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08 outubro 2016

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O contador de Trump e o conhecimento do fisco

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Fato da Semana: Estrutura Conceitual


Fato: Estrutura conceitual do Setor Público

Data: 4 de outubro de 2016

Descrição do Fato - Foi publicado no Diário Oficial nesta data a estrutura conceitual do setor público, aprovada pelo Conselho Federal de Contabilidade. Trata-se de uma tradução/adaptação da estrutura conceitual do IFAC, que por sua vez foi inspirada na estrutura do Iasb/Fasb. Com esta estrutura, a resolução 750 e demais, que eram aplicadas ao setor público, perdem validade.

Relevância - A estrutura conceitual é um documento que serve de base para resoluções específicas. Além disto, numa contabilidade baseada em princípios, a resolução que traz a estrutura conceitual é o fundamento para as demais normatizações.

O IFAC utilizou a base conceitual já existente para propor uma estrutura específica para o setor público. Assim, foram realizadas algumas adaptações, como nas definições de ativo ou na conceituação de entidade para fins do setor público.

Com esta norma, a contabilidade brasileira poderia aproximar-se dos governos onde a gestão orçamentária e financeira é mais avançada. Por exemplo, a estrutura não diz nada a respeito das "contas de compensação". Isto poderia levar, quem sabe, a extinção deste atraso contábil.

Além disto, a estrutura conceitual impediria experimentos (ou pelo menos tornaria mais difícil) como já ocorreu no passado com a demonstração do resultado econômico.

Notícia boa para contabilidade? Talvez esta não seja a estrutura conceitual dos sonhos do usuário da informação contábil do setor público. E algumas opções são questionáveis. Mas é um grande avanço.

Desdobramentos - Tenho dúvidas se a estrutura, na sua essência, será respeitada pela STN, que nos últimos anos assumiu a linha de frente da contabilidade pública no Brasil. Espero que prevaleça o bom senso.

Mas a semana só teve isto? Dois outros fatos relevantes: a recomendação do TCU pela condenação das contas do governo federal de 2015 e as 20 mil postagens deste blog.

Rir é o melhor remédio


07 outubro 2016

Estrutura Conceitual do Setor Público

Foi publicado no Diário Oficial de terça a estrutura conceitual para ser aplicada ao setor público. Ou de maneira mais formal, a norma brasileira de contabilidade NBC TSP Estrutura Conceitual, de 23 de setembro de 2016.

Esta estrutura está inspirada na abordagem conceitual emitida pelo entidade do IFAC responsável pelo setor público. Entretanto, alguns itens não foram convergidos, o que significa dizer que não teremos uma convergência 100% com as normas internacionais.

Mas mais de sessenta páginas, a estrutura conceitual do setor público apresenta um extrato da estrutura conceitual do Iasb, adaptada para o setor público. São oito capítulos que contemplam a função, autoridade e alcance da estrutura, os objetivos e usuários da informação, as características qualitativas da informação, a entidade que reporta a informação, os elementos das demonstrações contábeis (ativo, passivo, PL, receita e despesa), o reconhecimento nas demonstrações, a mensuração de ativos e passivos e, finalmente, a apresentação de informação.

Apesar da norma procurar manter uma relação com a estrutura do Iasb, alguns itens foram adaptados as características específicas do setor público. Por exemplo, veja a definição proposta de ativo: “Ativo é um recurso controlado no presente pela entidade como resultado de evento passado.” Efetivamente lembra a definição da nova estrutura do Iasb/Fasb, mas o recurso aqui não é “recurso econômico” e existe um grande destaque ao termo “controlado”, talvez fundamental para o setor público. Mas efetivamente causa estranheza do conceito. Assim como diversos trechos da estrutura parece que estamos diante de algo que não se enquadra na contabilidade do setor público brasileiro. Será que ocorreu “tradução” e não “adaptação”?

Um aspecto interessante é que a estrutura conceitual recusa a adotar aspectos já consagrados na estrutura do Iasb/Fasb, como é o caso do conceito de valor justo, que não é usado na norma. Mas em outros pontos, parece que faltou ousadia para se desgarrar. Veja o conceito de receita: “corresponde a aumentos na situação patrimonial líquida da entidade não oriundos de contribuições dos proprietários.”

De qualquer maneira, a estrutura, citando mais de 300 vezes o termo entidade, procurou estabelecer parâmetros, flexíveis por sinal, para este conceito.

Pretendo voltar a comentar a estrutura em outras postagens, mas é importante destacar que o termo accountability foi traduzido para prestação de contas e responsabilização (e não “dever de prestar contas” como geralmente usamos).

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Campeonato mundial de xadrez feminino será no Irã: haverá obrigação de cobrir a cabeça?

