, em função da queda do consumo de energia, principalmente no setor industrial", afirmou Rosângela Ribeiro, analista da SLW Corretora.

O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (lajida) somou R$ 1,1 bilhão de abril a junho, 13,8% menor do que de igual intervalo do ano passado. "O resultado geral foi muito fraco, com custos superiores ao esperado e a linha de resultado final prejudicada pelo câmbio", escreveu Renato Pinto, analista da Fator Corretora.

Apesar do desaquecimento dos números trimestrais, a Eletrobrás encerrou junho com uma posição de caixa de R$ 12 bilhões, ante R$ 8,7 bilhões um ano antes. Para Pinto, da Fator, esse montante dá mostras de que ela teria condições de pagar os bilionários dividendos em atraso. Contudo, o tem não anima os analistas. "A questão fica cada vez mais distante de uma conclusão em 2009, o que poderá agravar ainda mais a performance das ações", destaca Rafael Quintanilha, da Brascan Corretora.

O balanço trouxe ainda uma ressalva do auditor quanto aos créditos tributários de R$ 1,3 bilhão que a estatal tem, por conta da compra de energia aquisição por suas empresas controladas do segmento de distribuição situadas na região Norte. A auditoria destaca que a companhia não apresentou estudo sobre as condições e o tempo de realização desses créditos, o que, na prática, dificultou a averiguação da necessidade de ajuste sobre esse montante.

A ausência do estudo deve-se à expectativa de que o tema seja tratado na Medida Provisória 466, que irá alterar a conta de consumo de combustíveis. A expectativa de Quental é que fique mais claro para as companhias a validade, no tempo, de tais créditos, garantindo sua utilização.


[1] Desconfiado, o mercado puniu antecipadamente a empresa. Onde há fumaça, há fogo.
[2] Esta imprecisão e a complexidade da empresa gera mais desconfiança.

11 agosto 2009

Entrevista com Amaro Gomes

Do Banco Central para o fogo cruzado
Nelson Niero, de São Paulo - Valor Econômico - 11/8/2009

Amaro Gomes provavelmente não pensou que a marcação a valor de mercado fosse ocupar tanto seu tempo. Há cerca de dez anos, então chefe adjunto do departamento de normas do sistema financeiro do Banco Central, ele trabalhou na adaptação das regras internacionais para os bancos brasileiros. Em abril, Gomes tornou-se membro do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb) no momento em que o "valor justo" está sob fogo cerrado. A seguir, trechos da entrevista, por e-mail:

Valor: Quais são os desafios para o Iasb e para as normas internacionais de contabilidade ?

Amaro Gomes: O programa de trabalho do Iasb neste ano está focado nas questões associadas a crise financeira global, mas muito tem sido desenvolvido com o objetivo de reduzir assimetrias entre os pronunciamentos do Iasb e as práticas adotadas por diferentes reguladores, principalmente nos EUA, tendo em vista o memorando acordado com o Fasb [órgão responsável pelas normas contábeis nos EUA]. Temos trabalhado para apresentar respostas a questões como a aplicação do valor justo em mercados ilíquidos, itens fora do balanço e divulgação relacionada aos principais riscos. Em relação ao valor justo, em maio foi publicada uma minuta de pronunciamento, cujos comentários podem ser encaminhados até 28 de setembro. Em julho, publicamos uma minuta que trata da classificação e mensuração dos instrumentos financeiros, com comentários até 14 de setembro. Quanto aos itens fora de balanço foram publicadas propostas sobre consolidação e baixa de ativos.

Valor: Quais as consequências dessa revisão recente do pronunciamento sobre derivativos financeiros (IAS 39), principalmente com relação aos balanços de bancos?

Gomes: O principal objetivo é aprimorar a capacidade dos usuários das demonstrações financeiras para avaliar fluxos de caixa futuros associados a tais instrumentos, inclusive esclarecendo que os instrumentos que tenham caracteristicas de empréstimos e sejam administrados com base na remuneração contratada (usualmente referenciada como a curva do papel) podem ser mensurados pelo custo de amortização. As próximas fases do projeto de instrumentos financeiros envolvem a edição de propostas para imparidade e contabilidade de hedge, previstas para outubro e dezembro, respectivamente.

Valor: O que representa a sua nomeação para o Iasb?

