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19 julho 2014

Qual ação de país emergente devo comprar?

SÃO PAULO - Com base em critérios macroeconômicos e perspectivas de crescimento de longo prazo, o banco alemão Deutsche Bank escolheu um grupo de dez ações de empresas de países emergentes que devem apresentar um bom crescimento no prazo de dez anos. Nessa seleta lista, apenas uma companhia brasileira, o Itaú Unibanco, foi escolhida como capaz de atrair investidores no longo prazo, mesmo com o baixo crescimento esperado para o Brasil no período.

Para o banco alemão, os países emergentes que são grandes produtores de matérias-primas não vão mais se beneficiar, como nos últimos anos, do aumento do preço das commodities no mercado internacional. “Um maior investimento é necessário para promover um crescimento mais rápido da produtividade e uma diversificação para outras áreas da atividade econômica. Além disso, Brasil, Rússia e África do Sul não sinalizaram nenhum sinal de urgência em responder à nova realidade econômica, e o seu desempenho econômico provavelmente irá refletir isso”, afirmaram, em relatório, a equipe de analistas da instituição.
No cenário traçado pelo Deutsche Bank, as grandes economias emergentes serão as mais afetadas, apresentando um crescimento mais fraco. A recuperação da atividade econômica nos países desenvolvidos também fará com que os emergentes tenham um fluxo menor de investimentos. Outro ponto observado é que algumas economias terão que lidar com as demandas populares que foram criadas nos anos de crescimento mais forte.

No caso específico do Brasil, os analistas veem como esgotado o crescimento baseado no consumo que foi sustentado pelo aumento do preço das matérias-primas no exterior. O crescimento potencial da economia brasileira na avaliação do banco está abaixo de 2%. A justificativa é que a taxa de investimento, que não chega a 20%, é a menor entre os mercados emergentes, além da falta de investimentos em infraestrutura e o comportamento da dívida pública.

AS ESCOLHAS

De acordo com o relatório, Brasil Rússia, África do Sul, Hungria e Egito devem apresentar crescimento baixos ou muito baixos nos próximos dez anos. Estão no grupo dos emergentes que terão crescimento alto ou muito alto a China, Índia, Turquia e os países da Europa Central. O banco destaca ainda o desenvolvimento que deve ser alcançado por México, Chile, Colômbia e Peru. Outros destaques são o Catar, Arábia Saudita e Nigéria.
Das dez empresas escolhidas, o Itaú Unibanco é a única brasileira. A aposta é que a instituição financeira conseguirá manter uma rentabilidade ao redor de 20% nos próximos dez anos, com crescimento de dois dígitos nos resultados. “Enquanto o crescimento potencial no Brasil não é tão alto quanto costumava ser, ainda há espaço para o Itaú crescer em um ritmo saudável, melhorando a eficiência e gradualmente expandindo para as regiões de maior crescimento na América Latina”, diz o relatório, lembrando que o Itaú possui atuação na Argentina, Chile, Colômbia, México, Paraguai, Peru e Uruguai.
Da América Latina, foram indicadas ainda a chilena CCU, principal concorrente da Ambev na região, e o Credicorp, que atua no setor bancário no Peru. Dos setores, o bancário é o com maior número de indicações, somando cinco ao total, seguido por varejo e bebidas (duas cada). O setor de mídia tem apenas uma recomendação.

Conheça as indicações de longo prazo do Deutsche Bank:

Empresa
Setor
País
CCU
Bebidas
Chile
Coca Cola Icecek
Bebidas
Turquia
Credicorp
Bancário
Peru
First Gulf Bank
Bancário
Emirados Árabes Unidos
Garanti Bank
Bancário
Turquia
Itaú Unibanco
Bancário
Brasil
Lenta
Varejo
Rússia
Magnit
Varejo
Rússia
Naspers
Mídia
África do Sul
Sberbank
Bancário
Rússia