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Rir é o melhor remédio


06 outubro 2016

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Apple lidera a lista da marca mais valiosa

Eu espero que o Nobel de Economia vá para Demsetz

Currículos criativos

Contabilidade e Tecnologia

Introdução

A discussão apresentada a seguir começou com uma matéria publicada no jornal O Globo (publicado no blog Ideias Contábeis). O tema era uma previsão das profissões que irão sumir do mapa em 2025. Baseado numa análise realizada pela consultoria Ernst Young, o texto afirmava que diversas profissões ditas operacionais irão desaparecer em menos de dez anos, como operador de telemarketing, caixa e árbitros. Naturalmente que outras profissões irão surgir ou fortalecer, em especial aquelas vinculadas a “tecnologia de ponta”. Os jornalistas responsáveis pelo texto reproduziram um comentário de um funcionário da área de Gestão de Pessoas da EY; este afirmou que no futuro o importante seria “analisar e interpretar os dados disponíveis”. O texto originalmente publicado cita entre as profissões que serão extintas o contador.

As reclamações devem ter sido enormes. Afinal a EY é considerada, antes de tudo, uma empresa contábil. E ela informa que o contador será uma profissão extinta em menos de dez anos? Protestos com certeza.

O jornal, na sua versão online, divulga uma Nota da Redação onde informa que a EY enviou um comunicado afirmando que “traduziu” erroneamente o material usado em outro local. A EY verteu o termo “tax preparer” para “contador”.

O tax preparer é um profissional que hoje atua na extração de informações do sistema da empresa e insere em um sistema específico do Fisco. Acreditamos que esse processo será realizado automaticamente pelo Fisco no futuro.

O posicionamento da EY é que todas as profissões existentes passam hoje por um intenso processo de transformação, o que logicamente engloba a de Contador.

Reforçamos que a crença da empresa é que a contabilidade segue como promissora carreira.

É interessante notar que o jornal acatou as considerações da EY e substituiu na imagem disponibilizada na internet o termo “contador” por “elaborador de obrigações fiscais” (mas o leitor pode encontrar o texto original na internet em outros endereços onde foi reproduzido)

Um pouco do Contexto Histórico

A questão da evolução da tecnologia esteve associada ao trabalho do contador. A própria obra de Pacioli citada por muitos como um marco na contabilidade, não foi a primeira da área, como creem alguns. Mas adquiriu a relevância por ter sido a primeira impressa na máquina aperfeiçoada por Gutemberg.

A revolução industrial afetou muito mais os trabalhadores braçais do que os escritórios das empresas. Esta mudança permitiu a ascensão da contabilidade de custos e seus sistemas de alocação. No final do século XIX aparecem os primeiros produtos para tirar os borrões dos livros. Naqueles tempos, a contabilidade era feita à mão e cometer erro era o grande pesadelo do profissional. Um bom escriturário fazia seu trabalho cometendo poucos erros, evitando rasurar os lançamentos. Mesmo com o surgimento destes produtos, isto não eliminou a necessidade de o escriturário cometer poucos erros.

Até o surgimento do computador o trabalho contábil sofreu pouca influência da evolução tecnológica. As máquinas de datilografia e de somar ajudam, mas provavelmente tiveram pouco impacto, pelo menos inicialmente, na produtividade do escritório. O advento do computador muda este cenário. Esta máquina pode fazer trabalhos administrativos repetitivos de forma muito mais rápida que o ser humano. E um dos primeiros alvos do computador é exatamente o processamento de dados da folha de pagamento de uma empresa. O impacto desta mudança foi tão expressivo que a máquina desenvolvida pela IBM para fazer este trabalho, um computador chamado de Hollerich, deu origem ao termo holerite, ainda hoje empregado em alguns lugares do Brasil para designar o comprovante de pagamento do funcionário.

Nos anos oitenta do século passado chega ao Brasil os computadores pessoais. E junto com eles a promessa de acesso a programas de folha de pagamento, escrituração e similares. O desenvolvimento posterior mostra que a parte operacional da contabilidade, o lançamento do débito e crédito de operações corriqueiras e recorrentes, poderia ser feito pela máquina. Mais ainda, que a ligação existente entre o sistema de venda e o sistema contábil permite que uma operação de venda que passa pelo caixa de um supermercado seja automaticamente computada na contabilidade da empresa.

Mais recentemente a máquina está conquistando o espaço das operações não corriqueiras. A análise das demonstrações contábeis já pode ser feita por sistemas desenvolvidos previamente, alimentando as decisões de investimento no mercado de capitais ou a concessão de crédito para uma empresa. Estas operações consideradas nobres e analíticas e hoje são realizadas pela máquina. Não consigo listar nenhuma área da contabilidade onde o computador não tomou, em alguma medida, o lugar do ser humano.