Gomes: A nomeação é um reconhecimento ao status do Brasil no ambiente internacional. A convergência para as normas internacionais de contabilidade é essencial para viabilizar o fluxo de recursos para investimentos de longo prazo, na medida em que possibilita análise comparativa e ágil com outras alternativas disponíveis no mercado internacional. Portanto, ter um brasileiro no [Iasb] é o reconhecimento de que podemos contribuir para o aprimoramento dessas normas, oferecendo a perspectiva de um país definitivamente inserido na economia global. Tais aspectos nortearam minha decisão de aceitar o desafio, procurando enriquecer as discussões com a experiência acumulada de auditor independente e de regulador, que exerci nos últimos 17 anos no BC, interagindo com outros reguladores e supervisores, principalmente de instituições financeiras, como o Comitê de Basileia.

Defesa do Valor Justo

A seguir, um texto que defende claramente a adoção do valor justo na contabilidade:

Mais valor justo para os balanços
Por Graziella Valenti, de São Paulo - Valor Econômico - 11/8/2009

A discussão sobre o valor justo não terminou. Está muito enganado quem pensa que o acalorado debate se encerrou quando o Grupo de Assessoramento para a Crise Financeira, um colegiado formado por influentes formuladores de políticas econômicas, referendou o conceito como o melhor para as práticas contábeis. Na verdade, a discussão só tende a aumentar.

O grupo de inteligência que avaliou a contabilidade à luz da crise recomendou aos reguladores da contabilidade a ampliação do uso do valor justo para a contabilização de ativos, como por exemplo créditos, já que se trata de prática comum para registro dos passivos.

"Sustentamos que é de longe a melhor métrica e que deveria ser aplicada não só no passivo, mas no ativo também", disse Nelson Carvalho, diretor de pesquisas da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras) e que participou do seleto grupo que avaliou a crise para Iasb e Fasb, os emissores das normas contábeis dos padrões internacional (IFRS) e americano, respectivamente - que estão em processo de convergência.

A recomendação faz parte de um dos quatro itens da conclusão do estudo sobre a crise entregue aos reguladores da contabilidade no fim de julho. Iasb e Fasb terão até 10 de dezembro para mostrar que entenderam a mensagem.

Nessa data, os 18 membros e oito expectadores do Grupo de Assessoramento para a Crise Financeira (FCAG, na sigla em inglês) se reunirão pela última vez para avaliar o andamento das sugestões e emitir um último relatório.

"A principal conclusão desse trabalho foi o reconhecimento de que há espaço para melhorias, mas que isso deve ser feito com independência", enfatizou Carvalho. As definições do grupo trataram sobre a eficácia dos relatórios financeiros, suas limitações, o processo de convergência para um único padrão de contabilidade e a importância da independência dos órgãos reguladores.

Carvalho contou ainda que ao tratar da eficácia dos relatórios financeiros, também se recomendou ao Iasb e ao Fasb que determinem a utilização de um terceiro avaliador independente para calcular o valor justo para instrumentos financeiros sem liquidez.

Quando se tratar de título com mercado ativo, o valor justo nada mais é do que a marcação a mercado. Mas quando não há liquidez para os papéis, deve-se aplicar um método matemático amplamente conhecido, mas não pré-definido. Daí a importância de um terceiro, para dar independência e credibilidade ao processo.

Faz parte do mesmo item a recomendação para que se simplifiquem as regras sobre instrumentos financeiros, o IAS 39. Esse trabalho, contudo, já está em andamento e será realizado em três etapas. A primeira já foi concluída. A obrigatoriedade de aplicação dos novos conceitos, contudo, é para 2012.

O FCAG foi formado depois que, na procura pelos responsáveis pela crise internacional, surgiram vozes afirmando que a culpa era da contabilidade - mais especificamente, do valor justo. Isso porque ele acentuaria as perdas das instituições financeiras num momento delicado. Foi a partir desse momento que em toda palestra sobre contabilidade a expressão "não culpem o mensageiro" tornou-se recorrente.

O estudo encaminhando ao Iasb e ao Fasb também é um alerta aos investidores e todo o público que utiliza as demonstrações financeiras para tomada de decisões. "Eles devem entender que precisam fazer seu próprio julgamento", destacou o professor da Fipecafi.

Na opinião de Carvalho, nesta crise "em algum momento, em uma extensão não trivial todos falharam" em suas funções. A análise do especialista compreende desde os gestores dos negócios, os avaliadores de risco - de crédito e de ações, os conselhos de administração, as agências reguladoras governamentais, as auditorias e os comitês.