Fonte: aqui

14 julho 2014

Entrevista com Marcos Mendes

Ao longo dos 30 anos de redemocratização do Brasil, o Estado incorporou programas de proteção social aos mais pobres ao mesmo tempo em que ampliou as políticas de proteção e benefícios aos mais ricos e à classe média. Para dar conta de atender a todos – alguns com voto, outros com poder econômico, outros com poder de formar opinião na sociedade -, o gasto público passou de algo próximo a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) para os mais de 35% atuais. Com isso, o Brasil ficou preso na armadilha de país ainda muito desigual e com baixo crescimento, sustenta o economista Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado.
Para voltar a crescer, o Brasil precisa ser menos desigual, e o caminho passa por escolher as reformas que, ao mesmo tempo, tragam mais eficiência e redistribuam renda. Na mira do que precisa ser desmontado, diz Mendes, estão muito mais as transferências de renda via BNDES, do que via Bolsa Família.
A tese de Mendes – que virou o livro “Por que o Brasil cresce pouco? “, editado pela Campus – é de que o conflito distributivo no país ficou tão sério que ninguém sabe quem ganha mais ou quem perde mais, e qual a conta de cada um. Em parte polêmica de sua análise, ele defende que a democracia agravou esse conflito. Mas para quem acha que isso significa uma defesa de governos autoritários, Mendes deixa claro que pensa justamente o contrário. O livro de Mendes, doutor pela Universidade de São Paulo (USP), começou a ser desenvolvido em 2012, quando esteve no Departamento de Economia da London School of Economics, tem prefácio do ex-diretor de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, e apresentação de Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas Ibre/(FGV). A seguir, os principais trechos da entrevista.
 Valor: Por que o sr. avalia que a combinação de alta desigualdade e democracia afeta o crescimento?
Marcos Mendes: Eu trabalho há 20 anos com política fiscal e há 20 anos eu e todos os economistas fiscais estamos falando que é preciso controlar o crescimento do gasto público, da carga tributária. Você já teve um governo do PSDB que não fez isso, um do PT que não fez isso. Quer dizer, você já teve alternância no poder e as coisas continuam as mesmas. Então não é simplesmente uma opção de política de gastar mais ou gastar menos, de tributar mais, ou tributar menos.
 Valor: Então, o que está em jogo?
Mendes: Tem alguma coisa por trás disso. O que era o Estado brasileiro antes da redemocratização? Só quem tinha acesso ao Estado brasileiro antes da redemocratização eram os grandes grupos econômicos e a classe média alta. Você conseguia atender esse público com uma tributação e um gasto público na faixa de 20% do PIB, e os pobres simplesmente não tinham vez. Os indicadores sociais eram africanos, a assistência à saúde não era integral, a escola pública não era acessível aos pobres. Com a redemocratização, os mais ricos continuaram com canal de acesso ao poder e continuaram obtendo do Estado o que obtinham antes, como crédito subsidiado, proteção comercial às indústrias, perdão às dívidas agrícolas, uma Justiça que favorece quem tem dinheiro para pagar advogado mais caro, regulação fraca, ou seja, uma série de mecanismos favoráveis aos mais ricos. Com a redemocratização, os mais pobres começaram a ter voz, porque o político precisa de voto, que está na mão dos mais pobres. Então, você teve um boom de políticas pró-pobre que se somaram às políticas pró-ricos. E não foi só isso. Você abriu espaço para a pressão dos sindicatos e outras associações, e por meio delas a classe média também teve espaço para demandar mais do Estado. Então, com desigualdade e democracia você tem um Estado que redistribui para os ricos, para os muito pobres e para a classe média, não só através de gasto público, mas também de regulação econômica. E essas duas coisas – gasto público excessivo e regulação que protege a renda de determinados grupos – atuam contra a produtividade e o crescimento econômico.
 Valor: E como se poderia desmontar esse mecanismo do Estado concentrador?
Mendes: A primeira reação das pessoas a esse argumento é: então você está dizendo que tem que acabar coma democracia. Não é isso. Primeiro, porque a democracia tem seu valor intrínseco, de liberdade de opinião, de expressão. Segundo, a não democracia não funciona, vide a crise no governo militar. Quando você não tem transparência, não tem liberdade de imprensa, grupos mais fortes economicamente dominam o Estado e excluem o restante da sociedade. Você precisa, dentro do marco democrático, encontrar políticas que ao mesmo tempo reduzam a desigualdade e estimulem o crescimento econômico. Estamos numa situação de tanta ineficiência que é possível ter políticas que atuem nas duas direções.
 Valor: Quais são essas políticas?
Mendes: Três delas são mais importantes: primeiro, a reforma da Previdência Social, que é altamente concentradora de renda, porque, apesar da grande parcela de benefícios pelo mínimo, tem outra parcela grande, com peso financeiro razoável, que não é de salário mínimo. Também tem uma regra de pensões por morte muito benevolente, e tem a previdência dos servidores públicos. A Previdência tem dois problemas: ela não se sustenta sozinha e ela bloqueia o crescimento, porque absorve poupança da sociedade.
 Valor: Quais as outras políticas?
Mendes: A segunda é educação. Com ela, você aumenta a produtividade do trabalhador, aumenta a produtividade geral da economia e a igualdade de oportunidades. Com uma reforma da educação no Brasil que diminua os custos do Estado com ensino superior e foque no ensino básico, onde a maioria da população pobre está, você tem, no longo prazo, uma melhoria da qualidade da educação e, portanto, maior igualdade de oportunidades. Hoje, o país gasta cinco vezes mais com um aluno na universidade pública que no ciclo fundamental. Por fim, na infraestrutura você tem espaço para fazer gastos que melhorem a qualidade de vida dos mais pobres e melhorem o funcionamento da economia, como transporte público nas grandes cidades e saneamento básico.
 Valor: E qual o caminho para essas reformas?
Mendes: Temos tanta dificuldade para fazer reformas que é preciso estabelecer prioridades. Nenhum presidente eleito pode chegar no governo com uma cesta enorme de reformas, porque o espaço político para fazê-las é muito pequeno. Você tem que escolher reformas, e um critério seria aquelas que ao mesmo tempo tenham um impacto significativo sobre crescimento e redistribuição.
“Com democracia e desigualdade, você tem um Estado que redistribui para os muito pobres, os ricos e para a classe média.”
Valor: Isso passaria por reduzir as políticas que favorecem a concentração pelo lado dos ricos?
Mendes: Exatamente. Não adianta hoje você dizer que vai fazer uma reforma tributária no Brasil. Qualquer reforma vai reduzir a arrecadação, e aí não vai ter dinheiro para pagar todas essas despesas. Primeiro tem que reformar pelo lado do gasto. Tem que reforçar as instituições fiscais, a lei de responsabilidade fiscal, acabar com contabilidade criativa, criar mecanismos de transparência, cumprir metas fiscais. Quando você tem uma restrição fiscal sobra menos espaço para os grupos se organizarem e conseguirem despesas a seu favor. Esse é um ponto. O segundo ponto é colocar muito peso político para bloquear as contrarreformas. No Congresso há uma série de projetos de lei que aumentam as despesas da Previdência e desfazem as reformas feitas no passado, reduzem tempo de contribuição, criam aposentadorias especiais, acabam com o fator previdenciário. Uma série de coisas que, se aprovadas, são uma bomba fiscal.
Valor: Nessas escolhas, algumas políticas que ajudaram na redução da desigualdade nos últimos anos, poderiam ser mantidas?
Mendes: Claro. Você precisa fazer uma escolha das políticas que são mais eficientes. Então, nitidamente, o que os especialistas da área social mostram, é que o Bolsa Família é muito mais eficiente que qualquer outro programa social. Com um custo muito menor, ele tira muito mais gente da pobreza, e reduz muito mais o índice de desigualdade. Agora, você tem políticas que são mais controversas, como a do aumento real do salário mínimo. Ela tem diminuído a desigualdade, mas a um custo fiscal muito alto. Ao mesmo tempo, se você simplesmente acabar com o aumento real do mínimo e não colocar nenhuma outra política social eficaz no lugar, você vai ter problemas com relação ao indicador de desigualdade. Então, é preciso focar nos programas que geram, efetivamente, maior resultado. Mas também não pode pensar só em resultado de curto prazo.
 Valor: Que programas são esses?
Mendes: Você precisa migrar de uma ideia de programa social que coloca dinheiro no bolso das pessoas para programas sociais que dão condições para as pessoas viverem bem e serem produtivas. Qual a ideia? Se a desigualdade está caindo, e cair forte no médio e longo prazo, esse problema pode se resolver por si só. Se a gente continuar reduzindo a desigualdade por mais 15 anos em ritmo razoável, você vai ter uma grande sociedade de classe média no Brasil e essa sociedade vai ser menos dependente de assistência social e vai demandar mais serviços públicos de qualidade. Ela não vai estar interessada em ficar recebendo benefício social, ela vai estar um patamar acima. Esse é o cenário que eu chamo de virtuoso, com a desigualdade caindo fortemente e, no futuro, acaba esse conflito redistributivo. Mas esse não é o único cenário.
 Valor: Qual é o outro cenário?
Mendes: Os dados que os especialistas estão levantando mostram que a desigualdade está estacionando em um patamar ainda muito alto. Então, se a desigualdade parar de cair – e há motivos para ela parar de cair – o Brasil pode ficar nesse modelo de alto conflito distributivo e baixo crescimento por muitos anos.
 Valor: O que estaria levando a esse estacionamento da queda?
Mendes: São vários fatores e aí estou me servindo da literatura da área. Primeiro, as frutas mais fáceis de serem colhidas já foram colhidas. Se você já botou as pessoas na escola, se elas já chegaram ao mercado de trabalho com mais escolaridade, e isso já elevou o salário, daqui pra frente você vai precisar melhorar a qualidade da educação. E melhorar a qualidade da educação é muito mais difícil que colocar as pessoas na escola. Segundo, os programas sociais, como Bolsa Família, já atingiram a universalização, já não tem mais quem incluir, então você só vai melhorar a redução da desigualdade por meio deles se você aumentar o valor desses benefícios. Em terceiro lugar, você passou por um boom de commodities que aumentou a renda do país e havia mais renda para distribuir. Agora, o cenário internacional está mais difícil. Daqui para frente, ou é melhorando a qualidade da educação ou é melhorando a qualidade dos empregos oferecidos. É muito mais difícil do que foi feito até agora.
 Valor: E já existe maturidade no país para desfazer essa política de Estado distribuidor de benefícios?
Mendes: Não acredito. Acho que a polarização política é muito forte, ninguém está disposto a abrir mão dos seus privilégios, dos seus benefícios. E essa tensão tende a aumentar ainda mais com o país crescendo pouco. Quando falo que o Brasil cresce pouco não estou falando desse pibinho dos últimos três anos. O Brasil cresce pouco nos últimos 30 anos. E isso vem de vários fatores que baixam a produtividade da economia e baixam a taxa de investimento. Nossa economia é muito fechada, temos pouca poupança para investir, temos infraestrutura ruim, população com baixo nível de educação, empresas pequenas e pouco produtivas; e todos esses fatores decorrem ou de uma regulação feita para proteger grupos específicos, ou de uma pressão sobre o gasto do Estado que leva a um aumento da carga tributária, que leva a um déficit público que reduz a poupança agregada da economia. E eu não vejo a sociedade brasileira com maturidade para admitir que precisa sentar à mesa, negociar e cada um ceder um pouco.
“Não vejo a sociedade brasileira com maturidade para sentar à mesa, negociar e cada um ceder um pouco.”
 Valor: Algo poderia detonar uma mudança nesse cenário, ou vamos ficar presos no baixo crescimento?
Mendes: O que poderia detonar uma mudança de percepção seria uma crise econômica. Na história recente do Brasil você teve dois grandes momentos de reforma, os dois detonados por crise. Primeiro você teve a crise que levou ao golpe militar, quando a economia estava numa crise forte. E logo depois do golpe, você teve uma reforma que criou o Banco Central, uma reforma tributária que levou ao imposto sobre valor agregado, uma abertura da economia. Mas tão logo a crise se dissipou, os grupos de pressão foram comendo essa reforma. E a outra foi nos anos 90, quando você teve uma crise fiscal forte, de balanço de pagamentos, que forçou o governo a fazer privatização, a controlar o gasto público, a criar o famoso tripé, com câmbio flutuante, meta de inflação e resultado fiscal. Tão logo o período de crise se dissipou, a abertura dos anos 90 foi sendo revertida, a questão fiscal vem se deteriorando, a contrarreforma foi se fazendo e não se consegue reforma nenhuma. Então, a possibilidade de o Brasil fazer um ajuste é uma crise, o que é um perigo, porque a crise traz oportunidade, mas traz também problemas sérios.
 Valor: Esse é o único cenário?
Mendes: Outro cenário é ficarmos muitos anos com baixo crescimento, redistribuindo para rico, para pobre, para classe média, e, à medida que a economia não cresce, o cobertor vai ficando curto e você ruma para uma crise fiscal grave. E no limite até a democracia corre risco. Ou há a possibilidade de, mediante uma coalizão política forte, o país fazer as reformas certas e andar em direção ao círculo virtuoso. Se fizer as reformas que mantenham a queda na desigualdade, permitam o controle do gasto público, e o governo suportar a pressão por alguns anos, você pode puxar o fio da meada. Uma reforma faz a outra reforma ficar mais fácil, você entra no círculo virtuoso, mas eu sou pessimista.

