Translate

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta maldição dos recursos. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta maldição dos recursos. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

07 fevereiro 2017

Governo e Laudos de Avaliação

Quando o governo decide repassar para a iniciativa privada a exploração de um serviço ou uma entidade, sob a forma de privatização, é usual utilizar da avaliação de empresas e dos seus métodos. São dois os objetivos do governo: garantir que o serviço seja ofertado - ou que a empresa permaneça em continuidade e gerando emprego - com a qualidade adequada e obter recursos que possam ser usados em outras atividades.

O processo de alienação de um serviço ou um ativo precisa seguir algumas "regras" típicas do setor público, que inclui transparência do processo, certeza que o preço obtido foi adequado, entre outros fatores.

Um aspecto relevante, que não existe numa operação de compra e venda da iniciativa privada, é que se tenha a continuidade ou até melhoria no serviço. Se uma rodovia é privatizada, o governo irá desejar que os usuários fiquem satisfeitos, já que isto ajuda a legitimar o processo. Assim, no processo de privatização estabelecem metas que devem ser cumpridas pela empresa vencedora.

Em geral o processo de alienação é muito mais demorado que na iniciativa privada, já que existe um ritual que deve ser cumprido. Isto faz com que exista uma grande possibilidade de que os estudos preliminares que deram origem ao lance inicial do leilão fiquem defasados.

Neste texto iremos destacar estes dois aspectos: a questão da defasagem dos laudos na área pública e a necessidade de garantir uma qualidade mínima do serviço privatizado.

Qualidade mínima - O governo brasileiro descobriu, da pior forma possível, que a privatização de serviços por valor mínimo pode ser perigosa. No governo Dilma, a burocracia federal resolveu fazer leilões de rodovias usando o menor lance. Funcionava da seguinte forma: a empresa interessada deveria gerenciar uma rodovia e fazer alguns melhoramentos futuros previstos no edital. Para financiar estes gastos, o governo permite que a empresa cobre pedágios ao longo da estrada. A empresa é declarada vencedora quando fixar o menor preço possível deste pedágio.

Suponha que esteja sendo privatizado um trecho rodoviário de 350 quilômetros, com a possibilidade de implantar cinco postos de pedágio, sendo necessários desembolsos de investimento para reformar trechos em estado precário e valores para conservação ao longo do contrato. A empresa faz uma análise, estimando o potencial de geração de receita de pedágio e confronta com a expectativa de despesa futura. Posteriormente calcula o valor presente do fluxo de caixa a ser gerado.

Ao fazer a análise, a empresa deve levar em consideração os potenciais concorrentes. Fatores como a maldição do ganhador podem conduzir a um lance bastante reduzido, que pode ser inferior àquilo que seria razoável em termos de lance de um leilão. Nos leilões do governo tem ocorrido lances que tornam inviável a prestação de um serviço com qualidade mínima. Esta situação é politicamente desastrosa para o governo.

O governo agora está propondo uma forma de tentar resolver este problema (1). A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está considerando impor uma regra no leilão onde quando menor o preço oferecido - em relação ao valor estipulado no laudo - maior a necessidade de integralização de capital. Esta proposta tem uma consequência imediata que é aumentar o valor do lance mínimo ganhador. E isto pode ser ruim para o usuário, que estará pagando mais por um serviço. A razão disto é simples: como a taxa de desconto é composta do custo do capital próprio (ke) e o custo do capital de terceiros (ki). Geralmente o Ke é bem maior que o Ki; ao impor uma necessidade de capital, aumenta-se a participação do capital próprio e, consequentemente, o custo ponderado de capital. Para compensar o efeito do aumento da taxa de desconto, a empresa deve aumentar o valor a ser cobrado no pedágio.

Defasagem dos laudos - os laudos de avaliação de concessão de rodovias ou privatização de empresas estatais costumam ficar defasados em razão da lentidão do processo no governo. A necessidade de aprovação em diversos órgãos e a complexa costura política podem atrasar meses, aumentando a distância entre a data do laudo e o evento.

É sempre bom lembrar que um laudo é feito numa data específica. As estimativas foram construídas a partir das informações existentes naquele momento. Por este motivo, é comum que a mudança no cenário econômico possa alterar a qualidade do laudo, assim como o valor mínimo (ou máximo, dependendo do tipo de alienação).

Notícia recente informa que o governo pretende leiloar quatro aeroportos (Salvador, Fortaleza, Florianópolis e Porto Alegre) tendo por base dados de final de 2015 (2). O clima econômico naquele momento era bem diferente do existente no início de 2017. O volume de passageiros em cada um dos aeroportos caiu e isto afeta a previsão futura de geração de receita, variável relevante para a determinação do preço. O risco que o governo corre é não aparecer candidato ou se ter lance único, sendo necessário rever o processo de leilão.