10 agosto 2009

Reguladores e Banqueiros

Contabilidade: Reguladores agora querem enfrentar os banqueiros
Jonathan Weil, Bloomberg

Os figurões da contabilidade nos Estados Unidos estão mostrando que possuem espírito de luta, afinal de contas. Chame-os de loucos, ou talvez apenas corajosos. O Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb) está se preparando para mais uma briga com o setor bancário envolvendo a contabilidade da marcação a valores de mercado. E, desta vez, é o Fasb que está em vantagem.

Foi muito recentemente, em abril, que o Fasb cedeu às pressões do Congresso americano, aprovando mudanças emergenciais nas regras para que os bancos e companhias de seguros pudessem manter as perdas de longo prazo com títulos de dívida podres fora de suas demonstrações de resultados.

Agora o Fasb diz que poderá ampliar o uso dos valores justos de mercado nas demonstrações financeiras das empresas de capital aberto de uma maneira como nunca fez antes. Até mesmo os empréstimos terão de ser lançados no balanço a valores justos, sob uma decisão preliminar tomada em 15 de julho. O conselho poderá decidir sobre a publicação de uma proposta formal sobre o assunto neste mês.

"Eles sabem que pisaram na bola e agiram para corrigir isso", diz Adam Hurwich, sócio da Jupiter Advisors, uma administradora de investimentos de Nova York, e membro do Comitê de Consultoria Técnica a Investidores do Fasb. "Quando maior a resistência que houver, mais credibilidade será estabelecida."

O alcance da iniciativa do Fasb, que passou quase despercebida pela imprensa, é enorme. Sob o plano do conselho, todos os ativos financeiros teriam de ser registrados a valores justos no balanço a cada trimestre.

Isso significaria um fim nas classificações de ativos como os de mantidos para investimento, os mantidos até vencimento e os mantidos para venda, juntamente com seus tratamentos diferentes no balanço.

A maior parte dos empréstimos, por exemplo, provavelmente seria apresentada no balanço a preço de custo, com um item abaixo mostrando a mudança acumulada no valor justo, seguido abaixo de um item com um número de valor justo líquido. Para os bancos, as mudanças nas regras poderão significar um reconhecimento mais rápido das perdas com empréstimos, resultando em lucros e valores marcados menores.

O Fasb disse que os instrumentos financeiros do lado do passivo do balanço também teriam que ser registrados a valores de mercado, embora possa haver exceções para o endividamento próprio de uma companhia ou os depósitos dos clientes de um banco.

A postura do Fasb é mais dura com os bancos do que o caminho tomado pelo Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), com sede em Londres, que no mês passado divulgou uma proposta que permitiria às empresas continuar carregando muitos ativos financeiros aos custos históricos, incluindo empréstimos e títulos de dívida. Os dois conselhos reuniram-se no dia 24 de julho em Londres para discutir seus planos contrastantes.

Os balanços patrimoniais poderiam ser simplificados, mas as demonstrações de resultados adquiririam novas complexidades. Estas incluiriam mudanças nos valores de todas as ações do capital e quase todos os derivativos. Os pagamentos de juros, dividendos e perdas de crédito também ocorreriam em valores líquidos, assim os lucros e perdas realizados. O mesmo aconteceria com as flutuações em todos os instrumentos de dívida com derivativos embutidos em suas estruturas.

Outros itens, incluindo as flutuações a valores justos de certos empréstimos e títulos de dívida, seriam encaminhados para uma seção chamada lucro amplo ("comprehensive income"), que apareceria pela primeira vez antes da demonstração de resultados, abaixo do lucro líquido. O lucro amplo aparece hoje no balanço patrimonial das companhias.

Outra peculiaridade é que o Fasb não pretende exigir os números por ação no lucro amplo. Somente o lucro líquido vai aparecer em uma base por ação. Minha aposta é que os analistas de Wall Street terão uma propensão menor a publicar estimativas de lucros trimestrais usando o lucro amplo.

Pense agora como a saga do CIT Group poderia ter se desenrolado se os empréstimos já estivessem sendo marcados a valores de mercado. O banco comercial, que está lutando para evitar a falência, disse em uma nota explicativa de seu último balanço anual que seus empréstimos até 31 de dezembro eram US$ 8,3 bilhões menores que o mostrado no balanço. A diferença era maior que o patrimônio líquido divulgado pelo CIT.