Valor: Se fosse colocar em uma balança, dá para saber onde, de que lado – dos pobres, da classe média ou dos ricos – o Estado gasta mais?
Mendes: Vou fazer uma conta simples. Só o subsídio do BNDES – a diferença entre o que o Tesouro paga para tomar no mercado e o que ele recebe de volta pela taxa subsidiada do BNDES – custa R$ 24 bilhões por ano, que é exatamente o que ele gasta por ano no Bolsa Família. Junta isso com o que a economia perde com o comércio internacional protegido, com agências reguladoras fracas, eu acredito que os benefícios que vão a para a classe média e a classe alta são muito maiores do que o que pinga para os mais pobres.

Valor: Se o Brasil fosse menos desigual, poderíamos crescer mais?
Mendes: Sim. No Brasil hoje, que é muito desigual, o rico quer bolsa-BNDES, o pobre quer Bolsa Família, a classe média quer universidade de graça e mercado de trabalho protegido, isso faz uma pressão sobre o Estado para gastar a favor de todo mundo, e regular a favor de todo mundo, diminuindo não só a poupança, como a eficiência da economia. Quando a sociedade fica mais parecida entre si, primeiro você tem menos necessidade de programas sociais. Segundo, a sociedade vai querer menos programas sociais porque a maior parte dela terá patrimônio, casa, ter poupança, renda fixa, e para gerar mais benefício social, vai ter que tributar isso. Hoje, você tributa só os 10% mais ricos. Se mais gente for classe média, mais gente vai pagar Imposto de Renda e ter restrição a financiar gasto público. De qualquer forma, é preciso transparência para deixar os custos claros para a sociedade, porque aí ela vai ficar mais receptiva às reformas.

Valor: A sociedade tem consciência de quem paga o quê?
Mendes: Não. Nessa situação de alta desigualdade você fica numa confusão distributiva danada. Você pensa, eu estou pagando alguma coisa, mas tenho emprego público, meu avô recebe aposentadoria, o empresário paga, mas recebe algum benefício. Então, ninguém sabe quem está ganhando ou quem está perdendo, quem está pagando mais ou quem está recebendo mais. Todo mundo sabe que depois de uma reforma econômica, vai diminuir o gasto público, vai diminuir a regulação, e que na média o país vai estar melhor. Mas você não sabe se você vai estar acima da média ou abaixo dela. Prefiro ficar como eu estou a dar um salto no escuro, prefiro manter meu benefício para não ficar atrás dos outros. Coordenar esse acordo social, em que todos abrem mão do seu benefício em prol de uma sociedade mais eficiente, menos desigual e com menos custo tributário, é muito difícil.
 Valor: O sr. acha que em algum momento das manifestações estava se caminhando para esse consenso redistributivo?
Mendes: Você pode fazer duas leituras das manifestações do ano passado. Uma delas é: você aumentou a classe média e a gente está chegando no consenso da classe média, que está falando: eu quero educação melhor, quero transporte melhor, quero saúde melhor, quero gasto público melhor, não quero gastar dinheiro com estádio. Poderia ser a maioria da sociedade tendo um pensamento racional em prol do coletivo. Essa é uma leitura positiva, mas tem uma leitura negativa: cada um foi para a rua pedir uma coisa diferente. Como o modelo de distribuir para todo mundo está se extinguindo, vou para a rua defender o meu privilégio. Acaba com o privilégio do outro e mantém o meu. Estou mais propício a enxergar essa leitura.

