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06 outubro 2025

Poema com chave de fenda


Como toda IA de aprendizado profundo, ele vasculha a base disponível (aqui, textos “raspados” de fontes on-line) em busca de correlações e padrões. Se você pedir um soneto de amor, é provável que apareçam mais palavras como “para sempre”, “coração” e “abraço” do que “chave de fenda” (a menos que você peça um soneto sobre uma chave de fenda — e sim, admito que acabei de fazer isso; o resultado não foi bonito). O algoritmo não tem noção de que “amor” e “abraço” são semanticamente relacionados. O impressionante no ChatGPT é como ele consegue não apenas suavizar a sintaxe nessas associações de palavras, mas também criar contexto. Acho improvável que “Você é o parafuso que me mantém firme” já tenha aparecido em um soneto escrito por um humano (e por boas razões) — mas ainda assim me impressiona que se possa entender aonde ele quer chegar. (O ChatGPT também faz trocadilhos, embora eu assuma a culpa por esse.) (...)

Se o ChatGPT produz uma redação escolar crível, é porque estamos propondo aos alunos uma tarefa equivalente: entregar fatos geralmente aceitos, com alguma aparência de coerência. A redação estudantil já tende a ser formulaica a um grau quase algorítmico, codificada em siglas: PEE(L) — Ponto-Evidência-Explicação-(Ligação), ou PEEA(C) — Ponto-Evidência-Análise-(Contexto). Não só se diz aos alunos exatamente o que colocar e onde, como eles correm o risco de perder pontos se se afastarem do modelo. A educação atual recompensa a capacidade de argumentar por linhas previsíveis. Há alguma lógica nisso, assim como estudantes de arte vão a galerias para copiar grandes obras, aprendendo as habilidades sem a exigência pesada e irreal de ter que ser original.

Mas é só isso que queremos? Rowsell diz que é difícil para professores ou educadores encarar a questão, já que as engrenagens dos sistemas educacionais costumam continuar girando simplesmente porque “sempre fizemos assim”. Um mergulho no ensino da caligrafia cursiva, por exemplo, revela que não há justificativa clara além da tradição. Mas talvez agora seja a hora certa de fazer essa pergunta difícil.

(...) E, assim como calculadoras eletrônicas liberaram tempo e espaço mental antes monopolizados por aprender logaritmos para multiplicações complexas, grandes modelos de linguagem podem libertar alunos de ter que dominar minúcias de ortografia, sintaxe e pontuação, para que possam focar nas tarefas de construir um bom argumento ou desenvolver ritmo e variedade nas frases.

A ausência de imaginação, estilo e flair torna, por sua vez, os grandes modelos de linguagem nenhuma ameaça aos ficcionistas: “É a dimensão estética da escrita que é realmente difícil para uma IA emular”, diz Rowsell. Mas é justamente isso que pode torná-los uma nova ferramenta importante.

Por exemplo, suspeito que ajudaria os alunos a ver o que faz uma história ou um ensaio ganhar vida se eles tivessem que melhorar a produção chocha do ChatGPT. Talvez, de modo semelhante ao que alguns músicos fazem usando IA geradora de música como fonte de abundante matéria-prima, grandes modelos de linguagem possam fornecer germes de ideias que escritores podem peneirar, selecionar e lapidar.

Aqui, como em outros lugares, a IA nos serve de espelho, revelando em suas limitações o que não pode ser automatizado nem algoritmizado — em outras palavras, aquilo que constitui o núcleo da humanidade.

 

 

  

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