Isso mostra que a instituição provavelmente estava insolvente meses antes disso, só que seu valor contábil não mostrava isso.

A discussão sobre a contabilidade da marcação por valores de mercado é antiga. Muitos bancos e seguradoras afirmam que as estimativas feitas pela chamada marcação a mercado, ou pelo "valor justo" nem sempre são confiáveis e criam uma instabilidade enganosa em seus números.

Os investidores que preferem os valores justos para os instrumentos financeiros afirmam que esses são mais úteis, especialmente no que diz respeito a sinais de alerta de problemas nos negócios de uma companhia.

"O que está sendo travada é uma guerra religiosa", disse o membro do Fasb Marc Siegel na reunião do mês passado. "E está muito claro para mim que nenhum dos lados vai ceder."

Portanto, o Fasb criou uma maneira de permitir aos leitores dos balanços das empresas, com que eles vejam valores alternativos para os empréstimos e vários outros instrumentos financeiros - a preços de custo ou a valores justos - sem ter de buscar isso nas notas explicativas. Na reunião do mês passado, o membro do Fasb Tom Linsmeier chamou isso de "uma abordagem muito útil que resolve as preocupações de ambos os elementos".

É claro que isso não vai satisfazer o lobby bancário, que não quer nenhuma expansão significativa da contabilidade do valor justo. "Acho que a melhor coisa que posso dizer é que é difícil encontrar vantagens nisso", me disse Donna Fisher, diretora de tributação e contabilidade da American Bankers Association.

Se os banqueiros não gostaram, deve ser um bom sinal de que o Fasb agora está fazendo a coisa certa. (Jonathan Weil é colunista da Bloomberg. As opiniões expressas por ele não são necessariamente as da Bloomberg.)

Blogueiro

O blogueiro contador na batalha pelo "valor justo"
Por Nelson Niero, de São Paulo

Jeremy Newman, chefe global da rede de auditoria e consultoria BDO International, pode ser considerado um blogueiro de longa data, comparado aos seus colegas do mundo executivo. Em setembro de 2006, na sua primeira postagem, ainda como presidente da BDO Stoy Hayward, a firma britânica da rede, Newman confessou estar assustado com a tarefa de manter esse diário online. Mas seguiu adiante, apresentando aos seus comentários sobre o assunto que mobilizava a quinta maior firma mundial de contabilidade: a competição com PwC, Deloitte, Ernst & Young e KPMG, as quatros firmas que dominam com grande vantagem o mercado.

Três anos depois, Newman já é um blogueiro inveterado, mas as incômodas "Big Four", como são conhecidas no setor, perderam força, pelo menos na lista de assuntos do blog. O caso é que a crise financeira tratou de colocar outros temas em pauta e, entre eles, a marcação dos ativos ao valor de mercado é sem dúvida a grande coqueluche do momento entre os profissionais de contabilidade. No blog novo que estreou depois de assumir a chefia da BDO International, "CEO Insights", Newman tornou-se uma defensor obstinado da marcação ao valor de mercado, ou "valor justo". No ranking de assuntos, "Mark to Market" bate longe os outros temas - e atrai muita polêmica e muitos críticos.

Para seus defensores - entre eles os mentores da normas internacionais de contabilidade (IFRS), em processo de adoção no Brasil -, o valor justo dá muito mais transparência aos números que são apresentados aos investidores pelas companhias. Alguns políticos e muitos banqueiros americanos não concordam e, no auge da crise, conseguiram que as regras fossem flexibilizadas.

Em entrevista por telefone, a reportagem do Valor usou um dos comentários de um leitor particularmente enraivecido do blog para começar a conversa com Newman: "Se a marcação a mercado é tão sensacional, como conseguimos sobreviver sem ela entre 1938 e 2008?"

O chefe da BDO dá gargalhadas, mas sabe que sua cruzada é séria e enfrenta muitos oponentes de peso. A razão, replica ele, para defender um sistema que segundo seus críticos torna os balanços instáveis, é que os mercados financeiros ficaram muito mais sofisticados e complexos nos últimos anos, um ambiente pouco amigável onde termos exóticos como "securtização" e "colaterização" pipocam sem nenhuma cerimônia. "De uma hora para outra, tornou-se difícil usar os modelos tradicionais para avaliar instrumentos financeiros."