01 julho 2014

Brasileiro trabalha para sustentar a burocracia



Por  e 
Consulto Jurídico, 20 de junho de 2014

Ao concluir a primeira grande radiografia da advocacia de Estado no Brasil, os editores deste site e da publicação não tiveram dúvida em cravar uma chamada ousada para a obra: “O Novo Quarto Poder”, é a manchete de capa do Anuário da Advocacia Pública do Brasil.

A pujança e a eficiência do braço jurídico da União, dos Estados e municípios, entretanto, é vista com reservas por um dos advogados que, em 57 anos de atuação, mais projeção alcançou na história do Brasil: Ives Gandra Martins. Para ele, o poder público não tem obrigações, só direitos. Situação inversa à dos cidadãos. O tributarista elogia a atuação dos advogados públicos que, segundo ele, fazem um bom trabalho, mas têm um cliente que está acostumado a desrespeitar os direitos do cidadão.

Ícone da defesa da livre iniciativa, defensor ferrenho do capitalismo e adversário feroz do esquerdismo em qualquer tonalidade, Ives Gandra surpreendeu a opinião pública ao criticar publicamente e com eloquência o ‘justiçamento’ dos acusados nomensalão — segundo ele, um conjunto de deliberações movidas e turbinadas pelo clamor público, sem nexo com a doutrina e a jurisprudência. Mas essa tangência eventual com o PT não passa de um ponto fora da curva no universo das ideias desse jurisconsulto. 

Convidado a opinar sobre a assimetria nas relações entre o Estado e o cidadão, Ives castiga sem clemência a forma como o governo central exercita o poder. O advogado afirma que o país é tributado para pagar salários do funcionalismo e não para a manutenção do serviço público. O Judiciário, em grande parte, diz ele, se associa na empreitada de buscar receitas que mantenham a máquina burocrática.

Leia a entrevista: 

ConJur — Como o senhor analisa o atual nível das relações entre o Estado e o particular no Brasil? 
Ives Gandra da Silva Martins — Nos Estados Unidos, o presidente Obama — segundo o Torquato Jardim, ex-ministro do TSE — tem 200 cargos em comissão. Outros dizem que um pouco mais. Todos os demais funcionários públicos federais são concursados. No Brasil, com um PIB sete vezes menor, a Presidente Dilma tem 22 mil comissionados. E também um alto índice de corrupção, concussão e peculato que se concentra basicamente entre os cargos em comissão, também chamados de “cargos de confiança”. Muitos dos que aparelham o Estado têm necessidade de viver das benesses que os cargos dão. Isso explica a carga enorme de desvios que a imprensa noticia diariamente. Um exemplo: todos os programas sociais do governo federal consomem R$ 60 bilhões da receita tributária federal, que está em torno de 1trilhão de reais. É o eleitor mais barato. Custa, pois, 6% da arrecadação federal — sendo que a arrecadação global, considerando estados e municípios, está se aproximando dos 2 trilhões de reais. Isso significa que grande parte dos nossos recursos vai para os detentores do poder. Haja vista o déficit da Previdência, sobrecarregado pelos múltiplos benefícios oferecidos ao funcionalismo. 24 milhões de aposentados do povo geram déficit inferior a R$ 50 bilhões, enquanto os do serviço público (em torno de um milhão de beneficiários) superam essa quantia. Os próprios investimentos públicos ficam abaixo dos R$ 100 bilhões. Todo o resto é sugado pela máquina. O governo francês reduziu o número de ministérios para 16. No Brasil são 39. Alguns ministros ficam sem despachar com a presidente da República por meses. Em outras palavras: os cidadãos trabalham para sustentar a burocracia, os detentores do poder, e não o Estado prestador de serviços mínimo. Decididamente, a burocracia brasileira não cabe dentro do PIB. 

ConJur — Os direitos e obrigações do cidadão e do Estado são observados simetricamente no Brasil?
Ives Gandra — Num país em que se trabalha para sustentar os detentores do poder (carga tributária de 37% no Brasil, contra 31% no Japão e Estados Unidos; 25% na China e na Rússia) é evidente que os direitos dos cidadãos estão sendo pisoteados de forma fantasmagórica por parte do poder público, que é profundamente desleal em relação aos cidadãos. Temos a atuação judicial nas cobranças pretendidas e duvidosos créditos por penhoras on line; recusa de certidões negativas que impedem empresas de entrar em licitações; e privilégios de procuradores da Fazenda Nacional garantidos com honorários de sucumbência de 20% e que conseguem no Judiciário, quando o Poder Público perde, que os honorários sejam de apenas 1% — o que implode o principal princípio de uma democracia, que é o da igualdade. Para o poder público, vale o final do famoso livro de George Orwell, a Revolução dos Bichos, ou seja, todos são iguais perante a lei. Mas alguns são mais iguais que outros.

ConJur — Quais são os principais problemas que o senhor identifica?

Ives Gandra — Para sustentar o gigantismo da máquina burocrática, o governo não hesita em criar regras inescrupulosas para garantir receitas. O que lembra outro pensamento, este do jusfilósofo alemão Konrad Hesse: “A necessidade não conhece princípios”. E, no Brasil, não conhece porque o devedor do Estado é cobrado por todas as formas de coação. Nem sua dignidade é poupada, enquanto o Estado brasileiro é um notório caloteiro. Basta lembrar os precatórios e qualquer execução que tenha por vítima o contribuinte, em que todas as formas de expedientes são usadas por seus adversários. Nos meus 57 anos de exercício profissional, o Brasil se transformou numa república fiscal incomensuravelmente pior do que tínhamos nos tempos da ditadura, quando o contribuinte tinha muito mais direitos, nessa área, que hoje. Os magistrados eram mais independentes. A tal ponto que, quando decidem a favor do contribuinte, receia-se que sejam levantadas suspeitas sobre sua índole e autonomia. Maledicências oficiais que objetivam inibir as decisões contra o Erário. Se o Brasil não destruir a adiposidade malsã da máquina burocrática, ela matará o país, com esses fatores concorrentes que testemunhamos, como a alta da inflação, a queda do PIB, a balança comercial negativa, o balanço de pagamentos estourando, a elevação do risco Brasil e todos os indicadores que deram fundamento ao Plano Real, como o superávit primário, as metas de inflação e o câmbio flexível, que estão sendo projetados para o espaço. 

Conjur — Diante desse cenário de abusos, haveria como se reexaminar o poder coercitivo do estado contra o cidadão, em matéria cível?