Desde Pacioli até os dias de hoje, o desenvolvimento tecnológico parece que contribuiu mais para eliminar trabalhos corriqueiros do que foi uma ameaça à profissão.

Papel do Conselho

Voltamos a história. Tivemos no Brasil uma das primeiras associações de profissionais de contabilidade do mundo. Tratava-se de uma associação onde se reunia os guarda-livros. Na época do império este profissional era um dos poucos que tinha a possibilidade de votar.

A criação do Conselho Federal de Contabilidade, no entanto, só ocorreu ao final do governo Vargas . Dois fatos curiosos envolveram o CFC nos primeiros momentos. Primeiro, sua constituição foi uma tentativa de Vargas de obter apoio político, o que não foi o caso, já que dias depois da criação do CFC o presidente da república foi destituído. O segundo fato é que o dirigente do conselho era um funcionário do governo, mais precisamente do Ministério do Trabalho, e a sede ficava numa sala desta repartição.

Ao longo do tempo o CFC cresceu substancialmente e conseguiu criar uma reserva de mercado. Somente aqueles que possuem um registro são considerados aptos a fazer certas atividades. Anualmente estas pessoas pagam uma contribuição ao CFC, que exerce um papel de fiscalizar a profissão.

De certa forma a atuação do CFC lembra as antigas guildas. Os membros possuem exclusividade na execução de certas tarefas. Se por um lado as guildas foram destruídas pela revolução industrial, é inegável que elas contribuam para o desenvolvimento tecnológico e criação de um goodwill. Além disto, as guildas, ou algumas delas, dava proteção aos seus associados e tinha um papel relevante no controle da qualidade do serviço. Mas isto não impediu que fossem derrotadas pela revolução industrial.

Recentemente os leitores provavelmente acompanharam a discussão, nem sempre pacífica, entre os motoristas de taxi e os associados da empresa Uber. Os taxistas tinham entre o principal ativo a autorização dada pelo poder público para explorar o serviço de transporte individual de passageiro. A chegada do Uber mostrou que o serviço era caro e ineficiente e que o modelo deveria ser alterado. Uma licença de taxista tinha um valor substancial no mercado. Isto tudo foi alterado com a entrada do Uber. Hoje o principal requisito para exercer esta profissão é ter um automóvel em condições aceitáveis. Mas mesmo isto não é garantia de empregabilidade. O Uber investe pesadamente no automóvel sem motorista, assim como diversas outras empresas. Talvez nos próximos anos a profissão de motorista profissional não exista mais. Aqui um parêntese: a profissão de motorista não está listada naquelas que correm risco de deixar de existir em 2025.

Papel do Contador

No passado era fácil reconhecer o trabalho do contador. Era a pessoa que fazia os lançamentos de débito e crédito e posteriormente apurava o balanço. Nos dias atuais, 99,99% dos lançamentos contábeis são realizados por não contadores, sem que saibam o que estão fazendo. Conforme dizemos anteriormente, um funcionário do supermercado, quando registra as compras, está alimentando o sistema contábil, creditando receita e debitando cartão de débito. Fechar balanços é algo que fazemos mandando um comando para o sistema contábil.

Alguns acreditam que o contador seja o profissional responsável pelas informações de uma empresa. Mas o antigo bibliotecário já assumiu o papel de cientista da informação. Outros consideram que cabe ao contador transformar dados em informação, mas isto também é feito pelo cientista da computação, entre outros profissionais. E ainda podemos encontrar espaço de intersecção entre o trabalho do contador e do estatístico, do economista, do administrador e assim por diante. Talvez a fronteira entre os trabalhos do contador e do não contador nunca tenham sido claras, mas com certeza nos dias atuais é muito mais difícil delimitar esta fronteira.

Para sociedade percepção da função do contador está baseada nos estereótipos. O contador é aquele sujeito que prepara as declarações do imposto de renda, que assina os balanços, que é responsável pelas demonstrações contábeis e auditoria. Mas talvez isto não seja o que o contador faz. Baseado nestas reflexões, se alguém me perguntar qual o papel do contador honestamente terei dificuldade de responder.

A questão da previsão

Voltamos para o início da discussão. Tudo começou com uma previsão das profissões que não terão espaço no futuro. Um aspecto crucial é que se trata do futuro. E temos inúmeros exemplos de como é difícil fazer previsões acertadas. Apesar da existência de Julio Verne, que anteviu a viagem a lua, o submarino e outros avanços, geralmente as pessoas erram muito ao fazer previsões. Tetlock, no seu livro Superprevisores, mostra como existem charlatães nesta área (não estou afirmando que a EY esteja nesta lista).