"A marcação pelo valor de mercado não é perfeita. Se fosse, não haveria tanta polêmica. Mas é a melhor opção, porque é a mais transparente e mais consistente", afirma. "Os modelos que estávamos usando para avaliar os instrumentos financeiros são os mesmos que bancos usavam para fazer empréstimos e, se os modelos fossem tão bons, não haveria os prejuízos enormes que vimos." E, lembra ele, foram perdas reais, não perdas contábeis. "Dinheiro de verdade foi perdido e não será pago", afirma. "Mudar as regras da contabilidade não vai criar dinheiro."

A pressão política preocupa Newman, já que a interferência estaria prejudicando a contabilidade. Seria razoável pensar, afirma, que a crise do "subprime" impulsionasse a harmonização das regras contábeis - especialmente entre as americanas e o IFRS -, porque uma língua única tornaria mais fácil o entendimento do que está acontecendo. Mas a ironia é que a turbulência causou muito mais divergência do que convergência.

"As normas internacionais correm risco", alerta. A mensagem para o mundo, que assiste ao tiroteio entre europeus e americanos, não é das melhores. "O Brasil está no G20 e tem mais influência, mas ainda assim eu aposto que vocês também se sentem excluídos dessa discussão, que, no final, vai ter consequências para todos os países". Por isso, afirma, os governos têm que sair da toca e sustentar o compromisso fechado no último encontro dos países G20 em apoio às normas internacionais de contabilidade. "Não vi ninguém fazer isso ainda."

O momento não é bom para a contabilidade e nem para os negócios. Com firmas em mais de 100 países, a BDO, como seus concorrentes, está em busca de crescimento fora das economias "maduras" do hemisfério Norte. Não é novidade que o Brasil e seus colegas que ficaram conhecidos pela sigla Bric - Rússia, Índia e China -são o alvo.

"O Brasil parece mais estável que as economias vizinhas", diz Newman, que esteve no Peru há alguns meses, mas ainda não veio ao país onde tem sociedade com a Trevisan.

"Os países [do Bric] são muito diferentes entre si e as estratégias para cada um têm que levar isso em conta", lembra. "Apesar da China apresentar oportunidades enormes de crescimento, o Brasil tem um nível de sofisticação muito maior", afirma.

Em termos práticos, no entanto, a maior parte do dinheiro vai para onde estão as "oportunidades enormes". Nos seus dez meses como chefe global, Newman já foi seis vezes à China, o que não deixa margens de dúvida sobre quem está no topo da lista. Perguntado se essa preferência pelos chinesas não poderia enciumar seus sócios do Brasil, Newman usa a fleuma inglesa para afirmar que a BDO Trevisan é perfeitamente capaz de tocar o negócio sem sua interferência.

06 agosto 2009

Fasb e Política

As mudanças contábeis realizadas pelo Iasb e Fasb no início do ano permitiu que os bancos melhorassem substancialmente seu resultado. Segundo um texto do Washington Post (Bank Balances Shift With Rule Changes; After One Tweak Improved the Books, Another Could Erase Gains and More, Binyamin Appelbau, Washington Post Staff Writer,5 de agosto de 2009, A09. O texto pode ser encontrado aqui) um estudo mostrou que 45 instituições financeiras apresentaram um lucro maior em razão da mudança. Em valores isto significa 3 bilhões de dólares e, em alguns casos, a mudança implica em alteração de prejuízo para lucro.

Mas isto pode mudar. Segundo o texto, o Fasb, chamado de organização sem fins lucrativos obscura (the obscure nonprofit) está pensando em novas regras que pode implicar em baixas contábeis.

Segundo o texto:

A proposta (...) exigiria que os bancos comunicassem o valor de todos os créditos e outros ativos com base nos preços que os compradores estão dispostos a pagar. Esse processo é chamado de marcação a mercado, e o resultado é chamado de valor justo. Atualmente, os bancos não são obrigados a comunicar o valor justo da maioria dos empréstimos. Podem relatar no lugar um valor baseado no preço de compra original.

Alguns investidores e especialistas em contabilidade pensam que a mudança tornaria mais difícil para os bancos para ocultar problemas de investidores.


Obviamente que esta mudança não será feita sem conflito. Alguns grupos de interesse já avisaram que irão pressionar o congresso para impedir as mudanças. E isto tende a colocar em questão o futuro do próprio Fasb, comenta o texto.