Ives Gandra — Eu tenho a impressão de que a única solução é o voto. Eleger governantes com outra mentalidade. E nós temos, no Brasil, uma tendência de entender que o estado pode tudo e deve fazer tudo. Os políticos entram com essa mentalidade. E o que nós temos visto é um crescimento monumental da máquina administrativa. Então, eu acho que a única revolução que podemos fazer é através do voto e do esclarecimento à população de que nós, escravos da gleba, estamos vivendo em pleno século XXI o que os escravos da gleba viviam na época medieval. Os nossos senhores feudais são os governantes, e nós somos apenas campo de manobra para eles fazerem com os nossos bens o que quiserem. E estamos em um caminho que é mais triste, de apoio permanente aos regimes bolivarianos, onde o cidadão vai perdendo completamente o seu direito de ser. Vê-se, em relação à Venezuela de hoje, à Bolívia, ao Equador, um apoio monumental da atual estrutura governamental, dos atuais detentores do poder. Dizem que o Paraguai é uma ditadura, porque dentro da Constituição só restou um presidente, que depois concorreu ao Senado sem nenhum problema, sem nenhum trauma. Em compensação, a presidente Dilma se deixa fotografar ao lado de Fidel Castro como se estivesse ao lado de um deus. Assassino notório, que matou 17 mil pessoas em paredão, sem julgamento. Uma inversão absoluta. Testemunhamos, gradativamente, uma redução dos direitos de cidadania. Isto, a meu ver, é o grande drama que vamos ter de enfrentar através do voto. É preciso esclarecer o povo, porque as migalhas dos programas sociais têm eleito os governos. E esses programas sociais, na verdade, mantêm, com algumas migalhas, um contingente de votos que permite a perpetuação no poder de pessoas que pensam mais na detenção do poder do que fazer do país um país moderno, competitivo, com condições de concorrência com outros BRICs e, evidentemente, com condições de concorrência com países desenvolvidos. Eu acho muito difícil essa mudança senão através do voto.

Conjur — Este governo tem defeitos próprios, como qualquer outro. Mas a hipertrofia do Estado e a assimetria na relação entre o particular e o Estado, é característica comum de todos os governos desde o tempo do Império, não é? 

Ives Gandra — É como um câncer, que existe desde o Império, mas hoje estamos com metástase em todo o organismo social. Se compararmos a hipertrofia no atual governo, com situações similares no passado, vemos que os próprios militares poderiam ser considerados monges trapistas nesse departamento. Há cerca de 20 anos, a carga tributária era de 22%, 23%. É a carga que sustenta a administração pública. Estamos falando da carga tributária que existia em 1992, 1993, na gestão de Itamar Franco. Hoje estamos com uma carga de 37%. Os serviços públicos continuam, se comparado com de outros países, muito ruins. O que ainda funcionou foram os privatizados, rodovias etc.

Conjur — Voltando para o cenário da máquina judiciária. Há casos que chamam a atenção. Houve uma desapropriação de fazendeiros, na área onde foi construída Itaipu, para reforma agrária. Os donos das terras não foram indenizados. Posteriormente, os colonos da reforma agrária, que nem chegaram a plantar, foram desapropriados para criação da represa. Esses colonos foram indenizados. Como se passaram 30 ou 40 anos, o valor do crédito dos fazendeiros ficou enorme. O tamanho da cifra é motivo para não pagar?

Ives Gandra — A máquina só funciona contra o cidadão, porque temos um estado aético e caloteiro. É preciso entender isso para compreender a realidade brasileira. Os precatórios: quantas vezes eles mudaram a Constituição para continuar caloteiros? E quando cresce a dívida, fica mais evidente a vocação caloteira do nosso poder público, a vocação aética. Eles dizem: “Não, agora temos de cuidar do interesse público.” Para mim, interesse público não existe. Existe interesse dos detentores do poder. Interesse público é interesse da sociedade. Quem diz: o interesse individual não pode prevalecer sobre o interesse público, está mentindo. O interesse individual é o interesse da sociedade a quem o poder público deveria servir. Mas, na verdade, o poder público, quando fala em interesse público, ele quer dizer: “Pelo meu interesse de detentor do poder, de gastador da máquina burocrática, os valores muito grande nós não devemos pagar. E é o que está acontecendo com os precatórios. O próprio Supremo que decidiu a favor do cidadão com os precatórios teve que colocar “n” condições, e eles não conseguem executar de qualquer forma.

Conjur — E qual é a responsabilidade do Judiciário nesse contexto?

Ives Gandra — Eu ouvi de muitos agentes ligados aos defensores do poder público, quando se trata de questões de valor: “De onde é que saem seus recursos, senhores magistrados? Saem da nossa receita.” Há uma manifestação, na imprensa, de uma queridíssima amiga, por quem tenho uma profunda admiração, a ministra Ellen Grace, de que os ministros do STF mereciam aumento, porque tinham garantido uma receita da União como não havia antes. Declaração criticada pela OAB. Ora, a função do Supremo não é garantir receita, é fazer justiça. Então, na prática, esta mentalidade hoje é uma mentalidade não só do Executivo ou do Legislativo, que é um notório desperdiçador de recursos. Há procuradores da Fazenda Nacional que dizem: “Como é que se pode dar aumento de vencimento se as decisões forem contra o Fisco?” E quando procuradores da Fazenda Nacional são assessores de ministros nos tribunais. Quer dizer, eles são procuradores, vão para o tribunal e depois voltam a ser procuradores. Como aconteceu no caso de uma procuradora que era advogada da procuradoria, foi para a assessoria e decidiu no próprio caso em que ela era advogada.

21 junho 2014

Se a Internet tivesse sido criada pelo governo brasileiro

Se a Internet tivesse sido criada pelo governo brasileiro
por 
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— Cada website teria que observar as normas da ABNT;

— Conta no Facebook só poderia ser registrada com CPF e RG;
— Haveria cotas para conteúdo nacional no YouTube;
— Sua Senha de Acesso Universal (SAU) estaria seguramente protegida no cartório de sua cidade;
— A cada seis meses, a Folha Dirigida listaria novo concurso para vagas de Moderador de Redes Sociais;
— Comentários em blogs seriam aprovados pelo Ministério da Comunicação Informática;
— Spams implicariam multa de até 20 (vinte) salários mínimos;
— Os preços na Amazon já incluiriam imposto sobre lucro presumido;
— Cada email enviado teria que pagar uma pequena taxa aos Correios por "substituição eletrônica de correspondência";
— O Twitter teria que aumentar o número de caracteres para não "impor limites à expressividade do povo brasileiro";
— Os pobres receberiam um Vale-Wikipédia que daria acesso a até 10 artigos por mês;
— A Argentina não teria internet.

20 junho 2014

A Copa em números



Paul the octopus predicted Spain would win the World Cup in 2010, but in 1950, no one could have predicted the United States team’s victory over one of the best soccer squads in the world.

Via NYTimes

Brasil para "mãos de vaca"

Se você vai a Nova Iorque e nunca leu "Nova Iorque para mãos de vaca", recomendo. É um ótimo guia local, que virou moda e agora podemos encontrar similares de diversos países. Enquanto não sai um do Brasil, os turistas "dão um jeitinho".