A incerteza é muito grande e mesmo dizer que os preparadores de formulários de imposto de renda perderão seu cargo é muito arriscado. A perspectiva para a EY é que o governo irá fazer isto para o contribuinte. Duas observações precisam ser feitas aqui: a previsão foi realizada em outros país, onde esta possibilidade talvez esteja mais perto de ser realizada; e o estudioso superestimou a capacidade do governo em desenvolver soluções amigáveis para a sociedade.

Pense o seguinte: você poderia inferir há dez anos que a profissão de taxista estaria ameaça em 2016. Mas será que realmente que esta profissão corre o risco de acabar? Ou simplesmente haverá uma transformação, onde a licença do governo deixará de ser relevante?

Um aspecto que pode contribuir com a discussão é que geralmente as previsões mais “charmosas” são aquelas mais “radicais”. Fazer uma previsão de que os automóveis não precisarão de motoristas em dez anos é muito mais impactante do que afirmar que o sistema de direção será misto, sendo que algumas tarefas serão realizadas pelo computador e outras pelo ser humano. Provavelmente a segunda previsão está mais próxima do que irá ocorrer. Mas anunciar a chegada do automóvel sem motorista promove as ações das empresas de tecnologia e do setor de automóveis, além de ajudar a vender consultorias. Ou melhor, soluções inteligentes para a moderna empresa.

De igual modo, afirmar que uma profissão será extinta traz muito mais destaque do que prever que haverá uma redução nos postos de trabalho em razão da automação.

O Efeito incerto da automação

Um problema adicional na discussão é que o efeito da automação não é tão linear quanto gostaríamos que fosse. Talvez o melhor seria olhar para o passado para tentar entender o que esperamos nos próximos anos.

As máquinas da revolução industrial não eliminaram os trabalhadores braçais, mas modificaram a forma do trabalho e o tipo de especialidade. O computador não tirou o trabalho do contador, mas evitou que ele tivesse que gastar horas fechando o balanço.

Bessan fez uma análise interessante entre as máquinas de atendimento dos bancos e o número de empregados. Na década de noventa o número destas máquinas, denominadas de ATMs, cresceu exponencialmente. A reação esperada seria uma redução drástica no número de empregos. De fato, isto ocorreu num primeiro momento. Mas na década seguinte o quantitativo de trabalhadores aumentou. Segundo Bessan, as máquinas permitiram a redução no custo dos bancos, permitindo que estas empresas aumentassem seu leque de produtos e serviços, o que compensou a perda inicial de empregos. Bessan mostra que a questão tem muito mais a ver com elasticidade, um conceito básico da economia, do que com bola de cristal.
Baseado nisto é possível afirmar que as profissões que usam o computador tendem a ter um crescimento maior. Assim, não é a máquina que substitui o homem, mas o homem que usa a máquina que substitui aquele que não usa. Ou seja, o designer gráfico está substituindo o tipógrafo, na comparação de Bessan.

Ernst Young

A EY é uma das maiores empresas de contabilidade do mundo. Além de prestar este tipo de serviço, a empresa faz também consultoria. Lançar previsões pode ser interessante para a empresa, pois passaria a ser percebida como uma “bola de cristal”. Num mundo com tantas incertezas, saber que é possível contratar uma empresa capaz de prever o que irá ocorrer é um conforto. As empresas de consultoria possuem este papel.

Ao fazer essas projeções, a EY abre o espaço no mundo de negócios como sendo a grande especialista nas transformações no ambiente de trabalho. O problema é que a empresa ainda obtém uma grande parte dos seus lucros na contabilidade. Afirmar que a profissão pode ser extinta atiçou os brilhos cartoriais e trouxe desconforto para a empresa que ainda necessita do apoio institucional da classe contábil.

Mas o engano da EY pode ser importante já que traz reflexões para aqueles que não querem somente defender seu território ou o sistema de registro profissional. Isto lembra uma história antiga: os fabricantes de vela resolveram protestar contra uma ameaça aos seus negócios, que poderia levar a falência as indústrias e gerar desemprego. Pediam proteção ao governo para defender a indústria e o trabalho contra o sol, que impedia que as pessoas utilizassem velas 24 horas por dia.

Conclusão

Tenho dúvidas se a discussão criada a partir do texto do Globo seja relevante. Para os “fabricantes de velas” soltar uma nota de repúdio ou solicitar correções faz parte do seu papel. Mas o sol continuará no firmamento. A tecnologia está colocada como um instrumento. Saber tirar proveito dela para melhorar o trabalho não depende de notas de protestos, previsões, cartórios, desculpas ou anuidades. Cabe a cada profissional saber interagir com a condição posta pela automação. E adaptar-se aos novos tempos.