(1) RITTNER, Daniel. Leilões de rodovias ganham nova regra contra lance "irresponsável". Valor Econômico. 1 fev 2017, p. A2.
(2) WARTH, Anne; NAKAGAWA, Fernando. Aeroportos vão a leilão com menos passageiros. Estado de S Paulo, 4 fev 2017, p B4

23 novembro 2013

Privatização de aeroportos

A privatização dos aeroportos do Rio e BH foi notícia nos jornais. A Folha tentou explicar a diferença de preço para o aeroporto de Guarulhos, indicando o prazo de pagamento (25 versus 20 anos):

Cinco anos a mais, além de tornar a parcela menor, fazem uma enorme diferença numa concessão porque é no fim do período --com os maiores investimentos já feitos-- que entram muitos recursos e saem poucos.

Em outro site, a mesma justificativa:

Para o presidente da Infraero, Gustavo Vale, a diferença é explicada pelos prazos de concessão. “O prazo de concessão do Galeão é cinco anos maior”, disse à DINHEIRO, após o leilão. A concessão do Galeão será válida por 25 anos, ante os 20 anos de Cumbica. Isso permitiria aos vencedores mais tempo para pagar os investimentos e obter retornos.

Mas isto não justifica, já que o valor do dinheiro no tempo reduz esta diferença substancialmente. Além disto, existe a maldição do vencedor, fato já comprovado nas finanças comportamentais: quem ganha um leilão é o grande perdedor, pois pagou muito acima do razoável.

Um fato interessante foi a reação do mercado para a empresa que perdeu o leilão: o preço das ações aumentou, o que pode ser um sinal de mau negócio para quem ganhou.

28 setembro 2017

Leilão no setor elétrico

O governo federal realizou ontem um leilão de quatro usinas hidroelétricas. Com um lance mínimo em torno de 11 bilhões de reais, os lances vencedores permitiram que o preço de venda fosse de R$12 bilhões, um valor 10% a mais do que o lance mínimo.

Sucesso? - No dia de ontem o presidente da República comentou em rede social o seguinte:

Nós resgatamos definitivamente a confiança do mundo no Brasil. Leilão das usinas da Cemig rendeu R$12,13 bi, acima da expectativa do mercado


Afirmar que o leilão rendeu acima da expectativa do mercado é questionável. Afinal a comparação é feita sobre o lance mínimo, que não possui nenhuma relação com o “mercado”. Somente para lembrar, o preço mínimo é determinado por empresas de consultoria que observam o fluxo de caixa descontado previsto e determinam o valor a partir deste ponto. Mais ainda, num processo de leilão, o comprador mais otimista leva. Assim, tanto o preço mínimo não é mercado, como o leilão tende a trazer com ele a maldição do vencedor ou vitória de Pirro.

Quando analisamos o contexto, talvez as palavras do presidente não sejam descabidas. O setor elétrico brasileiro passou por um terremoto em 2012 quando o ex-mandatário decidiu baixar as tarifas e promoveu uma mudança estrutural. A medida eleitoreira foi muito ruim para o setor (1). Cinco anos depois, talvez possamos dizer que o investidor está voltando e novos participantes estão aparecendo. Mais ainda, existia uma certa incerteza jurídica já que as usinas leiloadas eram da Cemig, que brigou pela “renovação” do contrato. A empresa estatal mineira talvez tenha sido a grande perdedora: apostou que o leilão não iria ocorrer, não participou dos lances, tentou obstruir o processo e perdeu boa parte do parque.

Múltiplo - O leilão apresentou um resultado médio de R$4,175 milhões por megawatt de capacidade instalada. A usina de Jaraguá teve um resultado de R$5,189 milhões por megawatt e foi a mais cara. A de Miranda foi vendida por R$3,431 milhões por megawatt e foi a mais barata em termos de capacidade instalada, mas que teve o maior ágio (2).

(1) Além disto, como já mostramos aqui no blog, as empresas estatais do setor são destruidoras de valor. Os recursos alocados nestas empresas elétricas possuem um custo de oportunidade elevado.
(2) Considerando a capacidade instalada da Eletrobras de quase 47 mil megawatt, isto poderia gerar quase 200 bilhões de reais pela empresa. Entretanto duas ressalvas importantes: provavelmente nem toda empresa será privatizada; o valor elevado reduz o número de candidato, o que pode abaixar o valor ofertado.