Por Walter Brandimarte

RIO DE JANEIRO (Reuters) - Centenas de torcedores com pouco dinheiro encontraram uma maneira mais barata de acompanhar a Copa do Mundo no Rio de Janeiro, uma das cidades mais caras do Brasil – acampar na praia de Copacabana.

A maioria viajou milhares de quilômetros vinda de outros países sul-americanos para apoiar suas seleções, evitando voos caros e os preços notoriamente altos dos hotéis do Rio.

O maior contingente de torcedores acampados na praia é de argentinos, mas colombianos, chilenos e equatorianos também são vistos estacionando carros antigos, trailers e até pequenos ônibus transformados em dormitórios ao longo da Avenida Atlântica.

“Vamos ficar aqui até a Argentina vencer a Copa. E certamente mais alguns dias depois disso”, afirmou Emmanuel Estrada, de 29 anos, que trabalha como encanador em Buenos Aires. Ele e o amigo Damián Pérez, de 32 anos, passaram quatro dias dirigindo da capital argentina a São Paulo para a estreia do Mundial na quinta-feira passada, e de lá seguiram ao Rio para a primeira partida de sua seleção.

Ambos são parte de um grupo de 50 a 60 argentinos que conduziram ônibus capengas e peruas a Copacabana durante o último final de semana. O Rio sedia a final do torneio no dia 13 de julho.

O planejamento da viagem começou anos atrás, mas viajar barato era a única opção para lidar com os preços estratosféricos do Brasil e a moeda fraca da Argentina, que perdeu cerca de 20 por cento de seu valor só este ano.

“Nosso dinheiro não vale nada aqui”, reclamou Pérez sobre o Rio, onde um quarto para duas pessoas em um hotel mediano chega a custar 700 dólares durante a Copa.

SEM PROBLEMAS

Embora sua presença tenha incomodado alguns moradores, muitos brasileiros os receberam bem. Ele também não foram molestados pela polícia, disseram vários campistas.

Normalmente não é permitido acampar nas praias centrais do Rio, e os carros devem pagar para estacionar na maior parte da cidade, mas até agora as autoridades fizeram vista grossa à presença dos campistas da Copa.

Um policial militar posicionado perto do grupo argentino disse ser responsabilidade da guarda municipal do Rio agir, e um membro da guarda nas proximidades declarou que só interviria se os campistas causassem problemas.

Entretanto, turistas estrangeiros ficaram contentes de ver um policiamento ostensivo em Copacabana.

"Sentimo-nos seguros aqui," disse Fabián Álvarez, mecânico chileno que dirigiu mais de cinco mil quilômetros de Santiago a Cuiabá, onde viu a seleção do Chile derrotar a Austrália na sexta-feira, e depois ao Rio no dia seguinte.

Álvarez disse ter decidido dormir na van depois de procurar sem sucesso hotéis com preços acessíveis no Rio. Ele planeja gastar cerca de 1 milhão de pesos chilenos (1.790 dólares) durante a viagem, incluindo gasolina, alimentação e talvez mais um ingresso de jogo.

Como a maioria dos campistas, Álvarez afirmou que a excursão é exaustiva, mas que a faria de novo.

“Tudo vale a pena. É tão emocionante quando cantamos o hino no estádio. Fico todo arrepiado”.

17 junho 2014

15 abril 2014

Entrevista com Armínio Fraga

Há poucas semanas, o senador Aécio Neves, candidato dado como certo para disputar a presidência pelo PSDB, oficializou a escolha do economista Armínio Fraga para o posto de coordenador econômico de sua campanha. Nesta série de entrevistas que ouve economistas integrados ao debate político e, não raro, ligados aos partidos, Fraga é o mais engajado. Muitos já o consideram ministro da Fazenda, caso o PSDB ganhe a eleição. Ex-presidente do Banco Central, Fraga diz que ainda não se aprofundou no estudo das propostas, mas o esboço tem pilares claros: fortalecer a política fiscal, ajustar a inflação para o centro da meta, desengavetar a reforma tributária, entre outras medidas que podem exigir ajustes nem sempre populares. Mas ele acredita que o importante é antecipar o que deve ser feito, sem "populismo" eleitoral. "O custo de tomar medidas impopulares é muito menor do que o de não tomar", diz na entrevista que segue.

Como o sr. vê a economia hoje?

Estou vendo um quadro que se quantifica com poucos números. Um crescimento baixo, já entrando pela quarto ano, e a sinalização de que o ano que vem também pode ser difícil por causa dos problemas que estão se acumulando. Ao mesmo tempo, há uma inflação alta, em torno de 6%, já há bastante tempo, mas reprimida. A inflação real anda mais alta. Talvez entre 7% e 8%. Esse não é um quadro bom. Há também o fato de que o déficit em conta corrente do Brasil caminha para 4% do PIB no momento em que os Estados Unidos segue para a normalização da taxa de juros e, eventualmente, a China deve desacelerar. Isso também é uma questão, especialmente porque a taxa de investimento do País não está aumentando. Agora está acontecendo um movimento no mercado - que eu diria ser técnico, com recursos mais de curto prazo, indo para um lado ou para outro, mas isso não deve trazer um grande conforto. O quadro geral ainda não é tranquilo lá fora. Olhando aqui para dentro no Brasil, hoje o governo concede 60% do crédito, que incorpora ainda repasses do BNDES. Há não muitos anos eram 40%. É um modelo testado por nós, testado por vários outros países que tende a não entregar o resultado que se quer - tanto do ponto de vista de produtividade, da qualidade das decisões de crédito e financiamento que são tomadas, quanto do ponto de vista do risco. O exemplo radical são os Estados Unidos com as grandes do mercado de hipotecas, Fannie Mae e Freddie Mac (empresas privadas, mas com propósito público, que eram implicitamente garantidas pelo governo), que tiveram uma participação fundamental na bolha - uma senhora bolha. Mesmo nos países mais maduros, essas lições permanecem válidas. Há outros temas, de caráter mais setorial. Energia está no topo da lista. Estamos correndo um risco muito grande nessa área. Os dados, infelizmente, vêm piorando. É grave a questão. O setor de petróleo é outro bem conhecido. À Petrobrás foi designado o papel de grande locomotiva do setor, mas, ao mesmo tempo, o governo vem asfixiando o fluxo de caixa da empresa. Para não falarmos de outras intervenções, como o mix de política industrial, política setorial também. Enfim, que não vem dando resultado. Talvez fosse até previsível. Em paralelo, estamos vivendo a crise no setor de etanol - o que é uma tristeza. O setor tem tudo para ser um líder global. Esse é um setor menos antipático ao meio ambiente do que o do petróleo, que o dos combustíveis fósseis. Estamos na situação singular de subsidiar o setor de combustíveis fósseis - algo que vai na contra mão da recomendação técnica. A determinação é taxar e não subsidiar, porque esse setor produz um efeito negativo para a sociedade. Esse é o típico caso em que se recomenda fazer o oposto do que estamos fazendo. A infraestrutura também é uma área que apresenta muitos desafios. Nesse caso, a visão é que temos uma moeda com dois lados. Por um lado, a infraestrutura virou um gargalo seriíssimo em praticamente todas as suas dimensões - e, portanto, é uma barreira ao crescimento. Mas ela deveria ser uma fantástica oportunidade. Eu acho que se os futuros governos acertarem a mão nas questões regulatórias e em outras que influenciam esse setor, eu penso que ele pode virar ao nosso favor. Mas, nesse momento, é um problema. O resumo é o seguinte, pensando de uma maneira mais esquemática: a minha leitura é que hoje nós temos uma macroeconomia que está perdendo as âncoras. A área fiscal perde credibilidade, o chamado tripé certamente está bem fragilizado. A microeconomia, que deveria funcionar mais livre, apostando na concorrência, sofre por estar muito amarrada - e amarrada na parte que cabe ao governo. Portanto, temos dificuldades em buscar mais produtividade. Subindo ainda mais um nível nesse esquema, penso que isso tudo espelha uma grande crise no Estado - um Estado que vem continuamente crescendo, mas não tem sucesso em entregar aquilo que se espera dele. A qualidade da educação avança lentamente. A população se queixa muito dos serviços de saúde. Hoje um tema absolutamente vivo e importante é o da segurança. No geral, seria preciso atacar essas questões. Claro que ninguém ainda inventou uma fórmula para fazer transplante de Estado - essa é uma questão de prática. São os governos que vão, aos poucos, melhorando ou piorando as instituições de um país - e o governo precisa cuidar disso melhor. Não há exemplo de país que tenha se desenvolvido sem um Estado bom. Pode ser pequeno ou médio. Eu sou cético em relação a ideia de que um País como nosso pode e se desenvolver com um Estado grande demais. Um país precisa crescer, precisa distribuir também, com certeza, mas eu não vejo o mundo social como um jogo de soma zero. É preciso balancear as coisas. Mas eu vejo o nosso modelo falhando, tanto pelo lado da distribuição, que ainda é muito ruim, como pelo lado do crescimento. Diga-se de passagem, não acho que os dois sejam incompatíveis. Ao contrário. Mas é preciso estruturar o funcionamento do Estado para que ele atinja esses objetivos - e nesse momento, eles não estão sendo atingidos. 


