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27 novembro 2015

DFC no setor público

A construção da Demonstração dos Fluxos de Caixa no setor público é uma das normas legais que não “pegaram”. Desde que se começou a falar na padronização das normas contábeis do setor público a DFC, como é conhecida, tornou-se um dos objetivos dos reguladores. Entretanto, anos depois das primeiras normas, não se tem notícia de uma unidade da administração pública que elabore e divulgue esta informação. E existem boas razões para que isto aconteça tanto de ordem conceitual quanto de ordem prática.

Uma grande dificuldade de construir esta informação num repartição pública é como definir a entidade. E o conceito de entidade é crucial para a correta elaboração da DFC no setor público. Considere um caso bem simples de uma agência reguladora possui uma folha salarial que é processada e paga pelo órgão da fazenda ou similar. Nesta situação, os valores das despesas de salários devem constar da DFC da agência reguladora ou do órgão da fazenda? Neste caso, para fins de informação para o usuário, talvez fosse interessante considerar a despesa de salário na agência reguladora. Para complicar, alguns funcionários da agência reguladora podem ter sido cedidos para outros órgãos públicos, uma situação bastante comum no setor público. Em alguns casos, a cessão pode gerar uma retribuição, mas em muitos casos não existe nenhuma retribuição pelo empréstimo do funcionário.

Considere uma situação bastante comum de um órgão público cuja origem dos recursos seja os tributos recolhidos pelo governo. Estes recursos são de natureza operacional, de financiamento ou de outra espécie? Se considerarmos sua classificação como operacional e dado que os desembolsos devem estar relacionados com as atividades do órgão, é bem provável que o fluxo de caixa das operações seja zero. Isto naturalmente conduz ao questionamento sobre o grau de utilidade desta informação. Muito provavelmente o orçamento realizado seja muito mais útil que a DFC para a maioria do setor público.

As situações apresentadas anteriormente são casos comuns e servem para exemplificar a dificuldade teórica da DFC no setor público. O próprio conceito de entidade no setor público, apesar de extensamente estudado, ainda é passível de críticas e considerações (1).

Os problemas de ordem prática são os mais diversos possíveis. Enquanto que na contabilidade empresarial é bastante comum a utilização do método direto, sendo possível construir uma DFC razoavelmente precisa tendo por base nas demonstrações contábeis, o mesmo não ocorre na área pública (2). O balanço patrimonial, que é bastante intuitivo nas empresas, é incompreensível para a maioria dos mortais que se aventuram na área pública. O balanço público é composto por arcaísmos expressos nas “contas de compensação”, que possui validade questionável. Além disto, não existe uma ligação tão clara e direta com a demonstração do resultado do exercício, a exemplo que ocorre na contabilidade societária. As notas explicativas, uma importante fonte de informações nas informações de empresas privadas, são algo raro de ser ver na área pública. Em razão das suas características, é muito provável que o método direto seja mais fácil de ser utilizado no setor público.

(1) Um dos estudos mais aprofundados sobre este assunto é a dissertação de mestrado de João Pederiva.
(2) A elaboração da DFC a partir das demonstrações contábeis pode ser encontrada no livro Administração do Capital de Giro, de Alexandre Assaf Neto e César Augusto Tibúrcio Silva.

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