17 julho 2009

Guerra Religiosa na Contabilidade

Nos últimos dois anos a contabilidade envolveu-se em uma guerra religiosa. De um lado estão aqueles que querem empréstimos, títulos e outros ativos financeiros sejam apresentados a preços de mercado. De outro lado estão os gerentes, apoiado por muitos políticos e reguladores, que prefeririam que os ativos sejam escriturados pelo custo amortizado e apenas baixar quando as perdas são prováveis.


Divine intervention - Accounting rules for financial firms are a mess. New proposals go some way to cleaning them up - The Economist - 16/7/2009

As duas possibilidades possuem problemas. A marcação a mercado tem sido acusada de obrigar a baixas exageradas que levou a uma situação de insolvência as instituições financeiras. O segundo lado é acusado de usar a regra antes da crise, mas não na crise.

Para complicar as normas permitem que diferentes empresas possam ter ativos idênticos por preços diferentes. E reconhecer a perda de forma diferente.

Para a The Economist,

O resultado ainda é uma bobagem, mas um tipo superior de lorota. Com alguns ajustes, deve entregar o que ambos os lados querem: contabilidade que não agrava o ciclo econômico, mas que ainda permite aos investidores usar ativos a "preços de mercado".


Para resolver a perda de autonomia que os reguladores tiveram recentemente, o texto recomenda a continuidade do processo de fusão das normas internacionais, restaurando a confiança, impedindo que normas nacionais se sobreponham e reduzindo o lobby nacional. Encerra o texto com,

Investors need not trust in God, but they must be able to trust accounts.

09 julho 2009

FASB e a pressão política

Segundo noticiado no blog Accounting Principles (FASB Succumbed to Political Pressure: High Powered Investment Committee) um painel consultivo de investidores, o Investors Technical Advisory Committee (ITAC), acusou o FASB de perder sua independência ao não resistir a pressão política para mudar as regras contábeis. O grupo de investidores disse que o FASB deveria ter lutado contra o tratamento especial aos bancos e a mudança na norma de marcação a mercado.

20 junho 2009

Lobby na Contabilidade

Em Politics and Accounting (8/6/2009) é relatado a pressão das instituições financeiras e bancárias nos EUA para mudança das regras contábeis de marcação a mercado, que levou a baixas contábeis de 175 bilhões de dólares em 2008.

A regra determina que os títulos dos bancos devem ser avaliados pelo valor de mercado. Através de diversas doações, o lobby dos bancos consegui que o Fasb mudasse as regras contábeis.

O jornal Wall Street mostrou uma reportagem em 3 de junho informando que o gasto total foi de 27,6 milhões de dólares no primeiro trimestre de 2009. O valor é reduzido – corresponde a um bom investimento – pois, segundo um analista citado pelo jornal, as mudanças proprocionaram um aumento de 7% em média nos lucros.

18 junho 2009

Efeito das normas

Mudança contábil reduz lucros
Valor Econômico - 18/6/2009

O início da adoção da nova contabilidade brasileira, nos balanços anuais de 2008, trouxe impactos significativos, além de muito trabalho. Estudo da consultoria e auditoria Ernst & Young mostra que os lucros tiveram redução de 20% em relação ao que seriam se apurados pelas normas antigas.

O levantamento contemplou 40 companhias abertas, eleitas entre as 100 de maior valor de mercado na Bovespa. Foram consideradas na amostra as empresas que não são instituições financeiras ou seguradoras e que tenham apresentado conciliação detalhada para lucro e patrimônio no balanço anual do ano passado, comparando as regras novas e as antigas. A pesquisa englobou companhias representantes de dez diferentes setores da economia.

De acordo com o estudo, o lucro líquido somado dessas companhias foi de R$ 67 bilhões em 2008. Esse valor foi reduzido em R$ 16,5 bilhões pelas 17 novas regras contábeis emitidas do ano passado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em conjunto com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Pelas normas antigas, portanto, o lucro dessas companhias seria de R$ 83,5 bilhões.

As novas normas fazem parte do processo de convergência da contabilidade nacional ao padrão internacional, conhecido pela sigla IFRS. A Brasil foi colocado oficialmente na rota de harmonização das normas contábeis pela Lei 11.638.

"Esses ajustes são necessários para que as empresas passem a trabalhar com um padrão claro, transparente e mais acessível aos investidores, inclusive os estrangeiros", afirmou Reginaldo Alexandre, presidente da unidade paulista da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.