O que, na sua avaliação, pode acontecer por causa dos problemas que descreveu?

Eu vejo várias dimensões, como já mencionei. Algumas delas mais dramáticas, outras menos. Eu colocaria no topo da lista hoje a questão da energia. Na medida que a água atingir um certo nível - e já estamos quase lá - provavelmente será preciso organizar um pouco as regras do setor. A política de subsidiar ou reduzir de maneira artificial o custo da energia aponta na direção de mais escassez lá na frente. Não ajuda. Há que se tomar muito cuidado. Se nós tivermos o azar de as chuvas continuarem fracas, será preciso tomar providências o quanto antes. Isso é delicado porque o tema é facilmente misturado com a política - mas é inevitável que seja assim. Faltou planejamento. Esse setor deveria trabalhar com flexibilidade para aguentar não um ano de seca, mas três. Essa era a regra dos especialistas. A energia é o caso em que poderia haver um problema maior - os outros casos não são tão dramáticos, mas são igualmente sérios. O governo vem esticando a corda em várias áreas da chamada macroeconomia. Chega um ponto em que o cobertor fica curto. Eu penso que chegamos a esse ponto. O caso da Petrobrás é um exemplo. Descapitalizaram a empresa. O governo precisa arrumar recursos de outra maneira. Isso gera subsídios. No setor elétrico, por exemplo, os custos elevados de sustentar esse modelo, as estimativas variam, mas os consumidores já estão sentindo o custo das termoelétricas. É grave. O custo é grande. Então: de um lado a inflação preocupa, do outro lado, o impacto fiscal preocupa. Assim, há uma sensação geral de perda de confiança que vem paralisando bastante o investimento. Esse é um caminho mais lento em direção ao futuro - e lento numa direção ruim. Estamos em um ano de eleição. Tipicamente, em anos de eleição, os governos são mais flexíveis na condução das políticas. Aconteceu em 2010. Só que, neste ano, o governo já entra com dificuldades. O saldo do primário já vem sendo atingido com receitas não recorrentes e alguns artifícios de natureza contábil, mas é preciso dar uma resposta mais clara, até para que, mais adiante, seja possível retomar a trajetória de queda da taxa de juros, que voltou a níveis muito elevados. Essa, ao meu ver, é uma boa forma de se pensar o que precisamos num regime macroeconômico. Eu venho dizendo, já há algum tempo, que o Brasil tinha que ter como objetivo juros de BNDES para todo mundo. O Pérsio Arida (um dos economistas que idealizou o Plano Real), numa palestra recente, sugeriu que o conjunto das políticas macroeconômicas se voltasse para atingir esses objetivos também. Ou seja: ter juros mais normais no Brasil. Esse é um quadro que sugere o esgotamento de um modelo. Já vivemos isso na nossa história. Modelos se esgotam. Isso é percebido por analistas, mas, normalmente, se encontra muita dificuldade na hora de mudar. Os modelos, por piores que sejam, têm sempre ganhadores - e os ganhadores se agarram aos modelos e procuram evitar as mudanças. É uma questão de economia política. Isso aconteceu conosco na década de 70, quando o Brasil procurou esticar o modelo que já não era capaz de entregar resultados. Deu no que deu. Naquela época foram crises de balanço de pagamento, inflação e tudo mais. Não quero dizer que a situação é igual. Mas é fato que o Brasil hoje está vulnerável e precisa mudar. Essa segunda dimensão de crise é mais difusa porque são vários fatores agindo ao mesmo tempo. E ainda temos a possibilidade de 2015 ser ainda um ano com baixo crescimento. Há tensões políticas e sociais. São quadros complexos, mas que tem no fundo essa linha - é preciso mudar.

Levando em conta essas questões de curto prazo, o que o governo precisa fazer na largada em 2015 para resolver os problemas?

Cabe uma resposta bem ampla - talvez mais ampla do que possamos detalhar aqui. Eu começaria com o lado macroeconômico. Começaria com um reforço muito transparente das bases do tripé. Deveríamos ter metas claras e transparentes para a contabilidade do saldo primário. As metas deveriam ser plurianuais. Haveria também um comprometimento com a normalização dessa situação de inflação reprimida e, ao mesmo tempo, a busca de convergência para a meta. Se as duas ações são coerentes, elas se reforçam. Nos últimos anos, o Brasil viveu momentos difíceis em que a política fiscal era expansionista, a política de crédito público - que é muito relevante aqui no Brasil - era também expansionista e o Banco Central tentava, do seu lado, enxugar a demanda e segurar a inflação. Eu penso que esse reforço traria um grau de coerência. Racionalizar a atuação dos bancos públicos faria parte dessa equação. Do lado macro, isso ajudaria a reduzir o prêmio de risco que o Brasil paga. Quando o Brasil paga mais, todas as empresas que estão aqui pagam mais, todas as pessoas que vivem aqui pagam mais também. É algo muito direto. No lado que nós podemos chamar de micro, eu penso que há necessidade de abrir mais frentes. Na infraestrutura, ao meu ver, seria necessário um trabalho detalhado em cada área, repensando o que vem sendo feito, procurando estimular o debate e o entendimento sobre porque as coisas não estão acontecendo. Penso que há dimensões que são de arquitetura - do desenho mesmo. Mas tem também o lado da execução. É preciso repensar o modelo com o setor privado em diferentes áreas. Em vários casos, pode caber privatização. A agenda da infraestrutura é muito ampla - inclui portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, energia, telecomunicações, saneamento. Inclui praticamente tudo da nossa infraestrutura. Mas existem vários outros temas. O Brasil precisa, urgentemente, pensar numa reforma tributária que simplifique o sistema. Isso envolveria, essencialmente num primeiro momento, todo o aparato de tributação indireta. ICMS. IPI. Organizar e simplificar seria muito bom. Cabe mencionar que, ao meu ver, o crescimento da carga tributária precisa ser limitado. Para isso, volto um pouquinho ao lado macro - o Brasil precisa também adotar um limite para relação gasto público e PIB.

Por lei?
Por lei ou por decisão de governo, num primeiro momento. Mas é preciso trabalhar para isso. Hoje, para um País de renda média, nos temos uma carga tributária muito elevada. Isso é contraproducente. Isso está dentro daquela ideia de que a economia precisa continuar trabalhando para melhorar a distribuição de renda desse País - que é terrível ainda - mas, ao mesmo tempo, precisa também criar condições para que a taxa de investimento também aumente, para que o País seja mais produtivo. São muitos os assuntos nesse mundo que chamo de micro. É muito trabalhoso. Mas não creio que seja um bicho de sete cabeças. Dá para fazer se tivermos uma agenda e também pessoas capazes ocupando posições chaves. É um desafio enorme de RH também.

Qual seria o teto de crescimento do gasto público?

Os gastos teriam que crescer igual ou abaixo do PIB. E na trajetória que está os gastos crescem mais que o PIB...
Há muito tempo - e isso é natural. A sociedade tem demandas. Por mais que tenha crescido e melhorado muito nos últimos 20 anos, o Brasil ainda é um País carente. Mas é fato que se você fizer uma pesquisa vai identificar que a sociedade quer tudo. Mas isso é uma grande ilusão. É preciso pensar a coisa de uma forma dinâmica. Instantaneamente, você pode até tentar alocar mais. Mas olhando a trajetória para frente, esse não é o melhor modelo. É um trabalho difícil, mas politicamente importante. Precisa ser feito com transparência. É típico em momentos de eleição a gente ouvir propostas em que a conta não fecha. Dizem: eu quero 10% para cá, outros 10% lá, mais 10% aqui. Você vai fazer a conta e não fecha. E vem: vou ter de aumentar a carga tributária em tantos pontos do PIB. Sinceramente, para um País como o nosso, é difícil imaginar como isso possa acontecer. É um tema difícil. Eu não sou político. Vejo apenas a necessidade de um debate honesto. Não populista.

Qual seria o tamanho do esforço fiscal?

Acho que será preciso fazer um levantamento da situação. Não dá para arriscar um número agora. Mas acho que o Brasil precisa de uma meta positiva para o saldo primário, talvez maior um pouco do que ela é hoje, nem que seja um tempo. E essa meta deve ser plurianual. Essa parte é menos difícil. O tema do crescimento do gasto é complexo. Não podemos nos iludir. Mas esse tem que ser um objetivo a perseguir com rigor e, se for necessário, com a proposição de reformas também. Não tenho um programa pronto aqui para discutir.

Em que campos as reformas?

Eu penso que em todas as dimensões do gasto. Antes de tudo, é preciso mapear para, depois, tomar as decisões. Hoje eu presto uma assessoria ao senador. Estudo e acompanho o que acontece no Brasil, mas continuo dedicando uma parte do meu tempo à minha empresa. Mais adiante, se ocorrer uma mudança, e eu participar, com a eleição do senador Aécio, seria o caso de eu e muitos outros refinarmos essas questões. Mas elas estão na categoria de questões polêmicas que se prestam ao populismo que, ao meu ver, não agregam nada à qualidade da discussão e ao próprio eleitor. Eu estou sendo um pouco cuidadoso porque acho que é impossível negar a importância disso. Mas ir além é perigoso.

O próprio Aécio falou que está disposto a tomar medidas impopulares...

Sim, falou. Mas o que ele não falou - e eu não tenho procuração para falar por ele - é que o custo de tomar as medidas por ventura impopulares é muito menor do que o de não tomar. As pessoas têm de cair na real.

Continua aqui

08 abril 2014

Crianças com medo de matemática

Tunisia, Argentina, Brazil and Thailand are home to some of the world’s most math-phobic 15-year-olds.
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Levels of “mathematics anxiety” in those countries were the highest among the nations tracked by the OECD as part of the Program for International Student Assessment (PISA) tests that the organization coordinates.
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The chart below shows Tunisian teenagers are most anxious about math among those tested, and the Netherlands as the least, with the Czechs and Slovaks closest to the OECD average.
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-Tunisian-kids-are-some-of-the-world-s-most-anxious-about-math-OECD-index-of-math-anxiety_chartbuilder (1)
The OECD concocted this index based on responses to a series of questions students around the world were asked as part of the PISA exams. The questions were intended to gauge the level of stress students felt about math. Here’s an example.
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I-get-very-tense-when-I-have-to-do-mathematics-homework-PISA-respondents-that-agree-or-strongly-agree_chartbuilder (1)
Why bother measuring math anxiety? Because it tends to be associated with poor performance in mathematicsSome believe this is because the mind is so occupied with worrying about math that it has less bandwidth to actually work on the math problems at hand. The result? Students choke.
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It’s worth noting that while high levels of math anxiety are associated with low performance, the converse isn’t true. In other words, low levels of anxiety are not linked with high performance in mathematics. In fact, the students from top-performing countries in mathematics—such as China, Singapore and Korea—are slightly more anxious about math than the average OECD student.
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The key to math success seems to be combining a manageable amount of worry with a tendency toward perseverance and a belief in hard work. The PISA exam also presented a series of questions to students that attempted to gauge their level of perseverance. The OECD laid out their findings on those topics here.
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Students who reported that they continue to work on tasks until everything is perfect, remain interested in the tasks they start, do not give up easily when confronted with a problem, and, when confronted with a problem, do more than is expected of them, have higher scores in mathematics than students who reported lower levels of perseverance.