Na avaliação dele, analistas e investidores estão conscientes de que a redução dos lucros, neste caso, foi contábil e reconhecem os benefícios das novas regras.

Paul Sutcliffe, sócio da Ernst & Young, explica que o efeito da adoção inicial da nova contabilidade no Brasil foi diferente da média geral verificada na Europa. Lá, a aplicação do IFRS produziu, em geral, aumento nos resultados das companhias.

Mas as diferenças se devem, basicamente, às peculiaridades do processo brasileiro, que vem ocorrendo de forma gradual. O objetivo é que as companhias brasileiras estejam plenamente adaptadas ao padrão internacional em 2010.

Com isso, o balanço de 2008 sentiu o impacto de algumas normas, em gerais, redutoras de lucros, mas não o benefício de outras, que podem elevar os ganhos

O momento econômico global do ano de estreia também explica parte do resultado. Sutcliffe contou que o levantamento aponta que duas regras específicas foram as principais responsáveis pela redução dos lucros: a que trata dos efeitos das mudanças nas taxas de câmbio e conversão de demonstrações contáveis e a que diz respeito à perda de valor de ativos.

O ano de 2008 registrou forte variação cambial, com alta do dólar próxima de 32%. As companhias que possuem ativos no exterior costumavam, pelas normas antigas, ser beneficiadas pela valorização desses bens por conta da moeda. Com as regras novas, porém, tal ganho deixou de transitar pelo resultado e passou a ser lançado diretamente no balanço patrimonial, sem afetar o lucro.

Segundo o estudo, somente essa regra, conhecida pela sigla CPC 02, diminuiu o lucro em R$ 8 bilhões, ou em 9,6% sobre o total dos resultados. Das empresas pesquisas, 15 reconheceram um ajuste.

A outra norma relevante cuja estreia gerou estragos nos balanços foi a que trata do valor recuperável de ativos, ou "impairment", como os técnicos gostam de chamá-la - CPC 01. Essa norma determina que ativos que tenham sofrido deterioração de valor devam ter o registro no balanço atualizado para baixo, por meio de uma "baixa contábil". Isso deve ser feito sempre que a companhia perceber que um bem não produzirá a riqueza compatível nem pelo uso nem pela venda.

Foi o segundo item de maior impacto na adoção das normas, produzindo uma diminuição nos lucros de R$ 5,7 bilhões ou 6,8% do total - embora tenha ocorrido em apenas sete das empresas avaliadas. Na opinião de Sutcliffe, o fato dessa norma ter estreado em meio a uma crise sem precedentes contribuiu para o resultado.

A Vale e a Cesp fizeram reduções de R$ 2,4 bilhões e R$ 2,3 bilhões no valor da Inco e da usina Porto Primavera, respectivamente.

Por fim, também a marcação a mercado de instrumentos financeiros das companhias trouxe impactos à última linha do balanço das empresas, especialmente num momento de crise como o fechamento do ano passado. O ajuste a essa regra representou 2,5% sobre o valor dos lucros do ano passado.

Apesar de o ano de 2008 já ter sofrido impactos significativos nos resultados, 2009 e 2010 ainda terão ajustes relevantes.

O sócio da Ernst & Young lembrou que a adoção de uma regra que contribuiu positivamente na Europa começará no Brasil só neste ano. Trata-se da norma que retira do balanço a amortização de ágio proveniente de movimentos de aquisição de companhias. Esse item é importante redutor do lucro, embora sem efeito caixa. O processo de convergência eliminará esse abatimento dos balanços.

Para os resultados do ano seguinte - 2010, portanto - outra regra nova relevante é a da depreciação dos ativos. A norma determinará que o lançamento das despesas pelo uso de máquinas e equipamentos reflita a vida útil dos bens. Para Sutcliffe, é possível que haja um alongamento desses prazos e, com isso, redução das despesas e efeito positivo sobre o lucro.

Pelas regras vigentes, ainda prevalece nos balanços a adoção de taxas de depreciação sugeridas pela Receita Federal, que, de forma geral, tornam a contabilização dos desgaste dos bens mais rápida.

Os resultados do levantamento da Ernst & Young serão apresentados hoje em um ciclo de palestras da Apimec, em São Paulo, a respeito do processo de convergência contábil. Serão cinco manhãs entre hoje e o dia 2 de julho. Cada manhã será dedicada a um setor específico da economia.